sexta-feira, 14 de fevereiro de 2025

Moisés Mendes: O irmão de José Mucio sabe que o clima de golpe não passou

Por mais denso e grave que seja o tema, há sempre uma certa candura nas falas do ministro José Mucio. Como aconteceu na desastrosa entrevista ao Roda Viva, quando, entre outros momentos ruins, foi perguntado se teve mesmo parentes acampados nos quartéis.

No tom de quem fala das preferências de familiares pelas coisas mais singelas, o ministro da Defesa respondeu assim ao tratar dos acampamentos e confirmar o que havia dito em janeiro de 2023:

 “Tinha muita gente. Tinha irmão que gostava de ir pra frente do quartel e outros parentes, mas passou”.

A novidade foi o irmão. O ministro deu um ar de inocência ao fato de que esse irmão gostava de ir pra frente do quartel. Se ia, era porque gostava, como quem gosta de ir ao cinema. E, se gostava, era porque convivia com outros golpistas.

O negociador convocado por Lula para acalmar os quartéis e os generais de pijama teve um irmão e outros parentes frequentando acampamentos. Não se sabe se como acampados ou apenas como visitantes que se sentiam bem andando por ali. Gostavam e pronto.

Mucio também disse que “gente de todo o tipo” frequentava os acampamentos. E classificou os frequentadores como inocentes, apenas baderneiros e baderneiros profissionais que foram só para quebrar alguma coisa. Mas tem dúvida se pretendiam derrubar o governo que ele deve defender.

E admitiu: “As figuras que organizaram aquilo, que idealizaram, no dia não apareceram”. Mas, mesmo assim, mesmo admitindo que existiam organizadores da invasão, também tem dúvidas se aquilo foi uma tentativa de golpe.

É o que temos. Um ministro com fama de apaziguador, considerado fiel a Lula, dizendo que o irmão era frequentador dos acampamentos do golpe e, o que mais surpreendeu, exaltando Bolsonaro como interessado em mediar conversas com os chefes militares.

Foi quando disse que, já como escolhido por Lula para a Defesa, teve a ajuda do chefe do golpe para chegar com jeito, em dezembro de 2022, aos chefes das três armas para fazer a transição. Só um deles, o então chefe da Marinha, almirante Almir Garnier, se recusou a recebê-lo.

Mucio tinha um irmão golpista, procurou o líder golpista e foi esnobado por um dos chefes militares golpistas. E assim chegou até aqui, como fiel a Lula, repetindo um mantra no Roda Viva, como se fosse um Paulo Coelho chamado por Lula para a pacificação: “Sou um homem refém e escravo da gratidão”.

O que ele pode ter dito é que Lula, e não só ele, também é devedor de gratidão. Mucio também acha que os manés são apenas manés, que ninguém estava armado, que umas velhinhas invadiram Brasília e que é preciso dosar de novo as penas impostas a alguns deles.

O pior foi que Mucio largou uma bola nas costas de Lula, ao elevar Bolsonaro à condição de mediador de conversas com os generais, quando já se sabia quem havia participado da tentativa de golpe.

Por maior que seja seu esforço para se reafirmar como conciliador, não há como considerar razoável a sua fala, certamente bem planejada, para que Bolsonaro tenha um álibi poderoso como um democrata em busca da paz.

Qualquer aprendiz de golpismo sabe que Bolsonaro e muitos militares, incluindo Braga Netto, que está preso, só se recolheram quando se deram conta de que o golpe não daria certo.

O Bolsonaro que propicia o encontro de Mucio com os generais é um perdedor em busca de atenuantes. Mucio ofereceu, com acenos variados à direita bolsonarista, a passada de pano que o golpismo mais esperava.

No fim da frase em que admite que um irmão era golpista, o que não é incomum nas famílias brasileiras, o ministro afirmou, como se estivesse suspirando: “Mas passou”.

José Mucio sabe, pelo que disse no Roda Viva, que não passou. E sabe que o irmão dele também sabe.

 

¨      Anistia pra golpista? Aqui não! Por Florestan Fernandes Jr

Não existe na história do Brasil uma tentativa de golpe de Estado tão fartamente registrada como a que transcorreu nos quatro anos do governo Bolsonaro e que teve seu auge no 8 de janeiro, já no início do terceiro mandato do presidente Lula.  

Só por esse motivo a fala do ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, no programa Roda Viva, defendendo uma anistia e a redução das penas para os condenados já seria de imensa gravidade. A justificativa de Mucio é de uma fragilidade inimaginável; não para em pé diante de tudo o que até aqui foi revelado das investigações que avançaram desde então.

Do alto de seu desconhecimento jurídico, ou talvez pelas suas convicções políticas, Mucio, que tinha parentes acampados em frente ao QG do Exército, “passou pano”, dizendo: "Ali tinha gente de todo o tipo, tinha os inocentes, tinha os baderneiros, tinha os baderneiros profissionais que foram só para quebrar, mas quebrar derrubava o governo? Quebrar? Havia algum movimento? As figuras que organizaram aquilo, que idealizaram, no dia não apareceram." Lógico que tinha articulação golpista no dia da “infâmia”. O senhor já se esqueceu da tropa de choque do Distrito Federal fazendo selfie ao lado dos “terroristas”? O senhor não tomou conhecimento da participação dos Kids Pretos abrindo caminho para a invasão dos prédios? Ou ainda o descumprimento de determinação do ministro Alexandre de Moraes, por parte do então comandante do Exército, general Júlio César de Arruda, impedindo com blindados a entrada da PM para a prisão dos golpistas e o desmonte do acampamento na porta do quartel? 

O senhor, mais que os outros ministros do governo Lula, acompanhou de perto o desenrolar daquele dia vergonhoso da nossa República. Lembra-se da péssima ideia lançada ao presidente Lula, de assinar um decreto de Garantia da Lei e da Ordem para conter a situação? Que essa ideia foi abortada pela primeira-dama, Janja da Silva, que alertou os perigos de entregar o comando do país aos militares? Se esqueceu, vale recordar a fala de Janja sobre uma GLO: "É tudo o que eles (os golpistas) querem". 

O pedido de anistia, como bem lembrou o presidente Lula, é na realidade uma confissão de culpa daqueles que articularam, financiaram e usaram seus cargos públicos para a concretização do golpe. Vale lembrar que essa gente até hoje não foi sequer denunciada pela Procuradoria Geral da República. 

Recomendo ao senhor Ministro da Defesa, se ainda não o fez, que assista o filme, “Ainda Estou Aqui”. Essa obra cinematográfica, tão premiada mundo afora, é a prova contundente de que anistiar os que mataram, torturaram e perseguiram em nome de uma ditadura militar, ao invés de apaziguar o país, deixou as portas abertas para o discurso de ódio dos golpistas contemporâneos, que recentemente quase nos solaparam a democracia. Muitos deles eram jovens oficiais nos anos de chumbo e reincidiram nos crimes contra o estado democrático de direito, justamente pela impunidade dos mesmos crimes do passado. 

Essa falta de acerto de contas com o passado ditatorial nos custou (e custa) muito. Estimulou os frequentes refluxos autoritários daqueles que, mesmo após a redemocratização, insistem em avançar sobre os limites que a constituição lhes impôs.

Sei bem do apreço que o presidente Lula tem pelo Ministro Mucio, e a recíproca me parece verdadeira. Sei também das dificuldades de lidar com os melindres e os humores das Forças Armadas. Sei da importância de José Mucio nesse relacionamento tortuoso, na tarefa impostergável de se estabelecer, em definitivo, as forças armadas dentro dos estritos limites constitucionais de suas funções.

A crise de identidade constitucional das forças armadas, caro leitor, é um problema de todos nós, já que está sempre por trás de todas as investidas contra a democracia. É de urgente solução e isto passa, necessariamente, pelo correto tratamento de toda e qualquer ação golpista.

Por tudo isto, a fala, no mínimo inadequada do Ministro da Defesa de um governo que nos seus primeiros dias teve que lutar contra uma tentativa de golpe (e o nome é este), merece a devida reprovação. Golpistas não passarão!

 

¨      Múcio desafinou. Por Alfredo Attié

José Múcio é músico, é engenheiro e é político. Mal iniciou sua gestão no Ministério da Defesa, desafinou. Disse que os criminosos que acampavam em torno dos quartéis e pediam ditadura eram pessoas que só queriam se manifestar, que tinha até amigos e parentes entre elas. Passado o susto do quebra-quebra em Brasília, tentativa de atentado a bomba, incêndio de ônibus e outras tantas "manifestações", passou à construção de seu mandato, mas, sem plano de obra, limitou-se a praticamente representar a voz das Forças Armadas, que, bem ao contrário, deveria coordenar e, em nome do presidente, liderar. 

Mais recentemente, passou a se manifestar em favor dos criminosos de oito de janeiro, dizendo que são inocentes muitos e que merecem penas mais brandas. Como ministro, dessa forma, afronta uma função constitucional que não é sua, mas do Supremo Tribunal Federal. Põe em questão a Justiça, sem ter legitimidade nenhuma para fazer isso. No limite, pode chegar ao cometimento de crime de responsabilidade (Lei 1079 de 1950). 

A função de um ministro de Estado é de alta responsabilidade. Ele deve se abster de falar sobre assuntos que não são de sua alçada e prestar contas ao presidente e à Constituição. Não cabe ao ministro da Defesa dizer o que é crime e o que não é. Nem dosar pena pelo cometimento de crime. O ministro exerce uma função de representação política submetida ao comando do presidente. Não lhe cabe dar voz nem a militares nem a criminosos contra o Estado Democrático de Direito.

 

¨      Lula erra ao manter mister Múcio. Por Valter Pomar

Alguns dirigentes do PT acham que não se pode fazer críticas públicas ao presidente Lula.

Entendo esta postura.

Primeiro, porque cabe ao PT defender o governo. E aos dirigentes petistas cabe dar o exemplo.

Segundo, porque fiz campanha para Lula em 1982 e votei nele em todas as demais eleições em que concorreu. Espero poder votar, novamente, em 2026.

Terceiro, porque há circunstâncias do dia-a-dia do governo, sobre as quais só Lula tem informação completa.

Quarto e principal, porque quero mudar a política do governo. E para isso preciso, entre outras coisas, convencer o presidente.

Por tudo isto e muito mais, sempre que critico a política adotada pelo governo, busco preservar o presidente Lula.

Mas toda regra tem suas exceções.

O caso de mister Múcio é uma destas exceções.

Múcio foi nomeado pelo presidente Lula.

E, segundo consta, o presidente Lula teria pedido a Múcio que permaneça no cargo de ministro da Defesa.

O risco decorrente desta escolha ficou – mais uma vez – evidente na entrevista de Múcio ao programa Roda Viva da TV Cultura, no dia 10 de fevereiro de 2025.

Vide sua defesa do parlamentarismo: “O parlamentarismo seria uma coisa que seria uma boa experiência para o Brasil […] Acho que nós precisamos disso.”

Vide sua defesa do semipresidencialismo: “Acho que o semipresidencialismo, que é uma coisa que eu conheço pouco, seria uma forma de você trazer o Congresso Nacional para participar da administração.”

Vide, principalmente, sua opinião sobre a intentona golpista de 8 de janeiro de 2023, tentando livrar a cara das Forças Armadas, aliviando para os golpistas e abrindo as portas para a anistia pretendida pelo cavernícola.

Vide outras afirmações e posturas, desde dezembro de 2022 até ontem.

João Goulart confiou num tal “dispositivo militar”. Mas o Golpe de 64 transcorreu sem que houvesse resistência à altura dos chamados militares legalistas.

Salvador Allende confiou em Pinochet ao ponto de achar que o general teria sido preso pelos golpistas, na manhã de 11 de setembro. Quando se deu conta da traição, era tarde demais.

Lula pelo visto confia em José Múcio. Não atino os motivos. Mas como dirigente do PT e cidadão brasileiro, me sinto na obrigação de opinar publicamente que isto é um erro.

Um erro brutal, como já se viu pela atitude do ministro frente a Intentona de 8 de janeiro, bem como pelo conjunto da obra. E, principalmente, pelo que já está em curso e ainda pode vir a acontecer.

Dixi et salvavi animam meam.

 

Fonte: Brasil 247

 

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