De cada dez municípios, três não têm recursos próprios para se manter
Um terço dos municípios brasileiros não têm
recursos próprios para manter a estrutura da prefeitura e da câmara municipal.
Mais de 40% deles estão com as contas públicas em situação crítica ou difícil.
Os dados constam do estudo Índice Firjan de Gestão Fiscal (IFGF), divulgado
nesta terça-feira (31) pela Federação das Indústrias do Estado do Rio de
Janeiro (Firjan).
Os especialistas analisaram dados referentes a 2022
de 5.240 municípios onde vivem 97,1% da população. As informações foram
disponibilizadas pelas prefeituras, de acordo com o que determina a Lei de
Responsabilidade Fiscal (LRF). Ficaram de fora do estudo 328 municípios que não
cumpriram a determinação dentro do prazo ou apresentaram dados
inconsistentes.
• Classificação
Para classificar a situação das prefeituras, a
Firjan analisa quatro indicadores: autonomia, gasto com pessoal, liquidez e
investimentos. Com base nos resultados apresentados, os municípios recebem uma
nota que vai de zero a um.
A situação das cidades é classificada como crítica
(menor que 0,4), difícil (entre 0,4 e 0,6), boa (entre 0,6 e 0,8) ou de
excelência (superior a 0,8 ponto).
Nota crescente
A média nacional foi de 0,6250 ponto. Desde 2013, é
a primeira fez que o índice alcança a marca de boa gestão. Essa edição
apresentou a quinta alta seguida e o maior valor da série histórica. Entre 2017
e 2022, o IFGF pulou de 0,4075 para 0,6250.
Considerando apenas as capitais, o índice de 2022
chega a 0,7452. Salvador é a que tem o melhor desempenho (0,9823 ponto).
Completam a lista na categoria gestão excelente Manaus (0,9145), São Paulo
(0,8504), Vitória (0,8412), Curitiba (0,8350), Recife (0,8320) e Aracaju
(0,8116). A pior foi Campo Grande (0,3906 ponto), única no nível crítico.
Contas públicas
IFGF mostra 41,9% das cidades analisadas com as
contas em situação crítica (15,9%) ou difícil (26%). Na outra ponta, 36,3% têm
a gestão considerada boa, e 21,9%, avaliadas com excelente.
A proporção de prefeituras com o quadro crítico ou
difícil representa 2.195 prefeituras. Esse número está abaixo do registrado na
edição anterior da pesquisa, referente a 2021, quando eram 2.538.
Os pesquisadores da Firjan ressaltam que os dados
do levantamento estão influenciados por efeitos ligados à recuperação
pós-pandemia, que funcionaram como uma demanda reprimida que fizeram crescer a
economia, e, consequentemente, a arrecadação.
Outros fatores que beneficiaram as administrações
municipais foram a inflação - que acumulou 16,4% entre 2020 e 2022 - e a alta
da arrecadação de impostos, que ajudaram a inflar o Fundo de Participação dos
Municípios (FPM), principal fonte de receita para a grande maioria dos
municípios.
O FPM é uma transferência constitucional feita pela
União para a distribuição de recursos públicos. No ano passado, alcançou R$ 146
bilhões, o maior valor da série histórica.
“Pontualmente, 2022 foi um ano de receita recorde.
Isso tem Impacto direto no resultado do FPM”, explica o gerente de Estudos
Econômicos da Firjan, Jonathas Goulart.
• Autonomia
O indicador autonomia verifica se as receitas
provenientes da atividade econômica do município suprem os custos para manter a
Câmara de Vereadores e a estrutura administrativa do executivo municipal. O
levantamento mostra que 1.570 prefeituras não se sustentam, ou seja, 30%
precisam da transferência de recursos para funcionar. Esse número está acima do
encontrado na edição 2021 do IFGF, quando eram 1.494.
"A gente está falando de R$ 6 bilhões que
foram utilizados do fundo de transferência desses municípios diretamente para
financiar o custo administrativo. Recursos que poderiam ser utilizados em
educação, saúde, segurança e saneamento”, diz o gerente da Firjan.
A análise desse indicador mostra um Brasil dividido
em dois. As prefeituras do Nordeste (62,4%) e no Norte (42,4%) são as que mais
aparecem na lista de insuficiência de recursos. Já no Sul, são apenas 5,9% das
cidades. Em seguida aparecem Centro-Oeste (11,4%) e Sudeste (15%).
• Gasto
com pessoal
O pagamento de funcionários é outro indicador
analisado pela Firjan. Metade das prefeituras alcançou o grau excelente,
principalmente as do Sudeste (71,9%), Sul (61,6%) e Centro-Oeste (58,3%).
No entanto, 1.066 prefeituras gastaram mais de 54%
da Receita Corrente Líquida (RCL) com a folha de salário do funcionalismo. Ou
seja, ultrapassaram o limite de alerta definido pela LRF. Essas cidades estão
concentradas principalmente nas regiões Nordeste e Norte, onde mais de 40% das
prefeituras estavam em situação crítica.
A Firjan aponta que há uma armadilha fiscal na
administração das prefeituras. Um dos fatores que levam para essa situação,
segundo a federação de indústrias, é o fato de as despesas de pessoal serem de
caráter obrigatório e não flexíveis.
“Ao longo das últimas décadas, em períodos de
crescimento das receitas, existe um ambiente oportuno para expansão das
despesas com pessoal. Entretanto, nos períodos de queda das receitas, não há
mecanismos para redução dessas despesas obrigatórias”, diz o estudo.
Outro fator são decisões no âmbito federal que
causam efeito cascata, por exemplo, aumento no salário mínimo e imposição de
pisos salariais para algumas carreiras, como a enfermagem.
Há ainda o efeito previdenciário. O estudo mostra
do total de 5.570 municípios brasileiros, 2.119 possuem um regime de
aposentadorias e pensões próprio. Mas apenas 688 aplicaram as regras da reforma
previdenciária aprovada em 2019.
Nas cidades que não têm regime próprio, os
trabalhadores são assistidos pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).
“Estima-se que esses municípios acumulam dívida de R$ 124 bilhões junto ao
INSS”, destaca a Firjan.
• Cheque
especial
Um terceiro indicador para apuração do IFGF é a
liquidez das prefeituras, ou seja, a capacidade de terminar com dinheiro na
conta para pagar obrigações postergadas, os chamados restos a pagar.
Aproximadamente 70% dos municípios apresentaram nível de liquidez bom ou
excelente. Por outro lado, 382 prefeituras terminaram o ano sem recursos
suficientes em caixa, é como se tivessem que usar o “cheque especial” para
honrar os compromissos.
• Investimentos
No indicador investimento, as prefeituras
utilizaram, em média, 8% do orçamento para investimentos públicos.
“O contexto de 2022 favoreceu para a elevação do
nível de investimentos públicos nos municípios. Com alta receita disponível, as
cidades apresentaram o maior nível de investimentos de toda a série histórica
do IFGF. Cabe destacar que 1.260 prefeituras conquistaram nota máxima no
indicador”, aponta a Firjan.
O levantamento ressalta, porém, que o Nordeste foi
a única região onde a maior parte dos municípios apresentou baixo nível de
investimentos. No ano passado, 58,8% das cidades estavam com situação difícil
ou crítica.
• Propostas
Para a Firjan, a análise dos números indica um
cenário de alta dependência de transferência de receitas e planejamento
financeiro vulnerável, que se refletem em piora do ambiente de negócios e
precarização de serviços públicos essenciais.
"Os gestores precisam ter em mãos os
instrumentos necessários para administrar de forma eficiente os recursos
públicos nas mais diversas situações econômicas e, assim, superar as
precariedades locais. Infelizmente, as regras do federalismo fiscal, da forma
que estão colocadas, reforçam a baixa autonomia das prefeituras e engessam o
gasto público", avalia Goulart.
Entre os caminhos para fazer com que as
administrações municipais tenham as contas públicas mais sustentáveis, os
economistas da Firjan sugerem uma reavaliação do FPM.
“Quando a gente olha só para população, a gente não
consegue distribuir recursos para aqueles municípios que, de fato, não se
sustentam, não têm capacidade de gerar receita. O ideal seria o FPM ser
distribuído olhando, como principal variável, a capacidade das prefeituras de
gerarem receita local”, sugere Nayara Freire, especialista em estudos
econômicos da Firjan.
Outro ponto passa pela responsabilização dos
gestores que não cumprem limites de gastos determinados pela LRF.
“O contexto extraordinário da pandemia flexibilizou
as exigências fiscais devido ao estado de calamidade pública. No entanto, com o
fim desse cenário atípico, é essencial que as boas práticas de responsabilidade
fiscal sejam revisadas”, pede o relatório.
A Firjan defende ainda a aprovação da reforma
tributária, que tramita no Senado. O texto prevê que a cobrança de impostos se
dará no destino, ou seja, no local onde ocorre o consumo final. “Essa mudança
pode contribuir para maior arrecadação da maioria das cidades brasileiras”,
prevê o estudo.
Fonte: Agência Brasil
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