quinta-feira, 13 de fevereiro de 2025

Por que pré-eclâmpsia é um mistério que ciência ainda não desvendou

cantora Lexa comoveu seus fãs ao anunciar a morte da filha recém-nascida, Sofia, na segunda-feira (10/2).

Lexa deu à luz em 2 de fevereiro, e sua bebê faleceu três dias após o nascimento prematuro, ocorrido porque a cantora teve pré-eclâmpsia e síndrome de Hellp, que é uma complicação da pré-eclâmpsia.

"O nosso milagre nasceu! Dia 5/2 minha filha amada nos deixou. Um luto e uma dor que eu nunca tinha visto igual", disse Lexa em uma publicação em suas redes sociais.

"Vivi os dias mais difíceis da minha vida. Eu senti cada chutinho, eu conversei com a barriga, eu idealizei e sonhei tantas coisas lindas para a gente… foram 25 semanas e quatro dias de uma gestação muuuito desejada", afirmou.

"Agora tô buscando um rumo na minha vida, uma parte de mim se foi."

pré-eclâmpsia provoca uma complicação na gravidez que provoca níveis perigosamente elevados de pressão arterial e danos nos órgãos durante a gravidez.

É uma condição grave, que podendo levar à morte da mãe e do feto, mas nem sempre tem fins trágicos como o da cantora.

Depois de uma carreira brilhante no atletismo, que a levou a conquistar sete medalhas de ouro olímpicas e 14 medalhas de ouro em campeonatos mundiais, a americana Allyson Felix achou que a gravidez seria tão tranquila quanto seu estilo de corrida característico.

"Durante toda a minha vida cuidei do meu corpo, meu corpo foi minha ferramenta e nunca me falhou", diz Allyson.

"Eu treinei e fiz exigências do meu corpo, e ele sempre desempenhou bem. Então pensei em ter um lindo parto natural, fui ao [curso de] hipnobirthing [método de técnicas de relaxamento em partos] e todas essas coisas", ela diz.

Mas quando Allyson compareceu a um check-up de rotina na 32ª semanas, ficou chocada ao saber que tinha pré-eclâmpsia grave e que necessitava de hospitalização imediata.

No dia seguinte, os médicos realizaram uma cesariana de emergência, e sua filha Camryn nasceu em novembro de 2018, dois meses antes do previsto, e passou o primeiro mês de vida na unidade de cuidados intensivos neonatais.

Até então, não tinham aparecido sinais de qualquer problema com Allyson ou o feto, a não ser um leve inchaço nos pés da mãe.

"Não fiquei muito alarmada com isso, mas descobri que estava expelindo proteína (pela urina) e todas essas coisas sobre minha pressão arterial. Foi assustador. Mas no final, pudemos ir para casa", diz ela.

Embora Camryn tenha hoje seis anos de idade e seja saudável, Allyson está ciente de histórias semelhantes que resultaram em um final trágico.

Em abril de 2023, sua companheira de equipe de longa data, Tori Bowie, ex-campeã mundial dos 100 metros rasos e medalhista de ouro no revezamento nas Olimpíadas Rio 2016, morreu no parto devido a complicações ligadas à pré-eclâmpsia. Ela tinha apenas 32 anos.

"Estivemos juntos em várias equipes de revezamento, competimos uma contra a outra, isso foi extremamente chocante", diz Allyson.

"Era alguém com quem passei tanto tempo… foi realmente devastador."

Desvendando um enigma mortal

Estima-se que a pré-eclâmpsia seja responsável por mais de 70 mil mortes maternas e 500 mil mortes fetais todos os anos, com muitas mortes resultantes de acidente vascular cerebral ou adaptação prolongada como resultado da pressão arterial elevada.

A condição pode ocorrer sem aviso prévio a qualquer momento durante a gravidez. Existem casos de pré-eclâmpsia seis semanas após o parto.

Os cientistas descobriram algumas pistas sobre por que isso acontece.

O excesso de inflamações no útero perturba os delicados padrões de comunicação que ocorrem entre o corpo da mãe e o feto.

Isso tem impacto na remodelação dos vasos sanguíneos dentro do útero para formar a placenta, o órgão criado para fornecer ao feto os nutrientes e o oxigênio de que necessita.

O fluxo anormal de sangue através da placenta acaba interferindo na forma como o corpo da mãe controla a pressão arterial, levando gradualmente à hipertensão e, por fim, à pré-eclâmpsia.

"Quando uma mulher engravida, o seu coração tem de bombear mais para o bebê e para a placenta", diz Ian Wilkinson, farmacologista clínico e professor de terapêutica na Universidade de Cambridge, que lidera um estudo populacional sobre pré-eclâmpsia no Reino Unido chamado Poppy.

"A quantidade de sangue que ela bombeia a cada minuto aumenta de uma vez e meia a duas vezes [na gravidez normal]."

Sabe-se que mulheres com doenças autoimunes, aquelas com mais de 40 anos e mulheres com um índice de massa corporal maior correm maior risco, talvez porque também sejam incapazes de se adaptar ao desgaste físico que a gravidez impõe ao corpo da mulher.

Mas ainda existem muitos mistérios sobre a razão pela qual certas mulheres desenvolvem pré-eclâmpsia e por que outras não.

Em particular, as taxas são até 60% mais elevadas entre mulheres negras, que também têm maior probabilidade de sofrer formas graves da doença.

Alguns pesquisadores acreditam que isso pode estar associada a um acesso mais precário a uma nutrição adequada e a atendimentos de saúde.

"Há um racismo estrutural, onde certos pacientes e comunidades não têm o mesmo acesso a intervenções precoces e a exames de detecção, principalmente por causa do tipo de assistência médica que recebem", diz Garima Sharma, diretora de cardio-obstetrícia e saúde cardiovascular da mulher na empresa de cuidados de saúde Inova Health System em Fairfax, Virgínia.

Ao mesmo tempo, Sharma diz que isso não explica exatamente por que a condição começa.

Embora os médicos ainda dependam fortemente de fatores de risco clínicos, como idade, etnia e histórico médico, para avaliar quem pode desenvolver pré-eclâmpsia, a precisão das previsões baseadas nestes fatores é notoriamente fraca.

"A sensibilidade dos fatores de risco clínicos por si só é baixa", diz Sharma.

Mas com o surgimento de diagnósticos mais novos e melhorados, os cientistas poderão em breve conseguir esclarecer quem está em risco e por quê.

Prevendo a pré-eclâmpsia

Embora especialistas que tratam outras doenças, como câncer ou infecções crônicas, muitas vezes possam fazer uma biópsia dos tecidos internos de uma paciente para análise posterior, não há uma maneira fácil de estudar as alterações que ocorrem no útero de uma mulher grávida.

"Não podemos simplesmente coletar rotineiramente uma amostra de placenta [de uma mulher grávida], porque isso pode realmente aumentar o risco de aborto espontâneo", diz Lana McClements, professora associada da Universidade de Tecnologia de Sydney.

"E os animais, na verdade, não desenvolvem pré-eclâmpsia, por isso, testes com roedores, por exemplo, são muito difíceis de fazer."

Em vez disso, os pesquisadores vão atrás de níveis anormais de certas moléculas no sangue para detectar se há algo de errado.

Estudos demonstraram que, em mulheres com altos níveis de inflamação no útero, as células da placenta respondem ao suprimento sanguíneo prejudicado liberando uma proteína conhecida como tirosina quinase 1 semelhante a fms solúvel (sFlt-1).

Uma vez na corrente sanguínea, os níveis excessivos desta proteína têm um impacto tóxico, tornando a frágil barreira entre a mãe e o feto mais sensível à inflamação.

"Os níveis dessa proteína chegam a cem vezes dos níveis normais em pacientes que estão desenvolvendo pré-eclâmpsia", diz Craig Mello, biólogo da Faculdade de Medicina da Universidade de Massachusetts, que foi coganhador do Prêmio Nobel de Fisiologia ou Medicina de 2006.

"Portanto, pode ser usado como um diagnóstico antes dos perigos de falência de órgãos que podem ocorrer com a pré-eclâmpsia".

Há dois anos, a empresa de ciências biológicas e investigação clínica Thermo Fisher Scientific recebeu aprovação da Food and Drug Administration (FDA) dos Estados Unidos para um novo diagnóstico de pré-eclâmpsia.

Isso ajuda a acelerar o desenvolvimento de tecnologias médicas que tratam ou diagnosticam condições graves.

Neste caso, a ferramenta de diagnóstico envolve a procura de níveis elevados de sFlt-1 em comparação com níveis baixos de outra proteína, o fator de crescimento placentário, que representa o desenvolvimento normal da placenta.

Clinicamente, o teste será usado para prever rapidamente se uma mulher grávida hospitalizada com sinais de hipertensão desenvolverá pré-eclâmpsia grave nas duas semanas seguintes.

Sua eficácia foi demonstrada provisoriamente em um estudo de 2022 que examinou mais de 700 mulheres grávidas em 18 hospitais diferentes, no qual os pacientes com resultados positivos puderam receber vigilância reforçada e cuidados acelerados antes que os seus sintomas piorassem.

Embora se pense que a nova técnica de diagnóstico salvará vidas, Cindy Anderson, professora de saúde materno-infantil na Faculdade de Enfermagem da Universidade Estadual de Ohio, considera que faltam diagnósticos mais avançados que possam detectar sinais de alerta de pré-eclâmpsia em uma fase muito mais precoce da gravidez.

Se os indícios provisórios de pré-eclâmpsia pudessem ser identificados em um ponto em que a placenta não está totalmente desenvolvida, ainda seria possível prevenir a doença.

"Depois de nove semanas, a placenta se desenvolveu", diz Anderson.

"A pergunta é: podemos ver esses sinais mais cedo e poderíamos então intervir com um tratamento para detê-los ou até mesmo curá-los?"

Para tentar permitir isto, um grupo de cientistas está recorrendo a uma nova tecnologia, que tem evoluído em um ritmo rápido nos últimos anos.

Placenta em um chip

Em um laboratório em Sydney, McClements e sua equipe estão montando meticulosamente camadas de células vivas de placenta, ligadas a géis de suporte, para criar estruturas naturais semelhantes a tecidos.

A ideia é modelar alguns dos processos que podem ocorrer nas fases iniciais da pré-eclâmpsia, fora do corpo humano, algo que nunca foi feito antes. A equipe apelidou carinhosamente a tecnologia de "placenta em-um-chip".

"Temos tentado desenvolver estes modelos que possam imitar o que acontece na placenta humana em condições de pré-eclâmpsia", diz McClements.

"Por exemplo, usamos trofoblastos, as camadas de células que dirigem a formação da placenta, desde o primeiro trimestre (da gravidez)", prossegue.

"Estamos tentando entender o que está acontecendo com eles nas condições de inflamação, estresse oxidativo, falta de oxigênio e restrição do desenvolvimento de vasos sanguíneos, que precedem a pré-eclâmpsia no início da gravidez."

De acordo com McClements, a esperança é que um dia esta pesquisa possa produzir novos biomarcadores que possam constituir a base de futuros exames de sangue para mães recém-grávidas.

Mas ter um modelo mais realista de pré-eclâmpsia também poderia tornar mais fácil para os investigadores testarem potenciais terapias capazes de realmente alterar o curso da doença.

"Duas em cada três mulheres que passaram por pré-eclâmpsia durante a gravidez morrerão prematuramente de ataques cardíacos e doenças cardiovasculares", diz McClements.

"Portanto, há uma necessidade real de encontrar novos tratamentos para prevenir que a doença ocorra tanto na gravidez como na pós-gravidez".

Até o momento, a única terapia recomendada para mulheres grávidas consideradas de alto risco de pré-eclâmpsia é aspirina em baixas doses a partir de 12 semanas até o nascimento.

Estudos demonstraram que cerca de 60% das mulheres que iniciam a terapia com aspirina antes da 16ª semana não desenvolvem nenhum sintoma de pré-eclâmpsia.

Mas isto ainda deixa de fora 40% das pacientes vulneráveis, juntamente com muitas que não receberam o tratamento porque seus médicos não suspeitaram que fossem vulneráveis à pré-eclâmpsia.

"Há muitos que não entendem e isso nem sequer é discutido com eles", diz Andrew Shennan, professor de obstetrícia no King's College London, no Reino Unido.

McClements explica que o reaproveitamento de medicamentos, o processo de encontrar novos usos para medicamentos existentes ou abandonados que são conhecidos por serem seguros para mulheres grávidas, tem um grande potencial de ser usados nos cuidados com a pré-eclâmpsia.

Esse processo, avalia a especialista, poderia ser acelerado testando tais medicamentos em células placentárias bioimpressas.

Acredita-se que os chamados inibidores da bomba de prótons, medicamentos amplamente utilizados para tratar indigestão, azia ou úlceras estomacais, sejam possivelmente capazes de reverter alguns dos processos inflamatórios prejudiciais que impulsionam os estágios iniciais da pré-eclâmpsia.

Os pesquisadores também sugeriram que o eculizumab, um anticorpo monoclonal utilizado para tratar uma forma de doença sanguínea, pode reduzir o risco de desenvolvimento de pré-eclâmpsia se administrado no início da gravidez.

"Atualmente estamos aprimorando a metformina, um medicamento para diabetes que está emergindo como um tratamento potencial", diz McClements.

"Há um estudo fascinante que mostrou que a metformina pode realmente retardar o parto do bebê na pré-eclâmpsia grave precoce, o que pode potencialmente prevenir o nascimento prematuro."

Outra abordagem envolve a tentativa de interromper a doença impedindo a produção de sFlt1 na placenta.

Em 2023, o FDA autorizou um novo medicamento experimental chamado CBP-4888, que foi desenvolvido por uma empresa com sede em Massachusetts chamada Comanche Biopharma, para testes em ensaios clínicos.

A droga é conhecida como um pequeno RNA interferente (siRNA), pequenos pedaços de código genético que podem ser direcionados com precisão para várias partes do corpo, onde podem regular a expressão genética e a função celular para interromper a produção de uma proteína específica, neste caso a sFlt1.

"Uma das coisas notáveis sobre estas moléculas é a sua longevidade, diz Craig Mello, que trabalha como consultor científico da Comanche BioPharma.

"Uma dose única pode durar períodos de seis meses a um ano. Portanto, esperaríamos que uma dose fosse suficiente."

Até agora, a empresa concluiu os testes de segurança do medicamento em voluntárias em idade fértil.

Como próximo passo, pretendem testá-lo em um novo ensaio com aproximadamente 50 mulheres grávidas com pré-eclâmpsia, potencialmente seguido de estudos mais amplos nos Estados Unidos e possivelmente em Reino Unido, Austrália, Alemanha, Gana, Quênia e África do Sul.

"As mulheres negras têm um fardo desproporcional de pré-eclâmpsia", diz Allison August, diretora médica da empresa biofarmacêutica Comanche Biopharma.

"Então, quando fizermos nossos estudos nos Estados Unidos, iremos para centros na zona sul de Chicago, Alabama, St. Louis, lugares onde sabemos que a população tem uma carga desproporcional de pré-eclâmpsia."

Embora McClements veja com otimismo alguns dos avanços alcançados, ela espera que mais investimentos sejam direcionados para a pesquisa de pré-eclâmpsia no futuro, dado o impacto substancial e muitas vezes sub-reconhecido que tem na população.

"Se compararmos quanto financiamento vai para o câncer, a saúde das mulheres representa apenas 1-2% desse valor", diz McClements.

"Mas, em última análise, todos viemos da gravidez. As mulheres são metade da população, mas também mães da outra metade. E sabemos que nascer de uma mãe que teve pré-eclâmpsia tem um impacto na saúde dos bebês a longo prazo. Por isso, é necessário encontrar soluções."

 

Fonte: BBC Future

 

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