sexta-feira, 14 de fevereiro de 2025

Nos passos de Roosevelt: como as loucuras de Trump está ‘remodelando’ os EUA

Das drásticas mudanças na política migratória ao desmantelamento da burocracia do "Estado Profundo", o presidente Donald Trump está levando adiante transformações fundamentais nos EUAe mostra pouca consideração por oponentes políticos.

Essa abordagem tempestuosa pode até parecer inédita, mas na verdade tem precedentes históricos, analisa o cientista político Thomas Greven, da Universidade Livre de Berlim. Ele se refere ao ex-presidente Franklin Delano Roosevelt. Em 1933, o democrata queria combater as consequências da crise econômica global e lançou o programa New Deal.

Em março de 1933, pouco depois de assumir o cargo, Roosevelt, com uma enxurrada de leis e decretos, transformou o Estado no ator central da recuperação econômica – uma ruptura radical com as políticas de seus antecessores. "Com seu New Deal, Roosevelt disse 'precisamos de um governo federal ativo'. O Estado deve intervir ativamente em recessões e crises. Inicialmente, porém, ele esbarrou em grande resistência do Judiciário, da Suprema Corte", explica Greven.

Com seu programa de emergência, Roosevelt queria causar um impacto rápido na crise econômica global. Por isso o presidente americano contornou os longos processos legislativos e implementou elementos centrais de sua reforma por meio de decretos presidenciais (as ordens executivas). Imediatamente após assumir o cargo, por exemplo, ele ordenou o fechamento temporário de todos os bancos.

Em apenas cem dias, Roosevelt aprovou 15 projetos de lei fundamentais no Congresso, incluindo programas sociais, uma reforma bancária e medidas de criação de empregos. Com isso, ele iniciou também a prática de avaliar um governo pelos seus primeiros cem dias, pela qual até hoje políticos do mundo todo são avaliados. Trump também está impondo grandes mudanças por meio de ordens executivas em seus primeiros cem dias. Mas, se Roosevelt queria fortalecer o Estado como ator econômico, Trump quer enfraquecê-lo.

·        Suprema Corte ao seu lado

Roosevelt inicialmente teve que encarar a resistência da Suprema Corte para aprovar suas reformas. Os juízes declararam inconstitucionais várias das medidas, mas depois cederam. Também os adversários de Trump estão tentando adotar medidas legais contra vários decretos presidenciais.

Só que Trump persegue uma meta muito mais ambiciosa e radical do que a de Roosevelt: se o que o democrata queria era transformar o governo federal num ator econômico ativo, o que Trump quer é remodelar radicalmente o poder executivo — deixando o presidente como a autoridade de controle quase única. Com isso ele rompe com a tradicional linha republicana.

Porém, ao contrário de Roosevelt, Trump não precisa lutar contra uma corte constitucional hostil: já durante o primeiro mandato ele encheu a Suprema Corte de juízes conservadores que tendem a apoiar sua agenda.

E também para Trump o tempo é um fator central: o presidente tem pouco menos de dois anos para implementar as suas reformas fundamentais, avalia Greven. "Se as instituições democráticas ainda estiverem funcionando em 2026 e 2028, e sobretudo eleições puderem ser realizadas de forma livre e justa, provavelmente haverá uma correção, ou pelo menos poderá haver uma correção se a população disser 'isso está indo longe demais'."

·        Até onde Trump conseguirá ir?

Por enquanto, porém, Trump pode contar com o apoio dos eleitores. Ele está se beneficiando de uma "difusa fadiga da democracia", que não é exclusiva dos EUA, diz Greven. Entre o eleitorado predomina uma certa frustração por um governo eleito ser limitado em sua capacidade de agir por vários mecanismos constitucionais, sociais e legais.

"Observa-se uma crescente disposição entre os cidadãos por uma democracia que eu descreveria como hipermajoritária. Trump quer remover os obstáculos institucionais à ação governamental, os freios e contrapesos [sistema pelo qual os poderes do Estado se controlam e limitam uns aos outros]."

Para Greven, pode-se falar de uma "revolução reacionária", ou seja, uma reestruturação nos fundamentos do Estado com o objetivo de enfraquecer os mecanismos de controle democrático e estabelecer estruturas autoritárias. "A questão é até onde Trump conseguirá ir", observa.

Para atingir seu objetivo, Trump usa métodos que eram estranhos aos seus antecessores: "Inundar a área de merda" é como o ex-conselheiro de Trump Steve Bannon descreve uma abordagem. Isso significa inundar deliberadamente o público, a mídia e os adversários políticos com ações, declarações e escândalos.

A oposição democrata nos EUA já ajustou sua estratégia e opta por não oferecer resistência política. "Acredito que os democratas tomaram uma decisão muito consciente de não reagir a cada provocação que Trump faz, até porque isso sobrecarregaria a oposição. Eles estão optando pela via legal – também na esperança de que haja uma correção de rumo nas urnas nas eleições de meio de mandato de 2026", comenta Greven.

·        Abordagem maximalista

Mesmo que as declarações polêmicas, as ameaças constantes e os anúncios sucessivos deem uma impressão de falta de coordenação para quem olha de fora, o cientista político Sascha Lohmann, do Instituto Alemão de Assuntos Internacionais e de Segurança (SWP), parte do princípio de que Trump esteja seguindo um plano.

"Trump está adotando uma abordagem muito maximalista nas ordens executivas: ele está tentando impor o máximo possível. É por isso que os decretos também têm cláusulas de divisibilidade (severability), ou seja, se alguma parte for anulada por um tribunal, as outras partes continuam valendo. Aqui Trump já está antecipando uma reação legal", avalia.

Trump está levando adiante questões que há décadas vêm sendo defendidas pelo Partido Republicano: o encolhimento da administração pública e políticas de imigração e de segurança de fronteira mais militantes. "Nesse sentido, nada disso é novo. O dramático e extraordinário é a radicalidade com que se tenta implementar essas prioridades no processo político", diz Lohmann.

O sucesso dessa abordagem no longo prazo depende não apenas dos tribunais, mas também da dinâmica política dos próximos anos. É o que mostram acontecimentos recentes na França. Em 2007, o então presidente, Nicolas Sarkozy, também impôs uma série de reformas simultâneas para calar seus oponentes e transmitir a impressão de determinação e energia. A estratégia, porém, não foi bem-sucedida. Muitos críticos viam no método mais caos do que estratégia. Vários projetos de reforma ficaram pelo meio do caminho ou foram posteriormente retirados.

Historicamente, a expansão excessiva do poder político muitas vezes leva a uma contrarreação, mas a agenda de Trump, ao contrário de outros casos, pode mesmo mudar permanentemente as estruturas democráticas dos EUA.

¨      Negacionista antivacina é confirmado como secretário da Saúde de Trump

Robert Kennedy Jr. foi confirmado nesta quinta-feira (13) como secretário da Saúde do governo Trump pelo Senado dos EUA.

Cético das vacinas, defensor do leite cru e de teorias da conspiração relacionadas à saúde pública, Kennedy Jr. agora controla verba de US$ 1,7 trilhão em gastos federais do Departamento de Saúde e Serviços Humanos.

A confirmação de Kennedy Jr. veio em uma votação acirrada, de 52 votos a favor contra 48, e apesar da desconfiança de senadores, que não quiseram contrariar o presidente Donald Trump.

Kennedy Jr. é filho do senador assassinado Robert F. Kennedy e sobrinho do ex-presidente John F. Kennedy —que também foi morto enquanto estava no cargo, na década de 1960.

O novo secretário da Saúde é conhecido por ter se engajado na campanha antivacinação durante a pandemia de Covid-19 e por espalhar teorias da conspiração. Ele já chegou a afirmar que alguns imunizantes causavam autismo. Estudos internacionais apontam que isso não é verdade. 

A confirmação abre caminho para que ele tome posse no cargo, e ele supervisionará várias agências de destaque, incluindo a Administração de Alimentos e Medicamentos (FDA, na sigla em inglês), os Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) e os Institutos Nacionais de Saúde (NIH).

Com o apoio de Trump, Kennedy insistiu que estava "única e exclusivamente posicionado" para restaurar a confiança nessas agências de saúde pública.

Durante as sabatinas no Senado, os democratas pressionaram Kennedy a negar a teoria, já amplamente desacreditada, de que vacinas causam autismo. Alguns legisladores também alertaram sobre possíveis conflitos de interesse financeiros, caso Kennedy alterasse diretrizes sobre vacinas ou enfraquecesse as proteções legais para fabricantes.

·        Quem é Robert F. Kennedy Jr.

Robert Kennedy Jr. é um advogado de 71 anos e filho do senador assassinado Robert F. Kennedy e sobrinho do ex-presidente John F. Kennedy.

Como co-fundador de um escritório de advocacia ambiental, Kennedy Jr. foi elogiado por seu ativismo em questões como água potável, inclusive trabalhando para limpar o Rio Hudson em Nova York.

Mas as opiniões antivacina dele provocaram uma forte reação, inclusive da própria família Kennedy. Em 2019, três parentes dele escreveram um artigo de opinião no site "Politico" denunciando as opiniões do advogado sobre imunizantes.

Dois anos mais tarde, Kennedy Jr. teve a conta excluída do Instagram por "compartilhar repetidamente" informações falsas.

Já em 2022, o Facebook e o Instagram removeram contas de um grupo antivacina fundado por ele, o Children's Health Defense. No mesmo ano, ele invocou a Alemanha nazista durante um discurso antivacina em Washington em 2022.

Kennedy Jr. também publicou um livro — The Real Anthony Fauci —, no qual acusou o ex-chefe de doenças infecciosas dos EUA de "um golpe de Estado histórico contra a democracia ocidental".

Ex-democrata, o advogado tentou concorrer nas primárias presidenciais do partido para as eleições de 2024. Mais tarde, optou por seguir uma candidatura independente.

Ao desistir da campanha presidencial, em agosto deste ano, Kennedy Jr. disse que iria apoiar Trump por causa do conflito na Ucrânia e pela "guerra pelas crianças". Segundo ele, essas questões também foram determinantes para o fazer deixar o Partido Democrata.

À época, a família Kennedy reiterou apoio à candidata democrata Kamala Harris por meio de um comunicado.

¨         Trump manda para Guantánamo imigrantes sem antecedentes criminais

O governo Trump ordenou a transferência "dos piores dos piores" —criminosos perigosos e supostos membros de gangues— para a Baía de Guantánamo, mas vem enviando para lá imigrantes não violentos e sem antecedentes criminais, de acordo com documentos obtidos pela rede de TV "CBS".

Cerca de 100 venezuelanos estão sendo mantidos na base em Cuba até que possam ser deportados, conforme explicou a secretária de Segurança Interna, Kristi Noem, sem dar um prazo específico para isso.

Grupos de ativistas denunciam, no entanto, que imigrantes sem documentos estão recebendo tratamento semelhante aos de prisioneiros da guerra contra o terror travada durante o governo de George W. Bush: incomunicáveis e sem acesso a advogados, parentes e ao mundo exterior, segundo descreve o processo movido contra o governo Trump por uma coalizão de entidades liderada pela União Americana pelas Liberdades Civis (Aclu na sigla em inglês).

A ação judicial alega que o isolamento não é mera coincidência, e que os imigrantes têm dificuldades para contactar advogados e contestar a prisão. Relata ainda que parentes dos detidos só souberam que eles foram transferidos para Guantánamo por meio das imagens amplamente divulgadas pelo governo, em que embarcavam algemados em aviões militares.

“Ao mandar os imigrantes para uma ilha remota, isolada de advogados, parentes e do resto do mundo, o governo Trump envia seu sinal mais claro até agora de que o Estado de Direito não significa nada para ele. Agora caberá aos tribunais garantir que os imigrantes não possam ser armazenados em ilhas offshore”, observou o vice-diretor do Projeto de Direitos dos Imigrantes da Aclu, Lee Gelernt.

O presidente americano tem planos para mandar até 30 mil imigrantes para a base em Guantánamo, que ainda abriga, em outro setor, 15 integrantes da al-Qaeda. A prisão chegou a ter 800 detentos, que, segundo uma investigação realizada em 2023 pela ONU, eram submetidos a “tratamento cruel e degradante sob o direito internacional”.

“É assustador, mas não surpreendente, que o governo Trump esteja explorando e expandindo o maior símbolo de ilegalidade e tortura do século XXI: Guantánamo”, avalia Baher Azmy, diretor jurídico do Centro de Direitos Constitucionais.

O Departamento de Segurança Interna confirmou que há imigrantes ilegais de baixo risco em Guantánamo, mas ressalta que são detidos em instalações separadas dos membros de bandos criminosos, como o Tren de Aragua.

O destino de todos é a deportação, um dos mandamentos que norteiam o atual governo americano. Afinal, nas palavras do porta-voz do DSI, todos esses indivíduos cometeram um crime ao entrar ilegalmente nos Estados Unidos.

 

Fonte: DW Brasil/g1

 

Nenhum comentário: