Por que
pré-eclâmpsia é um mistério que ciência ainda não desvendou
A cantora Lexa comoveu seus
fãs ao anunciar a morte da filha recém-nascida, Sofia, na
segunda-feira (10/2).
Lexa deu à luz em 2
de fevereiro, e sua bebê faleceu três dias após o nascimento prematuro,
ocorrido porque a cantora teve pré-eclâmpsia e síndrome de Hellp, que é uma
complicação da pré-eclâmpsia.
"O nosso
milagre nasceu! Dia 5/2 minha filha amada nos deixou. Um luto e uma dor que eu
nunca tinha visto igual", disse Lexa em uma publicação em suas redes
sociais.
"Vivi os dias
mais difíceis da minha vida. Eu senti cada chutinho, eu conversei com a
barriga, eu idealizei e sonhei tantas coisas lindas para a gente… foram 25
semanas e quatro dias de uma gestação muuuito desejada", afirmou.
"Agora tô
buscando um rumo na minha vida, uma parte de mim se foi."
A pré-eclâmpsia provoca uma
complicação na gravidez que provoca níveis perigosamente elevados de pressão arterial e danos nos
órgãos durante a gravidez.
É uma condição
grave, que podendo levar à morte da mãe e do feto, mas nem sempre tem fins
trágicos como o da cantora.
Depois de uma
carreira brilhante no atletismo, que a levou a
conquistar sete medalhas de ouro olímpicas e 14 medalhas de ouro em campeonatos
mundiais, a americana Allyson Felix achou que a gravidez seria tão
tranquila quanto seu estilo de corrida característico.
"Durante toda
a minha vida cuidei do meu corpo, meu corpo foi minha ferramenta e nunca me
falhou", diz Allyson.
"Eu treinei e
fiz exigências do meu corpo, e ele sempre desempenhou bem. Então pensei em ter
um lindo parto natural, fui ao [curso de] hipnobirthing [método de
técnicas de relaxamento em partos] e todas essas coisas", ela diz.
Mas quando Allyson
compareceu a um check-up de rotina na 32ª semanas, ficou chocada ao
saber que tinha pré-eclâmpsia grave e que necessitava de hospitalização
imediata.
No dia seguinte, os
médicos realizaram uma cesariana de emergência, e sua filha Camryn nasceu em
novembro de 2018, dois meses antes do previsto, e passou o primeiro mês de vida
na unidade de cuidados intensivos neonatais.
Até então, não
tinham aparecido sinais de qualquer problema com Allyson ou o feto, a não ser
um leve inchaço nos pés da mãe.
"Não fiquei
muito alarmada com isso, mas descobri que estava expelindo proteína (pela
urina) e todas essas coisas sobre minha pressão arterial. Foi assustador. Mas
no final, pudemos ir para casa", diz ela.
Embora Camryn tenha
hoje seis anos de idade e seja saudável, Allyson está ciente de histórias
semelhantes que resultaram em um final trágico.
Em abril de 2023,
sua companheira de equipe de longa data, Tori Bowie, ex-campeã mundial dos 100
metros rasos e medalhista de ouro no revezamento nas Olimpíadas Rio 2016,
morreu no parto devido a complicações ligadas à pré-eclâmpsia. Ela tinha apenas
32 anos.
"Estivemos
juntos em várias equipes de revezamento, competimos uma contra a outra, isso
foi extremamente chocante", diz Allyson.
"Era alguém
com quem passei tanto tempo… foi realmente devastador."
Desvendando um
enigma mortal
Estima-se que a
pré-eclâmpsia seja responsável por mais de 70 mil mortes maternas e 500 mil
mortes fetais todos os anos, com muitas mortes resultantes de acidente vascular
cerebral ou adaptação prolongada como resultado da pressão arterial elevada.
A condição pode
ocorrer sem aviso prévio a qualquer momento durante a gravidez. Existem casos
de pré-eclâmpsia seis semanas após o parto.
Os cientistas
descobriram algumas pistas sobre por que isso acontece.
O excesso de
inflamações no útero perturba os delicados padrões de comunicação que ocorrem
entre o corpo da mãe e o feto.
Isso tem impacto na
remodelação dos vasos sanguíneos dentro do útero para formar a placenta, o
órgão criado para fornecer ao feto os nutrientes e o oxigênio de que necessita.
O fluxo anormal de
sangue através da placenta acaba interferindo na forma como o corpo da mãe
controla a pressão arterial, levando gradualmente à hipertensão e, por fim, à
pré-eclâmpsia.
"Quando uma
mulher engravida, o seu coração tem de bombear mais para o bebê e para a
placenta", diz Ian Wilkinson, farmacologista clínico e professor de
terapêutica na Universidade de Cambridge, que lidera um estudo populacional
sobre pré-eclâmpsia no Reino Unido chamado Poppy.
"A quantidade
de sangue que ela bombeia a cada minuto aumenta de uma vez e meia a duas vezes
[na gravidez normal]."
Sabe-se que
mulheres com doenças autoimunes, aquelas com mais de 40 anos e mulheres com um
índice de massa corporal maior correm maior risco, talvez porque também sejam
incapazes de se adaptar ao desgaste físico que a gravidez impõe ao corpo da
mulher.
Mas ainda existem
muitos mistérios sobre a razão pela qual certas mulheres desenvolvem
pré-eclâmpsia e por que outras não.
Em particular, as
taxas são até 60% mais elevadas entre mulheres negras, que também têm maior
probabilidade de sofrer formas graves da doença.
Alguns
pesquisadores acreditam que isso pode estar associada a um acesso mais precário
a uma nutrição adequada e a atendimentos de saúde.
"Há um racismo estrutural, onde certos
pacientes e comunidades não têm o mesmo acesso a intervenções precoces e a exames
de detecção, principalmente por causa do tipo de assistência médica que
recebem", diz Garima Sharma, diretora de cardio-obstetrícia e saúde
cardiovascular da mulher na empresa de cuidados de saúde Inova Health System em
Fairfax, Virgínia.
Ao mesmo tempo,
Sharma diz que isso não explica exatamente por que a condição começa.
Embora os médicos
ainda dependam fortemente de fatores de risco clínicos, como idade, etnia e
histórico médico, para avaliar quem pode desenvolver pré-eclâmpsia, a precisão
das previsões baseadas nestes fatores é notoriamente fraca.
"A
sensibilidade dos fatores de risco clínicos por si só é baixa", diz
Sharma.
Mas com o
surgimento de diagnósticos mais novos e melhorados, os cientistas poderão em
breve conseguir esclarecer quem está em risco e por quê.
Prevendo a
pré-eclâmpsia
Embora
especialistas que tratam outras doenças, como câncer ou infecções crônicas,
muitas vezes possam fazer uma biópsia dos tecidos internos de uma paciente para
análise posterior, não há uma maneira fácil de estudar as alterações que
ocorrem no útero de uma mulher grávida.
"Não podemos
simplesmente coletar rotineiramente uma amostra de placenta [de uma mulher
grávida], porque isso pode realmente aumentar o risco de aborto
espontâneo", diz Lana McClements, professora associada da Universidade de
Tecnologia de Sydney.
"E os animais,
na verdade, não desenvolvem pré-eclâmpsia, por isso, testes com roedores, por
exemplo, são muito difíceis de fazer."
Em vez disso, os
pesquisadores vão atrás de níveis anormais de certas moléculas no sangue para
detectar se há algo de errado.
Estudos
demonstraram que, em mulheres com altos níveis de inflamação no útero, as
células da placenta respondem ao suprimento sanguíneo prejudicado liberando uma
proteína conhecida como tirosina quinase 1 semelhante a fms solúvel (sFlt-1).
Uma vez na corrente
sanguínea, os níveis excessivos desta proteína têm um impacto tóxico, tornando
a frágil barreira entre a mãe e o feto mais sensível à inflamação.
"Os níveis
dessa proteína chegam a cem vezes dos níveis normais em pacientes que estão
desenvolvendo pré-eclâmpsia", diz Craig Mello, biólogo da Faculdade de
Medicina da Universidade de Massachusetts, que foi coganhador do Prêmio Nobel
de Fisiologia ou Medicina de 2006.
"Portanto,
pode ser usado como um diagnóstico antes dos perigos de falência de órgãos que
podem ocorrer com a pré-eclâmpsia".
Há dois anos, a
empresa de ciências biológicas e investigação clínica Thermo Fisher Scientific
recebeu aprovação da Food and Drug Administration (FDA) dos Estados Unidos para
um novo diagnóstico de pré-eclâmpsia.
Isso ajuda a
acelerar o desenvolvimento de tecnologias médicas que tratam ou diagnosticam
condições graves.
Neste caso, a
ferramenta de diagnóstico envolve a procura de níveis elevados de sFlt-1 em
comparação com níveis baixos de outra proteína, o fator de crescimento
placentário, que representa o desenvolvimento normal da placenta.
Clinicamente, o
teste será usado para prever rapidamente se uma mulher grávida hospitalizada
com sinais de hipertensão desenvolverá pré-eclâmpsia grave nas duas semanas
seguintes.
Sua eficácia foi
demonstrada provisoriamente em um estudo de 2022 que examinou mais de 700
mulheres grávidas em 18 hospitais diferentes, no qual os pacientes com
resultados positivos puderam receber vigilância reforçada e cuidados acelerados
antes que os seus sintomas piorassem.
Embora se pense que
a nova técnica de diagnóstico salvará vidas, Cindy Anderson, professora de
saúde materno-infantil na Faculdade de Enfermagem da Universidade Estadual de
Ohio, considera que faltam diagnósticos mais avançados que possam detectar
sinais de alerta de pré-eclâmpsia em uma fase muito mais precoce da gravidez.
Se os indícios
provisórios de pré-eclâmpsia pudessem ser identificados em um ponto em que a
placenta não está totalmente desenvolvida, ainda seria possível prevenir a
doença.
"Depois de
nove semanas, a placenta se desenvolveu", diz Anderson.
"A pergunta é:
podemos ver esses sinais mais cedo e poderíamos então intervir com um
tratamento para detê-los ou até mesmo curá-los?"
Para tentar
permitir isto, um grupo de cientistas está recorrendo a uma nova tecnologia,
que tem evoluído em um ritmo rápido nos últimos anos.
Placenta em um chip
Em um laboratório
em Sydney, McClements e sua equipe estão montando meticulosamente camadas de
células vivas de placenta, ligadas a géis de suporte, para criar estruturas
naturais semelhantes a tecidos.
A ideia é modelar
alguns dos processos que podem ocorrer nas fases iniciais da pré-eclâmpsia,
fora do corpo humano, algo que nunca foi feito antes. A equipe apelidou
carinhosamente a tecnologia de "placenta em-um-chip".
"Temos tentado
desenvolver estes modelos que possam imitar o que acontece na placenta humana
em condições de pré-eclâmpsia", diz McClements.
"Por exemplo,
usamos trofoblastos, as camadas de células que dirigem a formação da placenta,
desde o primeiro trimestre (da gravidez)", prossegue.
"Estamos
tentando entender o que está acontecendo com eles nas condições de inflamação,
estresse oxidativo, falta de oxigênio e restrição do desenvolvimento de vasos
sanguíneos, que precedem a pré-eclâmpsia no início da gravidez."
De acordo com
McClements, a esperança é que um dia esta pesquisa possa produzir novos
biomarcadores que possam constituir a base de futuros exames de sangue para
mães recém-grávidas.
Mas ter um modelo
mais realista de pré-eclâmpsia também poderia tornar mais fácil para os
investigadores testarem potenciais terapias capazes de realmente alterar o
curso da doença.
"Duas em cada
três mulheres que passaram por pré-eclâmpsia durante a gravidez morrerão
prematuramente de ataques cardíacos e doenças cardiovasculares", diz
McClements.
"Portanto, há
uma necessidade real de encontrar novos tratamentos para prevenir que a doença
ocorra tanto na gravidez como na pós-gravidez".
Até o momento, a
única terapia recomendada para mulheres grávidas consideradas de alto risco de
pré-eclâmpsia é aspirina em baixas doses a partir de 12 semanas até o
nascimento.
Estudos
demonstraram que cerca de 60% das mulheres que iniciam a terapia com aspirina
antes da 16ª semana não desenvolvem nenhum sintoma de pré-eclâmpsia.
Mas isto ainda
deixa de fora 40% das pacientes vulneráveis, juntamente com muitas que não
receberam o tratamento porque seus médicos não suspeitaram que fossem
vulneráveis à pré-eclâmpsia.
"Há muitos que
não entendem e isso nem sequer é discutido com eles", diz Andrew Shennan,
professor de obstetrícia no King's College London, no Reino Unido.
McClements explica
que o reaproveitamento de medicamentos, o processo de encontrar novos usos para
medicamentos existentes ou abandonados que são conhecidos por serem seguros
para mulheres grávidas, tem um grande potencial de ser usados nos cuidados com
a pré-eclâmpsia.
Esse processo,
avalia a especialista, poderia ser acelerado testando tais medicamentos em
células placentárias bioimpressas.
Acredita-se que os
chamados inibidores da bomba de prótons, medicamentos amplamente utilizados
para tratar indigestão, azia ou úlceras estomacais, sejam possivelmente capazes
de reverter alguns dos processos inflamatórios prejudiciais que impulsionam os
estágios iniciais da pré-eclâmpsia.
Os pesquisadores
também sugeriram que o eculizumab, um anticorpo monoclonal utilizado para
tratar uma forma de doença sanguínea, pode reduzir o risco de desenvolvimento
de pré-eclâmpsia se administrado no início da gravidez.
"Atualmente
estamos aprimorando a metformina, um medicamento para diabetes que está
emergindo como um tratamento potencial", diz McClements.
"Há um estudo
fascinante que mostrou que a metformina pode realmente retardar o parto do bebê
na pré-eclâmpsia grave precoce, o que pode potencialmente prevenir o nascimento
prematuro."
Outra abordagem
envolve a tentativa de interromper a doença impedindo a produção de sFlt1 na
placenta.
Em 2023, o FDA
autorizou um novo medicamento experimental chamado CBP-4888, que foi
desenvolvido por uma empresa com sede em Massachusetts chamada Comanche
Biopharma, para testes em ensaios clínicos.
A droga é conhecida
como um pequeno RNA interferente (siRNA), pequenos pedaços de código genético
que podem ser direcionados com precisão para várias partes do corpo, onde podem
regular a expressão genética e a função celular para interromper a produção de
uma proteína específica, neste caso a sFlt1.
"Uma das
coisas notáveis sobre estas moléculas é a sua longevidade, diz Craig Mello, que
trabalha como consultor científico da Comanche BioPharma.
"Uma dose
única pode durar períodos de seis meses a um ano. Portanto, esperaríamos que
uma dose fosse suficiente."
Até agora, a
empresa concluiu os testes de segurança do medicamento em voluntárias em idade
fértil.
Como próximo passo,
pretendem testá-lo em um novo ensaio com aproximadamente 50 mulheres grávidas
com pré-eclâmpsia, potencialmente seguido de estudos mais amplos nos Estados
Unidos e possivelmente em Reino Unido, Austrália, Alemanha, Gana, Quênia e
África do Sul.
"As mulheres
negras têm um fardo desproporcional de pré-eclâmpsia", diz Allison August,
diretora médica da empresa biofarmacêutica Comanche Biopharma.
"Então, quando
fizermos nossos estudos nos Estados Unidos, iremos para centros na zona sul de
Chicago, Alabama, St. Louis, lugares onde sabemos que a população tem uma carga
desproporcional de pré-eclâmpsia."
Embora McClements
veja com otimismo alguns dos avanços alcançados, ela espera que mais
investimentos sejam direcionados para a pesquisa de pré-eclâmpsia no futuro,
dado o impacto substancial e muitas vezes sub-reconhecido que tem na população.
"Se
compararmos quanto financiamento vai para o câncer, a saúde das mulheres
representa apenas 1-2% desse valor", diz McClements.
"Mas, em
última análise, todos viemos da gravidez. As mulheres são metade da população,
mas também mães da outra metade. E sabemos que nascer de uma mãe que teve
pré-eclâmpsia tem um impacto na saúde dos bebês a longo prazo. Por isso, é
necessário encontrar soluções."
Fonte: BBC Future
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