Henrique Tahan Neves: O
que é agroecologia?
O que é agroecologia?
A
agroecologia passou a fazer parte do vocabulário dos movimentos sociais tanto
pelo desejo de produzir alimentos saudáveis como, nesse caso na defensiva,
pelos enormes custos que a agricultura convencional vem acarretando. A grande
maioria dos adubos acompanha o preço do petróleo, que teve um pico entre 1998 e
2008 e levou muitos a adotarem a matriz agroecológica por necessidade, não
propriamente por desejo.
A
agricultura sustentável geralmente se refere a um modo de fazer agricultura que
busca assegurar produtividade sustentada no longo prazo, pelo uso de práticas
de manejo ecologicamente seguras. Isso requer que a agricultura seja vista como
um ecossistema (daí o termo agroecossistema) e que as práticas agrícolas e a
pesquisa não se preocupem com altos níveis de produtividade de um produto em
particular, mas sim com a otimização do sistema como um todo. Isso requer,
também, que se leve em conta não apenas a produção econômica, mas o problema
vital da estabilidade e da sustentabilidade ecológicas.
Ainda
de acordo com Guterres, cresce dia a dia, entre os pequenos agricultores, a
vontade de sair da agricultura química, produzir sem venenos e sem adubos
químicos, adotar um modelo tecnológico de base ecológica. Em outras palavras,
há a tentativa de diminuir a dependência e aumentar a autonomia do camponês na
construção de uma nova maneira de produzir.
Guterres
é contra a passagem radical. Para ele, mudar tudo de uma vez pode dar errado.
Isso porque não temos no Brasil assistência técnica e pesquisa suficientes na
área agroecológica para acompanhar todos os pequenos agricultores que iniciam
um processo de transição. Os primeiros passos a serem dados são o cuidado, a
recuperação da fertilidade natural e o manejo ecológico do solo. Entre as
vantagens, ele destaca o menor custo com fertilizantes, a maior facilidade para
controlar as plantas concorrentes, a menor transferência de renda para as
fábricas de adubos, a maior autonomia para o agricultor, a maior resistência
das plantas em períodos de estiagem, e o maior aproveitamento dos resíduos –
tais como estercos, restos, bagaços etc. – na propriedade.
A
substituição gradativa e parcial da importação de insumos para a produção
exigirá, por exemplo, a produção interna de sementes nativas e crioulas,
fertilizantes orgânicos, adubação verde e ensino de práticas de manejo de
pragas e doenças.
É
possível diminuir e aos poucos eliminar o uso de venenos na agricultura à
medida que comunidades inteiras forem fazendo em conjunto a passagem para outro
modelo tecnológico, baseado na diversificação da produção.
Segundo
Guzmán Casado, González de Molina e Sevilla Guzmán, isso deverá atender aos
seguintes objetivos: produzir alimentos de alta qualidade nutricional em
quantidade suficiente e trabalhar com os sistemas naturais mais que pretender
dominá-los.
De
forma associada, cooperativada, deve-se construir a infraestrutura de produção,
transporte, armazenagem, industrialização e comercialização da produção para
criarmos aquilo que estamos chamando de “novas condições gerais de produção”
desse sistema. Isso tornará os camponeses independentes dos atravessadores, que
atualmente ficam com a maior parte da renda.
Segundo
Altieri, através de tecnologias apropriadas, da experimentação e adoção da
agricultura orgânica e outras técnicas de baixo uso de insumos, pode-se
garantir que os sistemas alternativos resultem em um fortalecimento não só das
famílias, mas de toda a comunidade.
Assim,
as intervenções e os processos tecnológicos devem ser complementados por
programas de educação que preservem e reforcem a racionalidade camponesa,
auxiliando, simultaneamente, a transição para novas tecnologias, as relações
com o mercado e a organização social – como ocorre, por exemplo, em programas
agroecológicos promovidos por organizações não governamentais (ONGs).
Ele
adverte que diversos projetos das ONGs baseados numa abordagem agroecológica carecem
de avaliações formais e detalhadas. Todavia, há fortes evidências de que muitas
dessas organizações têm gerado e adaptado inovações tecnológicas capazes de
contribuir significativamente na melhoria das condições de vida dos camponeses,
aumentando sua segurança alimentar, fortalecendo a produção de subsistência,
gerando renda e melhorando a base de recursos naturais.
Esses
programas tiveram êxito por meio de novas tecnologias e arranjos
institucionais, bem como da utilização de métodos originais de promoção da
participação das comunidades rurais.
Ele
acredita que temos poucos instrumentos ou indicadores adequados para avaliar a
viabilidade, a adaptabilidade e a durabilidade dos programas agroecológicos.
Todavia, reconhece dois procedimentos, relativamente novos, que seriam
“promissores”: o diagnóstico rápido participativo (DRP) e a contabilidade de
recursos naturais (CRN).
As
técnicas de diagnóstico rápido participativo enfatizam métodos não formais de
levantamento e apresentação de dados, visando a favorecer um processo
participativo entre as pessoas do local e os pesquisadores. Para conduzir o
DRP, uma equipe multidisciplinar trabalha com a comunidade local em uma série
de etapas, iniciando com a escolha do lugar e terminando com a avaliação e o
monitoramento do projeto.
Para
Altieri, o objetivo é mobilizar comunidades a fim de definir problemas
prioritários e oportunidades, preparando planos específicos de intervenção nos
locais escolhidos. O levantamento e a apresentação de dados constituem um
processo complexo, que utiliza mapas, diagramas, linhas de tempo e entrevistas
semiestruturadas, individuais e em grupo. As tecnologias potenciais são
avaliadas por critérios muito gerais, com base em preocupações ambientais,
econômicas e sociais expressas pelos moradores.
Para
resumir suas ideias, podemos dizer que, para Altieri, tanto o desenvolvimento e
a difusão de tecnologias agroecológicas como a promoção da agricultura
sustentável exigem mudanças nas agendas de pesquisas, assim como políticas
agrárias e sistemas econômicos que abranjam mercados abertos, preços e
incentivos governamentais.
Trazendo
o debate para as questões contemporâneas, Altieri observa que a abordagem
agroecológica é também mais sensível às complexidades dos sistemas agrícolas
locais. Nela, os critérios de desempenho incluem não só uma produção crescente,
mas também aspectos como sustentabilidade, segurança alimentar, estabilidade
biológica, conservação de recursos e equidade. E conclui:
“Um
problema da revolução verde nas regiões agrícolas heterogêneas é que ela
concentrou seus esforços nos agricultores mais bem providos de recursos, no
topo do gradiente, esperando que os “agricultores progressistas ou avançados”
se vissem como exemplo a outros, em um processo difusionista de transferência de
tecnologias. Os agroecologistas, ao contrário, enfatizam que, para o
desenvolvimento ser realmente de baixo para cima, deve começar com aqueles
pequenos agricultores da parte inferior do gradiente. Assim, a abordagem
agroecológica provou ser culturalmente compatível, na medida em que se constrói
com base no conhecimento agrícola tradicional, combinando-o com elementos da
moderna ciência agrícola.”
As
técnicas resultantes também são ecologicamente corretas, pois não modificam ou
transformam radicalmente o ecossistema camponês, mas, sim, identificam
elementos tradicionais e/ou novos de manejo que, uma vez incorporados, otimizam
a unidade de produção. A ênfase nos recursos locais disponíveis diminui os
custos de produção, viabilizando economicamente as tecnologias agroecológicas.
Além
disso, os formatos produtivos e as técnicas agroecológicas, por definição,
conduzem a níveis maiores de participação. Em termos práticos, a aplicação de
princípios agroecológicos aos programas de desenvolvimento rural tem se traduzido
em uma diversidade de programas de pesquisa e demonstração de sistemas
alternativos de produção. Esses programas possuem uma série de objetivos:
a)
melhorar a produção de alimentos básicos nas unidades produtivas, fortalecendo
e enriquecendo a dieta alimentar das famílias. Isso tem envolvido a valorização
de produtos tradicionais e a conservação do germoplasma de variedades
cultivadas locais;
b)
resgatar e reavaliar o conhecimento e as tecnologias camponesas;
c)
promover o uso eficiente dos recursos locais (isto é, terra, mão de obra,
subprodutos agrícolas etc.);
d)
aumentar a diversidade vegetal e animal de modo a diminuir os riscos;
e)
melhorar a base de recursos naturais através da conservação e da regeneração da
água e do solo, enfatizando o controle da erosão, a captação de água, o
reflorestamento etc.; e
f)
reduzir o uso de insumos externos, diminuindo a dependência e sustentando, ao
mesmo tempo, os níveis de produtividade.
Segundo
Guterres, a agroecologia é uma forma de entender e atuar para “campesinar” a
agricultura, a pecuária, o florestamento e o agroextrativismo, a partir de uma
consciência intergeracional (não exploração de crianças e velhos), de classe
(não exploração do trabalho pelo capital), de espécie (não exploração dos
recursos naturais), de gênero (não exploração da mulher pelo homem), de
identidade (não exploração entre etnicidades).
Para
Caporal e Costabeber, “a agroecologia nos traz a ideia e a expectativa de uma
nova agricultura, capaz de fazer bem aos homens e ao meio ambiente como um
todo, afastando-nos da orientação dominante de uma agricultura intensiva em
capital, energia e recursos não renováveis, agressiva ao meio ambiente,
excludente do ponto de vista social e causadora de dependência econômica.”
Fonte: Blog da Boitempo
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