sexta-feira, 14 de fevereiro de 2025

A polêmica gestão de Rossieli Soares, mantido na Educação do Pará sob protestos e pressões

Após mais de 20 dias de greve dos professores do Pará pela revogação da Lei 10.820/2024, ainda há um fio desencapado: a manutenção do cargo do secretário de Educação, Rossieli Soares, pelo governador Helder Barbalho (MDB).

Ao longo da matéria, o GGN irá explorar a gestão do secretário Rossieli Soares na Educação, marcada pela expansão do ensino virtual em áreas remotas do estado, onde a precariedade da infraestrutura impacta diretamente comunidades indígenas. Paralelamente, um contrato de mais de R$ 70 milhões foi firmado com a Starlink para fornecer internet via satélite às escolas públicas do Pará, enquanto a valorização dos professores sofre retrocessos. Tudo isso em meio a suspeitas de manipulação nos dados do IDEB, que saltou da 26ª para a 6ª posição em apenas dois anos.

O GGN conversou com o Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Pará (Sintepp), que está à frente da tentativa de diálogo com o governo do estado para que os direitos dos docentes e dos estudantes não sofram um retrocesso com a nova lei, revogada na última quarta-feira, que altera o Estatuto do Magistério substituindo o plano de carreira dos profissionais e impõe o ensino remoto em comunidades indígenas e quilombolas sem infraestrutura adequada.

De acordo com a coordenadora-geral do órgão, professora Conceição Holanda, os docentes entraram em rota de colisão com Rossieli Soares porque, além da “má gestão”, o secretário não toma a iniciativa de dialogar com os representantes da Educação e mantém uma “postura autoritária, que é marca de sua gestão”. 

 “Seria muito infeliz o governo tentar manter alguém que não dialoga, que é autoritário. E não dialoga só com o sindicato, não. Com as universidades, todo e qualquer segmento que peça para conversar com ele, ele simplesmente ignora”.

De acordo com sindicalistas e defensores da Educação consultados pelo GGN, a administração de Rossieli na Educação do Pará apenas reflete suas ações — e omissões — de sua atuação em São Paulo e no Amazonas.

·        A gestão Rossieli na Educação

Mestre em Gestão e Avaliação Educacional, Rossieli Soares foi ministro da Educação em 2018, no governo de Michel Temer (MDB), e atuou como secretário de Educação nos estados do Amazonas e São Paulo, onde foi nomeado, em 2019, pelo então governador João Doria (PSDB). Em 2022, deixou o cargo no governo paulista para disputar uma vaga na Câmara dos Deputados, mas não foi eleito.

Indicado pelo governador do Pará, Helder Barbalho, Rossieli se destacou pela gestão em São Paulo, principalmente pela expansão das escolas de tempo integral. Durante seu período à frente da educação paulista, o número de unidades desse modelo quintuplicou. No entanto, a expansão acelerada trouxe desafios, como a falta de vagas na capital paulista e o aumento do déficit de professores nas escolas estaduais. Ele próprio chegou a classificar a situação como uma “tragédia para a educação”, em 2019.

Defensor do ensino remoto, Rossieli teve um papel importante na reformulação do Novo Ensino Médio, sancionada em 2017. Como ministro da Educação, também homologou a etapa do Ensino Médio da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) em 2018, que amplia a grade curricular para outras disciplinas, os chamados itinerários formativos, diferentes das de formação básica.

O professor e deputado estadual Carlos Giannazi (PSOL-SP) classificou a gestão de Rossieli em São Paulo como “cruel e desastrosa”. Em sua avaliação, Rossieli destruiu a carreira do magistério e prejudicou ainda mais os profissionais da educação.

“Ele criou uma nova carreira que diminuiu ainda mais a categoria. Implantou escolas de tempo integral sem estrutura, apenas para tentar reeleger Doria, e depois saiu para ser deputado federal. A gestão dele foi desastrosa para a educação em São Paulo, com vários retrocessos que contribuíram para a decadência do ensino no estado”, afirmou Giannazi.

·        Defensor do ensino remoto em áreas precárias, e defensor do ensino presencial na pandemia

Defensor do ensino remoto e profissionalizante, Rossieli Soares diverge de opinião quando o contexto é pandêmico. Em 2021, chegou a dizer, em entrevista ao programa “Roda Viva”, da TV Cultura, que há estudos que comprovam que “a criança que frequenta a creche tem menos contaminação que aquela que não vai”, defendendo a reabertura das escolas, à luz de casos como Dinamarca e Noruega, que indicaram que a reabertura das escolas – que adotaram medidas rigorosas – não levou a um aumento expressivo de casos entre crianças.

No entanto, isso dependia de condições que não eram realidade no Brasil, como baixa transmissão comunitária e infraestrutura adequada nas escolas. Além do fato de a comunidade científica global nunca ter chegado a um consenso de que a volta às aulas reduziria o contágio, pelo contrário.

Em relação à herança da gestão no Amazonas, Rossieli Soares foi condenado pelo Tribunal de Contas do Estado do Amazonas (TCE-AM) em 2017 a devolver R$ 2,2 milhões aos cofres públicos por pagar obras de escolas que não foram realizadas. 

Em 2019, o MPF processou-o por improbidade administrativa e dispensa ilegal de licitação em contratos de transporte escolar, no período de 2013 a 2015, destinando recursos do Fundeb de forma irregular. À época, Rossieli justificou o uso das Associações de Pais, Mestres e Comunitários (APMCs) devido à inadimplência de prefeituras.

·        Entenda a luta dos docentes pela revogação da lei

Após mais de 20 dias de manifestações, na última quarta-feira, o governador do Pará, Helder Barbalho (MDB), decidiu revogar a Lei 10.820/2014, que faz alterações no Sistema de Organização Modular de Ensino, o Some, que possibilita o acesso ao ensino básico em áreas remotas do estado.

Por meio deste programa, os professores recebem uma gratificação mensal além do salário para arcar com os custos de deslocamento, hospedagem e comida, por exemplo, no valor de R$ 7.000, e poder oferecer aulas presenciais nas aldeias. Agora, com a nova lei, esse valor pode variar para a partir de R$ 1.000, o que inviabiliza as aulas presenciais. 

Prova dessa substituição, explica a coordenadora-geral do Sintepp, está no Centro de Mídias da Educação Paraense (Cemep), modalidade de ensino à distância implementado nas escolas da rede pública do Pará – já posto em prática – que proporciona videoaulas aos alunos.

Neste imbróglio, um documento lança luz às intenções do governo do estado e pode ser verificado no contrato da SEDUC nº 29/2024, de R$ 71.445.000, que versa sobre uma parceria com a Starlink — uma das empresas do bilionário Elon Musk — para a contratação de internet via satélite a fim de atender as unidades da rede pública de ensino do Pará, por pelo menos cinco anos, contados a partir de maio de 2024.

Quem se aventurar a ler o contrato milionário de mais de 130 páginas, disponibilizado em primeira mão pelo repórter investigativo Adriano Wilkson, ao qual o GGN teve acesso, irá se deparar com uma justificativa técnica que comprova a finalidade da parceria entre a Secretaria da Educação do Pará e a Starlink. Veja um trecho abaixo:

Conforme reportagem da Agência Pública, aqui, há casos em que uma videoconferência é disponibilizada a 80 salas de aula de forma simultânea em diferentes cidades, com apenas um professor mediador de uma disciplina aleatória para sanar possíveis dúvidas.

“O contrato da SEDUC com a Starlink é cristalino, ali está escrito que o governador Hélder Barbalho e o secretário Rossieli Soares talvez nunca tenham coragem de dizer em público”, diz o jornalista em suas redes sociais. “O governo descobriu que ele não precisa mais contratar professor, ou pagar bem professor, construir ou reformar escolas, ele pode se tornar uma produtora de conteúdo online. Sai mais barato e você não precisa ficar lidando com professores”, conclui Wilkson.

De acordo com o documento, o serviço contratado se diz mais eficiente e a forma “economicamente mais viável capaz de conectar as unidades mais remotas bem como também promover num curto prazo a universalização dos serviços banda larga em qualquer parte do Estado do Pará”. 

A nova modalidade, no entanto, segundo os docentes, torna o estudante refém de aproveitar ao máximo a videoconferência em sala e de sanar as possíveis dúvidas com o mediador, isso quando não há interrupções nas transmissões.

Vale lembrar que o Pará é o terceiro estado com menos acesso à internet no país, atrás apenas de Maranhão e Acre, segundo o IBGE, o que ilustra a contradição ao impor, de forma repentina, internet via satélite em escolas sem infraestrutura sequer para o básico, em detrimento de professores no local para auxiliar os alunos de forma humanista e lidar com as dificuldades.

A liderança Munduruku, Alessandra Korap, chegou a manifestar o descontentamento da comunidade indígena com a nova lei. “Os alunos estão sendo abandonados, os professores também. Aula on-line não serve pra gente porque muitos alunos não falam português. Isso é violação de direito, é violação da nossa cultura”.

É importante ressaltar que muitas aldeias ainda carecem de energia elétrica e dependem de geradores movidos a diesel para suprir o básico, realidade que, a longo prazo, gera custos elevados e impactos ambientais significativos, afetando diretamente as condições de vida dessas comunidades, em áreas como saúde e educação.

Em meio à crise na Educação: o salto no IDEB e o estado da COP30 em 2025

O Pará foi escolhido para sediar a COP30 (Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas) neste ano, em um contexto desafiador, marcado pela maior taxa de desmatamento na Amazônia em 2024, conforme dados do sistema Prodes, do INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais).

Para Conceição Holanda, “não investigam as queimadas, por exemplo, que todos sabem serem criminosas. Não prendem ninguém. O governo está muito alinhado com o agronegócio, com aqueles poderosos que sempre dominaram o estado do Pará e levaram suas riquezas para fora”.

Por outro lado, houve um salto no campo da educação: o estado registrou um salto significativo no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), subindo da 26ª (2021) para a 6ª posição (2023). O GGN conversou com o professor Mateus Ferreira, coordenador-geral do SINTEPP, para entender o que poderia ter causado esse avanço inesperado.

·        Aprovações automáticas

Um fator importante citado pelo professor Ferreira foi a alteração no Regimento Unificado da Rede Estadual de Ensino da Secretaria de Estado de Educação do Pará (SEDUC/PA), estabelecido pela Resolução nº 284, de 17 de agosto de 2023.

Segundo ele, essa mudança fez com que todos os alunos fossem automaticamente aprovados, independentemente do desempenho. “Esse regimento escolar, que entrou em vigor no ano da última avaliação, fez com que todos os alunos da Rede Estadual de Ensino fossem aprovados, independentemente do resultado”, explicou.

·        Frequência Escolar e Estratégias de Recuperação

Outro ponto relevante é a alteração no sistema de controle de frequência escolar. Agora, os dados inseridos no sistema garantem que todos os alunos apareçam com mais de 75% de presença, o que impede reprovações. Além disso, o modelo de Recuperação Paralela e Progressiva (RPP) assegura que até alunos com menos de 75% de presença não sejam retidos. O RPP é uma estratégia pedagógica que varia de acordo com cada estado e rede de ensino.

·        Educação de Jovens e Adultos (EJA)

Além disso, Ferreira destacou que os alunos com idades entre 16 e 17 anos são “automaticamente matriculados na Educação de Jovens e Adultos (EJA)”, o que os exclui da avaliação do SAEB (Sistema de Avaliação da Educação Básica), e, assim, “não entram no processo de avaliação do IDEB”, afirmou. De acordo com o regimento interno de 2021, a idade mínima para matrícula em cursos de ensino fundamental e médio é de 15 e 18 anos, respectivamente.

·        Falta de Treinamento e Projetos Especiais

Segundo o professor, outro fator que influenciou o resultado do IDEB foi a falta de treinamento para os professores das avaliações do IDEB. No ano da avaliação, o governo contratou profissionais de língua portuguesa e matemática e criou o projeto “Reforço Escolar do IDEB”, no qual os alunos “foram praticamente obrigados a participar do processo de avaliação do SAEB, algo que nunca havia ocorrido antes no estado”, comentou.

·        Dados Inflacionados e Desistências Não Informadas

Por fim, o professor ressaltou que as escolas não informavam a quantidade real de alunos que desistiam ou abandonavam os estudos, o que também contribuiu para o salto no IDEB. “Tudo isso colaborou para que o Pará apresentasse um resultado inflacionado, como o IDEB que está sendo divulgado agora”, concluiu Ferreira.

¨      Pará gasta meio bi com grupo ligado a doador de campanha de Sec. de Educação. Por Adriano Wilkson e Alan Bordallo

A Secretaria de Educação do Pará, chefiada por Rossieli Soares, assinou contratos de mais de R$ 500 milhões com uma empresa ligada a um de seus doadores de campanha na eleição de 2022, quando concorreu a deputado federal pelo PSDB de São Paulo. As compras evidenciam as ligações empresariais do secretário, que está no epicentro da crise na educação que assolou o governo paraense nas últimas semanas. 

Sob o comando de Rossieli, a Secretaria de Educação do Pará comprou  1,43 milhão de kits didáticos, que incluem correção de provas com inteligência artificial, da Somos Educação, grupo ligado ao empresário Mario Ghio Jr. O negócio se deu por meio da Sudu Tecnologia Educacional, que representa a Somos no Pará.

Em 2022, Mario Ghio Jr., que era diretor-presidente e hoje é conselheiro da Somos, doou R$ 20 mil à campanha de Rossieli, de acordo com dados do Tribunal Superior Eleitoral. Rossieli havia sido ministro da Educação no governo de Michel Temer e secretário na gestão de João Doria em São Paulo.

Com pouco mais de 33 mil votos, naquela eleição Rossieli não se elegeu – mas, meses depois, em janeiro de 2023, foi nomeado por Helder Barbalho, do MDB, para assumir a pasta de Educação no governo paraense. “Compreende bem os desafios educacionais na Amazônia”, disse o governador na época. 

Agora, Rossieli virou pivô da crise da educação que assola o Pará às vésperas da COP30. A crise começou após Barbalho sancionar a lei estadual 10.820/2024, que desarticulou programas de ensino em comunidades isoladas, rebaixou a remuneração de professores e abriu caminho para a expansão do ensino a distância – o que desencadeou uma greve de professores e levou centenas de indígenas a ocupar a sede da Seduc, exigindo sua revogação e a demissão de Rossieli. 

Pressionado pelos protestos, o governador enviou na semana passada um projeto para revogar a lei. A proposta foi aprovada por unanimidade pela Assembleia Legislativa nesta quarta-feira, 12. Rossieli ainda permanece no cargo.

·        ‘Representante exclusiva’ e confirmação em um dia

A compra dos materiais da Somos pelo governo do Pará não foi publicada no Diário Oficial. É que o contrato foi firmado com uma intermediária, a Sudu Tecnologia Educacional, que é representante oficial da Somos no Pará. 

Ao observar o rito seguido durante um dos certames vencidos pela Sudu, um detalhe chama a atenção: a Consulta Pública 001/2023, lançada em 31 de janeiro de 2023 visando buscar materiais para subsidiar a primeira licitação, previa apenas um dia de prazo para confirmar a participação. 

Fundada em 2019 em Manaus, a Sudu já tinha fornecido materiais para o governo estadual do Amazonas e para a prefeitura de Porto Alegre. Os dois acordos renderam investigações das polícias Federal e Civil, respectivamente, por suspeitas de fraudes em licitações. 

Mesmo com esse histórico, a Sudu foi contratada pelo governo paraense ao vencer licitações para fornecer material didático – incluindo o projeto “Prepara Pará”, dedicado a treinar os estudantes para exames de avaliação de aprendizagem. Esse projeto conta com livros e plataformas online produzidas pela Somos, conforme se vê no material entregue às escolas.

Procuradas pelo Intercept, Somos, Sudu e a própria Seduc confirmaram a relação direta entre as duas empresas para a execução dos contratos milionários. “A Somos Sistemas de Ensino S.A. esclarece que, na atualidade, possui um contrato em vigor de fornecimento exclusivo de soluções educacionais e prestação de serviços de assessoria pedagógica com a SUDU Tecnologia Educacional Ltda”, disse a empresa. “A Sudu é a representante da Somos Educação no Pará e comercializa materiais didáticos, incluindo o ‘Prepara Pará’, produzido pela Somos”, declarou a Seduc, em nota.

Essa relação ficou explícita ainda no “teste de desempenho” relativo ao Pregão Eletrônico 90010/2024, ocorrido em 12 de junho de 2024. O relatório do teste traz em sua primeira página a informação de que a “licitante” do contrato é a Somos Educação. A empresa enviou a Belém três funcionários para mostrar seus produtos à Seduc, enquanto a Sudu não mandou nenhum. 

·        Tchau, professor. Olá, IA

O primeiro contrato entre a Seduc e a Sudu, representante da Somos no Pará, foi firmado no dia 5 de abril de 2023, dois meses depois de Rossieli assumir a Secretaria de Educação do estado. 

Em 27 de fevereiro de 2024, a Sudu ganhou outro contrato, no valor de R$ 159,9 milhões, pela venda de mais 315 mil unidades do “ecossistema instrutivo teórico prático”. Em 27 de dezembro de 2024, mais um: agora para a compra de 811 mil unidades de um “material instrucional teórico prático”, ao custo de R$ 187,6 milhões. Os dois também foram cumpridos com a entrega de materiais produzidos pelo grupo Somos.

Nesse último, apenas uma concorrente chegou à fase de testes para disputar com a Sudu, mas os servidores da Seduc consideraram a plataforma online da editora Moderna inferior.

Portanto, em dois anos, a Seduc pagou à Sudu R$ 500 milhões pela compra de 1,43 milhão de kits de livros. Para comparação, a rede estadual do Pará tem cerca de 600 mil alunos e 22 mil professores, segundo informações do Sintepp, o sindicato da categoria. 

·        Empresa patrocinou evento de grupo presidido pelo secretário

A doação eleitoral para Rossieli em 2022 e os contratos firmados depois pela Secretaria de Educação do Pará, comandada por ele, com uma representante do grupo Somos, ligado ao doador Mario Ghio Jr., não foram um fato isolado.

Enquanto estava com contrato ativo para fornecer material didático para as escolas do Pará, a Somos patrocinou em São Paulo um evento do Lide Educação, grupo de empresários cujo presidente é justamente Rossieli Soares – sim, ele acumula o cargo de secretário da educação no Pará e a chefia de um grupo de lobby de empresários do setor.

A Somos Educação é a antiga Abril Educação, fundada em 1960 por Victor Civita para fornecer materiais didáticos. Em 2015, a empresa mudou o nome para Somos e foi vendida para um fundo de investimento. Em 2018, foi comprada por R$ 4,6 bilhões pela Kroton, atual Cogna Educação, mega conglomerado de educação que tem faculdades e editoras didáticas.

Mario Ghio Jr. foi diretor-presidente da Somos por quase cinco anos, entre 2018 e 2023. Em 24 de março de 2023, ele deixou a presidência e passou a atuar no conselho de administração da empresa. Duas semanas depois, a Sudu, que representa a Somos no Pará, firmou o primeiro  contrato para fornecer material didático ao governo estadual. 

Segundo documentos oficiais, o governo do Pará se mostrou particularmente interessado no modelo de correção de redações com inteligência artificial da empresa. “Foi demonstrado que a inteligência artificial apresenta apontamentos tanto positivos, como elogios, quando em formas de correção ortográfica”, cita um dos relatórios de licitação.

Em setembro de 2024, em meio a assinatura dos acordos milionários com o governo paraense por intermédio da Sudu, a Somos patrocinou o “Seminário Lide Educação”, em São Paulo, evento no qual políticos e empresários, entre eles Mario Ghio Jr e o próprio Rossieli, apresentaram suas ideias e projetos para a educação pública no Brasil. 

Para o secretário, que é presidente do braço educacional do Lide, associação comandada por seu padrinho político, João Doria, é preciso que a iniciativa privada se envolva na educação pública do país. “Fico feliz que o agro queira discutir educação, o setor de energia, o setor de comércio, a indústria, todo mundo precisa meter a mão nessa cumbuca pra que a sociedade de fato compre a ideia”, disse Rossieli para uma plateia de empresários desses setores.

O Pará não tem uma legislação específica sobre conflitos de interesse. Mas os servidores públicos estaduais estão sujeitos às normas gerais estabelecidas pela Lei de Improbidade Administrativa, que veda “favorecer parentes ou amigos em processos administrativos ou licitações” ou “exercer atividades privadas que comprometam a isenção e imparcialidade no cargo público”.

A Secretaria de Educação do Pará nega qualquer irregularidade. “A contratação da Sudu foi resultado de procedimento que seguiu rigorosamente a legislação vigente, com ordenamento jurídico para atender às necessidades da Administração Pública”, afirmou o órgão.

A secretaria também afirma que a atuação de Rossieli no Lide Educação é um trabalho voluntário e que as doações recebidas durante a campanha de 2022 “foram registradas e declaradas à Justiça Eleitoral de forma transparente”.

A Somos Educação disse ao Intercept que não realizou nenhum tipo de doação a candidatos e seu posicionamento é apartidário, mas que “eventuais manifestações políticas de colaboradores e administradores em seu próprio nome” não violam as políticas da empresa. 

Também disse que não tem uma parceria direta com a Seduc – mas, sim, um contrato em vigor de fornecimento exclusivo de soluções educacionais com a Sudu. A Sudu, por sua vez, afirmou que é uma empresa “especializada na comercialização de materiais didáticos, com sede no norte do País”, e “distribuidora exclusiva das soluções educacionais da Somos Educação para o estado do Pará”. Mario Ghio Jr. preferiu não se manifestar.

 

Fonte: Jornal GGN/The Intercept 

 

 

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