A polêmica gestão
de Rossieli Soares, mantido na Educação do Pará sob protestos e pressões
Após mais de 20
dias de greve dos professores do Pará pela revogação da Lei 10.820/2024, ainda
há um fio desencapado: a manutenção do cargo do secretário de Educação,
Rossieli Soares, pelo governador Helder Barbalho (MDB).
Ao longo da
matéria, o GGN irá explorar a gestão do secretário Rossieli Soares na
Educação, marcada pela expansão do ensino virtual em áreas remotas do estado,
onde a precariedade da infraestrutura impacta diretamente comunidades
indígenas. Paralelamente, um contrato de mais de R$ 70 milhões foi firmado com
a Starlink para fornecer internet via satélite às escolas públicas do Pará,
enquanto a valorização dos professores sofre retrocessos. Tudo isso em meio a
suspeitas de manipulação nos dados do IDEB, que saltou da 26ª para a 6ª posição
em apenas dois anos.
O GGN conversou
com o Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Pará (Sintepp), que
está à frente da tentativa de diálogo com o governo do estado para que os
direitos dos docentes e dos estudantes não sofram um retrocesso com a nova lei,
revogada na última quarta-feira, que altera o Estatuto do Magistério
substituindo o plano de carreira dos profissionais e impõe o ensino remoto em
comunidades indígenas e quilombolas sem infraestrutura adequada.
De acordo com a
coordenadora-geral do órgão, professora Conceição Holanda, os docentes entraram
em rota de colisão com Rossieli Soares porque, além da “má gestão”, o
secretário não toma a iniciativa de dialogar com os representantes da Educação
e mantém uma “postura autoritária, que é marca de sua gestão”.
“Seria muito infeliz o governo tentar manter
alguém que não dialoga, que é autoritário. E não dialoga só com o sindicato,
não. Com as universidades, todo e qualquer segmento que peça para conversar com
ele, ele simplesmente ignora”.
De acordo com
sindicalistas e defensores da Educação consultados pelo GGN, a
administração de Rossieli na Educação do Pará apenas reflete suas ações — e
omissões — de sua atuação em São Paulo e no Amazonas.
·
A
gestão Rossieli na Educação
Mestre em Gestão e
Avaliação Educacional, Rossieli Soares foi ministro da Educação em 2018, no
governo de Michel Temer (MDB), e atuou como secretário de Educação nos estados
do Amazonas e São Paulo, onde foi nomeado, em 2019, pelo então governador João
Doria (PSDB). Em 2022, deixou o cargo no governo paulista para disputar uma
vaga na Câmara dos Deputados, mas não foi eleito.
Indicado pelo
governador do Pará, Helder Barbalho, Rossieli se destacou pela gestão em São
Paulo, principalmente pela expansão das escolas de tempo integral. Durante seu
período à frente da educação paulista, o número de unidades desse modelo
quintuplicou. No entanto, a expansão acelerada trouxe desafios, como a falta de
vagas na capital paulista e o aumento do déficit de professores nas escolas
estaduais. Ele próprio chegou a classificar a situação como uma “tragédia para
a educação”, em 2019.
Defensor do ensino
remoto, Rossieli teve um papel importante na reformulação do Novo Ensino Médio,
sancionada em 2017. Como ministro da Educação, também homologou a etapa do
Ensino Médio da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) em 2018, que amplia a grade
curricular para outras disciplinas, os chamados itinerários formativos,
diferentes das de formação básica.
O professor e
deputado estadual Carlos Giannazi (PSOL-SP) classificou a gestão de Rossieli em
São Paulo como “cruel e desastrosa”. Em sua avaliação, Rossieli destruiu a
carreira do magistério e prejudicou ainda mais os profissionais da educação.
“Ele criou uma nova
carreira que diminuiu ainda mais a categoria. Implantou escolas de tempo
integral sem estrutura, apenas para tentar reeleger Doria, e depois saiu para
ser deputado federal. A gestão dele foi desastrosa para a educação em São
Paulo, com vários retrocessos que contribuíram para a decadência do ensino no
estado”, afirmou Giannazi.
·
Defensor
do ensino remoto em áreas precárias, e defensor do ensino presencial na
pandemia
Defensor do ensino
remoto e profissionalizante, Rossieli Soares diverge de opinião quando o
contexto é pandêmico. Em 2021, chegou a dizer, em entrevista ao programa “Roda
Viva”, da TV Cultura, que há estudos que comprovam que “a criança que
frequenta a creche tem menos contaminação que aquela que não vai”, defendendo a
reabertura das escolas, à luz de casos como Dinamarca e Noruega, que indicaram
que a reabertura das escolas – que adotaram medidas rigorosas – não levou a um
aumento expressivo de casos entre crianças.
No entanto, isso
dependia de condições que não eram realidade no Brasil, como baixa transmissão
comunitária e infraestrutura adequada nas escolas. Além do fato de a comunidade
científica global nunca ter chegado a um consenso de que a volta às aulas
reduziria o contágio, pelo contrário.
Em relação à
herança da gestão no Amazonas, Rossieli Soares foi condenado pelo Tribunal de
Contas do Estado do Amazonas (TCE-AM) em 2017 a devolver R$ 2,2 milhões aos
cofres públicos por pagar obras de escolas que não foram realizadas.
Em 2019, o MPF
processou-o por improbidade administrativa e dispensa ilegal de licitação em
contratos de transporte escolar, no período de 2013 a 2015, destinando recursos
do Fundeb de forma irregular. À época, Rossieli justificou o uso das
Associações de Pais, Mestres e Comunitários (APMCs) devido à inadimplência de
prefeituras.
·
Entenda
a luta dos docentes pela revogação da lei
Após mais de 20
dias de manifestações, na última quarta-feira, o governador do Pará, Helder
Barbalho (MDB), decidiu revogar a Lei 10.820/2014, que faz alterações no
Sistema de Organização Modular de Ensino, o Some, que possibilita o acesso ao
ensino básico em áreas remotas do estado.
Por meio deste
programa, os professores recebem uma gratificação mensal além do salário para
arcar com os custos de deslocamento, hospedagem e comida, por exemplo, no valor
de R$ 7.000, e poder oferecer aulas presenciais nas aldeias. Agora, com a nova
lei, esse valor pode variar para a partir de R$ 1.000, o que inviabiliza as
aulas presenciais.
Prova dessa
substituição, explica a coordenadora-geral do Sintepp, está no Centro de Mídias
da Educação Paraense (Cemep), modalidade de ensino à distância implementado nas
escolas da rede pública do Pará – já posto em prática – que proporciona
videoaulas aos alunos.
Neste imbróglio, um
documento lança luz às intenções do governo do estado e pode ser verificado no
contrato da SEDUC nº 29/2024, de R$ 71.445.000, que versa sobre uma
parceria com a Starlink — uma das empresas do bilionário Elon Musk — para a
contratação de internet via satélite a fim de atender as unidades da rede
pública de ensino do Pará, por pelo menos cinco anos, contados a partir de maio
de 2024.
Quem se aventurar a
ler o contrato milionário de mais de 130 páginas, disponibilizado em primeira
mão pelo repórter investigativo Adriano Wilkson, ao qual o GGN teve acesso, irá
se deparar com uma justificativa técnica que comprova a finalidade da parceria
entre a Secretaria da Educação do Pará e a Starlink. Veja um trecho abaixo:
Conforme reportagem
da Agência Pública, aqui, há casos em que
uma videoconferência é disponibilizada a 80 salas de aula de forma simultânea
em diferentes cidades, com apenas um professor mediador de uma disciplina
aleatória para sanar possíveis dúvidas.
“O contrato da
SEDUC com a Starlink é cristalino, ali está escrito que o governador Hélder
Barbalho e o secretário Rossieli Soares talvez nunca tenham coragem de dizer em
público”, diz o jornalista em suas redes sociais. “O governo descobriu que
ele não precisa mais contratar professor, ou pagar bem professor, construir ou
reformar escolas, ele pode se tornar uma produtora de conteúdo online. Sai mais
barato e você não precisa ficar lidando com professores”, conclui Wilkson.
De acordo com o
documento, o serviço contratado se diz mais eficiente e a forma “economicamente mais
viável capaz de conectar as unidades mais remotas bem como também promover num
curto prazo a universalização dos serviços banda larga em qualquer parte do
Estado do Pará”.
A nova modalidade,
no entanto, segundo os docentes, torna o estudante refém de aproveitar ao
máximo a videoconferência em sala e de sanar as possíveis dúvidas com o
mediador, isso quando não há interrupções nas transmissões.
Vale lembrar que o
Pará é o terceiro estado com menos acesso à internet no país, atrás apenas de
Maranhão e Acre, segundo o IBGE, o que ilustra a contradição ao impor, de forma
repentina, internet via satélite em escolas sem infraestrutura sequer para o
básico, em detrimento de professores no local para auxiliar os alunos de forma
humanista e lidar com as dificuldades.
A liderança
Munduruku, Alessandra Korap, chegou a manifestar o descontentamento da
comunidade indígena com a nova lei. “Os alunos estão sendo abandonados, os
professores também. Aula on-line não serve pra gente porque muitos alunos não
falam português. Isso é violação de direito, é violação da nossa cultura”.
É importante
ressaltar que muitas aldeias ainda carecem de energia elétrica e dependem de
geradores movidos a diesel para suprir o básico, realidade que, a longo prazo,
gera custos elevados e impactos ambientais significativos, afetando diretamente
as condições de vida dessas comunidades, em áreas como saúde e educação.
Em meio à crise na
Educação: o salto no IDEB e o estado da COP30 em 2025
O Pará foi
escolhido para sediar a COP30 (Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças
Climáticas) neste ano, em um contexto desafiador, marcado pela maior taxa de
desmatamento na Amazônia em 2024, conforme dados do sistema Prodes, do INPE
(Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais).
Para Conceição
Holanda, “não investigam as queimadas, por exemplo, que todos sabem serem
criminosas. Não prendem ninguém. O governo está muito alinhado com o
agronegócio, com aqueles poderosos que sempre dominaram o estado do Pará e
levaram suas riquezas para fora”.
Por outro lado,
houve um salto no campo da educação: o estado registrou um salto significativo
no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), subindo da 26ª (2021)
para a 6ª posição (2023). O GGN conversou com o professor Mateus
Ferreira, coordenador-geral do SINTEPP, para entender o que poderia ter causado
esse avanço inesperado.
·
Aprovações
automáticas
Um fator importante
citado pelo professor Ferreira foi a alteração no Regimento Unificado da Rede
Estadual de Ensino da Secretaria de Estado de Educação do Pará (SEDUC/PA),
estabelecido pela Resolução nº 284, de 17 de agosto de 2023.
Segundo ele, essa
mudança fez com que todos os alunos fossem automaticamente aprovados,
independentemente do desempenho. “Esse regimento escolar, que entrou em
vigor no ano da última avaliação, fez com que todos os alunos da Rede Estadual
de Ensino fossem aprovados, independentemente do resultado”, explicou.
·
Frequência
Escolar e Estratégias de Recuperação
Outro ponto
relevante é a alteração no sistema de controle de frequência escolar. Agora, os
dados inseridos no sistema garantem que todos os alunos apareçam com mais de
75% de presença, o que impede reprovações. Além disso, o modelo de Recuperação
Paralela e Progressiva (RPP) assegura que até alunos com menos de 75% de presença
não sejam retidos. O RPP é uma estratégia pedagógica que varia de acordo com
cada estado e rede de ensino.
·
Educação
de Jovens e Adultos (EJA)
Além disso,
Ferreira destacou que os alunos com idades entre 16 e 17 anos
são “automaticamente matriculados na Educação de Jovens e Adultos (EJA)”,
o que os exclui da avaliação do SAEB (Sistema de Avaliação da Educação Básica),
e, assim, “não entram no processo de avaliação do IDEB”, afirmou. De
acordo com o regimento interno de 2021, a idade mínima para matrícula em cursos
de ensino fundamental e médio é de 15 e 18 anos, respectivamente.
·
Falta
de Treinamento e Projetos Especiais
Segundo o
professor, outro fator que influenciou o resultado do IDEB foi a falta de
treinamento para os professores das avaliações do IDEB. No ano da avaliação, o
governo contratou profissionais de língua portuguesa e matemática e criou o
projeto “Reforço Escolar do IDEB”, no qual os alunos “foram praticamente
obrigados a participar do processo de avaliação do SAEB, algo que nunca havia
ocorrido antes no estado”, comentou.
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Dados
Inflacionados e Desistências Não Informadas
Por fim, o
professor ressaltou que as escolas não informavam a quantidade real de alunos
que desistiam ou abandonavam os estudos, o que também contribuiu para o salto no
IDEB. “Tudo isso colaborou para que o Pará apresentasse um resultado
inflacionado, como o IDEB que está sendo divulgado agora”, concluiu Ferreira.
¨ Pará gasta meio bi com grupo ligado a doador de
campanha de Sec. de Educação. Por Adriano Wilkson e Alan Bordallo
A Secretaria de Educação do Pará, chefiada por
Rossieli Soares,
assinou contratos de mais de R$ 500 milhões com uma empresa ligada a um de seus
doadores de campanha na eleição de 2022, quando concorreu a deputado federal
pelo PSDB de São Paulo. As compras evidenciam as ligações empresariais do
secretário, que está no epicentro da crise na educação que assolou o governo
paraense nas últimas semanas.
Sob o comando de Rossieli, a Secretaria de Educação do
Pará comprou 1,43 milhão de kits didáticos, que incluem correção de
provas com inteligência artificial, da Somos Educação, grupo ligado ao
empresário Mario Ghio Jr. O negócio se deu por meio da Sudu Tecnologia
Educacional, que representa a Somos no Pará.
Em 2022, Mario Ghio Jr., que era diretor-presidente e
hoje é conselheiro da Somos, doou R$ 20 mil à campanha de Rossieli, de acordo
com dados do Tribunal Superior Eleitoral. Rossieli havia sido ministro da
Educação no governo de Michel Temer e secretário na gestão de João Doria em São
Paulo.
Com pouco mais de 33 mil votos, naquela eleição
Rossieli não se elegeu – mas, meses depois, em janeiro de 2023, foi nomeado por
Helder Barbalho, do MDB, para assumir a pasta de Educação no governo paraense.
“Compreende bem os desafios educacionais na Amazônia”, disse o governador na
época.
Agora, Rossieli virou pivô da crise da educação que
assola o Pará às vésperas da COP30. A crise começou após Barbalho sancionar a
lei estadual 10.820/2024, que desarticulou programas de ensino em comunidades
isoladas, rebaixou a remuneração de professores e abriu caminho para a expansão
do ensino a distância – o que desencadeou uma greve de professores e levou
centenas de indígenas a ocupar a sede da Seduc, exigindo sua revogação e a
demissão de Rossieli.
Pressionado pelos protestos, o governador enviou na
semana passada um projeto para revogar a lei. A proposta foi aprovada por
unanimidade pela Assembleia Legislativa nesta quarta-feira, 12. Rossieli ainda
permanece no cargo.
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‘Representante exclusiva’ e confirmação em um dia
A compra dos materiais da Somos pelo governo do Pará
não foi publicada no Diário Oficial. É que o contrato foi firmado com uma
intermediária, a Sudu Tecnologia Educacional, que é representante oficial da
Somos no Pará.
Ao observar o rito seguido durante um dos certames
vencidos pela Sudu, um detalhe chama a atenção: a Consulta Pública 001/2023,
lançada em 31 de janeiro de 2023 visando buscar materiais para subsidiar a
primeira licitação, previa apenas um dia de prazo para confirmar a
participação.
Fundada em 2019 em Manaus, a Sudu já tinha fornecido
materiais para o governo estadual do Amazonas e
para a prefeitura de Porto Alegre. Os dois acordos
renderam investigações das polícias Federal e Civil, respectivamente, por
suspeitas de fraudes em licitações.
Mesmo com esse histórico, a Sudu foi contratada pelo
governo paraense ao vencer licitações para fornecer material didático –
incluindo o projeto “Prepara Pará”, dedicado a treinar os estudantes para
exames de avaliação de aprendizagem. Esse projeto conta com livros e
plataformas online produzidas pela Somos, conforme se vê no material entregue
às escolas.
Procuradas pelo Intercept, Somos, Sudu e a própria
Seduc confirmaram a relação direta entre as duas empresas para a execução dos
contratos milionários. “A Somos Sistemas de Ensino S.A. esclarece que, na
atualidade, possui um contrato em vigor de fornecimento exclusivo de soluções
educacionais e prestação de serviços de assessoria pedagógica com a SUDU
Tecnologia Educacional Ltda”, disse a empresa. “A Sudu é a representante da
Somos Educação no Pará e comercializa materiais didáticos, incluindo o ‘Prepara
Pará’, produzido pela Somos”, declarou a Seduc, em nota.
Essa relação ficou explícita ainda no “teste de
desempenho” relativo ao Pregão Eletrônico 90010/2024, ocorrido em 12 de junho
de 2024. O relatório do teste traz em sua primeira página a informação de que a
“licitante” do contrato é a Somos Educação. A empresa enviou a Belém três
funcionários para mostrar seus produtos à Seduc, enquanto a Sudu não mandou
nenhum.
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Tchau, professor. Olá, IA
O primeiro contrato entre a Seduc e a Sudu,
representante da Somos no Pará, foi firmado no dia 5 de abril de 2023, dois
meses depois de Rossieli assumir a Secretaria de Educação do estado.
Em 27 de fevereiro de 2024, a Sudu ganhou outro
contrato, no valor de R$ 159,9 milhões, pela venda de mais 315 mil unidades do
“ecossistema instrutivo teórico prático”. Em 27 de dezembro de 2024, mais um:
agora para a compra de 811 mil unidades de um “material instrucional teórico
prático”, ao custo de R$ 187,6 milhões. Os dois também foram cumpridos com a
entrega de materiais produzidos pelo grupo Somos.
Nesse último, apenas uma concorrente chegou à fase de
testes para disputar com a Sudu, mas os servidores da Seduc consideraram a
plataforma online da editora Moderna inferior.
Portanto, em dois anos, a Seduc pagou à Sudu R$ 500
milhões pela compra de 1,43 milhão de kits de livros. Para comparação, a rede
estadual do Pará tem cerca de 600 mil alunos e 22 mil professores, segundo
informações do Sintepp, o sindicato da categoria.
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Empresa patrocinou evento de grupo presidido pelo
secretário
A doação eleitoral para Rossieli em 2022 e os contratos
firmados depois pela Secretaria de Educação do Pará, comandada por ele, com uma
representante do grupo Somos, ligado ao doador Mario Ghio Jr., não foram um
fato isolado.
Enquanto estava com contrato ativo para fornecer
material didático para as escolas do Pará, a Somos patrocinou em São Paulo um
evento do Lide Educação, grupo de empresários cujo presidente é justamente
Rossieli Soares – sim, ele acumula o cargo de secretário da educação no Pará e
a chefia de um grupo de lobby de empresários do setor.
A Somos Educação é a antiga Abril Educação, fundada em
1960 por Victor Civita para fornecer materiais didáticos. Em 2015, a empresa
mudou o nome para Somos e foi vendida para um fundo de investimento. Em 2018,
foi comprada por R$ 4,6
bilhões
pela Kroton, atual Cogna Educação, mega conglomerado de educação que tem
faculdades e editoras didáticas.
Mario Ghio Jr. foi diretor-presidente da Somos por
quase cinco anos, entre 2018 e 2023. Em 24 de março de 2023, ele deixou a
presidência e passou a atuar no conselho de administração da empresa. Duas
semanas depois, a Sudu, que representa a Somos no Pará, firmou o primeiro
contrato para fornecer material didático ao governo estadual.
Segundo documentos oficiais, o governo do Pará se
mostrou particularmente interessado no modelo de correção de redações com
inteligência artificial da empresa. “Foi demonstrado que a inteligência
artificial apresenta apontamentos tanto positivos, como elogios, quando em
formas de correção ortográfica”, cita um dos relatórios de licitação.
Em setembro de 2024, em meio a assinatura dos acordos
milionários com o governo paraense por intermédio da Sudu, a Somos patrocinou o
“Seminário Lide Educação”, em São Paulo, evento no qual políticos e
empresários, entre eles Mario Ghio Jr e o próprio Rossieli, apresentaram suas
ideias e projetos para a educação pública no Brasil.
Para o secretário, que é presidente do braço
educacional do Lide, associação comandada por seu padrinho político, João
Doria, é preciso que a iniciativa privada se envolva na educação pública do
país. “Fico feliz que o agro queira discutir educação, o setor de energia, o
setor de comércio, a indústria, todo mundo precisa meter a mão nessa cumbuca
pra que a sociedade de fato compre a ideia”, disse Rossieli para uma plateia de
empresários desses setores.
O Pará não tem uma legislação específica sobre
conflitos de interesse. Mas os servidores públicos estaduais estão sujeitos às
normas gerais estabelecidas pela Lei de Improbidade Administrativa, que veda
“favorecer parentes ou amigos em processos administrativos ou licitações” ou
“exercer atividades privadas que comprometam a isenção e imparcialidade no cargo
público”.
A Secretaria de Educação do Pará nega qualquer
irregularidade. “A contratação da Sudu foi resultado de procedimento que seguiu
rigorosamente a legislação vigente, com ordenamento jurídico para atender às
necessidades da Administração Pública”, afirmou o órgão.
A secretaria também afirma que a atuação de Rossieli no
Lide Educação é um trabalho voluntário e que as doações recebidas durante a
campanha de 2022 “foram registradas e declaradas à Justiça Eleitoral de forma
transparente”.
A Somos Educação disse ao Intercept que não realizou
nenhum tipo de doação a candidatos e seu posicionamento é apartidário, mas que
“eventuais manifestações políticas de colaboradores e administradores em seu
próprio nome” não violam as políticas da empresa.
Também disse que não tem uma parceria direta com a
Seduc – mas, sim, um contrato em vigor de fornecimento exclusivo de soluções
educacionais com a Sudu. A Sudu, por sua vez, afirmou que é uma empresa
“especializada na comercialização de materiais didáticos, com sede no norte do
País”, e “distribuidora exclusiva das soluções educacionais da Somos Educação
para o estado do Pará”. Mario Ghio Jr. preferiu não se manifestar.
Fonte: Jornal
GGN/The Intercept
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