sábado, 15 de fevereiro de 2025

Zika usa pele humana como “ímã de mosquitos” para espalhar o vírus

A transmissão do vírus da zika aumentou nos últimos anos devido à maior disseminação do mosquito Aedes aegypti, como efeito das mudanças climáticas e da urbanização. No entanto, ainda são pouco conhecidos os fatores que levam ao sucesso dessa transmissão. Agora, um estudo publicado nesta quinta-feira (30) na Communications Biology, da renomada revista científica Naturemostrou que o vírus pode causar alterações metabólicas na pele humana que a fazem ser mais atrativa para os mosquitos.

Pesquisadores da Liverpool School of Tropical Medicine, no Reino Unido, mostraram que o Zika transforma a pele de uma “barreira protetora” para uma espécie de “imã de mosquitos”. Isso acontece, segundo o estudo, devido a uma alteração na expressão de genes e proteínas em fibroblastos dérmicos, um tipo de célula responsável por manter a integridade estrutural da pele.

Essas mudanças metabólicas aumentam a produção de compostos orgânicos voláteis, produtos químicos emitidos pela pele. Esses compostos atraem os mosquitos e os encorajam a picar, ajudando na transmissão do vírus.

Essa descoberta é apoiada por uma extensa análise de metaproteoma, uma técnica que examina o efeito geral da interação de diferentes tipos de genes e proteínas em um organismo.

“Nossas descobertas mostram que o vírus Zika não é apenas transmitido passivamente, mas manipula ativamente a biologia humana para garantir sua sobrevivência”, afirma Noushin Emami, coautor principal do artigo, em comunicado à imprensa.

 “À medida que os casos de Zika aumentam e os mosquitos Aedes expandem seu alcance, entender os mecanismos pelos quais eles ganham uma vantagem de transmissão pode desbloquear novas estratégias para combater arbovírus. Isso pode incluir o desenvolvimento de intervenções genéticas que interrompam o sinal transmitido pela pele, que parece ser tão atraente para os mosquitos. As possibilidades são tão intrigantes quanto urgentes”, completa.

O Zika é um vírus transmitido pelo Aedes aegypti, o mesmo mosquito responsável pela disseminação do vírus da dengue e da chikungunya. A doença é caracterizada por sintomas como febre (abaixo de 38 °C), conjuntivite não purulenta e manchas vermelhas na pele de início precoce e que causam coceira.

Geralmente, os sintomas são leves e duram de dois a sete dias. Em alguns casos, o Zika pode causar complicações mais sérias e prejudicar o desenvolvimento do bebê se contraído por uma mulher grávida, levando à microcefalia.

¨      Teste permite identificar infecção prévia por zika e pela dengue

Pesquisadores brasileiros desenvolveram uma forma simples e rápida de identificar pessoas previamente expostas a cada um dos quatro sorotipos do vírus da dengue, bem como ao vírus zika. Trata-se de um teste imunoenzimático do tipo ELISA, plataforma amplamente utilizada em laboratórios de análises clínicas do país, passível de ser adaptado para outras tecnologias automatizadas e testes rápidos do tipo point of care.

O trabalho foi conduzido no Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP), em parceria com cientistas da Faculdade de Medicina (FM-USP) e da Universidade Federal do Oeste da Bahia (Ufob), estes liderados pelo professor Jaime Henrique Amorim. Os resultados foram publicados no Journal of Medical Virology.

dengue é a arbovirose mais disseminada globalmente. É causada por um flavivírus que apresenta quatro sorotipos antigenicamente distintos (DENV 1, 2, 3 e 4) e que cocirculam com pelo menos outros nove vírus do mesmo grupo, entre eles o zika (ZIKV). As semelhanças compartilhadas entre os antígenos do DENV e do ZIKV levam a reações cruzadas e à redução da especificidade do diagnóstico sorológico.

Com o objetivo de tornar mais preciso o exame que detecta anticorpos presentes no sangue de pessoas previamente infectadas, mesmo aquelas sem sintomas aparentes, os pesquisadores utilizaram fragmentos de proteínas dos vírus, em particular a proteína do envelope viral (a camada mais externa do patógeno). Tal fragmento, denominado EDIII, está envolvido na ligação do vírus às células humanas.

Durante o estudo, financiado pela FAPESP por meio de seis projetos e conduzido durante o doutorado de Samuel Santos Pereira no ICB-USP, o teste foi inicialmente validado com amostras de sangue de camundongos experimentalmente infectados com os vírus DENV e ZIKV.

Nessa etapa, ele mostrou-se capaz de diferenciar anticorpos específicos contra cada um dos patógenos e, além disso, diferenciou anticorpos gerados pelos quatro sorotipos do DENV. Em seguida, o teste foi validado com cerca de 650 amostras de soro sanguíneo recolhidas de pessoas em São Paulo durante a epidemia de zika no Brasil (2015-2017). Os resultados indicaram sensibilidade de 87,8%, que indica a capacidade de evitar resultados falso-negativos, e especificidade de 91,4%, que se traduz na capacidade de evitar falso-positivos.

“Também testamos 318 amostras de soro colhidas de pessoas saudáveis na cidade de Barreiras [oeste da Bahia, região endêmica para DENV e outros arbovírus], sem diagnóstico prévio de dengue, como forma de avaliar a capacidade de monitoramento do teste para anticorpos específicos gerados após exposição aos vírus”, conta Luís Carlos de Souza Ferreira, professor do ICB-USP e coordenador do trabalho.

Segundo o pesquisador, cerca de 65% das amostras reagiram com pelo menos um antígeno de dengue (88 apenas com o sorotipo 1 e 90 delas com mais de um tipo de DENV). Curiosamente, apenas três amostras foram reativas para ZIKV, indicando que esse patógeno não circula na região há alguns anos ou que os anticorpos específicos gerados após a infecção têm curta duração.

“Coletivamente, esses resultados mostram que temos uma ferramenta poderosa para monitorar a imunidade sorológica de qualquer pessoa exposta a esses vírus, particularmente em populações que vivem em áreas endêmicas para dengue e zika ou que tomaram ou pretendem tomar uma das vacinas disponíveis para a prevenção da dengue”, diz Ferreira.

No Brasil, 21 mortes por dengue foram registradas nas primeiras semanas de 2025, dois terços delas no Estado de São Paulo. O ressurgimento do sorotipo 3 do vírus no país após 17 anos tem preocupado especialistas, que temem o agravamento dos surtos.

De acordo com Ferreira, no caso de uma nova epidemia, o teste desenvolvido no ICB permitirá identificar indivíduos e populações sem imunidade contra os tipos de DENV circulantes e implementar medidas dirigidas de prevenção, seja para o combate ao vetor ou a aplicação de vacinas.

“Os anticorpos medidos no ensaio [imunoglobulinas G ou IgG] são, em grande parte, responsáveis pela imunidade protetora contra a doença, pois impedem a entrada do vírus em nossas células. Essa característica permite que o teste seja usado para avaliar o status imunológico de pessoas saudáveis, mas previamente expostas aos vírus, e aquelas imunizadas com uma das vacinas atualmente em uso no país. No caso do ZIKV, será possível testar a imunidade de pessoas em idade fértil e grávidas, principal grupo de risco, sem a preocupação de reatividade cruzada com anticorpos gerados após infecção pelos quatro sorotipos de DENV. Isso permite estabelecer medidas para evitar a infecção quando do ressurgimento do vírus zika no país”, acrescenta.

A pesquisa também contou com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Vacinas (INCTV).

¨      Ressurgimento do sorotipo 3 da dengue pode agravar surtos no Brasil

O ressurgimento do sorotipo 3 da dengue (DENV-3) no Brasil após 17 anos pode contribuir para agravar novos surtos da doença no país. Isso porque a população não está imunizada contra essa linhagem e, ao mesmo tempo, os sorotipos 1 e 2 – DENV-1 e DENV-2 – continuam em circulação.

O alerta foi feito por pesquisadores da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (Famerp) em artigo publicado no Journal of Clinical Virology.

“A última epidemia significativa de DENV-3 no Brasil e, mais especificamente, em São José do Rio Preto, ocorreu há mais de 15 anos [em 2007]. Já os sorotipos DENV-1 e DENV-2 continuam circulando continuamente pelo país. Se o sorotipo 3 se estabelecer novamente e prevalecer esse quadro [de cocirculação de variantes], isso pode levar a formas severas de uma epidemia de dengue. É exatamente essa situação que estamos vivendo neste momento em São José do Rio Preto”, diz à Agência FAPESP Maurício Lacerda Nogueira, professor da Famerp e um dos autores do estudo.

Por meio de um projeto apoiado pela FAPESP, os pesquisadores vêm realizando nos últimos 20 anos a vigilância genômica e epidemiológica de dengue e outras arboviroses (doenças causadas por vírus transmitidos principalmente por mosquitos) em São José do Rio Preto.

A cidade do interior paulista tem experimentado circulação endêmica de dengue nas últimas décadas, caracterizada por surtos causados por diferentes sorotipos virais.

 “A temperatura média anual em São José do Rio Preto é de pouco mais de 25 graus e chove aproximadamente 2 mil milímetros por ano. Essa combinação de tempo quente e úmido cria condições ideais para a formação de reservatórios de mosquitos transmissores de arbovírus e um local propício para o monitoramento genômico e epidemiológico de arboviroses, como a dengue. E como trabalhamos aqui há muito tempo, conseguimos fazer inferências epidemiológicas melhores”, explica Lacerda.

Por meio da vigilância ativa de arbovírus em pacientes com sintomas semelhantes aos da dengue atendidos no Hospital de Base de São José do Rio Preto e em unidades de pronto atendimento (UPAs), os pesquisadores observaram um aumento de casos de DENV-3 na cidade a partir do final de 2023.

Trinta e uma amostras coletadas entre novembro de 2023 e novembro de 2024 foram positivas para DENV-3. Os sintomas mais comuns dos pacientes foram dor muscular, cefaleia e febre.

“Entre 2023 e 2024 tivemos uma epidemia de dengue em São José do Rio Preto, causada principalmente pelos sorotipos 1 e 2. Em meados de 2024 o DENV-1 quase desapareceu, o DENV-2 passou a ser o agente principal e os casos de DENV-3 começaram a subir. E hoje ele é o principal agente aqui no município”, afirma Lacerda.

O último surto de dengue no Brasil, em 2021, foi causado por DENV-1, cuja infecção sequencial com DENV-3 demonstrou estar associada ao aumento da gravidade durante uma epidemia de dengue, apontaram estudos realizados por outros grupos.

“No entanto, nós não observamos o aumento da gravidade entre os pacientes participantes do estudo que realizamos”, ponderou Lacerda.

<><> Necessidade de vigilância ativa

Os pesquisadores também sequenciaram o genoma e analisaram a filogenia de isolados virais coletados de amostras de sangue de pacientes com febre aguda. Os resultados das análises indicaram que ele pertence à mesma linhagem do identificado na Flórida, nos Estados Unidos, e na região do Caribe, e é diferente das cepas de DENV-3 que circularam no Brasil durante os anos 2000.

Essas descobertas indicam que o surto de DENV-3 na região do Caribe e na Flórida entre 2022 e 2024 provavelmente contribuiu para a introdução e disseminação do vírus por todo o país, avaliam os pesquisadores.

“Isso demonstra a necessidade da vigilância molecular e genômica de sorotipos circulantes de dengue para os esforços de preparação e resposta de saúde pública para o surgimento de casos da doença”, sublinha Lacerda.

transmissão da dengue é generalizada em regiões tropicais e subtropicais em todo o mundo. No entanto, as áreas de risco se expandiram nas últimas décadas, principalmente devido às mudanças climáticas e à expansão da distribuição do mosquito transmissor, o Aedes aegypti, apontam os pesquisadores.

O Brasil é o país mais afetado nas Américas e há muito tempo é hiperendêmico para todos os sorotipos do vírus da dengue. Nos últimos anos, o DENV-1 e DENV-2 foram os sorotipos mais comuns em circulação. Embora o DENV-3 tenha sido detectado durante esse período, ele teve um número muito baixo de casos, com menos de cem relatados em todo o território entre 2010 e 2022. No entanto, os casos aumentaram em 2023 (com 106 relatados) e continuaram a aumentar em 2024 (com 1.008 casos).

“Estamos estudando dengue no Brasil desde 2010 e o padrão epidemiológico é semelhante ao que aconteceu com o SARS-CoV-2 durante a pandemia de Covid-19. Quando aparece um sorotipo diferente ocorre o escape da imunidade pregressa da população e acontece uma epidemia logo em seguida. Estamos vendo isso agora com a DENV-3”, diz Lacerda.

 

Fonte: CNN Brasil

 

Nenhum comentário: