sexta-feira, 14 de fevereiro de 2025

Um Reflexo das Desigualdades Sistêmicas na Petrobrás

A Petrobras, empresa estatal de maior relevância estratégica para o Brasil, deveria refletir, em sua estrutura máxima de governança, a diversidade demográfica e regional do país. Uma breve análise dos perfis dos atuais membros do Conselho de Administração, do Conselho Fiscal (incluindo suplentes) e da Diretoria Executiva, no entanto, expõe um cenário totalmente alheio à realidade nacional: uma concentração esmagadora de pessoas vinculadas à região Sudeste; sub-representação feminina (apenas 7 mulheres em 29 cargos); e, para a surpresa de ninguém, um total de ZERO pessoas pretas ou indígenas, além de um número reduzido de pessoas pardas. Esses dados não são meramente numéricos: revelam dinâmicas estruturais que influenciam diretamente as decisões estratégicas da empresa, reforçando vieses geográficos, de gênero, raciais e, portanto, também econômicos e sociais.

A distribuição dos vínculos dos membros da alta administração da companhia a Unidades da Federação (UF)] revela que as unidades federativas mais bem representadas são: Distrito Federal (11 membros), Rio de Janeiro (10), São Paulo (8), Minas Gerais (5) e Rio Grande do Sul (3); membros vinculados a estados das regiões Norte e Nordeste – com exceção simbólica de Pernambuco (1 membro) – são inexistentes. Se considerarmos o Distrito Federal como um território neutro, pelo fato de ser, por natureza, destinado a abrigar órgãos da administração federal – e considerando que diversos membros da atual cúpula decisória da empresa atuam (ou atuaram) nesses órgãos –, o quadro se torna ainda mais crítico: há 23 vínculos com estados da região Sudeste (todos os estados são contemplados, com exceção do ES), 5 vínculos com estados da região Sul (todos os estados são contemplados), um único vínculo com a região Nordeste e nenhum vínculo com quaisquer estados das regiões Norte e Centro-Oeste.

A Petrobras, empresa nacional, opera em diversas regiões do país, incluindo locais historicamente negligenciados em termos de desenvolvimento econômico e industrial. A concentração de decisões em mãos de indivíduos com interesses centrados nas regiões Sudeste e Sul reforça desigualdades estruturais ao priorizar investimentos nessas regiões e relegar outras áreas ao esquecimento ou – talvez ainda pior – levar à promoção de investimentos com interesses alheios às regiões subrepresentadas. Tome-se como exemplo o fato de que as Refinarias Landulpho Alves (Mataripe-BA), Isaac Sabbá (Manaus-AM) e Clara Camarão (Guamaré-RN) continuam privatizadas, enquanto, somente no estado de São Paulo, há quatro refinarias estatais. A ver também como funcionará a exploração da Margem Equatorial – até o presente momento, pode-se afirmar que se trata de um projeto com características neocoloniais, com fortes interesses estrangeiros e vinculados a outras regiões do país.

A presença de menos de 25% de mulheres na alta cúpula da companhia fomenta uma cultura corporativa que marginaliza vozes femininas; reforça estereótipos de gênero; é incapaz de combater, de forma perene, o assédio ou de promover a ascensão profissional feminina de modo pleno; e prejudica decisões sobre licença-maternidade ou flexibilização de horários. Destaca-se que embora a atual presidenta da empresa seja uma mulher, algumas decisões recentes não vêm agradando ao público feminino, tal como a imposição do aumento do número de dias de trabalho presencial, o que prejudica, na atual conjuntura da sociedade, sobretudo as mulheres, além de, é claro, outros grupos minoritários.

A completa ausência de pretos e indígenas nos órgãos decisórios da companhia é a “cereja do bolo”: um retrato cru do racismo estrutural que permeia a elite corporativa brasileira. A inexistência de representantes de tais etnias na liderança máxima da Petrobras não é um “detalhe”, mas um poderoso sintoma de exclusão sistêmica. Embora a Petrobras opere em regiões com grandes populações negras e indígenas, a falta de diversidade na alta liderança impede que demandas dessas populações sejam incorporadas às estratégias empresariais. Sem essas vozes, temas como cotas em processos seletivos, programas de inclusão ou reparação histórica em comunidades impactadas por atividades da empresa são decididos apenas por pessoas brancas (ou pardos estreitamente ligados ao grupo identitário das pessoas brancas, reproduzindo os seus interesses) – o que se pode esperar disso? Decisões justas e imparciais?

A homogeneidade da governança da Petrobras coloca em xeque seu compromisso com os princípios ASG (Ambiental, Social e Governança), além de aumentar o risco da companhia ser menos inovadora e mais propensa a crises éticas. Além disso, a imagem de uma empresa estatal que ignora a pluralidade étnico-geográfica do país alimenta certa desconfiança popular. A percepção de que decisões beneficiam apenas elites de determinadas regiões ou grupos fortalece narrativas de que a Petrobras não serve “ao povo”, mas sim a uma casta privilegiada.

Por fim, a diversidade não é apenas uma questão de justiça social, mas de eficiência gerencial. Decisões tomadas por grupos homogêneos tendem a repetir vieses e ignorar riscos. Se a Petrobras deseja realmente representar o Brasil, precisa começar refletindo sua diversidade em sua própria estrutura de governança. Caso contrário, continuará a ser um instrumento de perpetuação de desigualdades, e não de desenvolvimento nacional.

 

¨      Lula busca destravar impasse da Margem Equatorial, no Amapá

O presidente Lula viajou ao Amapá nesta quinta-feira (15) com o objetivo de destravar a exploração de petróleo na Margem Equatorial. A visita reforça o interesse do governo em avançar na análise ambiental para liberar atividades na região, considerada uma das últimas fronteiras de petróleo do Brasil.

Região de interesse estratégico para o Brasil, a viagem de Lula ocorre para tentar destravar resistências de 2023, quando o Ibama negou a licença à Petrobras para perfuração na bacia da Foz do Amazonas, citando riscos ambientais.

A região abriga centenas de espécies nativas e ambientalistas apontam que a exploração de petróleo na costa do Amapá deve ter impactos ambientais de grandes proporções.

Na visita, Lula buscará mediar o impasse, alegando que o objetivo inicial é de mera pesquisa. “Precisamos autorizar que a Petrobras faça a pesquisa, é isso que queremos”, anunciou o presidente, na véspera da viagem, em entrevista à rádio Diário do Amapá. “Se [a Petrobras] vai explorar, é outra discussão. O que não dá é ficar nesse lenga-lenga”, continuou.

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Ainda nesta quarta (12), a fala de Lula foi retirada de contexto por veículos de comunicação, como se fosse um ataque do presidente ao Ibama.

Desde 2020, a Petrobras tenta a licença do órgão para explorar a margem equatorial, que fica a 175 km da costa do Amapá e 500 km da foz do rio Amazonas. Em 2023, o Ibama rejeitou o pedido apontando que a petroleira não apresentou soluções para socorrer a fauna da região em caso de vazamentos de óleo.

A Petrobras reforçou os pedidos de estudo e defende a viabilidade do projeto. Em declarações antes da viagem, Lula reafirmou a necessidade da pesquisa, de averiguar se é possível e quais os riscos ambientais, antes de efetivamente iniciar a exploração.

“A gente não pode ser um país que, por preconceito, não quer explorar suas riquezas. A Margem Equatorial tem potencial gigantesco, e não podemos abrir mão disso enquanto ainda precisamos de petróleo”, disse Lula.

Além do petróleo, a visita de Lula ao Amapá tem como objetivo anunciar acordos de desenvolvimento regional, equilibrando a necessidade de crescimento econômico com políticas ambientais responsáveis.

O presidente irá anunciar também medidas de regularização fundiária e investimentos em infraestrutura e educação. Nesta quinta (13), Lula participou de evento de doação da Gleba Cumaú, uma área do Amapá que foi entregue, definitivamente à regularização fundiária e urbanização, o que era uma demanda da população local há mais de 35 anos.

¨      Lula critica IBAMA por “lenga-lenga” na licença para Petrobras explorar a foz do Amazonas

Na semana passada, o presidente Lula isentou a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, de qualquer responsabilidade no processo de licenciamento do poço que a Petrobras quer perfurar no bloco FZA-M-59, na foz do Amazonas. Lula defendeu Marina das acusações de integrantes do governo de que estaria “atrasando” a emissão da licença para a perfuração no litoral do Amapá.

Mas, exatamente sete dias depois, parece que o presidente esqueceu o que disse na mesma ocasião, que “temos de fazer a coisa [leia-se o licenciamento] com muita clareza e estudo porque temos que tomar conta do país”. Em entrevista à rádio Diário FM, de Macapá, na 4ª feira (12/2), Lula atacou abertamente o IBAMA, responsável por emitir [ou não] a licença. E usando uma narrativa bastante surrada e repetida por centenas, senão milhares, de responsáveis por projetos que precisam passar pelo crivo do órgão ambiental: a de “atrasar” o desenvolvimento do país.

“Não é que vou mandar explorar [a foz do Amazonas], eu quero que seja explorado. O que não dá é ficar nesse lenga-lenga, o IBAMA é um órgão do governo e está parecendo que é um órgão contra o governo”, disse o presidente, em fala destacada por O GloboUOLFolhaCongresso em FocoExameCorreio BrazilienseCarta Capital e Agência Brasil. Lula também contou que o órgão ambiental vai se reunir com a Casa Civil até a próxima semana para “discutir” a licença.

O que Lula chama de “lenga-lenga” é nada mais, nada menos que o processo de licenciamento, que tem etapas determinadas em lei. Cada fase leva mais ou menos tempo de acordo com a sensibilidade ambiental do projeto. Desde o início, a Petrobras sabia que o FZA-M-59 está em uma região extremamente sensível em termos ambientais, com nenhum estudo sobre os impactos da atividade petrolífera na área. E que anos antes, mais precisamente em 2018, o mesmo IBAMA negou licença para a petroleira francesa TotalEnergies perfurar um poço em área próxima.

Como bem pontuam Délcio Rodrigues e Shigueo Watanabe Jr., do ClimaInfo, Lula também erra ao dizer que o IBAMA é um “órgão do governo”. Não, presidente, o IBAMA é um órgão de Estado. Jair Bolsonaro transformou-o num órgão “de governo” e, assim, muitos crimes ambientais que agora o governo Lula sofre para combater e punir foram liberados aos montes.

Mas o mais preocupante é que o ataque de Lula neste momento parece fazer parte de uma estratégia narrativa que o atual presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), inaugurou no fim do ano passado. Após uma reunião com a presidente da Petrobras, Magda Chambriard, quando ainda não presidia a casa, o senador disse que o IBAMA promovia um “boicote contra o Brasil”.

Pelo visto, o “fazer a coisa” com clareza e estudo não é mais prioridade. A licença para a Petrobras perfurar um poço na foz do Amazonas vai sair “no grito” mesmo, diante da intensificação da pressão política sobre o IBAMA. A biodiversidade da região e o clima do planeta, afetado pela queima de combustíveis fósseis, que esperem mesmo.

Em tempo 1:

Ao ser questionado sobre o ataque de Lula, o presidente do IBAMA, Rodrigo Agostinho, afirmou que está “habituado à pressão”, informa O Globo. “Se eu não gostasse de pressão, não estava fazendo o que eu faço. Eu preciso também ser justo. O presidente nunca me pressionou para isso, mas de tempos em tempos tem empreendimentos que são emblemáticos e a sociedade toda cobra uma resposta. Vejo isso com muita naturalidade”, relatou. Sobre a reunião com a Casa Civil mencionada por Lula, Agostinho disse não ter sido avisado, mas afirmou que o IBAMA tem se reunido constantemente com a Casa Civil para tratar sobre esses e outros assuntos. O presidente do órgão ambiental repetiu que dificilmente qualquer resposta sobre a licença para a Petrobras perfurar um poço no FZA-M-59 sairá antes de março.

Em tempo 2:

O ataque de Lula ao IBAMA mobilizou a Associação Nacional dos Servidores da Carreira de Especialista em Meio Ambiente (ASCEMA Nacional). Em nota, a entidade lembrou que o IBAMA é um órgão de Estado, cujas decisões são baseadas em critérios técnicos, científicos e legais, e que por isso “é inadmissível qualquer tipo de pressão política que busque interferir no trabalho técnico do órgão, especialmente quando se trata de uma decisão que pode resultar em impactos ambientais irreversíveis”. A ASCEMA também criticou o sucateamento da gestão ambiental do governo e apontou a contradição no fato de que o país que sediará a COP30 “adote posturas que fragilizam a governança ambiental e colocam em risco compromissos assumidos internacionalmente”.

Em tempo 3:

A chegada de Davi Alcolumbre (União Brasil-AP) à presidência do Senado é vista como uma decisão final sobre a exploração de combustíveis fósseis na foz do Amazonas, destaca o UOL. Com seu governo cada vez mais dependente de acenos positivos no Congresso, Lula juntou a fome com a vontade de comer ao prometer a Alcolumbre “destravar” a licença para a Petrobras. Tanto agrada o novo presidente do Senado, que quer colher os louros políticos em seus estados, como agrada a si próprio, já que não é novidade que Lula é favorável à exploração de petróleo e gás fóssil no Brasil.

 

Fonte: Por Ghabriel Anton Gomes de Sá, no Le Monde/Jornal GGN/ClimaInfo

 

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