Aliança macabra: combustíveis fósseis e a agropecuária predatória
A ciência tem mostrado que o principal responsável pelo
aquecimento global são os chamados gases de efeito estufa (GEE’s) que se
concentram na atmosfera, e cuja principal fonte emissora são os combustíveis
fósseis. Concorre também significativamente para as emissões de GEE´s, o uso
inadequado da terra, com a destruição das florestas e matas para atividades
comerciais, como a agropecuária extensiva e predatória.
A concentração dos GEE’s na atmosfera terrestre, em
particular do dióxido de carbono (CO2), tem aumentado consideravelmente, desde
a Revolução Industrial. O uso em larga escala dos combustíveis fósseis (carvão
mineral, petróleo/derivados, gás natural) no século XX, contribuíram de maneira
decisiva para o aumento da concentração de CO2, que praticamente dobrou desde
então. O gás funciona como um cobertor em torno do planeta o que provoca seu
aquecimento, conhecido como “efeito estufa”. À medida que a concentração de CO2
aumenta, a temperatura média global aumenta, agudizando desastres climáticos e
o agravamento da insegurança hídrica.
Além dos combustíveis fósseis, a agropecuária
predatória, o desmatamento das florestas com a supressão da mata vegetal (incêndios
e devastação com produtos químicos), contribui significativamente para o
aumento da temperatura média global. Ambos representam aproximadamente 3/4 do
total de emissões de GEE’s no mundo.
Por conseguinte, enfrentar o aquecimento global, é garantir que a concentração
de CO2 pare de aumentar, juntamente com as emissões de outros gases de efeito
estufa, como o metano, o óxido nitroso, e outros de menor influência no efeito
estufa. Assim é imperioso atacar a raiz do problema, os vilões do aquecimento global,
com a eliminação gradual da dependência dos combustíveis fósseis na matriz
energética e a execução de políticas e ações claras assertivas para atingir o
desmatamento zero.
Posto tais preliminares, verifica-se infelizmente, que
a política energética (?) brasileira caminha na contramão da ciência, não
levando em conta o que dizem os cientistas.
Do governo Lula 3, se esperava, em razão do seu discurso e declarações sobre a
necessidade de enfrentar as mudanças climáticas, que a Petrobras, de mera
exploradora de petróleo, fosse transformada em uma empresa de Energias
Renováveis. Todavia o que acabou acontecendo foi a frustrante criação, dentro
da empresa, de uma irrelevante diretoria de Transição Energética e Energias
Renováveis (https://ihu.unisinos.br/630433-a-petrobras-e-as-mudancas-climaticas-%20artigo-de-heitor-scalambrini-costa).
O que prevaleceu foi o discurso do século passado tão repetido
ainda neste um quarto do século 21, imerso em uma crise civilizacional, que
coloca em risco a própria sobrevivência da vida no planeta. Os argumentos sem
sustentação na realidade, insistem que a empresa transforme os recursos da
natureza em riquezas para o desenvolvimento (para quem?), que os negócios do
petróleo e gás financiarão as fontes energéticas renováveis no país, e que o
petróleo seguirá relevante para a humanidade, coexistindo com as fontes de
energia, renováveis e não renováveis.
A indústria de combustíveis fósseis, em particular o
petróleo, é a principal responsável pela emergência climática, provocando
guerras, e concentração de riqueza nas mãos das grandes corporações e de seus
acionistas e controladores, e de poucos Estados nacionais. O que resta a fazer
é traçar os caminhos que levarão a diminuição e mesmo abolição do seu uso para
fins energéticos.
No Brasil, entre o discurso e a prática, verifica-se
que nos últimos Planos Decenais de Energia (PDE) produzidos pela Empresa de
Planejamento Energético (EPE) do Ministério de Minas e Energia (MME), é
previsto o aumento na produção diária de petróleo até 2031, dos atuais 3,4
milhões de barris por dia para 5,2 milhões. Um aumento acentuado indicando uma
política energética que tem na exportação de petróleo um expediente para
negócios bilionários. Pode-se resumir, em uma curta frase, o que aponta os
planos governamentais em relação ao petróleo, “extrair até a última gota”,
mantendo os combustíveis fósseis o maior tempo possível como fonte energética.
Estudos recentes publicado na revista Science, por
pesquisadores do University College London e do Instituto Internacional para o
Desenvolvimento Sustentável (em inglês, a sigla IISD), indicam que o mundo tem
projetos de combustíveis fósseis suficientes para atender as previsões de
demanda até 2050, concluindo que os governos deveriam parar de emitir novas
licenças para extração do petróleo, gás e carvão. Este atual estudo corrobora a
conclusão de duas importantes consultorias da área de energia que já tinham
afirmado que as reservas de petróleo, gás e carvão, já descobertas, são
suficientes para garantir a demanda energética mundial.
Em sentido contrário, o governo atual tem defendido a
expansão e intensificação da exploração e produção de petróleo e gás, e
assinando acordos internacionais; como por exemplo, com a Argentina, de compra
de gás extraído na Patagônia, região detentora da maior jazida mundial de gás
de xisto e a quarta de petróleo não convencional. Enquanto que o Banco Nacional
de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) continua aprovando apoio
financeiro às termelétricas a gás (caso recente o financiamento da usina em
Barcarena, Pará).
Por outro lado, conter o desmatamento é essencial para
reduzir as emissões de gases de efeito estufa. No Brasil, de forma direta e
indireta, a agropecuária, com sua a expansão desenfreada e predatória é
responsável por aproximadamente 75% de todas as emissões de GEE´s. A prática
corriqueira de “riscar o fósforo”, promovendo as queimadas é motivada por interesses
econômicos. A utilização de expedientes muitas vezes criminosos tem o objetivo
de ocupar grandes áreas destinadas ao plantio de soja, milho e outras
mercadorias. No caso da pecuária, grandes áreas têm sido dizimadas para servir
de pasto a está crescente e grandiosa boiada, em torno de 210 milhões de
cabeças de gado.
O Brasil registrou uma explosão de desmatamento
florestal a partir de 2019, durante o (des)governo da extrema direita,
comandado por Jair Bolsonaro (PL). Foi vivenciado no período uma série de
incêndios florestais; em sua enorme maioria causados por ações humanas, para
abrir novos campos agricultáveis e de pastagens. As causas naturais dos
incêndios representam uma quantidade insignificante do recorde de focos de fogo
registrados nos últimos anos no país.
Um caso simbólico de setores do agronegócio e de
fazendeiros envolvidos em práticas criminosas foi o que aconteceu no chamado
Dia do Fogo no Pará, em 2019, quando o país registrou aproximadamente 1.500
focos de incêndio em um único dia. Na ocasião, o fato chegou a ser antecipado
em um jornal, e há indícios de articulação de fazendeiros em grupos de
WhatsApp.
Nada parece deter a insanidade do capitalismo
representado pela ganância das grandes corporações, empresários, financistas,
lobistas e de governos (principalmente países produtores de petróleo, Brasil
incluído). Acabam atuando em sentido contrário das exigências atuais e
imediatas de enfrentamento à emergência climática.
Contra os interesses da humanidade se alinham
interesses econômicos das grandes corporações, que se beneficiam da exploração
dos combustíveis fósseis (petróleo, carvão mineral, gás natural), e do
agronegócio. Não somente defendem a exploração do petróleo “até a última gota”,
como mantém a prática do desmatamento dos biomas. Seguem o paradigma que busca
o lucro máximo e rápido com o menor custo. Modelo disfarçado de racionalidade,
progresso e promessas ilusórias.
O atual nível de conhecimento científico consolidado
sobre as causas do aquecimento global aponta para a eliminação gradual da
produção e exploração de combustíveis fósseis, reduzindo novos licenciamentos e
concessões e financiamentos destinados a esse setor; e na busca de atingir o
desmatamento zero. Então porque não seguir o que dizem os cientistas, e evitar
um colapso climático que coloca em risco a vida no planeta?
A humanidade está diante do maior desafio provocado por
ela mesma, o aquecimento global e suas consequências ao clima terrestre, e ao
próprio equilíbrio do planeta. No Brasil, diante desta aliança macabra contra o
futuro, entre os defensores dos combustíveis fósseis e o setor agropecuário
predatório, nos resta a denúncia, o esclarecimento, explicar sobre os riscos
envolvidos, a conscientização e a mobilização de todos para uma ação
transformadora, na direção de um outro Brasil (mundo) possível. O que será
alcançado com uma sociedade mais consciente, crítica e participativa. Somente
assim é que a vida não será colocada a reboque dos negócios, do mercado, do vil
metal.
Fonte: Por Heitor
Scalambrini Costa, em Envolverde
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