'Gaza é dos
palestinos', diz Celso Amorim sobre proposta de 'Riviera' de Trump
"Gaza é dos
palestinos". É assim que o assessor especial para assuntos internacionais
do presidente Luiz Inácio Lula da
Silva (PT), Celso Amorim, responde sobre a
proposta feita pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de retirar a população
palestina da Faixa de Gaza e, no território, desenvolver um projeto
imobiliário e turístico classificado por ele como uma "Riviera do Oriente
Médio".
"Gaza é dos
palestinos e tem que ser respeitada dessa forma", disse Amorim à BBC News
Brasil em breve conversa na quarta-feira (12/2), às vésperas de ele embarcar
para a Conferência de Segurança de Munique, na Alemanha.
O evento reúne
diplomatas e especialistas em segurança internacional de todo o mundo na cidade
alemã.
O posicionamento de
Amorim sobre o destino da Faixa de Gaza ecoa a resposta de diversos líderes
internacionais, inclusive a de Lula, que também se manifestou de forma
contrária à proposta.
"Os Estados
Unidos participaram do incentivo a tudo que Israel fez na Faixa de Gaza. Então,
não faz sentido se reunir com o presidente de Israel e dizer: 'nós vamos ocupar
Gaza, vamos recuperar Gaza, vamos morar em Gaza.' E os palestinos vão para onde,
onde vão viver? Qual o país deles?", disse Lula no dia 5 de fevereiro
durante entrevista a rádios de Minas Gerais.
Amorim é apontado
como o conselheiro mais influente de Lula em política internacional.
Nos dois primeiros
mandatos do petista (entre 2003 e 2010), o diplomata já havia atuado como
ministro das Relações Exteriores.
Ele tem conversas
quase diárias com o presidente Lula, que se mantiveram nas últimas três
semanas, em meio ao impacto dos primeiros atos de Donald Trump em seu novo
mandato no comando dos Estados Unidos.
O mais recente
deles foi a imposição de
tarifas de 25% sobre o aço e o alumínio exportados pelo Brasil aos americanos, anunciada nesta
semana.
Na breve entrevista
concedida à BBC News Brasil, Amorim evitou fazer críticas diretas a Trump,
disse que o melhor caminho para o país é tentar negociar alternativas às
tarifas antes de implementar medidas retaliatórias aos Estados Unidos, mas
afirmou que o país deve estar preparado para adotar outras medidas caso as
negociações falhem.
Com mais de 50 anos
de experiência em diplomacia, Amorim reconheceu que o mundo, na sua opinião,
passa por um momento mais instável e que a chegada de Trump ao governo
americano seria mais um elemento nesse contexto de imprevisibilidade.
·
Gaza
é 'parte integral da Palestina'
Ao responder sobre
a proposta feita por Trump, Amorim evitou confrontar diretamente o presidente
americano, mas se manifestou de forma contrária à ideia.
"A Faixa de
Gaza é uma parte integral da Palestina e a Palestina
tem que ser um Estado independente convivendo com Israel de maneira
pacífica. Esse é o único caminho possível e pensável", afirmou o
diplomata.
Segundo ele,
qualquer proposta que não preveja a existência de um Estado Palestino na região
estaria fadada ao fracasso.
"Todas as
demais propostas não funcionarão. Elas apenas agravarão as acusações de
interferências externas e de desrespeito ao direito internacional. Ao que me
consta, isso foi falado [por Trump], mas não foi feito como proposta formal. E
espero que não seja", afirmou o diplomata.
Trump anunciou a
intenção de ocupar a Faixa de
Gaza e transformá-la em um empreendimento imobiliário durante a
visita aos Estados Unidos do premiê israelense Benjamin Netanyahu, no dia 5 de
fevereiro.
"Os Estados
Unidos vão tomar a Faixa de Gaza e vamos fazer um trabalho com ela,
também", disse Trump na ocasião.
Dias depois, Trump
voltou a defender a ideia afirmando que os Estados Unidos "tomariam"
o controle da Faixa de Gaza após o fim dos conflitos entre israelenses e
militantes do Hamas.
Segundo seu plano,
os quase 2 milhões de palestinos que vivem na região deveriam ser realocados em
países próximos como a Jordânia e o Egito. Os dois países, no entanto, se
manifestaram de forma contrária à proposta.
Outro aliado
histórico dos Estados Unidos na região, a Arábia Saudita, também foi contra a
ideia de Trump.
Um dos argumentos
usados pelo presidente americano para defender sua ideia é de que, da forma
como está, a região não seria segura para o retorno dos milhares de moradores
que tiveram de se deslocar em busca de um lugar seguro durante as ações
militares israelenses.
A solução, no
entanto, vem sendo criticada
internacionalmente supostamente
por violar diversos acordos internacionais que estabelecem o direito do povo
palestino de ter um Estado que coexista com Israel.
A região foi
severamente destruída durante a ação militar israelense após os ataques
terroristas de 7 de outubro de
2023,
quando militantes do Hamas mataram pelo menos 1,2 mil pessoas e tomaram
aproximadamente 250 pessoas como reféns.
Desde então, a
ofensiva militar israelense teria causado a morte de 46 mil pessoas, incluindo
crianças, mulheres e idosos, segundo autoridades ligadas ao Hamas.
'Desrespeito
flagrante'
Outro tema que tem
ocupado a agenda de Celso Amorim é a imposição pelos Estados Unidos de tarifas sobre a
importação de aço e alumínio produzidos no Brasil.
O mercado americano
é um dos mais importantes destinos das exportações brasileiras de aço e
alumínio.
O Brasil é o
segundo maior fornecedor de aço para os Estados Unidos, atrás apenas do
Canadá, que também foi alvo de tarifas. As novas taxas devem entrar em vigor em
12 de março.
Apesar de o
presidente Lula ter dito, no início do mês, que o Brasil adotaria a política de
"reciprocidade" caso os Estados Unidos impusessem tarifas sobre
produtos brasileiros, até agora o país não anunciou nenhuma retaliação.
A postura cautelosa
é defendida por Celso Amorim. Segundo ele, o momento é de tentar negociar uma
alternativa.
"Isso (a
resposta) envolve conversas entre vários órgãos e principalmente o Itamaraty e
o Ministério da Indústria e Comércio. O que eu tenho dito é que isso é uma
guerra comercial e que ela não ajuda ninguém. Se houver possibilidade de
negociar algo razoável que nos permita manter o acesso ao mercado americano,
isso pode ser melhor. Mas não sei se isso é possível", disse o diplomata.
Amorim disse que
integrantes do governo e representantes do setor siderúrgico brasileiro estão
dialogando e que espera que os atores privados também tentem exercer influência
sobre seus parceiros nos Estados Unidos para que uma alternativa às tarifas
seja negociada.
Segundo ele, não há
um prazo estabelecido para que o Brasil anuncie sua resposta.
"Tudo vai
depender da capacidade de negociar. No passado, os próprios industriais atuavam
através dos seus contatos com os seus compradores norte-americanos, que por sua
vez são influentes internamente [...] Pode ter havido um impulso inicial [do
governo Trump] para mostrar também que (ele) pode tudo e pode ser que haja uma
margem de negociação. Vamos precisar esperar porque, como eu disse, guerra
comercial não ajuda ninguém e todos saem perdendo. Agora, claro, que tem que
ser uma negociação justa", afirmou Amorim.
Para Amorim, no
entanto, um ponto que o preocupa é o sinal que a política de tarifas de Trump
tem enviado para o mundo.
"Não nos
agrada este desrespeito flagrante do comércio internacional, com regras que já
não estão valendo grande coisa. Depois que pararam os esforços das rodadas de
Doha, o sistema de solução de controvérsias está praticamente inoperante",
afirmou Amorim.
As rodadas de Doha
mencionadas por Amorim foram ciclos de negociações comerciais entre países para
reduzir barreiras tarifárias e aumentar o comércio internacional. Tem esse nome
por ter se iniciado em encontro em Doha, capital do Catar.
Amorim disse que
uma alternativa para lidar com o ambiente de aumento de tarifas é uma resposta
coordenada do Brasil com outros países. Segundo ele, há conversas nesta direção
dentro do governo.
"Sempre há
conversas, não apenas minhas, mas em vários níveis. O presidente também recebe
ou dá telefonemas. Mas não adianta ser açodado. [Dizer] que se [alguém] fez
isso, eu vou fazer aquilo. Precisamos ver o que fazer. Mas as conversas
existem", disse.
Em meio à postura
americana, Amorim disse que a tendência é que países da região
latino-americana, como o Brasil, se aproximem ainda mais da China, maior parceira
comercial do país e principal adversária geopolítica dos Estados Unidos no
momento.
"Aumentar a
aproximação com a China já era inevitável. Não é só porque ela é o país que
apresenta o maior dinamismo econômico. As pessoas reclamam quando a China
investe numa ponte, mas isso acontece porque houve uma licitação e os Estados
Unidos e os europeus não vieram, mas a China veio. Isso [maior aproximação com
a China] vai acabar ocorrendo. E não só com o Brasil, mas com outros países
também. Por isso que esse cenário [de guerra tarifária] não é positivo para
ninguém, inclusive para os Estados Unidos", sustentou Amorim.
·
Imprevisibilidade
internacional
Acostumado às
instabilidades da política internacional, Amorim disse à BBC News Brasil que,
na sua opinião, o mundo ficou mais imprevisível.
"Eu não quero
dizer que com a chegada do Trump, o mundo ficou mais imprevisível, porque eu
acho que isso é uma coisa que já vinha acontecendo. Sem dúvida, o mundo está
mais imprevisível do que era há 20 anos atrás. O mundo está muito mais complexo
do que quando eu fui ministro do Lula no primeiro e segundo mandatos
dele", afirmou.
Segundo ele,
haveria, agora, um nível maior de "desrespeito" da ordem
internacional.
"A extrema
direita está crescendo em muitos países. Vemos países europeus com muita
aflição sobre o que pode acontecer na Alemanha [...] Na França você tem também
uma certa fragilidade política no momento. E eu estou vendo isso no mundo
inteiro. Eu acho que o que se vê hoje é um desapreço mais flagrante pela ordem
internacional [...] Se você não respeita o direito internacional,
evidentemente, tudo fica mais imprevisível", disse.
¨
Antes de plano de 'Riviera em Gaza', Trump chegou a
propor estado palestino em 2020
Antes de defender a ideia de uma "Riviera do Oriente Médio" na Faixa
de Gaza, o presidente dos EUA, Donald
Trump, já havia proposto uma solução de dois Estados que
ampliaria o território palestino, em troca de concessões na Cisjordânia.
Em declarações recentes, Trump defendeu a anexação
do território pelos EUA, que liderariam os esforços de reconstrução de sua
infraestrutura, destruída após o conflito entre Israel e o Hamas.
Seu plano, porém, defende a remoção forçada dos
moradores de Gaza para outros locais, como a Jordânia e o Egito, sem o direito de retorno — manobra
que configura uma limpeza étnica, o que poderia ser considerado crime contra a
humanidade ou mesmo um genocídio, segundo convenções internacionais.
Em 2020, durante seu primeiro mandato, Trump
apresentou, ao lado do primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu, uma proposta de divisão do território que cedia outras áreas contíguas
às Faixa de Gaza para um futuro Estado Palestino.
O plano foi discutido apenas entre EUA e Israel, jamais tendo sido submetido à população palestina ou à Autoridade
Palestina. A divisão também previa uma Cisjordânia menor e com diversos enclaves israelenses, além da cessão total de
Jerusalém para Israel.
Representantes palestinos rechaçaram completamente
o plano. O presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, chamou o
redesenho de "uma conspiração".
"Jerusalém não está à venda", disse
Abbas.
Na época, Trump chamou o projeto de "solução realista de
dois Estados". Veja o que propunha o
mapa:
·
Jerusalém permaneceria indivisível e
seria considerada capital
de Israel.
·
O futuro Estado
Palestino teria a região de Abu Dis — a
cerca de 1,5 km da cidade murada de Jerusalém — como capital.
·
O novo Estado Palestino teria um novo território para indústrias de
alta tecnologia e outro destinado a casas e produção agrícola,
em áreas contíguas a Gaza, perto da fronteira com o Egito.
·
Os palestinos teriam acesso garantido aos portos
de Haifa e Ashdod, em Israel.
·
Haveria um túnel ligando
a Faixa de Gaza à Cisjordânia,
garantindo a unidade do novo Estado Palestino.
·
Todo o Vale do Jordão ficaria
sob controle de Israel — ou seja, toda a fronteira com a Jordânia, a leste do território israelense.
·
Assentamentos israelenses na Cisjordânia não seriam removidos.
Confira o mapa proposto:
<><> Impasse
Proposta pela primeira vez em 1947 pela ONU, a
solução de dois Estados para israelenses e palestinos sempre encontrou
dificuldades. Uma das principais questões seria a divisão de Israel, contestada por ambos os lados.
O plano da ONU, que nunca chegou a ser
implementado, previa que Jerusalém se tornasse uma cidade internacional. Na
prática, após a guerra de Israel com países árabes em 1948, a cidade foi dividida. Na época,
a Faixa de Gaza ficou sob o controle
do Egito, enquanto a Cisjordânia e Jerusalém Oriental ficaram com a Jordânia.
Em 1967, após mais uma guerra, Israel anexou os territórios palestinos, Jerusalém Oriental, a Península
do Sinai do Egito e as Colinas de Golã da Síria — o Sinai seria devolvido após
a assinatura de um acordo em 1979.
Em um movimento condenado pela Comunidade
Internacional, Israel passou a estabelecer assentamentos nos
territórios palestinos anexados, dificultando o estabelecimento de um futuro
Estado palestino.
Os EUA consideraram tais assentamentos ilegais
entre 1978 e 2019, quando Trump reverteu o entendimento do país estabelecido
por Jimmy Carter. A gestão Biden condenou brevemente os assentamentos, entre
2024 e a posse de Trump.
Em um movimento unilateral, o então premiê israelense
Ariel Sharon removeu todos os 21 assentamentos na Faixa
de Gaza, além de outros quatro na Cisjordânia. A ONU e os palestinos consideram que Gaza ainda é um território
ocupado, já que Israel controla suas fronteiras, seu espaço aéreo e
promove um bloqueio naval. O local é controlado politicamente pelo grupo
terrorista Hamas desde 2006.
Na Cisjordânia, controlada parcialmente pela Autoridade Palestina, Netanyahu tem
expandido os assentamentos. O território segue também entrecortado por postos
de controle israelenses. Nas últimas semanas, após o cessar-fogo em Gaza, as
Forças de Defesa de Israel têm realizado diversas operações militares no
território, removendo milhares de famílias palestinas de suas casas.
Fonte: BBC News Brasil/g1
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