Mundo (e Brasil)
vão copiar Trump e 'perfurar, baby, perfurar' atrás de petróleo e gás?
Quando a cúpula
climática da ONU nos Emirados Árabes Unidos em 2023
(a COP 28) terminou com
um apelo para uma "transição para longe dos combustíveis fósseis",
foi aplaudida como um marco histórico na ação climática global.
No entanto, pouco
mais de um ano depois, esse compromisso global está perdendo força, já que a
transição para energia limpa está desacelerando e a queima de combustíveis
fósseis continua
a aumentar.
E agora há a
emergência nacional de energia declarada pelo presidente dos EUA, Donald Trump,
que está abraçando os combustíveis fósseis e abandonando as políticas de
energia limpa — e isso já começou a influenciar outros países e empresas de
energia.
Em resposta à
expressão "perfure, baby, perfure" dita por Trump e à sua saída
do Acordo de Paris sobre o
clima, a Indonésia deu a
entender que pode seguir o mesmo caminho. O país está entre os 10 maiores
emissores de carbono do mundo.
'Se os EUA não
estão participando, por que nós deveríamos?'
"Se os Estados
Unidos não querem cumprir o acordo internacional, por que um país como a
Indonésia deveria cumpri-lo?" perguntou Hashim Djojohadikusumo, enviado
especial para mudanças climáticas e energia da Indonésia.
"A Indonésia
produz três toneladas de carbono enquanto os EUA produzem 13 toneladas, mas
somos nós que estamos sendo pressionados a fechar nossas usinas de energia e
reduzir nossas usinas a vapor (que geralmente usam combustíveis fósseis).
Então, onde está o senso de justiça nisso?" ele questionou no Fórum ESG
Sustentável 2025, em Jacarta, em 31 de janeiro.
O Sudeste Asiático,
onde fica a Indonésia, é um grande produtor e consumidor de carvão, e
especialistas temem que a transição energética possa ser ainda mais adiada.
"Se o maior
produtor de petróleo do mundo, em vez de tomar medidas ousadas para eliminar
gradualmente os combustíveis fósseis, está aumentando sua produção, outros
países produtores de combustíveis fósseis terão uma desculpa fácil para
aumentar sua própria produção, o que países como Malásia e Indonésia já estão
fazendo," disse Nithi Nesadurai, diretor da ONG Climate Action Network no
Sudeste Asiático.
"Isso levará a
impactos desastrosos nas mudanças climáticas e ao aumento das
temperaturas."
Na Europa, uma
grande empresa de energia norueguesa, a Equinor, acabou de anunciar que está
reduzindo pela metade o investimento em energia renovável enquanto aumenta a
produção de petróleo e gás em 10%. E espera-se um movimento semelhante da
gigante do petróleo britânica BP em breve.
"Quando ouço
'perfure, baby, perfure', vejo isso como um sentimento positivo para o setor de
petróleo e gás," disse o diretor-executivo da Equinor, Anders Opedal,
acrescentando que as empresas sempre decidirão sobre os programas de perfuração
com base nos sinais de preço.
No Brasil, mesmo
antes de Trump retornar à Casa Branca, o governo do presidente Lula tem
defendido avançar na exploração de petróleo em áreas sensíveis como a foz do rio Amazonas.
A foz do Amazonas é
uma área no Oceano Atlântico a aproximadamente 400 quilômetros da Costa do
Amapá. Ela é cobiçada pela Petrobras, que tenta autorização junto aos órgãos
ambientais brasileiros para fazer perfurações de caráter exploratório e saber
se a região tem ou não campos de petróleo economicamente viáveis.
Ambientalistas se
posicionam contra a iniciativa liderada pela Petrobras e pelo Ministério das
Minas e Energia alegando que são altos os riscos ambientais para uma região tão
ecologicamente sensível e próxima da Amazônia em caso de vazamento.
Também há uma queda
de braço com Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais
Renováveis (Ibama). A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, vem se
manifestando pessoalmente contra a exploração de petróleo na região.
Nesta quinta-feira
(13/2), o presidente Lula disse em visita ao Amapá que "ninguém pode
proibir a gente de pesquisar para saber o tamanho da riqueza que a gente tem,
ninguém pode."
Lula completou:
"a gente não vai fazer nenhuma loucura ambiental, mas a gente tem que
estudar".
Em entrevista à BBC
News Brasil,
o diplomata nomeado por Lula para presidir a COP30 em Belém neste ano, André
Correa do Lago, disse não ver contradição entre a busca por petróleo na foz do
Amazonas e agenda ambiental de Lula
"Se você tomar
como exemplo a Alemanha, ela parou de usar energia nuclear e voltou a usar
carvão. Por que ela fez isso? Porque dentro do seu plano de transição, eles
consideraram que, econômica e racionalmente, eles ainda tinham que usar carvão
por alguns anos até conseguir engatar na transição com vistas à meta de net
zero até 2050.", disse Lago.
A meta de net zero
é equilíbrio entre emissões e captura de gases do efeito estufa.
Na África do Sul, a
maior economia da África e um dos principais emissores de carbono que depende
fortemente do carvão, um projeto de transição para energia limpa de US$ 8,5
bilhões com ajuda internacional já estava avançando a passos lentos. Agora, há
temores de que possa ser ainda mais prejudicado, mesmo quando as fontes
renováveis, como energia solar e eólica, são muito mais baratas.
"Há,
obviamente, a possibilidade de que a desativação de algumas de nossas usinas de
carvão seja ainda mais atrasada, mas isso traz um custo significativo e um
grande risco para a economia sul-africana," disse Wikus Kruger, diretor do
Power Futures Lab na Universidade da Cidade do Cabo.
Ele afirmou que os
anúncios de Trump podem tornar um pouco mais fácil para outros países
africanos, especialmente na África Subsaariana, que desejam e têm recursos,
construírem usinas de energia a gás natural.
Na América Latina,
a Argentina, que saiu da conferência climática COP29 em Baku, no Azerbaijão, em
novembro passado, parece estar seguindo os passos do presidente dos EUA.
"Agora,
esperamos que nossa produção de petróleo e gás aumente," disse Enrique
Viale, presidente da Associação Argentina de Advogados Ambientalistas.
"O presidente
Milei deu a entender que pretende se retirar do Acordo de Paris e afirmou que o
ambientalismo faz parte da agenda woke."
Cientistas afirmam
que não pode haver novas extrações de combustíveis fósseis e que é necessária
uma rápida redução das emissões de carbono se o mundo quiser limitar o
aquecimento a 1,5º Celsius em comparação com o período pré-industrial.
·
'Energia
americana por todo o mundo'
Trump não apenas
disse "perfure, baby, perfure", mas também afirmou: "Vamos
exportar energia americana para todo o mundo."
E potenciais
compradores estrangeiros de energia americana, especialmente gás, já estão se
preparando.
Poucos dias após o
anúncio de Trump sobre sua emergência energética, os segundo e terceiro maiores
importadores de gás do mundo, Coreia do Sul e Japão, respectivamente, disseram
que importariam mais energia americana.
E o terceiro maior
emissor de carbono do mundo, a Índia, também anunciou que comprará mais energia
americana, embora tenha definido uma meta ambiciosa de energia nuclear em seu
recém-anunciado orçamento fiscal anual.
"Há certamente
a ameaça de que, se os EUA buscarem inundar os mercados com combustíveis
fósseis baratos, pressionar países a comprarem mais de seus combustíveis
fósseis, ou ambos, a transição energética global pode ser desacelerada,"
disse Lorne Stockman, diretor de pesquisa da Oil Change International, uma
organização de pesquisa e defesa da transição para energia limpa.
·
Energia
renovável desacelera
O investimento
global em transição energética ultrapassou US$ 2 trilhões pela primeira vez e
mais do que dobrou desde 2020, de acordo com o relatório Energy Transition
Investment Trends publicado pela BloombergNEF em janeiro.
No entanto, o
relatório apontou que o crescimento desacelerou para apenas 10,7% em 2024, em
comparação com 24% a 29% em cada um dos anos de 2021 a 2023.
Um relatório do
Fórum Econômico Mundial de 2024 afirmou que "a volatilidade econômica, as
tensões geopolíticas intensificadas e as mudanças tecnológicas afetaram o
cenário, complicando a velocidade e a trajetória da transição."
A ONU diz que
nenhum dos países do G20, que são as maiores economias e os maiores emissores
de carbono, está reduzindo as emissões em um ritmo suficiente para atingir a
chamada net zero.
·
'Bancos
apoiando combustíveis sujos'
Em meio a tudo isso
e poucos dias antes do anúncio de expansão de combustíveis fósseis de Trump,
grandes bancos dos EUA abandonaram em dezembro a Net Zero Banking Alliance, um
grupo de bancos importantes comprometidos em alinhar suas atividades de
empréstimos, investimentos e mercados de capitais com as emissões líquidas zero
de gases de efeito estufa até 2050.
Mesmo antes de
Trump, as emissões globais cresceram quase 1% no ano passado e a concentração
de gás carbônico (CO₂) na atmosfera atingiu o nível mais alto já registrado.
Além disso, 2024
foi o primeiro ano a registrar uma temperatura média global acima de 1,5°C em
comparação com o período pré-industrial.
Diante desse
cenário, os grandes emissores têm algum incentivo para não seguir a política
pró-combustíveis fósseis de Trump?
"A economia do
fornecimento de energia é um fator-chave da descarbonização," disse David
Brown, diretor de prática de transição energética na Wood Mackenzie, um centro
de pesquisas global de energia.
"A abundância
de recursos energéticos nos EUA favorece a produção de gás natural e líquidos.
Em contrapartida, economias que dependem de importação, como China, Índia e
Sudeste Asiático, têm um forte incentivo econômico para descarbonizar suas
fontes de energia."
¨ Por que
explorar petróleo na Margem Equatorial? Por Deyvid Bacelar
O
presidente Lula defendeu que o Ibama autorize a pesquisa de petróleo na Margem
Equatorial, e esse debate precisa ser feito com seriedade. Não se trata de
explorar a qualquer custo, mas de conhecer o potencial dessa região
estratégica.
A
Petrobrás, referência mundial em exploração segura em águas profundas, já tem
um plano estratégico sólido: investir US$ 3,1 bilhões até 2028 e perfurar 16
poços na Margem Equatorial. O Brasil está ficando para trás, enquanto países
como Guiana e Suriname avançam, atraindo bilhões em investimentos.
Essa é
uma oportunidade para gerar empregos, fortalecer a economia, sobretudo das
regiões Norte e Nordeste do país e, acima de tudo, financiar uma transição
energética justa. Sem grandes investimentos, como garantiremos o futuro
sustentável que todos desejamos?
¨
Lula diz ‘ter certeza de que Marina jamais será contra’
sobre explorar petróleo na Bacia da Foz do Rio Amazonas
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse nesta
sexta-feira (14) ter "certeza" de que a ministra do Meio Ambiente,
Marina Silva, não será contra a exploração de novos poços de petróleo na Bacia
da Foz do Rio Amazonas, no Norte do país, se houver liberação dos órgãos
ambientais.
🛢️ O tema opõe, desde o início do governo, órgãos
ambientais como Ibama e Ministério do Meio Ambiente e instâncias ligadas à
extração do óleo, como Petrobras e Ministério de Minas e Energia.
"Nós vamos explorar esse petróleo, vamos fazer
pesquisa. Nós pagamos uma sonda, US$ 500 mil por dia, você acha pouco? E essa
sonda está paralisada. Precisamos colocar ela para funcionar, para fazer
pesquisa. Se não achar petróleo, tudo bem, vamos procurar em outro lugar. Mas
se tiver, temos que saber como explorá-lo", disse Lula em entrevista a uma
rádio de Belém (PA).
Segundo Lula, o dinheiro vindo dessa exploração
poderia ser utilizado para ter uma "política mais forte de
fiscalização" do setor.
"Tenho certeza que a Marina [Silva] jamais
será contra, porque a Marina é uma pessoa muito inteligente. O que ela quer,
não é 'não fazer', mas é 'como fazer'. Isso é uma coisa que eu quero, ela quer
e você quer. Como fazer para a gente não ser predatório com a nossa querida
Amazônia. Por isso, acho que a gente vai fazer", declarou Lula.
<><> Pressão para liberar pesquisa
Na quarta, Lula já tinha dito que quer explorar
petróleo na bacia da Foz do Amazonas, no Amapá.
"Não é que eu vou mandar explorar [o
petróleo], eu quero que ele seja explorado", afirmou. "Agora, antes
de explorar, nós temos que pesquisar", completou Lula.
O presidente afirmou que há a previsão de uma
reunião entre a Casa Civil e o Ibama na semana que vem para analisar a
viabilidade da Petrobras começar esse trabalho.
O presidente chamou a demora do Ibama em conceder a
licença de “lenga-lenga”.
"O que não dá é para a gente ficar nesse
'lenga-lenga'. O Ibama é um órgão do governo, parecendo que é um órgão contra o
governo. [...] A Petrobras é uma empresa responsável, tem a maior experiência
de exploração em águas profundas, vamos cumprir todos os ritos necessários para
que não cause nenhum estrago na natureza", prosseguiu.
¨
Em evento com Lula, Marina reforça necessidade de
transição energética
A ministra do Meio Ambiente, Marina
Silva, defendeu nesta sexta-feira (14) a continuidade de
investimentos em descarbonização e na transição energética no Brasil.
Marina, contudo, não citou a exploração de petróleo
na Bacia da Foz do Amazonas — processo que está sob análise técnica do Ibama.
🛢️ O tema opõe, desde o início do governo, órgãos
ambientais como Ibama e Ministério do Meio Ambiente e instâncias ligadas à
extração do óleo, como Petrobras e Ministério de Minas e Energia. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) defende que
sejam feitas pesquisas na região e tem
falado sobre o assunto em entrevistas.
"A COP é a grande oportunidade de — além de
mostrarmos aquilo que estamos fazendo: combate ao desmatamento, plano de
transformação ecológica, NDCs [Contribuições Nacionalmente Determinadas]
ambiciosas, que vai reduzir de 59% a 67% as emissões do Brasil para todos os
setores — de mostrar que nós podemos produzir alimento com a agricultura de
baixo carbono, que nós podemos desenvolver bioeconomia", afirmou Marina.
<><> Descarbonização e riqueza
A ministra do Meio Ambiente citou a China como país
de maior contribuição energética para a transição climática, e afirmou que o
Brasil pode ser "endereço dos melhores investimentos", já que tem
energia limpa.
A ministra ponderou, contudo, que, para isso, é
necessário "continuar investindo na descarbonização da sua matriz
energética, inclusive com o hidrogênio verde". Segundo ela, dessa forma, o
Brasil será capaz de transformar matéria-prima em riqueza.
"O mundo vai ter que fazer essa transição.
Essa COP tem que ser a COP da implementação. Nós ficamos 33 anos discutindo,
fazendo regras, criando estrutura. Agora não tem como discutir. As decisões
foram tomadas na COP 28 nos Emirados Árabes Unidos: triplicar a energia
renovável, duplicar a eficiência energética, fazer a transição para o fim do
uso de combustível fóssil [...] e, ao mesmo, tempo sermos capazes de fazer uma
transição justa, sobretudo para os mais vulneráveis", concluiu Marina.
A fala da ministra, em um evento em Belém de
investimentos para COP30, aconteceu horas depois de o presidente Lula afirmar,
que tem "certeza" de que Marina não será contra a exploração de novos
poços de petróleo na região, se houver a liberação de órgãos ambientais.
"Nós vamos explorar esse petróleo, vamos fazer
pesquisa. Nós pagamos uma sonda, US$ 500 mil por dia, você acha pouco? E essa
sonda está paralisada. Precisamos colocar ela para funcionar, para fazer
pesquisa. Se não achar petróleo, tudo bem, vamos procurar em outro lugar. Mas
se tiver, temos que saber como explorá-lo", disse Lula em entrevista, mais
cedo, a uma rádio de Belém (PA).
O presidente ainda destacou que o dinheiro vindo
dessa exploração poderia ser utilizado para ter uma "política mais forte
de fiscalização" do setor.
O Brasil vai sediar a COP30 em novembro deste ano,
em Belém (PA). Recentemente, foram anunciados como presidente do evento o
diplomata de carreira André Corrêa do Lago, considerado pelas entidades do
setor uma das principais referências em negociações climáticas, e como
diretora-executiva a economista Ana Toni, secretária nacional de Mudança do
Clima do Ministério do Meio Ambiente.
Fonte: Por Navin
Singh Khadka, repórter de meio ambiente da BBC/g1
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