Lula 'errou', mas
licenciamento de petróleo na Amazônia foi 'contaminado' por politização, diz
ex-ministra
Embora seja
"absolutamente contra explorar petróleo em áreas sensíveis", a
ex-ministra do Meio Ambiente Izabella Teixeira minimiza a
"gritaria" em torno do projeto de prospectar petróleo na Margem Equatorial,
na Amazônia.
Para ela, pesquisas
de viabilidade de exploração de petróleo fazem parte de um rito técnico que
pode e deve ser seguido — mas que "foi politizado de forma
antecipada".
"A perfuração
exploratória para fazer a pesquisa é essencial para verificar se há
viabilidade. Aí, então, faz o debate. Mas, ao contrário, o debate já está
bloqueado", afirmou Teixeira, que foi ministra durante governos petistas, em entrevista por
teleconferência com a BBC News Brasil.
O governo de Luiz Inácio Lula da
Silva (PT) quer
acelerar a liberação da pesquisa de viabilidade para a Petrobras, mas o
Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
(Ibama) — que já negou essa permissão uma vez — tem reforçado que o processo
tem seu devido tempo.
A discussão
pública, que se intensificou há dois anos, escalou novamente nesta quarta-feira
(12/02), quando o presidente criticou o que chamou de "lenga-lenga"
na análise pelo Ibama, durante entrevista à Rádio Diário FM, do Amapá.
Rodrigo Agostinho,
que preside o instituto, reagiu: "Se eu não gostasse de pressão, não
estaria fazendo o que faço".
Teixeira critica a
postura de Lula neste imbróglio. Ela ficou na pasta entre 2010 e 2016 — no
final do segundo mandato de Lula e durante todo o governo de
Dilma Rousseff.
"O papel dele
[Lula] é entender os interesses do país e cobrar celeridade e eficiência dos
processos institucionais, mas não é papel dele — nem de ninguém — apequenar
instituições públicas competentes e responsáveis tecnicamente", afirmou a
ex-ministra.
Hoje, Teixeira é
copresidente do Painel Internacional de Recursos (IPR, na sigla em inglês), um
dos órgãos ambientais das Nações Unidas (ONU), além de ocupar
cargos em instituições do setor privado.
Na entrevista, ela
também afirma não acreditar que o Brasil consiga
acabar com o desmatamento até 2030, como é objetivo do governo, e faz críticas
sobre as metas do país no escopo do Acordo de Paris (as chamadas Contribuições
Nacionalmente Determinadas ou NDCs, na sigla em inglês).
As metas foram
atualizadas às vésperas da COP29, em Baku, no Azerbaijão — a
COP ("Conferência das Partes") é um evento anual onde governos
discutem como conter e se preparar para as mudanças climáticas.
A próxima edição,
a COP30, ocorrerá em
Belém,
em novembro.
Teixeira critica,
aliás, a demora no anúncio da presidência da conferência no Brasil — o que,
para ela, deveria ter ocorrido em Baku. A pouco mais de 10 meses do
evento, o diplomata André
Correa do Lago foi escolhido para presidir a COP30.
A ex-ministra diz
ficar entre o otimismo e o realismo quanto ao evento.
"Essa COP será
de uma complexidade diplomática muito maior do que era quando se viabilizou o
Acordo de Paris", analisa ela, lembrando da reunião que, em 2015, definiu
rumos contemporâneos da agenda climática global.
<><> Leia
a seguir trechos da entrevista:
·
O
presidente Lula escalou significativamente o tom contra o Ibama por causa da
licença de exploração da Margem Equatorial. Como você avalia a tensão na qual
estamos envolvidos nesse momento?
Izabella Teixeira
- Antes de tudo: pela lei, não dá para tomar uma decisão sobre um
investimento de impacto ambiental sem o licenciamento que, a nível federal, é
competência do Ibama. E ele é um órgão sério. Esse processo é técnico. É
técnico!
Além disso, no caso
da exploração de petróleo offshore [no alto mar], são várias fases
distintas de licenciamento. A primeira é a licença prévia de pesquisa
exploratória, para saber se tem petróleo na região e se é possível explorá-lo. Nessa
situação [da Margem Equatorial], trata-se de um órgão técnico, o Ibama, se
relacionando com o empreendedor, a Petrobras, que comprou a concessão da área
em leilão — quando, inclusive, foi considerada como altamente sensível. Esse
processo é formado por um ator demandando informações e outro fornecendo. Há
dois anos, numa sexta-feira à tarde – eu me lembro exatamente –, o presidente
do Ibama [o ex-deputado Rodrigo Agostinho, do PSB-SP] convocou uma coletiva [de
imprensa] dizendo que o Ibama iria negar essa licença de pesquisa exploratória
à Petrobras na Margem Equatorial. Foi estranho. Você já viu o presidente do
Ibama ir à TV para dizer que negou ou concedeu licença de algum empreendimento?
Isso é usual? Não, né? Pensa quantas licenças o Ibama dá e quantas ele nega. Então,
uma vez feito esse anúncio, você espera que o processo tenha acabado.
·
Mas
não acabou.
Teixeira - Nós
acompanhamos a retomada do processo. Mas ali, logo depois, não apenas não foi
encerrado, como foi politizado. Começou um bate-boca na imprensa com o
presidente do Ibama, com o presidente da Petrobras [à época, Jean-Paul Prates],
com o Ministério de Minas e Energia e com o Ministério do Meio Ambiente.
Virou uma tensão
política. Foi só quando a poeira baixou que a Petrobras solicitou uma nova
análise. Mas já havia essa politização — e de dois lados.
·
Quais
lados?
Teixeira - Um
é o de toda essa história do licenciamento. Mas, de outro lado, pela questão
climática, porque vários opositores dessa exploração são ativistas ambientais
que dizem que, se o Brasil quiser ser um líder climático do mundo, precisa
parar de explorar petróleo. Mas se o país vai ou não vai explorar petróleo não
é [assunto] do licenciamento ambiental do Ibama. É uma discussão estratégica do
país. O Ibama tem recursos técnicos e o rigor da lei para dizer se há ou não há
viabilidade ambiental [de exploração de petróleo] nas diferentes áreas. Porém,
a decisão de seguir explorando, do ponto de vista político, não é do Ibama.
·
E
o que você acha da pressão do Lula?
Teixeira - Ele
errou. O papel dele é entender os interesses do país e cobrar celeridade e
eficiência dos processos institucionais, mas não é papel dele — nem de ninguém
— apequenar instituições públicas competentes e responsáveis tecnicamente.
·
Ainda
que, nessa leitura, tudo tenha começado pelo Ibama?
Teixeira
- Mesmo que se leia que o que aconteceu foi politização, o presidente da
República precisa preservar as instituições brasileiras. O Ibama precisa ser
protegido como instituição técnica e competente que é. E o Ibama, por sua vez,
precisa fornecer toda a transparência necessária para mostrar o que aconteceu
depois daquela manifestação do seu presidente na coletiva, que negou a licença,
e mostrar sua posição final. É só assim que dá para resolver a situação agora.
·
Considerando
essa tentativa de liderar a agenda global, a exploração é um erro?
Teixeira - É
que o processo ficou tumultuado porque foi politizado de forma antecipada. Nós
nem sabemos se há viabilidade econômica e tecnológica. Uma coisa é ter a viabilidade
para fazer o teste da pesquisa exploratória e o licenciamento ambiental cumprir
os requisitos. É o Ibama quem diz isso. A outra é a decisão política, onde isso
está. A ministra [Marina Silva, do Meio Ambiente] é contra desde o
início.
Eu sou também contra qualquer exploração em áreas sensíveis.
·
Quais
são os efeitos dessa politização antecipada?
Teixeira
- Para discutir se vamos explorar petróleo em uma área sensível, é preciso
antes saber se há viabilidade nela. A politização contamina a discussão
técnica. Vamos imaginar que não haja viabilidade lá: morrerá o assunto, certo? E
por que a Margem Equatorial é uma área sensível? Isso é que precisa ser
definido. É por que tem coral ou algo do tipo? Mas não temos nada além de
achismos. Fica todo mundo gritando, gritando, gritando e ninguém pactua. A
perfuração exploratória para fazer a pesquisa é essencial para verificar se há
viabilidade. Aí, então, faz o debate. Mas, ao contrário, o debate já está
bloqueado. Vamos imaginar que o Ibama chegue à conclusão, daqui uns meses, que
é viável. [O Ibama] Desautorizará a ministra [Marina]? Eu não entendo isso. Há
uma visão narrow [estreita] sobre o futuro da indústria de petróleo
no Brasil. Sou absolutamente contra explorar petróleo em áreas sensíveis, do
ponto de vista ambiental, mas o debate sobre a autossuficiência de petróleo,
sobre os royalties, sobre produção fora de áreas sensíveis, deve ser feito
de forma racional, obedecendo os caminhos que existem hoje.
·
Vamos
falar de COP. Você acha que a presidência do Brasil na conferência pode fazer
avançar alguma coisa, do ponto de vista pragmático, na agenda climática global?
Teixeira - Não
é uma resposta única. Essa COP30 será estratégica porque marcará os dez anos
do Acordo de Paris. Nesse sentido, um
dos grandes desafios da presidência será definir o [próximo] ciclo de ambições
dos países signatários. Mas há duas questões sensíveis no contexto atual. A
primeira é que o mundo não está mais discutindo clima mirando o futuro. As
mudanças climáticas estão acontecendo de um jeito que os modelos científicos —
extremamente complexos — não conseguem explicar. O Oceano Atlântico está
fervendo. Em três anos, apenas, pulamos de 1,2ºC [de aquecimento do planeta]
para 1,5ºC. Ninguém previu isso nessa velocidade. No passado recente, a gente
negociava [acordos pensando em] 2100, depois 2070 e agora já estamos falando em
2040. A segunda questão sensível é que, como a COP está dentro do sistema
multilateral global, ela tem dinâmicas, agendas e mandatos próprios. Isso
significa dizer que o Brasil precisará compatibilizá-los. A presidência terá a
incumbência de buscar caminhos para viabilizar o [financiamento] de US$ 1,35
trilhão ou de fazer um roadmap [espécie de plano estratégico] para
isso. O olhar do Brasil será tomar o legado de Glascow [na Escócia, sede da
COP26,
onde foram definidas as ações dos compromissos firmados em Paris, em 2015] e
implementá-lo, dizendo que não há mais tempo a perder.
·
Essa
emergência vai pressionar as negociações em Belém?
Teixeira - Sem
dúvida vai dar peso às ações de curto prazo. É o que interessa agora. Há muita
complexidade no cenário internacional: o engajamento dos países com toda a
discussão climática, aqueles que querem desembarcar do Acordo de Paris, a
posição dos Estados Unidos, o populismo de direita crescendo em muitos lugares.
Será a hora de ver o quão distante o mundo está desse acordo. Todos os
especialistas dizem que [a meta de manter o aquecimento global em] 1,5ºC já
está superada.
·
Do
ponto de vista diplomático, quais serão as dificuldades do Brasil?
Teixeira - A
voz da presidência da COP é fruto de duas coisas: da negociação com os países
signatários e da visão estratégica que, no caso do Brasil, poderá se
transformar em liderança pelos próximos dez anos. Mas, sim, essa COP será de
uma complexidade diplomática muito maior do que era quando se viabilizou o
Acordo de Paris. Em dez anos, o mundo ficou fragmentadíssimo, sem liderança
global, comprometendo a possibilidade de uma cooperação coordenada para um
problema que também é global. De forma muito objetiva, eu te digo que essa COP
será um grande desafio de negociação. O mundo vai discutir o mundo lá. Nesse
sentido, a escolha da presidência da COP, por ser um diplomata, foi acertada.
·
A
sra. está otimista com as condições do Brasil exercer esse papel?
Teixeira
- Sempre sou otimista com o Brasil. Temos grandes capacidades. Não nos
esqueçamos que o Brasil faz parte de um grupo de cerca de 15 países que mantém
relações diplomáticas com praticamente todas as nações do mundo. Isso é um
grande ativo. Sou otimista com o diálogo, mas também realista com a capacidade
de transformá-lo em compromissos que superem o curto prazo. Não pode ser uma
COP de greenwishing [algo como "desejos verdes"]. É preciso
preservar a narrativa de que a questão climática impõe um desafio ao
desenvolvimento do mundo. Sem contar a importância dos trade offs
[conjunto de escolhas, consequências e perdas]: Qual país hoje tem condição de
fazer uma transição do petróleo e do gás de forma mais rápida? Quem pode ser um
mediador desse jogo? E, claro, quem é que não tem nenhuma alternativa?
·
Mas
as últimas COPs serviram para os países manterem o status do petróleo na
composição energética global — quando não para fazerem novos negócios
envolvendo fósseis, como a BBC denunciou na
ocasião na COP28, em Dubai. A conferência ainda tem credibilidade para promover
consensos e transformá-los em ações?
Teixeira - É
preciso resgatar a capacidade das COPs como ambientes de negociação. E uso
"negociação" na melhor acepção da palavra: tratar de interesses
convergentes que podem levar a consensos. Isso é extremamente sutil. Eu posso
me sentar com você e com outras dez pessoas em uma mesa em torno de uma pauta
[sobre] a qual temos interesses comuns. É o caso da segurança energética no
mundo hoje. Mas como conseguir um consenso sobre "por onde nós
iremos" é outra coisa. Mas não tem como evitar o fato de que a geopolítica
da energia ainda é toda estruturada em torno dos combustíveis fósseis.
·
Há
condições reais de se conseguir o financiamento de US$ 1,35 trilhão? Foi o
grande fracasso de Baku.
Teixeira - Não
se pode ficar refém dessas coisas que levarão mais tempo para se resolver. O
financiamento climático é uma agenda que vai evoluindo. A possível saída dos
EUA dos bancos mundiais de desenvolvimento terá impacto nesses processos. Mas
também não tem jogo sem um setor privado mais engajado.
·
E
isso é possível?
Teixeira - Eu
te digo que essa COP vai exigir da presidência uma envergadura de diálogo mais
robusta com o setor privado e com o mercado financeiro — e não para dividir a
conta, mas para encontrar soluções. O eventual sucesso do Brasil está na
capacidade de reorganizar todo mundo do debate. É um país que já tem voz
internacional. Veja bem que não estou falando em liderança, mas em voz: em ser
ouvido. Liderança não existe hoje no mundo e, além disso, você não se declara
um líder, mas são os outros que te escolhem líder. Aqui eu faço uma crítica
pública: [o governo] levou muito tempo para anunciar o presidente da COP.
·
Isso
prejudicou a negociação?
Teixeira - Eu
sei que existem discussões internas sobre isso no governo desde o ano passado.
Também sei que ninguém vai começar [a negociar] do zero, mas agora temos um
tempo menor para colocar demandas tanto nacionais quanto internacionais. Dava
para se anunciar lá em Baku. A expectativa da comunidade internacional era
essa, porque todo mundo queria saber com quem falar lá. Você fala com a
ministra [Marina Silva], mas ela não tem mandato [na COP]. Você fala com o
embaixador, mas ele não tem mandato. Ter anunciado antes teria otimizado o
tempo político da COP.
·
A
senhora já fez algumas críticas reservadas aos parâmetros das metas atuais
(NDCs) do Brasil no escopo do Acordo de Paris. O que mais a incomoda neles?
Teixeira - O
problema é que a visão das metas foi pensada por um grupo de dez pessoas. Isso
é uma coisa. Além disso, quando você lê uma NDC, você vê que está tudo lá: onde
vai avançar [nas metas ambientais], quem vai participar, quais setores, etc. Mas
é preciso olhar sempre para dentro do país e entender como implementar. O
Brasil diz que fará isso pelo Plano Clima, que será desenhado neste ano a
partir do que os ministérios levarem a ele. Eu imagino que o Ministério do Meio
Ambiente vá coordenar esse processo, embora eu não esteja vendo isso acontecer.
Daí, algumas perguntas surgem. Quem financia? Será preciso mexer nos juros do
Plano Safra? Como acontecerá em um país continental? Porque o que tem na
pecuária de Minas Gerais não tem, necessariamente, no Mato Grosso. Quais são os
arranjos de pactuação com o setor econômico? Como as cadeias produtivas serão
impactadas? Não é nem o custo financeiro, mas também o social, porque vai se
gastar mais energia, vai desempregar mais... Isso é mundo real. Sem contar a
pactuação política.
·
Com
os estados, você diz?
Teixeira
- Sim. Foi feita? Não, né? E não estou falando do governador da situação
ou de quem é da oposição, mas de interesses do país. A decisão tomada foi que
nós temos uma visão [a NDC] e que agora, na construção do Plano Clima, que essa
visão será negociada. Daí o artifício de banda [a meta brasileira atual é de
reduzir suas emissões, até 2035, em uma faixa entre 59% e 67%], que deixa ser
mais ou menos conservador.
·
Sua
avaliação do formato de banda é negativa?
Teixeira - Eu
não teria feito desse jeito. Se você olhar no plano nacional, a tendência é que
todo mundo seja menos ambicioso. Até pela falta de clareza sobre quem vai
financiar. Eu preferiria uma meta fechada e trabalhar sobre como fazê-la com os
setores.
Isso responderia,
por exemplo, como lidar com o trade-off de um país que exporta
petróleo e tem excedente de energia renovável. Há muitas perguntas sobre a
ambição climática brasileira: continuaremos sendo autossuficientes em petróleo?
Vamos vendê-lo com uma taxa usada para neutralizar nossas emissões?
·
E
o fato de a NDC ter vindo antes do Plano Clima. Qual é a avaliação?
Teixeira - Eu
acho que a NDC deveria estar mais estruturada olhando o Plano Clima. Ele é o
espaço em que deveria ter se negociado [as metas]. Tiveram dois anos para fazer
isso, mas não tiveram poder de convocação. Envolveram Brasília só, sem o resto
do país. Quando os setores econômicos foram, enfim, chamados lá, tudo estava
muito inacabado para o debate estratégico de natureza econômica, política e
tecnológica. O resultado disso é que, agora, não tem nem o engajamento dos
atores políticos — e não falo só de governadores, mas do próprio mercado
financeiro —, e nem da própria sociedade. Não à toa, ninguém sabe o que é a
COP. Ninguém sabe o que é NDC. Porém, a "dona Maria" percebe, quando
volta para casa e descobre que não tem energia elétrica porque está chovendo,
que isso está acontecendo com uma frequência maior do que no passado. É um erro
tratar a COP30 apenas como um evento, mas é isso que estamos fazendo. Mais até:
como um evento de Belém, a "COP da floresta", quando, na verdade, [os
efeitos] estão acontecendo no Rio Grande do Sul, no Pantanal, na Amazônia... É
preciso mobilizar as pessoas para além dessa convergência com o evento.
·
Há
um exemplo concreto de como isso está acontecendo hoje?
Teixeira - O
SUS [Sistema Único de Saúde]. O país tem um ativo importante do ponto de vista
de saúde pública, que atende mais de 100 milhões de pessoas, mas ninguém
discute a reorganização climática a partir dele, mesmo com todo mundo sabendo
que mudanças do clima dizem respeito, principalmente, à saúde da população. Só
vamos discutir isso com base na tragédia, quando acontecer um desastre, ou
vamos mobilizar a sociedade para entender como os aperfeiçoamentos do SUS podem
dialogar com a era climática? Você já viu algum debate sobre isso? Você já
ouviu a ministra da Saúde [Nísia Trindade] falar sobre isso? Não, né? Isso é
Plano Clima! Isso é ambição climática! Mas nossos instrumentos estão voltados
para o evento COP30.
·
Como
esses atores políticos além de Brasília estão atuando nessa agenda?
Teixeira - Por
exemplo: o presidente do Consórcio [Brasil] Verde, que envolve 15 estados, o
governador [Renato] Casagrande [do Espírito Santo], está pegando os royalties
da exploração do petróleo que ele produz lá e está aplicando em um fundo
soberano voltado para adaptação [das mudanças climáticas]. Mas pergunte ao
consórcio de governadores do Nordeste sobre o quanto eles estão engajados com
essa COP. Faça isso também com o consórcio da Amazônia. Daí a gente se
pergunta: é verossímil acabar com o desmatamento até 2030?
·
É
uma das NDCs mais robustas do país.
Teixeira - E
não é que não devemos ter essa visão, mas, há dez anos, o volume de emissões do
desmatamento era de 15% do total de emissões. Nossos cortes precisavam ser
feitos sobre as atividades dos setores econômicos. Hoje, ao contrário, metade
das emissões está associada a atividades não econômicas.
Estão misturando um
com o outro. É preciso explicar isso para as pessoas para entender como a
ambição de zerar [o desmatamento] é factível e o que precisa ser feito para que
ela seja factível.
·
E
é factível?
Teixeira - Eu
não acho...
·
Por
quê?
Teixeira - São
muitos desafios. O primeiro deles é o pacto difícil do fim do desmatamento no
Brasil. O país exporta carne oriunda de áreas sem desmatamento, mas nós
consumimos carne de áreas desmatadas. Ou seja, seria preciso pactuar modelos
econômicos em que o mercado consumidor atue como um parceiro e, em paralelo,
agir sobre o crime organizado — controle, fiscalização, Polícia Federal, etc.,
onde a lição de casa está até sendo feita. Mas como tudo isso se traduzirá em
um cenário de desmatamento zero, mesmo considerando a conta das compensações,
precisa ser pactuado.
·
Por
que você entende que a sociedade não está mobilizada em torno das metas
ambientais?
Teixeira
- Porque é preciso traduzir essa sopa de letrinhas: NDC, Acordo de
Paris... Eu acho que nem 10% dos prefeitos do Brasil sabem o que é isso. Mas eu
te garanto que, quando falta água, quanto tem uma inundação, eles entendem.
Como não é uma reserva de mercado do Brasil, as pessoas serão mobilizadas pela
informação. Mas pergunto de novo: o presidente da República, ou o governador do
Pará [Helder Barbalho] ou a ministra do Meio Ambiente foram aos outros
governadores do país para explicar o que será a COP30? Definiram um time dentro
do ministério para explicar as NDCs a eles? Porque não é sobre clima, mas sobre
como a meta afeta o desenvolvimento do país. É um dever de casa que deveria ser
feito, porque senão fica na bolha.
·
Você
acha que a população daria esse peso ao assunto? As pesquisas geralmente
apontam que as grandes preocupações dos brasileiros rondam mais temas como
saúde ou segurança pública, por exemplo.
Teixeira
- Hoje, a mobilização acontece de outro jeito. Ela só precisa ter direção.
Quando você presencia a cena de uma mãe negra ao lado de um filho morto pela
Polícia Militar, e ela perguntando ao PM: "Você matou meu filho?",
sem que a sociedade reaja, você percebe que há uma distância muito grande entre
engajamento da sociedade — que se dá muito por rede social — e o que transforma
sua vida. Questão climática transforma sua vida, para o bem ou para o mal,
porque ela é real. As vítimas da tragédia do Rio Grande do Sul relataram isso.
Muitas delas nem viviam em áreas de risco. Elas não sabiam quem acusar. Era o
governo? Era a ciência? Esse sujeito oculto impede que as pessoas se mobilizem.
·
Mas,
então, o que fazer?
Teixeira - O
governo não pode achar que essa é uma responsabilidade só dele. A discussão
climática não pode vir pela perspectiva da impotência, do medo, mas da
realidade. Temos que saber nossos limites. O que me incomoda são as formulações
distantes sobre como as pessoas terão que lidar com o problema. Ter uma COP no
Brasil é, nesse sentido, uma convocação à sociedade. Nós teríamos que estar
trabalhando isso de outro jeito. É por isso que muita gente acha que o problema
climático do Brasil é só na Amazônia. Como vamos conversar com um agricultor do
Sul do país que está no meio de uma estiagem gravíssima? O fogo na Amazônia
afeta ele, porque os rios voadores, amazônicos, estão
secando. Mas qual é o imaginário político? Que isso é apenas problema do
garimpo ilegal na terra yanomami, e não do seu quintal.
·
Qual
pode ser o impacto de Donald Trump para a questão climática global [o
presidente dos EUA defende o aumento da exploração de petróleo e anunciou novamente, como no seu
primeiro mandato, a saída do Acordo de Paris]?
Teixeira
- Teremos que ver como o mundo vai agir e reagir. São duas coisas. Tem
coisas que ele anuncia e depois recua. Os EUA estão tentando impor uma nova
arquitetura internacional baseada em inovação, sem clima e, internamente, nessa
pauta "anti-woke". Tudo está
acontecendo em um mundo sem verdade, o que sensibiliza muito o contexto.
·
Se
esse mundo do futuro for mais verde, inclusive do ponto de vista econômico,
então eles estão aceitando o risco de perder recursos e posição geopolítica?
Teixeira
- Eles estão comprando uma dificuldade no futuro, sem dúvida. Eu vejo que
existem três Trumps: o geopolítico que, por intermédio da inovação com big
techs, e que passa muito pela segurança energética, entendeu que a China tem o
poder de tudo hoje, mas que estipulou um G2: eles e o mundo. Tem o
Trump anti-woke, dos valores, que
atinge a classe média interna com base no medo. E tem o Trump que trabalha a
mobilização política da direita pelas plataformas, manipulando a verdade. Ele
constrói e é protagonista de um mundo sem verdade. Mas o mundo que ele está
vendo é o da pós-reorganização da ordem global. O eixo do poder do mundo se
mudou para a Ásia. É lá que estão grandes mercados consumidores. Então, as
coisas precisam assentar. Sou pragmática. É preciso entender o que sai desse
agir e reagir para, então, agir.
Fonte: BBC News
Brasil
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