Urariano Mota: O
caso Juscelino Kubitschek de volta
Na história que se
recupera da ditadura brasileira, um dos casos sem solução é o do “acidente”
mortal de Juscelino Kubitschek. A notícia, quase 50 anos depois, está hoje em
todos os jornais.
“O governo
Lula e a Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos analisam a
morte do ex-presidente num acidente na via Dutra em 1976, com um
laudo do engenheiro e perito em transportes Sergio Ejzenberg”.
Para a justa
medida, penso que é hora de retomar artigo de 2013 onde pude escrever:
“Motorista
envolvido em acidente de JK diz que recebeu oferta para assumir a culpa. O
motorista do ônibus envolvido no acidente que matou o presidente Juscelino
Kubitschek, em agosto de 1976, disse em depoimento à Comissão da Verdade da
Câmara Municipal de São Paulo nesta terça-feira (1º) que recebeu oferta com uma
mala de dinheiro para que assumisse na época a culpa da tragédia.
Josias Nunes de
Oliveira, 69, afirmou que cinco dias depois do acidente foi procurado em sua
casa em São Paulo por dois homens. ‘Eram dois cabeludos, que vieram em uma moto
e se identificaram como repórteres. Eles disseram que se eu assumisse a culpa,
receberia a mala cheia de dinheiro. Eu vi a mala, cheinha de dinheiro. Mas não
assumi, pois não tinha a menor culpa’ “.
Onde há interesse
em mentir, há culpa. Então pude recuperar anotações da pesquisa que fiz há
alguns anos sobre essa morte. Passo a elas.
De imediato, o
leitor observe, primeiro, que o “acidente” sofrido por Juscelino Kubitschek
chegou a ser anunciado como um destino, uma profecia, como era costume na
ditadura, que às vezes perdia o timing entre assassinato e notícia. Vinte dias
antes do óbito de JK, nas redações dos jornais já corria o boato de que ele
havia morrido.
Ora, as mortes de
Juscelino Kubitschek, João Goulart e Carlos Lacerda, em um período de 9 meses,
já deveriam ter inspirado em nossa imprensa mais que conjeturas. Assim como
Deus da frase de Einstein, a história não joga dados. Aos dados que não se
jogam, portanto, nos limites de JK.
1. Em 1975, o
jornalista Jack Anderson revelou que o general chileno Manuel Contreras qualificou
Kubitschek como uma ameaça, em uma carta enviada ao ditador João Figueiredo.
Contreras era chefe do Serviço de Inteligência do regime do Augusto Pinochet,
responsável pela morte do ex-chanceler chileno socialista Orlando Letelier,
ocorrida em 1976 em Washington, e atribuída à Operação Condor.
2. Segundo o
cientista político Luiz Roberto da Costa Jr, em artigo no Observatório da
Imprensa, ao mencionar as circunstâncias da morte de JK: “Não houve choque com
o ônibus da Cometa, pois este estava atrás da Caravan verde. Testemunhas do
ônibus que afirmam ter visto o clarão (‘sol’, como quer a versão oficial) e
ouvido a explosão (‘batida’, como quer a versão oficial) não depuseram…”. E
importante: “O Opala periciado em 1996 não corresponde ao Opala do acidente em
1976, o chassi é diferente”.
3. Na revista Época
de 29.3.1999, sob o título de Um tiro na história, foi publicado: “Depois de 35
anos trabalhando como perito criminal na Polícia Civil de Minas Gerais, o
historiador Alberto Carlos Minas está se aposentando e decidiu fazer uma
revelação: ‘Eu vi um buraco de bala no crânio do motorista Geraldo Ribeiro’.
Era Geraldo Ribeiro quem dirigia o Opala do ex-presidente Juscelino Kubitschek
no dia 22 de agosto de 1976, quando bateu num ônibus na Via Dutra…” teria batido,
segundo a polícia, corrigimos. “Segundo Minas, quando o corpo de Geraldo
Ribeiro foi exumado, há pouco menos de três anos, o crânio estava inteiro e
tinha um buraco. ‘De bala’, garante. ‘Depois que vi isso não me deixaram entrar
na sala novamente’ ”.
4. E mais, do mesmo
Carlos Alberto, em uma rápida entrevista: “As fotos das vítimas sumiram. Em
1996 o processo foi reaberto, mas jamais poderia ter prescrito. A família do
motorista nunca viu o corpo dele. Eu era o perito do caso e não pude acompanhar
de perto a exumação dos corpos. Quando levantaram a ossada do Geraldo Ribeiro,
vi um buraco de bala no crânio dele… Do tamanho da tampa de uma caneta, de
cerca de 7 milímetros. O crânio estava íntegro e intacto. Eu o vi inteiro na
minha frente, ele não estava esfacelado como depois apareceu. Podem dizer que
eu estava enganado quanto ao buraco, mas, se eu estiver errado, como eles
explicam um objeto metálico dentro do crânio do Geraldo? Por que o crânio ficou
fragmentado depois dos exames?”.
5. Em livro que me
foi enviado por Maria de Lourdes Ribeiro, filha do motorista de JK, há o laudo
número 12.31/96, do IML de Minas Gerais. Nele se escreve: “… fragmento metálico
de forma cilindro-cônica, medindo sete milímetros de comprimento e diâmetro
médio de dois milímetros, revelando-se como fragmento de prego enferrujado e
corroído, recolhido do interior do crânio”….
¨ A morte de Soledad Barrett - um dos
mais perversos crimes da ditadura brasileira. Por Urariano Mota
No STF, o digno
Ministro Flávio Dino já esclareceu: não existe anistia para o crime de
ocultação de cadáver, porque é um crime permanente que continua a se consumar
no presente, quando não devidamente elucidado. Este é o caso do corpo da
paraguaia, guerreira internacional, internacionalista Soledad Barrett Viedma,
assassinada no Recife. Até hoje não se sabe dos seus restos mortais. Ela teria
sido enterrada no Cemitério da Várzea como indigente, sem nome, e não se achou
mais.
Mas essa história
não chegou a seu fim. Para Soledad Barrett, os dados continuam a rolar, como
cantava Cazuza. A brava guerrilheira, poliglota, poeta, atraiçoada pelo marido,
o agente duplo José Anselmo dos Santos, Cabo Anselmo, que a entregou grávida
para a morte, ainda clama justiça. Musa do poeta Mario Benedetti, narrada em
meu livro Soledad no Recife, merece urgente
uma solução do crime que deixou seus restos mortais insepultos.
Se, além de Fleury
e de Cabo Anselmo, não temos os nomes de seus torturadores, cabe uma
responsabilização dos peritos legistas que no Recife assinaram a FARSA da
perícia tanatoscópica. Pesquisei com calma e paciência nos arquivos da Comissão
Estadual da Memória e Verdade Dom Helder Câmara e pude ver. Os peritos João
Bosco Rolim Araruna e Agrício Salgado Calheiros, mais a testemunha policial
Maria da Penha Procópio de Almeida, que assinam o documento, merecem ser, no
mínimo, ouvidos em inquérito.
Como vaso ruim não
quebra, é possível que depois de 1973, passados 52 anos dos crimes, estejam
vivos. Se vivos, estarão por volta dos seus 82 anos de idade bem vividos na
impunidade. Não foram os executores, mas legitimaram o processo e podem falar
sobre o que viram assinaram e assassinaram.
Esta é uma história
bárbara, feita por bárbaros, assassinos fascistas do regime implantado em 1964.
O feto de Soledad foi arrancado de seu cadáver!
“Soledad estava com
os olhos muito abertos, com expressão grande de terror. A boca estava
entreaberta, e o que mais me impressionou foi o sangue coagulado em grande
quantidade. Eu tenho a impressão de que ela foi morta e ficou algum tempo
deitada, e a trouxeram. O sangue. quando coagulou, ficou preso nas pernas; era
uma quantidade muito grande. E o feto estava lá, nos pés dela. Não posso saber
como foi parar ali ou se foi ali mesmo, no necrotério, que ele caiu, que ele
nasceu, naquele horror.”
Quando a grande
advogada Mércia Albuquerque declarou essas palavras, ela não era mais advogada
de presos e perseguidos políticos. Estava em 1996, 23 anos depois do inferno.
Mércia estava acostumada ao feio e ao terror, ela conhecia há muito a
crueldade, porque havia sido defensora de torturados no Recife. Ainda assim,
ela, que tanto vira e testemunhara, durante o depoimento na Secretaria de
Justiça de Pernambuco, falou entre lágrimas, com a pressão sanguínea alterada
em suas artérias. Dura e endurecida pela visão de pessoas e corpos
desfigurados, o pesadelo de 1973 ainda a perseguia: “A boca de Soledad estava
entreaberta”. No depoimento da advogada não há uma descrição técnica dos corpos
destruídos, derramados no necrotério. Mércia Albuquerque é uma pessoa que
fraterniza e confraterniza com pessoas. “Eu fiquei horrorizada. Como Soledad
estava em pé, com os braços ao lado do corpo, eu tirei a minha anágua e
coloquei no pescoço dela”.
O seu relato é como
um flagrante desmontável, da morte para a vida. É como o instante de um filme,
a que pudéssemos retroceder imagem por imagem, e com o retorno de cadáveres a
pessoas, retornássemos à câmera de sofrimento. “Soledad estava com os olhos
muito abertos, com uma expressão muito grande de terror”. Os olhos de Soledad
congelaram o seu último instante. Câmera invertida.
Ao fim do meu livro, pude escrever:
“As santas virgens
do Paraguai carregam o filho nos braços e a seus pés têm anjos, às vezes também
luas em quartos minguantes. Sangue e feto aos pés, só a guerreira Soledad
Barrett Viedma.”
¨ Cem anos de Elizabeth Teixeira = cem
vezes a necessidade de pautar a reforma agrária
Elizabeth Teixeira agora é uma mulher centenária. A
líder histórica das Ligas Camponesas faz aniversário neste dia 13 de fevereiro
de 2025 como unanimidade entre aqueles que defendem o direito à terra e a luta
pela reforma agrária. O Memorial das Ligas e Lutas Camponesas, em Sapé (PB),
promove três dias de comemoração a seus 100 anos, com direito a reunião
emocionada da família e atividades culturais. Os jornais repercutem. Desta vez,
ela não está invisível.
A mulher que teve de trocar de nome durante a ditadura,
dois anos após o assassinato de seu marido, João Pedro Teixeira, protagonizou
em 1984 o documentário “Cabra Marcado Para Morrer”, de Eduardo Coutinho. Mas
ainda está longe de ter o reconhecimento que merece como líder camponesa. A
recorrência da reforma agrária em sua fala é inversamente proporcional ao tanto
que o tema é pautado no Brasil atual.
Em comemoração ao centenário, De Olho nos Ruralistas
disponibiliza ao público, em seu canal no YouTube, o documentário “Elizabeth”,
de 2023, dirigido por Alceu Luís Castilho, Luís Indriunas e Vanessa Nicolav.
Vanessa e Indriunas entrevistaram a agricultora em João Pessoa, quando ela
tinha 98 anos.
Confira aqui, na íntegra, o curta-metragem premiado em
três festivais de cinema pelo Brasil:
MEMORIAL
DAS LIGAS CAMPONESAS FOI UM DOS LOCAIS DE EXIBIÇÃO DO CURTA “ELIZABETH”
O documentário foi lançado em setembro de 2023, durante
as comemorações dos sete anos do observatório,
no centro cultural Al Janiah, em São Paulo. Em menos de um ano foi exibido em
pelo menos 35 eventos, realizados em 12 estados diferentes e no Distrito
Federal. Os locais de exibição e os públicos foram os mais diversos, de
movimentos sociais a estudantes universitário. Em alguns desses encontros, com
a participação dos diretores ou outros integrantes da equipe do De Olho nos
Ruralistas.
O filme retrata a trajetória de Elizabeth Teixeira, uma
das líderes das Ligas Camponesas na Paraíba e protagonista do filme “Cabra Marcado para Morrer“, clássico de 1984, dirigido por Eduardo
Coutinho. Com 98 anos de idade, ela foi entrevistada pela editora de imagem
Vanessa Nicolav e pelo editor Luís Indriunas, da equipe do De Olho nos
Ruralistas, em julho. A dupla também ouviu outras mulheres sobre o legado da
líder. Entre os objetivos, resgatar a memória de luta camponesa e fomentar as
discussões sobre a questão agrária no país.
Para saber mais sobre Elizabeth, leia também reportagem
de nossa editoria De Olho na História: “Elizabeth Teixeira, 95 anos, uma
camponesa marcada pela resistência“.
Cenário do documentário gravado em julho de 2023, o
Memorial das Lutas e Ligas Camponesas, em Sapé (PB), foi um dos locais onde o
filme foi exibido. A primeira sessão foi especial, com familiares e visitantes,
em 30 de setembro de 2023. Durante o mês seguinte, o Memorial, que participou
da produção do filme, continuou apresentando o documentário para grupos que
visitaram a sede. Ainda no estado, o filme foi visto por doutorandos de
Sociologia Rural, na Universidade Federal da Paraíba (PB), e teve sessão
especial na Assembleia Legislativa da Paraíba, com a presença do coordenador de
projetos do observatório, Bruno Stankevicius Bassi.
INCRA
PEDIU DESCULPAS AOS CAMPONESES PELOS CRIMES DA DITADURA
Ainda em dezembro de 2023, em Brasília, os ministérios
dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) e do Desenvolvimento Agrário e
Agricultura Familiar (MDA) promoveram o evento a “Fala da Terra: Memória e
futuro das Lutas no Campo”.
Na ocasião, o Estado brasileiro formalizou um pedido de desculpas às populações
camponesas devido à atuação do Instituto Nacional de Colonização e Reforma
Agrária (Incra) na ditadura iniciada em 1964, por meio de uma carta, assinada
pelo presidente do Incra, César Aldrigui, em cerimônia com a presença do
ministro do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar do Brasil, Paulo
Teixeira.
“O pedido de desculpas, ele é necessário, obviamente, é
importante, mas ele não basta”, analisou a presidente do Memorial, Alane Maria
Silva de Lima, uma das personagens do documentário “Elizabeth”. “É preciso
haver a reparação agrária”.
O documentário lembra dos anos de clandestinidade a que
Elizabeth Teixeira foi submetida após ser perseguida pela ditadura, quando
substituiu João Pedro Teixeira na liderança das Ligas Camponesas. Teixeira é o
“cabra marcado para morrer” do clássico de Eduardo Coutinho. O Memorial das
Ligas Camponesas define Elizabeth como “mulher marcada para viver” — o que será
tema de novo filme sobre a paraibana.
FILME
GANHOU PRÊMIO NO FESTIVAL DE VITÓRIA E NA MOSTRA DE AGROECOLOGIA NO RIO
O curta-metragem “Elizabeth” foi reconhecido pelo júri
popular como melhor filme da 7ª Mostra Nacional de Cinema Ambiental no
31º Festival de Cinema de Vitória, que aconteceu
entre 20 e 25 de julho de 2024. Com isso foi um dos vencedores do Troféu
Vitória, em uma das treze mostras do evento, que exibiu 78 filmes e reuniu
cerca de 10 mil pessoas na capital capixaba, com 78 filmes.
O filme também participou da seleção oficial da Mostra
Clandestina de Cinema Feminista, que aconteceu na cidade de Goiás (GO), em abril
do ano passado. E foi um dos selecionados no 7º Curta Caicó,
em outubro, festival realizado no interior do Rio Grande do Norte. Ele foi um
dos cinco filmes exibidos na categoria Sessão Especial.
A Bahia teve exibições em Ilhéus, Jacobina, Caravelas,
Caetité (duas vezes), Ruy Barbosa e Salvador. Os organizadores foram a Comissão
Pastoral da Terra (CPT), o Grupo de Trabalho Política Agrária, Urbana e
Ambiental do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino
Superior (GTaua – Andes), o Movimento pela Soberania Popular na Mineração
(MAM), o Núcleo de Estudos em Cultura e Cidade da Universidade do Estado da
Bahia (NECC – Uneb) e a Associação dos Pequenos Produtores de Jaboticaba
(APPJ).
O Rio de Janeiro teve sessões em Seropédica, na
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRRJ); na capital, na Universidade
Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), por meio do INCT Proprietas, e na Cinemateca
do Museu de Arte Moderna (MAM) Rio.
O filme também participou do 2° Festival Internacional
de Cinema Agroecológico (FicaEco), no tradicional Cine Odeon, no centro do
Rio. A mostra, que aconteceu em novembro, fez parte do XII Congresso Brasileiro
de Agroecologia (CBA). Os diretores Alceu Luís Castilho e Luís Indriunas
receberam do líder indígena Junior Hekurari Yanomami a estatueta do guerreiro
Omama, “guerreiro criador, protetor da Amazônia e do povo Yanomami”.
Cada grupo de realizadores recebeu uma versão única do
guerreiro, em barro e pintada à mão, feita pelo artista plástico Felipe
Corcione. O símbolo faz parte da campanha “O Custo do Ouro”, contra o consumo
de ouro e a invasão garimpeira no território Yanomami. Veja o vídeo da campanha.
Em São Paulo, o filme foi exibido na Assembleia
Legislativa (Alesp), na capital, em novembro de 2023. Em Taubaté, na “Campanha
16 dias de ativismo pelo fim da violência”. E em Guararema, para alunos dos
cursos da Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF), do Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), em 29 de setembro. Após a exibição do
filme, que contou com uma conversa com a jornalista Nanci Pittelkow, da equipe
do observatório, a turma do curso de Defesa e Soberania decidiu batizar o grupo
de Elizabeth Teixeira.
O
documentário também passou pelo Pará, Maranhão, Alagoas, Pernambuco, Minas
Gerais, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.
Fonte: Jornal
GGN/Blog da BoitempoDe Olho nos Ruralistas
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