Não é só no Brasil:
ONG liga Nestlé e Starbucks a trabalho precário no México
UM NOVO
RELATÓRIO da Empower, organização mexicana de defesa dos direitos humanos,
expôs uma série de violações trabalhistas e ambientais na cadeia de
fornecimento de café no México. Os casos estão diretamente relacionados às
gigantes multinacionais Nestlé e Starbucks, duas das principais compradoras do
grão no país.
O documento “Exploração e
Opacidade: A Realidade Oculta do Café Mexicano nas Cadeias de Fornecimento da
Nestlé e Starbucks”,
publicado nesta sexta-feira (14), detalha como as práticas da produção de café
certificado das duas corporações impactam negativamente produtores,
trabalhadores e o meio ambiente.
A Empower alerta
que os cafeicultores são vítimas da informalidade, baixa remuneração, jornadas
extenuantes e que o trabalho infantil ainda é comum nos cafezais do país. “As
crianças costumam estar presentes nas plantações de café devido aos salários
inadequados recebidos por seus pais, obrigando as famílias a depender de sua
mão de obra para complementar a renda familiar”, aponta um trecho do
estudo.
Na avaliação da
organização, o problema é agravado pela falta de fiscalização eficiente e pela
conivência das certificadoras, que falham em detectar ou relatar esses abusos.
Segundo a Empower,
os cafeicultores mexicanos enfrentam pressão econômica de grandes empresas
compradoras, o que resulta em condições de pobreza extrema e marginalização.
Intermediários conhecidos como “coyotes”, que compram a produção de zonas
distantes dos grandes centros de comercialização, impõem preços abusivamente
baixos. Há relatos também de fraudes na pesagem dos grãos.
“Esses abusos não
são incidentes isolados, mas sim problemas estruturais e abrangentes em toda a
indústria, impulsionados pelas práticas de compra das gigantes globais do café,
que priorizam a redução de custos em detrimento de condições laborais éticas”,
declarou Giulia Marchese, pesquisadora sênior da Empower, à Repórter
Brasil.
Em resposta à
reportagem, a Nestlé afirmou que as alegações do relatório “distorcem a
realidade de sua atuação na cadeia de fornecimento de café no México”. A
empresa declarou que paga preços historicamente altos aos fornecedores diretos
e não compra café de intermediários. Sustentou ainda que a expansão do robusta
no país ocorreu sem desmatamento e que exige de seus fornecedores o respeito
aos direitos trabalhistas e comunitários. Clique aqui para ler a
resposta na íntegra.
A Starbucks não
respondeu aos questionamentos enviados até o fechamento deste texto. O espaço
segue aberto para manifestações futuras.
·
Problema
global
O cenário traçado
pela pesquisa mexicana guarda semelhanças com a realidade brasileira. Em 2023,
a Repórter
Brasil revelou que
fazendas de café em Minas Gerais, onde o Ministério do Trabalho e Emprego
flagrou trabalho escravo e infantil, possuíam o selo de certificação da
Starbucks. Naquele ano, o cultivo de café foi o setor
com maior número de trabalhadores resgatados do trabalho análogo à
escravidão em todo o país.
Quatro anos antes,
em 2019, um fornecedor de café da Nespresso, marca controlada pela Nestlé,
foi incluído
na Lista Suja do trabalho escravo pela submissão de 6 trabalhadores a
condições análogas à escravidão. O produtor também possuía o selo C.A.F.E.
Practices, da Starbucks.
À época, a
Nespresso suspendeu o contrato com o cafeicultor e garantiu que as fazendas
fornecedoras da marca “são rigorosamente avaliadas e supervisionadas
anualmente”. Em relação ao mesmo caso, a Starbucks afirmou que investigaria o
episódio e que seguia “padrões éticos e sustentáveis”. Quando as novas
revelações da Repórter Brasil vieram à tona, a multinacional disse
estar “profundamente preocupada com as alegações levantadas” e que as fazendas
mencionadas seriam investigadas.
·
Repressão
policial
O relatório da
Empower ressalta também um caso ocorrido em 2022 no estado de Veracruz, quando
cafeicultores que vendiam sua produção para uma empresa intermediária
fornecedora da Nestlé realizaram uma manifestação contra a queda repentina no
preço do café. De acordo com a Empower, 12 pessoas foram presas de forma
irregular na ocasião.
Segundo o
relatório, “essas irregularidades incluíram prisões violentas, a imposição
injustificada de um ano de prisão preventiva e a negação da possibilidade de os
réus apresentarem provas de sua inocência”. Dos 12 cafeicultores presos, 7
ainda respondem por crimes na Justiça.
·
Certificação
fracassou, diz organização
Violações
trabalhistas e aos direitos humanos, ressalta o relatório, são identificadas
também em propriedades certificadas, que deveriam garantir boas práticas
socioambientais. A investigação aponta que esquemas de certificação, como o 4C
(sigla para Código Comum para a Comunidade Cafeeira), usado pela Nestlé, e o
C.A.F.E. Practices, da Starbucks, criam uma aparência de sustentabilidade,
transformando-se em ferramentas de greenwashing (lavagem verde, na
tradução para o português).
“Muitos
trabalhadores enfrentam jornadas exaustivas sem descanso adequado, recebem
salários abaixo do nível de pobreza, que não cobrem os custos básicos de vida,
e não têm acesso a serviços essenciais, como água potável, saneamento e
assistência médica”, explica Florencia Rivaud, da Empower. “O fracasso dos
esquemas voluntários de certificação em prevenir essas violações destaca a
necessidade urgente de regulamentações obrigatórias, proteções trabalhistas
mais robustas e mecanismos de responsabilização corporativa”, completa.
A 4C foi procurada
para comentar o estudo, mas não respondeu aos questionamentos enviados até o
fechamento desta reportagem. O espaço segue aberto para manifestações
futuras.
·
Novos
cultivos
No México, segundo
a ONG, a situação é agravada pelo incentivo da Nestlé ao cultivo de café
robusta, que exige cultivo sob sol pleno, sem sombras. A Empower analisou
imagens de satélite de novas áreas de cultivo e constatou que o plantio
substituiu formações florestais e gerou desmatamento.
Quase 90% do café
robusta importado pela Nestlé no México entre 2022 e 2024 veio do Brasil. As
pesquisadoras da Empower dizem que a importação em massa prejudica os
cafeicultores mexicanos, que enfrentam dificuldades para competir em preço e
volume. Como resultado, a estratégia de fornecimento da Nestlé perpetua preços
baixos no campo e reforça a vulnerabilidade estrutural dos pequenos
agricultores.
“Quando a Nestlé
estabeleceu sua fábrica de café em Veracruz, inicialmente prometeu comprar
predominantemente de produtores mexicanos, mas, em vez disso, continua
importando grandes volumes de robusta brasileiro mais barato, por meio de
intermediários”, lembrou Rivaud.
·
Como
reverter o cenário
No Brasil e no
México, a Empower recomenda que as corporações adotem mais transparência na
cadeia produtiva, garantindo preços justos aos produtores e auditorias
verdadeiramente independentes.
“Empresas como
Nestlé e Starbucks devem ser obrigadas a assumir responsabilidade pelas
condições de trabalho em suas cadeias de suprimentos. Isso inclui a implementação
de leis de devida diligência obrigatórias, que imponham consequências reais
para violações dos direitos trabalhistas, em vez de depender de compromissos
voluntários e programas de certificação ineficazes”, pontuou Marchese.
A pesquisadora
defende ainda que os governos imponham regulamentações mais rígidas para
assegurar que fundos públicos destinados ao setor cafeeiro beneficiem de fato
os pequenos produtores, e não apenas as multinacionais.
“Os governos devem
exigir salários dignos, contratos formais e acesso a assistência médica e
previdência social para todos os trabalhadores agrícolas, independentemente de
seu status empregatício”, disse.
Fonte: Repórter Brasil
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