Zika
usa pele humana como “ímã de mosquitos” para espalhar o vírus
A transmissão do vírus
da zika aumentou nos últimos anos devido à maior disseminação do mosquito Aedes
aegypti, como efeito das mudanças climáticas e da urbanização. No entanto,
ainda são pouco conhecidos os fatores que levam ao sucesso dessa transmissão.
Agora, um estudo publicado nesta quinta-feira (30) na Communications Biology, da renomada revista científica Nature, mostrou que o
vírus pode causar alterações metabólicas na pele humana que a fazem ser mais
atrativa para os mosquitos.
Pesquisadores da
Liverpool School of Tropical Medicine, no Reino Unido, mostraram que o Zika
transforma a pele de uma “barreira protetora” para uma espécie de “imã de
mosquitos”. Isso acontece, segundo o estudo, devido a uma alteração na expressão de genes e proteínas em
fibroblastos dérmicos, um tipo de célula responsável por manter a integridade
estrutural da pele.
Essas mudanças
metabólicas aumentam a produção de compostos orgânicos voláteis, produtos
químicos emitidos pela pele. Esses compostos atraem os mosquitos e os
encorajam a picar, ajudando na transmissão do vírus.
Essa descoberta é
apoiada por uma extensa análise de metaproteoma, uma técnica que examina o
efeito geral da interação de diferentes tipos de genes e proteínas em um
organismo.
“Nossas descobertas
mostram que o vírus Zika não é apenas transmitido passivamente, mas manipula
ativamente a biologia humana para garantir sua sobrevivência”, afirma Noushin
Emami, coautor principal do artigo, em comunicado à imprensa.
“À medida que os casos de Zika aumentam e os
mosquitos Aedes expandem seu alcance, entender os mecanismos pelos quais eles
ganham uma vantagem de transmissão pode desbloquear novas estratégias para
combater arbovírus. Isso pode incluir o desenvolvimento de intervenções
genéticas que interrompam o sinal transmitido pela pele, que parece ser tão
atraente para os mosquitos. As possibilidades são tão intrigantes quanto
urgentes”, completa.
O Zika é um vírus
transmitido pelo Aedes aegypti, o mesmo mosquito responsável pela disseminação do vírus da
dengue e da chikungunya. A doença é
caracterizada por sintomas como febre (abaixo de 38 °C), conjuntivite não
purulenta e manchas vermelhas na pele de início precoce e que causam coceira.
Geralmente, os sintomas
são leves e duram de dois a sete dias. Em alguns casos, o Zika pode causar
complicações mais sérias e prejudicar o desenvolvimento do bebê se contraído
por uma mulher grávida, levando à microcefalia.
¨ Teste
permite identificar infecção prévia por zika e pela dengue
Pesquisadores
brasileiros desenvolveram uma forma simples e rápida de identificar pessoas
previamente expostas a cada um dos quatro sorotipos do vírus da dengue, bem
como ao vírus zika. Trata-se de um teste imunoenzimático do tipo ELISA,
plataforma amplamente utilizada em laboratórios de análises clínicas do país,
passível de ser adaptado para outras tecnologias automatizadas e testes rápidos
do tipo point of care.
O trabalho foi conduzido
no Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP), em
parceria com cientistas da Faculdade de Medicina (FM-USP) e da Universidade
Federal do Oeste da Bahia (Ufob), estes liderados pelo professor Jaime Henrique
Amorim. Os resultados foram publicados no Journal of
Medical Virology.
A dengue é a arbovirose
mais disseminada globalmente. É causada por um flavivírus que apresenta quatro sorotipos antigenicamente distintos (DENV 1,
2, 3 e 4) e que cocirculam com pelo menos outros
nove vírus do mesmo grupo, entre eles o zika (ZIKV). As semelhanças
compartilhadas entre os antígenos do DENV e do ZIKV levam a reações cruzadas e
à redução da especificidade do diagnóstico sorológico.
Com o objetivo de tornar
mais preciso o exame que detecta anticorpos presentes no sangue de pessoas
previamente infectadas, mesmo aquelas sem sintomas aparentes, os pesquisadores
utilizaram fragmentos de proteínas dos vírus, em particular a proteína do
envelope viral (a camada mais externa do patógeno). Tal fragmento, denominado
EDIII, está envolvido na ligação do vírus às células humanas.
Durante o estudo,
financiado pela FAPESP por meio de seis projetos e conduzido durante o
doutorado de Samuel Santos Pereira no ICB-USP, o teste foi inicialmente
validado com amostras de sangue de camundongos experimentalmente infectados com
os vírus DENV e ZIKV.
Nessa etapa, ele
mostrou-se capaz de diferenciar anticorpos específicos contra cada um dos
patógenos e, além disso, diferenciou anticorpos gerados pelos quatro sorotipos
do DENV. Em seguida, o teste foi validado com cerca de 650 amostras de soro
sanguíneo recolhidas de pessoas em São Paulo durante a epidemia de zika no
Brasil (2015-2017). Os resultados indicaram sensibilidade de 87,8%, que indica
a capacidade de evitar resultados falso-negativos, e especificidade de 91,4%,
que se traduz na capacidade de evitar falso-positivos.
“Também testamos 318
amostras de soro colhidas de pessoas saudáveis na cidade de Barreiras [oeste da
Bahia, região endêmica para DENV e outros arbovírus], sem diagnóstico prévio de
dengue, como forma de avaliar a capacidade de monitoramento do teste para
anticorpos específicos gerados após exposição aos vírus”, conta Luís Carlos de
Souza Ferreira, professor do ICB-USP e coordenador do trabalho.
Segundo o pesquisador,
cerca de 65% das amostras reagiram com pelo menos um antígeno de dengue (88
apenas com o sorotipo 1 e 90 delas com mais de um tipo de DENV). Curiosamente,
apenas três amostras foram reativas para ZIKV, indicando que esse patógeno não
circula na região há alguns anos ou que os anticorpos específicos gerados após
a infecção têm curta duração.
“Coletivamente, esses
resultados mostram que temos uma ferramenta poderosa para monitorar a imunidade
sorológica de qualquer pessoa exposta a esses vírus, particularmente em
populações que vivem em áreas endêmicas para dengue e zika ou que tomaram ou
pretendem tomar uma das vacinas disponíveis para a prevenção da dengue”, diz
Ferreira.
No Brasil, 21 mortes por
dengue foram registradas nas primeiras semanas de 2025, dois terços delas no
Estado de São Paulo. O ressurgimento
do sorotipo 3 do vírus no país após 17
anos tem preocupado especialistas, que temem o
agravamento dos surtos.
De acordo com Ferreira,
no caso de uma nova epidemia, o teste desenvolvido no ICB permitirá identificar
indivíduos e populações sem imunidade contra os tipos de DENV circulantes e
implementar medidas dirigidas de prevenção, seja para o combate ao vetor ou a
aplicação de vacinas.
“Os anticorpos medidos
no ensaio [imunoglobulinas G ou IgG] são, em grande parte, responsáveis pela
imunidade protetora contra a doença, pois impedem a entrada do vírus em nossas
células. Essa característica permite que o teste seja usado para avaliar o
status imunológico de pessoas saudáveis, mas previamente expostas aos vírus, e
aquelas imunizadas com uma das vacinas atualmente em uso no país. No caso do
ZIKV, será possível testar a imunidade de pessoas em idade fértil e grávidas,
principal grupo de risco, sem a preocupação de reatividade cruzada com
anticorpos gerados após infecção pelos quatro sorotipos de DENV. Isso permite
estabelecer medidas para evitar a infecção quando do ressurgimento do vírus
zika no país”, acrescenta.
A pesquisa também contou
com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
(Capes), do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(CNPq) e do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Vacinas (INCTV).
¨ Ressurgimento
do sorotipo 3 da dengue pode agravar surtos no Brasil
O ressurgimento do
sorotipo 3 da dengue (DENV-3) no Brasil após 17 anos pode contribuir para
agravar novos surtos da doença no país. Isso porque a população não está
imunizada contra essa linhagem e, ao mesmo tempo, os sorotipos 1 e 2 – DENV-1 e
DENV-2 – continuam em circulação.
O alerta foi feito por
pesquisadores da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (Famerp) em
artigo publicado no Journal of Clinical Virology.
“A última epidemia
significativa de DENV-3 no Brasil e, mais especificamente, em São José do Rio
Preto, ocorreu há mais de 15 anos [em 2007]. Já os sorotipos DENV-1 e DENV-2
continuam circulando continuamente pelo país. Se o sorotipo 3 se estabelecer
novamente e prevalecer esse quadro [de cocirculação de variantes], isso pode
levar a formas severas de uma epidemia de dengue. É exatamente essa situação
que estamos vivendo neste momento em São José do Rio Preto”, diz à Agência FAPESP Maurício Lacerda
Nogueira, professor da Famerp e um dos autores do estudo.
Por meio de um
projeto apoiado pela
FAPESP, os pesquisadores vêm realizando nos últimos 20 anos a vigilância
genômica e epidemiológica de dengue e outras arboviroses (doenças causadas por
vírus transmitidos principalmente por mosquitos) em São José do Rio Preto.
A cidade do interior
paulista tem experimentado circulação endêmica de dengue nas últimas
décadas, caracterizada por surtos causados por diferentes sorotipos virais.
“A temperatura média anual em São José do Rio
Preto é de pouco mais de 25 graus e chove aproximadamente 2 mil milímetros por
ano. Essa combinação de tempo quente e úmido cria condições ideais para a
formação de reservatórios de mosquitos transmissores de arbovírus e um local
propício para o monitoramento genômico e epidemiológico de arboviroses, como a
dengue. E como trabalhamos aqui há muito tempo, conseguimos fazer inferências
epidemiológicas melhores”, explica Lacerda.
Por meio da vigilância
ativa de arbovírus em pacientes com sintomas semelhantes aos da dengue atendidos
no Hospital de Base de São José do Rio Preto e em unidades de pronto
atendimento (UPAs), os pesquisadores observaram um aumento de casos de DENV-3
na cidade a partir do final de 2023.
Trinta e uma amostras
coletadas entre novembro de 2023 e novembro de 2024 foram positivas para
DENV-3. Os sintomas mais comuns dos pacientes foram dor muscular, cefaleia e
febre.
“Entre 2023 e 2024
tivemos uma epidemia de dengue em São José do Rio Preto, causada principalmente
pelos sorotipos 1 e 2. Em meados de 2024 o DENV-1 quase desapareceu, o DENV-2
passou a ser o agente principal e os casos de DENV-3 começaram a subir. E hoje
ele é o principal agente aqui no município”, afirma Lacerda.
O último surto de dengue
no Brasil, em 2021, foi causado por DENV-1, cuja infecção sequencial com DENV-3
demonstrou estar associada ao aumento da gravidade durante uma epidemia de
dengue, apontaram estudos realizados por outros grupos.
“No entanto, nós não
observamos o aumento da gravidade entre os pacientes participantes do estudo que
realizamos”, ponderou Lacerda.
<><> Necessidade de vigilância
ativa
Os pesquisadores também
sequenciaram o genoma e analisaram a filogenia de isolados virais coletados de
amostras de sangue de pacientes com febre aguda. Os resultados das análises
indicaram que ele pertence à mesma linhagem do identificado na Flórida, nos
Estados Unidos, e na região do Caribe, e é diferente das cepas de DENV-3 que
circularam no Brasil durante os anos 2000.
Essas descobertas
indicam que o surto de DENV-3 na região do Caribe e na Flórida entre 2022 e
2024 provavelmente contribuiu para a introdução e disseminação do vírus por
todo o país, avaliam os pesquisadores.
“Isso demonstra a
necessidade da vigilância molecular e genômica de sorotipos circulantes de
dengue para os esforços de preparação e resposta de saúde pública para o
surgimento de casos da doença”, sublinha Lacerda.
A transmissão da dengue é
generalizada em regiões tropicais e subtropicais em todo o mundo. No entanto,
as áreas de risco se expandiram nas últimas décadas, principalmente devido às
mudanças climáticas e à expansão da distribuição do mosquito transmissor,
o Aedes aegypti, apontam os
pesquisadores.
O Brasil é o país mais
afetado nas Américas e há muito tempo é hiperendêmico para todos os sorotipos
do vírus da dengue. Nos últimos anos, o DENV-1 e DENV-2 foram os sorotipos mais
comuns em circulação. Embora o DENV-3 tenha sido detectado durante esse período,
ele teve um número muito baixo de casos, com menos de cem relatados em todo o
território entre 2010 e 2022. No entanto, os casos aumentaram em 2023 (com 106
relatados) e continuaram a aumentar em 2024 (com 1.008 casos).
“Estamos estudando
dengue no Brasil desde 2010 e o padrão epidemiológico é semelhante ao que
aconteceu com o SARS-CoV-2 durante a pandemia de Covid-19. Quando
aparece um sorotipo diferente ocorre o escape da imunidade pregressa da
população e acontece uma epidemia logo em seguida. Estamos vendo isso agora com
a DENV-3”, diz Lacerda.
Fonte: CNN Brasil
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