Por que casos de câncer de mama entre jovens têm aumentado e são mais
agressivos
Em janeiro de 2023, Bianca Lopes, de 23 anos,
recebeu o diagnóstico de câncer de mama em estágio 3. A confirmação da doença
veio cerca de dois meses após a jovem de Fortaleza sentir um caroço na mama
esquerda.
"Nunca me ensinaram a fazer o autoexame, mas
acabei aprendendo com campanhas e fazia sempre."
Com a notícia, ela precisou organizar a vida de uma
forma que nunca tinha imaginado fazer sendo tão jovem.
"Tinha acabado de casar, em processo de
mudança para apartamento novo, ser promovida e estávamos com planos de sermos
pais em 2024. Precisei me afastar da empresa, e adiar o sonho de ser mãe, e
acabei não me mudando", conta Lopes.
"Tive muito medo. Minha rede de apoio foi
fundamental."
Após 16 sessões de quimioterapia e a retirada
cirúrgica das duas mamas, Bianca está em remissão e atualmente faz tratamento
médico com bloqueadores hormonais buscando evitar a recorrência de tumores.
Casos como o de Bianca, de cânceres de mama em
mulheres jovens, ainda são minoria — mas vêm aumentando.
É o que mostram tanto estudos internacionais quanto
outros feitos especificamente com brasileiras.
Uma pesquisa publicada no periódico científico BMJ
Oncology que analisou diferentes tipos de cânceres mostrou que o início precoce
(diagnóstico abaixo de 50 anos) aumentou 79,1% entre 1990 e 2019, saltando de
1,82 milhão para 3,26 milhões.
No Brasil, o Observatório do Câncer, um registro
que reúne dados dos pacientes tratados no A.C. Camargo Cancer Center entre os
anos de 2000 e 2020, mostra que o número de casos de câncer de mama em mulheres
jovens (abaixo dos 40 anos) é de 11,9%.
Ao todo, foram 13.385 casos tratados na instituição.
Desses, 1.594 eram mulheres jovens. O estudo ainda apontou que dentre as
pacientes com menos de 40 anos, 11% estavam com câncer in situ — com o tumor
presente apenas no local inicial. As outras 89% já estavam com câncer invasivo.
Publicada no JAMA, outra pesquisa apontou um
aumento de 19,4% nos diagnósticos entre 2010 e 2019 entre americanas de 30 a 39
anos, e de 5,3% entre mulheres de 20 a 29 anos.
O câncer de mama é considerado 'jovem' quando
acontece em pessoas com menos de 50 anos.
"Aproximadamente 90% dos casos acontecem em
mulheres entre 50 e 69 anos. Aos chegar aos 50 anos, qualquer mulher, apenas
pelo sexo biológico, já tem 12% de chance de ter a doença", explica o
mastologista Renato Cagnacci Neto, coordenador da Comissão de Neoplasias da
Mama da Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncológica e médico do A.C. Camargo
Cancer Center.
O especialista descreve que depois deste, o grupo
mais afetado são mulheres com idade entre 40 e 50 anos.
"As ainda mais jovens são consideradas casos
mais raros."
• Como
surge o câncer em jovens
Para uma célula cancerígena surgir, é necessário
que haja um dano no DNA — algo que desestabiliza uma célula que antes era
saudável.
Esse mecanismo de dano no DNA, explica Cagnacci
Neto, pode ocorrer de duas maneiras. A primeira delas é adquirir esse defeito
ao longo da vida devido a diversos fatores, como estilo de vida pouco saudável,
falta de exercício físico, má alimentação e tabagismo.
"A razão pela qual as pessoas têm mais câncer
entre os 50 e 69 anos de idade é o tempo de suas vidas pelo qual elas foram
constantemente expostas a agressões. Esses fatores de risco mencionados
anteriormente causam danos no DNA e levam ao surgimento do câncer, o que
chamamos de câncer esporádico."
A outra, que explica o surgimento da doença em
jovens, tem a ver com uma predisposição ao câncer.
"Existe uma forte associação com a presença de
um defeito genético desde o nascimento. Quando alguém nasce com esse defeito
genético, desde a infância, está sujeito a uma propensão para o desenvolvimento
da doença."
No caso de Bianca, embora não houvesse histórico
familiar de câncer de mama, uma consulta com uma médica geneticista revelou que
ela possui uma mutação no gene CHEK2, que está relacionada a um risco duas
vezes maior de desenvolver câncer de mama em mulheres.
Um fator que poderia estar contribuindo para mais
mulheres jovens sofrerem com a doença, de acordo com a ginecologista obstetra e
mastologista Karina Belickas Carreiro, é o fato de a maternidade tardia ter se
tornado mais comum, privando as mulheres de um dos fatores protetivos contra o
câncer de mama, a amamentação.
Durante a amamentação, os níveis de estrogênio, um
hormônio que está relacionado ao crescimento das células de câncer de mama,
diminuem no corpo da mulher. Menos exposição a esse hormônio ao longo da vida
reduz o risco de câncer de mama — ainda que não seja uma garantia de que essa
mulher não terá câncer.
Além disso, de acordo com o Instituto Nacional do
Câncer (INCA), os processos que ocorrem na amamentação promovem a eliminação e
renovação de células que poderiam ter lesões no material genético diminuindo
assim as chances de câncer de mama na mulher.
"Não é o caso de todas, mas há uma
transformação notável no perfil das mulheres. Atualmente as mulheres têm filhos
em uma idade mais avançada e amamentam por um período mais curto, ou até mesmo
algumas não têm filhos até os 35 anos, o que é uma mudança significativa em
comparação com o passado", explica Carreiro, uma das responsáveis por um
estudo do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (ICESP) que avaliou 493
mulheres jovens diagnosticadas com câncer de mama.
O mastologista Renato Cagnacci Neto acrescenta
ainda as mudanças no acesso dos serviços de saúde como uma das possíveis razões
para o aumento nos casos.
"O acesso à saúde ficou melhor nas últimas
décadas, assim como o acesso à informação, especialmente com a facilidade de
informações disponíveis na internet. Esses fatores contribuem para um maior
número de diagnósticos, portanto, essa tendência de aumento do câncer não pode
ser atribuída apenas a fatores biológicos."
• Por
que o câncer de mama em mulheres mais jovens é mais agressivo
Em sua pesquisa, a médica e seus colegas notaram
que as pacientes examinadas, abaixo dos 41 anos, tinham, em sua maioria,
tumores mais agressivos do que mulheres com 50 anos ou mais.
Na avaliação da autora, isso pode ser atribuído à
demora na detecção e também ao próprio perfil dos tumores em mulheres jovens,
que muitas vezes são mais agressivos e têm uma evolução mais rápida.
Mutações genéticas, como a mutação no gene chamado
BRCA, que a atriz Angelina Jolie possui, são bem conhecidas por estarem
relacionadas ao câncer em mulheres mais novas.
De acordo com o mastologista Renato Cagnacci Neto,
essas mutações costumam estar ligadas a cânceres mais agressivos.
Um exemplo é o câncer de mama negativo para
receptores hormonais, que tem crescimento mais rápido e há menos opções de
tratamento. Outro tipo é o câncer de mama HER2 positivo, no qual as células
cancerosas possuem um receptor chamado HER2, que estimula um crescimento mais
agressivo do câncer.
"Mas se uma mulher jovem tiver um subtipo de
câncer de mama menos agressivo, como o subtipo luminal A, seu tratamento tende
a ser mais eficaz, e a probabilidade de cura é alta."
Em casos nos quais os tumores são mais agressivos,
o tempo é especialmente importante. Quanto mais cedo a doença é descoberta,
melhor é o prognóstico.
"Ao analisar os dados da nossa pesquisa, ficou
evidente que as mulheres estavam sendo negligenciadas em relação ao tempo
transcorrido desde a percepção dos sintomas até o diagnóstico do câncer",
afirma a médica Karina Belickas Carreiro.
O estudo apontou que o período de espera médio era
de aproximadamente seis meses.
"A maioria das mulheres notava alguma
alteração em seu corpo, mas muitas vezes não atribuíam a devida importância a
essas mudanças, ou quando buscavam uma consulta, o médico não considerava a
possibilidade de câncer devido à ideia errônea de que mulheres jovens não
poderiam desenvolvê-lo."
"Como resultado, a resposta ao tratamento para
duas mulheres com tumores de tamanho semelhante, uma mais jovem e outra entre
49 e 60 anos, era frequentemente desigual, com a paciente mais jovem tendo um
prognóstico menos favorável."
• Rastreamento
por exames não é indicado para mulheres com menos de 40 anos
O aumento da incidência de câncer de mama em
mulheres jovens levanta questões importantes sobre o rastreamento.
Para jovens como Bianca e outras que tenham até 39
anos, a única recomendação é o autoexame e a busca imediata de avaliação médica
caso note algum sinal.
Os principais sintomas do câncer de mama incluem a
presença de um nódulo ou espessamento no seio, mudanças na forma ou tamanho do
seio, dor persistente, alterações na pele do seio, como vermelhidão, inchaço ou
retração, descarga anormal do mamilo, alterações no mamilo, como inversão, e o
surgimento de caroços nas axilas.
Para pacientes jovens de alto risco, como aqueles
com mutações genéticas ou histórico familiar de câncer de mama, Carreiro aponta
que existem orientações específicas para o rastreamento, que podem incluir
exames de ressonância magnética, ultrassom e mamografia.
Diversas sociedades médicas brasileiras e
internacionais, incluindo a Sociedade Brasileira de Mastologia, defendem a
realização do primeiro exame aos 40 anos. Na rede de saúde particular, o
rastreamento é iniciado a partir desta idade.
A recomendação atual do Ministério da Saúde, por
sua vez, é que os exames devem ser feitos a partir dos 50 anos, com repetição a
cada dois anos para mulheres até os 69 anos ou em intervalos menores conforme o
resultado da mamografia anterior.
"A diretriz do governo é baseada em custos.
Realizar o rastreamento de todas as mulheres a partir dos 40 anos de idade
requer recursos significativos - que podem impactar em outros rastreamentos e
tratamentos de doenças - e uma logística complexa. É necessário disponibilizar
mamógrafos em todo o país e organizar a distribuição de maneira
eficiente."
"Começar o rastreamento nessa faixa etária
envolve um custo mais elevado para detectar um número menor de casos. Por outro
lado, como médico e não como administrador, avaliando dados científicos, afirmo
que realizar o rastreamento a partir dos 40 anos de idade é o ideal. Embora
sejam menos casos, essa prática pode salvar vidas", diz ele, recomendando
que mulheres que não tenham restrições econômicas ou pessoais façam o exame a
partir desta idade.
De acordo com a pesquisadora do ICESP, a maioria
das pessoas não segue essas recomendações, mesmo a partir dos 40.
"Portanto, é importante focar primeiro em
aumentar a conscientização e educação sobre a importância do autocuidado e da
detecção precoce, independentemente da idade. Encorajar as mulheres a procurar
ajuda médica se detectarem qualquer alteração nos seios é o primeiro
passo."
"A ampliação do rastreamento em populações
jovens pode ser considerada, mas requer uma análise cuidadosa e um plano de
implementação de longo prazo."
Fonte: BBC News Brasil
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