Redes sociais digitais: do
poder de compartilhar ao poder de construir o mundo
Quando o Facebook foi
criado ele tinha como missão “dar às pessoas o poder de compartilhar e tornar o
mundo mais aberto”. Em 2017, no entanto, a empresa assumiu uma nova missão:
“dar às pessoas o poder de “construir” a comunidade e aproximar o mundo”. Na
época, ao falar sobre o motivo da mudança, Mark Zuckerberg afirmou que ela
ocorreu diante da responsabilidade em usar seus recursos para “fazer coisas
positivas”. Algumas questões foram apontadas por ele para a mudança de foco,
entre elas a proliferação de perfis e notícias falsas, o grande volume de
mensagens de ódio e intolerância, as polarizações ideológicas, os usos comerciais
da plataforma e a relação pouco transparente com os usuários.
Zuckerberg reconheceu,
durante o primeiro Facebook Communities Summit, realizado em
Chicago, nos dias 22 e 23 de junho de 2017, que o Facebook havia falhado na
tentativa de ampliar a diversidade de opiniões ao acreditar que bastava,
simplesmente, conectar pessoas e dar voz a elas. O CEO da hoje Meta demonstrava
estar “preocupado”, especialmente com o enfraquecimento das comunidades físicas
pelo mundo. Por isso, sua intenção com a mudança de propósito era criar
mecanismos de estímulo para que as pessoas pudessem participar de grupos e
comunidades online, que se mostrassem significativas para a
organização de suas vidas no mundo offline.
Quando o Facebook
assumiu sua nova missão, em 2017, o Instagram já havia sido comprado pela
empresa, mas ainda não era a plataforma como a conhecemos hoje em alcance e
relevância. Naquele ano, o Instagram havia alcançado 800 milhões de usuários
ativos, um número modesto se comparado aos 2 bilhões de perfis ativos
registrados no ano de 2024. Assim como ocorreu em 2017, ao definir nesse ano de
2024 novas diretrizes para suas empresas, Zuckerberg deixa clara a hierarquia
existente para o funcionamento das redes sociais digitais.
Isso significa que a
participação de qualquer pessoa, ainda que de forma relativamente autônoma,
estará sempre condicionada aos interesses maiores da Meta. Essa constatação nos
leva a refletir sobre como as plataformas de redes sociais digitais são capazes
de manipular pessoas e instituir a sociabilidade entre elas por meio de sua
arquitetura e das estratégias de seus gestores. Devemos nos lembrar, no
entanto, que os elementos externos que instituem as redes sociais digitais não
podem produzir efeitos sem que haja a intensa participação dos membros que
tornam essa mesma rede possível. Devemos considerar em nossas reflexões
questões técnicas e tecnológicas envolvidas nos processos de comunicação e as
práticas culturais que se engendram a partir e com o uso dessas plataformas.
Ao mudar o propósito do
Facebook, em 2017, de “dar o poder de compartilhar” para “dar o poder de
construir”, Zuckerberg aponta para uma relação em que a participação se torna
responsável por construir e mover o mundo, além de produzir relações de sentido
sobre o mundo. As possibilidades de participação, por meio das práticas de
curtir, postar, comentar e compartilhar não determinam, por si só, o sucesso da
rede ou as construções que se fazem ali. Arriscaria dizer que se há algo capaz
de determinar o sucesso do serviço oferecido pelas plataformas, seria a
participação efetiva, o estar na rede, a incorporação de um modo de viver a
experiência da sociabilidade – hiperconectada e hipervisibilizada – na qual
usuários lançam mão da sua máxima autonomia para expor opiniões e confrontar
opositores.
A máxima do pesquisador
norte-americano Henry Jenkins – em seu livro Cultura da Conexão, de 2014 – de
que “aquilo que não se propaga morre” parece fazer mais sentido do que nunca. A
propagação de conteúdos falsos e de discursos de ódio e intolerância depende
tanto da ação dos usuários quanto da própria arquitetura e dinâmica dos sites
de rede social. Quem navega todos os dias nas plataformas – que nós
chamamos de redes sociais como se fossem um único fenômeno – nem sempre tem a dimensão
do mundo de negócios que opera por trás da simplicidade da interface.
Facebook e Instagram
não apenas permitem fazer e potencializar negócios como são um grande negócio.
No segundo trimestre de 2024, de acordo com um balanço divulgado no dia 31 de
julho, a Meta registrou lucro líquido de US$ 13 bilhões, crescimento de 73% na
comparação com igual período do ano anterior. Os usuários das plataformas de
redes sociais “ajudam” a Meta a faturar e isso é possível porque ferramentas
sofisticadas produzem dados de tráfego, com informações sobre hábitos culturais
e de consumo de seus usuários.
Ao abrir uma conta no
Facebook e no Instagram, o usuário dá permissão para que a Meta use seus dados
e ganhe dinheiro, muito dinheiro, com o trabalho que cada um de nós faz voluntariamente
ao produzir e compartilhar informações. E na arquitetura das redes pouco
importa se as informações são confiáveis ou guardam alguma verossimilhança com
a realidade. Desse modo, o serviço oferecido pelas plataformas de redes sociais
só pode ser considerado gratuito em relação ao modo convencional com que nos
relacionamos com outros bens e serviços, pelos quais pagamos com dinheiro. A
moeda corrente nas plataformas de redes sociais é a informação e o uso do
serviço, nessa perspectiva, não é gratuito e, sim, pago pelo usuário com
informações que ele produz e pelo tráfego que ele gera ao navegar pela rede,
postar, compartilhar, curtir.
Em 2016, a Cambridge
Analytica foi acusada de usar dados de usuários do Facebook nos serviços que
prestou, em 2016, à campanha do então candidato à presidência dos Estados
Unidos, Donald Trump. As informações foram coletadas por um aplicativo
chamado thisisyourdigitallife (essa é sua vida digital),
que pagou a centenas de milhares de usuários pequenas quantias para que eles
fizessem um teste de personalidade e concordassem em ter seus dados coletados
para uso acadêmico.
A estratégia de lucros
das plataformas de redes sociais usa mecanismos de personalização dos usuários
de forma a coletar dados que digam quem é, o que faz, do que gosta, quais as
inclinações políticas, em que lugares transita e que tipo de informação procura
cada usuário. Como a quantidade de usuários e o volume de informações é muito
grande, há necessidade de investimentos constantes nos algoritmos que coletam,
tratam e organizam informações. Em janeiro de 2018, o Facebook diminuiu a
visibilidade de páginas de empresas e marcas e contribuiu para problematizar a
falta de transparência no uso de dados e manipulação das informações que
circulam na rede.
Em publicação feita na
sua página naquela ocasião, Mark Zuckerberg anunciou que o objetivo da mudança
no algoritmo da rede era dar prioridade às publicações de amigos e familiares
em detrimento dos conteúdos produzidos por empresas jornalísticas. A decisão reforçava
a ideia de que usuários interagem com quem expressa opiniões como as suas,
favorecendo a criação das chamadas “bolhas” de opiniões e convicções e
reforçando a propagação de fake news.
As redes sociais
funcionam como megafones e as opiniões são fáceis, rápidas, sem muita reflexão.
Com essa configuração, o ambiente digital se constitui em palco certeiro para
as polêmicas e as “confusões”, já que todos querem estar certos e sentem que
suas opiniões, por mais estapafúrdias que sejam, encontram eco e são validadas
por pares. O algoritmo é uma espécie de cupido para quem compartilha das mesmas
ideias e crenças.
A indústria das fake
news se apoia na lógica de pessoas comuns, isoladas no confessionário
com megafone e “dispostas a construir” o mundo a partir de suas experiências
pessoas e suas convicções. Ignoram toda uma estratégia que se aproveita da
arquitetura e da lógica da rede para atuar nas bolhas em que cada indivíduo se
abriga a partir de suas crenças.
A ideia da
individualidade em rede, proposta por Manuel Castells, se materializa na medida
em os usuários se sentem à vontade para se manifestar, afinal, trata-se da sua
página pessoal, do seu perfil. Esquecem-se, no entanto, que a sua página
pessoal está alojada no interior de um negócio milionário. O espaço público das
redes sociais é onde ocorrem as rodadas de negócios em que os usuários sequer
suspeitam que são eles os valores negociados na mesa. No fim das contas, não
precisamos acreditar que Mark Zuckerberg se tornou um vilão agora, ao decidir que
suas empresas irão deixar de moderar conteúdo. Alguma vez a moderação foi, de
fato, considerada?
Fonte: Por Marcilene Forechi, no Observatório da Impreensa
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