sexta-feira, 14 de fevereiro de 2025

Serviço secreto britânico mentiu à Justiça para proteger espião neonazista, revela investigação da BBC

O MI5 – o serviço secreto britânico – mentiu para três tribunais ao defender o tratamento fornecido pelo órgão a um agente secreto neonazista misógino, que atacou sua namorada com um facão, segundo revelou investigação da BBC.

Alegando motivos de sigilo, o serviço secreto declarou à Justiça que manteve sua política de não confirmar, nem negar a identidade dos informantes.

Na verdade, o MI5 havia me revelado o status do espião por telefone, tentando me convencer a não investigá-lo. O espião é conhecido pelo público apenas como agente X.

O MI5 defendeu agressivamente sua posição, até que produzi evidências que comprovam que não era verdade, incluindo a gravação de uma das ligações telefônicas.

# A investigação da BBC revelou que:

Primeiramente, o MI5 mentiu em uma ação judicial, na qual o governo tentou proibir a BBC de noticiar os delitos cometidos pelo agente X – e conseguiu nos proibir de publicar o nome do agente, de nacionalidade estrangeira.

 Em seguida, o serviço secreto repetiu a mentira para um tribunal especializado, junto ao qual a mulher que foi atacada com um facão – conhecida pelo cognome Beth – procura respostas sobre o tratamento fornecido pelo MI5 ao seu agente.

O órgão repetiu novamente a mentira para uma análise judicial, quando Beth questionou a decisão do tribunal especializado.

Um funcionário de alto escalão declarou que detinha autorização legal para me dizer que X era um agente – ou seja, o MI5 não manteve sua política de não confirmar nem negar a identidade dos seus agentes.

O diretor-geral do MI5 telefonou para o diretor-geral da BBC, levantando dúvidas sobre a nossa reportagem original sobre o agente X. Ele qualificou a reportagem de "imprecisa", o que não é verdade.

Em uma admissão sem precedentes, o MI5 publicou um "pedido de desculpas sem reservas" para a BBC e para todos os três tribunais envolvidos. A nota descreve o que aconteceu como um "erro sério" e afirma que "o MI5 assume toda a responsabilidade".

Agora, o diretor-geral do MI5, Ken McCallum, será pressionado a explicar o que ele sabia a respeito, já que o funcionário afirmou que detinha autorização legal para revelar o cargo de X.

O ocorrido também levanta preocupações sobre a confiabilidade das evidências apresentadas à Justiça pelo MI5 e sobre a manutenção de uma das suas principais políticas de sigilo.

Para que os agentes "continuem a nos proteger, precisamos proteger a eles e às suas identidades contra todos aqueles que os prejudicariam", afirmou McCallum, em declaração emitida após a publicação original desta reportagem. "O uso de agentes é um trabalho humano difícil, regido pela legislação e rigidamente fiscalizado."

O caso de Beth irá agora retornar para o tribunal especializado, que investiga se o serviço secreto violou seus direitos humanos, deixando de protegê-la contra o comportamento coercivo e abusivo de X. A Justiça irá reconsiderar se foi correto decidir que as evidências deveriam ser ouvidas em sessões fechadas, às quais ela não poderia comparecer.

"Acho que isso traz preocupações reais com a transparência do MI5, se podemos confiar nas evidências do MI5 apresentadas à Justiça", declarou à BBC a advogada de Beth – Kate Ellis, do Centro pela Justiça das Mulheres.

A mentira do MI5 pode agora ser revelada, depois que a BBC solicitou ao Supremo Tribunal que relatasse as falsas evidências em uma declaração de testemunha corporativa, por um vice-diretor do serviço secreto, conhecido como Testemunha A.

A declaração afirma que o serviço manteve sua política de longa data, de não confirmar, nem negar a identidade de agentes (conhecida pela sua sigla em inglês, NCND) e forneceu um relato falso dos contatos telefônicos do funcionário do MI5 comigo.

Durante uma curta audiência de permissão na quarta-feira (12/2), nos Tribunais Reais de Justiça em Londres, o juiz Chamberlain declarou que a evidência relevante do MI5 era "falsa".

A secretária para Assuntos Internos do Reino Unido, Yvette Cooper, nomeou o ex-chefe do serviço jurídico do governo, Jonathan Jones, como "revisor externo independente" do caso. Ele irá investigar como o MI5 chegou a fornecer evidências falsas à Justiça.

O revisor também deverá recomendar eventuais mudanças que sejam necessárias para garantir que os tribunais recebam informações precisas do serviço secreto britânico no futuro.

·        Crime 'perigoso e chocante'

Em 2022, a BBC noticiou como X aterrorizava sua parceira. Na época, Cooper era secretária paralela (da oposição) para Assuntos Internos e pediu uma "avaliação independente" do caso, para examinar as preocupações sobre como o MI5 lidou com "o perigoso e chocante crime de abuso doméstico".

O MI5 declarou que está conduzindo uma investigação interna sobre as evidências falsas, que pode resultar em ações disciplinares.

Após a audiência de quarta-feira, podemos agora informar que Ken McCallum telefonou para o diretor-geral da BBC, Tim Davie, no final de 2021, lançando dúvidas sobre a reportagem original sobre X planejada pela corporação.

As anotações sobre as chamadas feitas pelo próprio McCallum fazem parte das evidências do governo junto ao Supremo Tribunal, apresentadas em 2022. Elas registram que ele considerou minha proposta de reportagem "imprecisa e também irresponsável".

A BBC defendeu a reportagem e, depois que o governo nos levou aos tribunais, um juiz concluiu que eu havia tomado as medidas adequadas para determinar se os diversos elementos da reportagem "eram verdadeiros" e que ficou "confortavelmente" demonstrado que ela é baseada em evidências confiáveis.

Representando o governo na audiência de quarta-feira (12/2), James Eadie declarou que o processo disciplinar interno do MI5 "indica a seriedade com que o assunto está sendo tratado". Ele afirma que a Justiça receberá atualizações do caso em abril.

O significado do processo disciplinar para os indivíduos envolvidos é "bastante óbvio", segundo Eadie.

A BBC questionou a falta de explicações do MI5. Nas petições jurídicas de quarta-feira, a BBC pediu à Justiça que sejam tomadas novas medidas para garantir que esta "séria violação seja adequadamente investigada" e que os resultados de eventuais investigações sejam trazidos para domínio público.

A exposição de falso testemunho por parte do MI5 também irá prejudicar a credibilidade do órgão em outros processos judiciais. Neles, os juízes são obrigados a conceder enorme peso e deferência às evidências do serviço secreto britânico.

Estes processos costumam envolver audiências secretas, fechadas até para as partes mais prejudicadas, como a própria Beth, além de pessoas que têm parentes mortos em ataques e cidadãos que perderam sua cidadania britânica.

O MI5 reconheceu a questão, declarando nas petições judiciais de quarta-feira que está "totalmente consciente das responsabilidades específicas do MI5" e que os tribunais devem poder "confiar totalmente em qualquer evidência fornecida pelo órgão".

O serviço secreto defende que a política NCND é essencial para manter a segurança nacional e dos agentes. Mas as revelações da BBC aumentam as preocupações sobre a forma de uso desta política, que pode impedir a responsabilização de agentes que abusarem dos seus cargos ou cometerem crimes.

Como o alto funcionário do MI5 me disse que a revelação do status do agente havia sido legalmente autorizada, isso significa que ela havia sido assinada por advogados e outros altos funcionários do MI5. O Gabinete e o Escritório de Assuntos Internos também deveriam ter sido notificados, segundo a política de desvios da NCND.

Após a audiência de quarta-feira (12/2), um porta-voz do governo declarou que "os ministros e servidores civis não são consultados rotineiramente sobre revelações privadas pelas agências, o que também não ocorreu nesta ocasião".

Paralelamente, em uma declaração por escrito ao Parlamento, a secretária de Assuntos Domésticos Yvette Cooper afirmou que "é claro que o fornecimento de informações incorretas para a Justiça é um assunto muito sério".

Mas, segundo ela, o governo "defende e apoia o princípio de não confirmar, nem negar afirmações sobre indivíduos que podem ou não operar em nome das agências de inteligência do Reino Unido".

Em uma nova declaração de testemunha à Justiça, o vice-diretor do MI5 – a Testemunha A – pediu "sinceras" desculpas por fornecer evidências incorretas.

Ele declarou que a informação falsa "refletia minha honesta crença daquela época e refletia precisamente a informação que recebi".

¨      O que acontece se alguém faz a saudação nazista na Alemanha

Proibida após a Segunda Guerra Mundial, a saudação nazista– cumprimento com o braço direito estendido com a palma da mão voltada para baixo, pronunciando as palavras "Heil Hitler" ("salve Hitler") ou "Sieg Heil" ("salve a vitória") – é passível de multa ou até cinco anos de prisão na Alemanha.

O parágrafo que determina a punição é o de número 86a do Código Penal alemão, legislação que data originalmente de 1871 e foi sofrendo alterações ao longo dos anos. Segundo a lei, "será punido com pena de prisão de até três anos ou multa" quem "divulga ou utiliza publicamente, numa reunião ou num conteúdo compartilhado" por esse indivíduo, "símbolos" de partidos políticos ou organizações considerados inconstitucionais pelo Tribunal Constitucional Federal do país, como nazistas e neonazistas.

Esses símbolos incluem "bandeiras, emblemas ou partes de uniformes [da SS], bordões e cumprimentos nazistas", como a saudação hitlerista.

Além disso, o Código Penal alemão também proíbe negar publicamente o Holocausto e divulgar propaganda nazista.

Os crimes cometidos com o uso da saudação nazista e outros símbolos – como compartilhar imagens como suásticas e fazer declarações apoiando a ideologia nacional-socialista –, também costumam ser considerados incitação ao ódio, violação prevista no parágrafo 130 do Código Penal alemão e que pode ser punida com prisão por três meses até cinco anos. 

legislação alemã, portanto, prevê duas possíveis criminalizações da saudação nazista, em todas as suas variáveis.

As leis da Alemanha sobre incitação ao ódio e negação do Holocausto são fortemente enraizadas em sua história e identidade nacional, fruto das memórias ligadas às atrocidades da ditadura nazista de Adolf Hitler e contrastando fortemente com as de países como os Estados Unidos, onde a Constituição limita o papel do governo na restrição da liberdade de expressão.

                                <><> Variações da saudação nazista

Além do chamado "Hitlergruß" ou "Deutscher Gruß", como era conhecido durante o regime nazista, existe também o "Kühnengruß", que consiste no braço esticado, mas com o dedão, indicador e médio esticados em forma de "W", simbolizando a palavra "Widerstand" ("resistência"). Há pessoas que esticam o indicador e o médio nessa variante.

Outra saudação é o chamado "schlampiger Führergruß" ("saudação descuidada ao 'Führer'", em tradução livre), com o qual o autor não estica o braço, mas dobra o cotovelo do braço direito junto ao corpo e o aponta para trás.

Sem usar o braço, há também neonazistas que se cumprimentam falando "88", que indica duas vezes a oitava letra do alfabeto, ou seja, "HH" ("Heil Hitler").

<><> Punição para qualquer cidadão

O uso público da saudação é raro na Alemanha, até mesmo em contextos da direita radical e da extrema direita, onde a aparição é mais frequente.

A proibição e consequentes punições, porém, valem para todas as pessoas no país, não só para adeptos e disseminadores de ideologia extremista de direita. O gesto também é passível de punição se for usado como provocação ou apenas para chamar atenção, sem motivação política.

<><> Filmes, teatro e uso didático

Quando usada num contexto artístico ou científico, o uso da saudação nazista não é punido porque não é considerado nazista e não persegue um objetivo de glorificação donazismo.

Portanto, é possível usar a saudação em peças de teatro, peças artísticas ou filmes (documentários, de ficção e educacionais), por exemplo. Mas é preciso deixar claro o contexto do uso. Não é possível, por exemplo, fazer a saudação em público e dizer em seguida que se tratou de uma sátira.

<><> De quanto é a multa?

Em junho de 2021, a Justiça de Munique abriu um precedente contra um cidadão que, bêbado, havia gritado "Sieg Heil" numa rua da cidade antiga da capital bávara que fica próxima da cervejaria Hofbräuhaus, palco da infame apresentação do programa partidário do NSDAP pelo líder nazista Adolf Hitler.

O Código Penal alemão apenas prevê uma multa financeira para o uso de bordões e da saudação nazista, o que dá margem a diversas interpretações para definir o montante a ser pago. Usualmente penalizando com o pagamento de um salário mensal do autor do crime, a cidade de Munique passou a cobrar no mínimo dois salários integrais de quem faz a saudação ou pronuncia bordões nazistas.

Segundo o jornal Süddeutsche Zeitung apurou na época junto à Procuradoria-Geral de Munique, a cobrança maior passou a ser a regra a partir desse caso na Baviera, uma ação inédita e única na Alemanha até então. O raciocínio por trás do aumento das tarifas foi de que usar a saudação nazista é grave em todo o país – mas especialmente em Munique, a antiga "capital do movimento" nazista.

<><> Como surgiu a saudação nazista?

A saudação nazista não teve origem na Alemanha, mas na Roma antiga, e foi incorporada ao culto à personalidade de Adolf Hitler na época do nazismo. O chamado Saluto Romano era um cumprimento militar no Império Romano que consistia em erguer e esticar o braço e os dedos.

Em 1922, o ditador italiano Benito Mussolini transformou o gesto em decreto, determinando como os italianos precisavam saudar uns aos outros.

Hitler, então, também quis usar uma saudação militar. Em 1925, disseminou o gesto entre seus seguidores e acabou transformando-o em obrigação entre os membros do seu Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães (NSDAP).

Mesmo que ainda não fosse lei, o gesto acabou se tornando o padrão entre os alemães em poucos meses. De acordo com especialistas, esticar o braço com a palma da mão esticada e voltada para baixo era uma maneira de mostrar conformidade com o regime nazista. A partir de 1933, quando Hitler ascendeu ao poder, surgiram os primeiros decretos sobre o uso obrigatório da saudação.

O gesto também era visto como uma maneira de comprovar a lealdade do povo ao regime. Quem não o usava, era suspeito – todos viviam correndo risco de ser denunciados por recusa de fazer a saudação.

Outra simbologia associada à saudação nazista é a militarização – para as escolas, existia uma ordem de que os alunos precisavam adotar postura rígida ao fazer a saudação, como soldados do Exército.

<><> Ódio nas redes

A atual legislação alemã também estabelece regras rígidas sobre como as empresas de mídia social devem moderar e denunciar discurso de ódio e ameaças.

As leis federais sobre discurso de ódio na Alemanha preveem multas pesadas contra plataformas de internet que não denunciem e removam imediatamente discursos de ódio, ameaças terroristas e exploração infantil.

Na Alemanha, as principais redes sociais como Facebook e YouTube são obrigadas a excluir comentários de ódio. A partir do início de 2022, a situação legal se tornou ainda mais rigorosa: as redes sociais com mais de 2 milhões de usuários não têm apenas que excluir conteúdo criminoso, mas também são obrigadas a denunciar o conteúdo e os endereços IP ao Departamento Federal de Investigações Criminais (BKA).

¨      Crimes de extrema direita atingem recorde na Alemanha

O número de crimes cometidos por extremistas de direita na Alemanha atingiu um recorde no ano passado, com o país registrando um aumento vertiginoso em relação a 2023.

Um levantamento do governo federal realizado a pedido de parlamentares do partido A Esquerda, que traz números preliminares do ano de 2024, revelou que extremistas de direita cometeram 41.406 crimes. E registros tardios ainda podem aumentar esses dados.

Embora a maioria desses registros esteja relacionada a crimes como pichações de suásticas e gritos de slogans nazistas, 1.443 eram atos de violência física – o que também é um recorde.

A deputada do A Esquerda Petra Pau, citada pelo jornal berlinense Taz, disse se tratar de uma "tendência ascendente assustadora", contra a qual, "muito pouco se fez" nos últimos anos.

"Tigre sem dentes"

O plano de ação contra o extremismo de direita criado pela ministra alemã do Interior, Nancy Faeser, continua sendo um "tigre sem dentes", disse Pau.
A deputada, que é vice-presidente do Bundestag (a câmara baixa do parlamento alemão), afirmou que há um clima de açodamento contra 
refugiados e migrantes, alimentado inclusive pelo governo. "E, assim, agressores violentos de direita se sentem cada vez mais legitimados em suas ações."

Em 2023, o Departamento Federal de Investigações (BKA) registrou um número até então sem precedentes de crimes de extrema direita. Naquele ano, foi relatado um aumento significativo de 23,21%, somando 28.945 casos, em comparação ao ano anterior. Em 2021, o total era de pouco menos de 22 mil.

 

Fonte: Daniel De Simone, repórter investigativo da BBC News/DW Brasil

 

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