Emenda parlamentar:
'Contrato de propina', celular em forro e taxa de 6% - o esquema de desvio para
o hospital no RS
A Polícia Federal
deflagrou nesta quinta-feira (13) uma operação sobre desvio de dinheiro público
federal de emendas parlamentares. Os mandados foram autorizados pelo ministro
do Supremo Tribunal Federal (STF) Flávio Dino.
Durante a investigação, a PF identificou até um
"contrato
de propina" formalizando o suposto esquema de corrupção (veja detalhes abaixo).
A investigação envolve emendas destinadas pelo
deputado Afonso Motta (PDT-RS) ao Hospital Ana Nery, de Santa Cruz do Sul (RS).
Motta é citado no inquérito, mas não foi alvo da
operação – a PF ainda investiga se ele tinha conhecimento do suposto esquema. O
chefe de gabinete do deputado e outros suspeitos foram alvos de buscas.
Em nota, o deputado disse ter sido surpreendido
pela operação e afirmou que buscaria mais informações antes de comentar o caso.
·
O suposto esquema
A decisão assinada por Flávio Dino afirma que a
representação da PF descreve o esquema criminoso "ao longo de mais de 100
páginas", incluindo prints de conversas e o tal "contrato da
propina".
"[...] aponta a autoridade policial a
existência de uma organização criminosa que direcionava emendas parlamentares e
se apropriava de parte desses recursos públicos", diz o despacho.
Segundo a investigação, o grupo agia para destinar
emendas parlamentares ao Hospital Ana Nery, de Santa Cruz do Sul (RS) – mas, em
troca, cobrava um percentual dos valores repassados à instituição.
Conversas sobre esse repasse, segundo a
Procuradoria-Geral da República (PGR), foram encontradas no celular do lobista
Cliver Fiegenbaum.
A empresa dele, ACF Intermediações, foi contratada
pelo hospital para viabilizar o envio dessas emendas. A comissão de 6%, segundo
a PGR, constituiria uma vantagem
indevida.
Segundo a PGR, há indícios na investigação de que:
·
as emendas foram efetivamente enviadas ao Hospital
Ana Nery;
·
a unidade de saúde realizou pagamentos a uma
empresa no nome de Cliver Fiegenbaum.
O g1 tenta contato com Fiegenbaum.
·
A empresa de captação
De acordo com as investigações, a CAF Representação
e Intermediação de Negócios foi contratada pelo hospital Ana Nery para pleitear
as emendas que seriam enviadas ao hospital.
O dono, Cliver Fiegenbaum, é descrito pela PGR como
"lobista" que atuava em Brasília em favor do hospital.
O inquérito lista três notas fiscais emitidas pelo
hospital em nome da CAF entre 2023 e 2024 – que, somadas, indicam pagamentos de R$ 509,4 mil à
intermediadora.
O serviço é descrito nas três notas como
"Referente captação de recursos através de indicações de emendas
parlamentares".
Ao todo, o hospital recebeu R$ 1,07 milhão em
três emendas do gabinete de Afonso Motta (PDT-RS) em 2023 e 2024.
Dois desses repasses, de R$ 200 mil cada, iam
originalmente para outras entidades:
·
o Fundo Municipal de Saúde São Miguel das
Missões/RS;
·
e a Fundação Universitária de Cardiologia, que
gerencia o Instituto de Cardiologia do Rio Grande do Sul.
As emendas foram alteradas, no entanto, e o
dinheiro foi transferido para o hospital Ana Nery – gerando
"comissões" para a CAF Representação e Intermediação de Negócios.
·
O 'contrato da propina'
O "contrato da propina" citado pela
Polícia Federal é justamente o contrato de prestação de serviços entre o
hospital e a CAF.
Pelo contrato, a empresa de
"intermediação" convencia os parlamentares a enviarem emendas para o
hospital. E, em troca, recebia uma comissão com base no valor da emenda
destinada.
'Em contrapartida aos serviços prestados, o
Contratado receberá 6% (seis por cento) sobre o valor por ele comprovadamente
captado, que serão pagos em até 30 dias após o recebimento do valor pela
Contratante, através de depósito bancário em conta jurídica informada pelo
Contratado, mediante apresentação da correspondente nota fiscal", diz uma
das cláusulas.
·
Os alvos das
buscas
Ao todo, Dino autorizou buscas em 13 endereços
residenciais e comerciais, nos nomes de:
·
Cliver Andre Fiegenbaum, dono da CAF
Intermediações;
·
Lino Furtado, chefe de gabinete do deputado Afonso
Motta – endereços em Brasília e Rosário do Sul (RS);
·
Leandro Diedrich;
·
Celcio da Silveira Junior;
·
Gilberto Antônio Gobbi;
·
Agnaldo Machado Ferreira – endereços residenciais e
comerciais;
·
Carlos Danilo Wagner – endereços residenciais e
comerciais;
·
e no hospital Ana Nery, em Santa Cruz do Sul (RS).
"Autorizo de imediato a apreensão de aparelhos
celulares e computadores que estejam na residência ou local de trabalho dos
investigados (especificados na tabela acima) ou em sua posse, sendo permitido o
acesso ao conteúdo dos aparelhos com a preservação da integridade de dados,
cadeia de custódia digital e com a utilização de código hash", diz a decisão
de Dino.
"Quanto ao Hospital Ana Nery, em se tratando
de prestador de serviço essencial, devem ser apreendidos apenas os computadores
estritamente necessários à elucidação do fluxo contábil e financeiro",
segue.
Dino também determinou que Lino Furtado seja afastado do gabinete de Afonso
Motta, e Cliver Fiegenbaum, do cargo que ocupa na Metroplan, vinculada à Secretaria Estadual de Desenvolvimento Urbano e
Metropolitano do Rio Grande do Sul.
O ministro também bloqueou R$ 509 mil em contas e
bens dos investigados.
·
O que dizem os citados
Em nota, o deputado Afonso Motta diz que foi
"surpreendido" pela operação e busca entender o inquérito.
"O deputado Afonso Motta sustenta que nem ele
nem o gabinete foram alvos da operação da PF. O parlamentar afirma que foi
surpreendido e que está buscando acesso aos autos, para entender o que é
investigado e se posicionar", diz o comunicado.
O hospital Ana Nery reafirmou, também em nota,
"seu compromisso com a transparência, a integridade e o pleno cumprimento
das normas legais".
"Na manhã desta quinta-feira, 13 de fevereiro
de 2025, a instituição tomou conhecimento, com surpresa, da operação
EmendaFest. Desde então, tem prestado total colaboração às autoridades,
fornecendo prontamente todos os documentos solicitados e colocando-se à
disposição para contribuir com o esclarecimento dos fatos", diz a unidade.
"O Hospital Ana Nery reitera seu compromisso
com a ética e a legalidade e seguirá colaborando com as investigações para que
sejam conduzidas com a máxima celeridade e transparência", prossegue.
·
Dinheiro apreendido e celular em forro
Até as 9h, a Polícia Federal já tinha encontrado e
apreendido R$ 160 mil em dinheiro vivo com alvos da operação, incluindo o
assessor de Motta.
Um funcionário do hospital que receberia a emenda e
um terceiro envolvido, ainda não identificado, também estariam com parte desses
valores.
Em um dos endereços, a Polícia Federal também
encontrou telefones celulares escondidos no forro de um dos cômodos.
¨
Hugo Motta diz que
acompanha operação sobre emendas
O presidente da
Câmara, deputado Hugo Motta (Republicanos-PB), afirmou nesta quinta-feira (13)
que acompanha, desde o início da manhã, a operação contra supostos desvios em
emendas parlamentares destinadas pelo deputado Afonso Motta (PDT-RS) a um
hospital no Rio Grande do Sul.
"Com
tranquilidade vou acompanhar. Os órgãos da Casa já estão acompanhando para
garantir que tudo seja conduzido da forma mais correta possível", disse o
presidente da Câmara.
Relator da
operação, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Flávio Dino determinou
buscas em endereços do chefe de gabinete de Afonso Motta, Lino Furtado – e o
afastamento dele do cargo. O gabinete informou ao g1, no início da tarde, que o
funcionário já tinha sido oficialmente afastado.
Afonso Motta é
citado no inquérito, mas não foi alvo dos mandados desta quinta. A PF
ainda investiga se ele tinha conhecimento ou participação no suposto esquema.
Afonso Motta viajou
ao Rio Grande do Sul na quarta-feira (12). Depois da operação, ele está
retornando a Brasília. Em nota, ele se disse "surpreendido" pela
ação da PF.
"O deputado
Afonso Motta sustenta que nem ele nem o gabinete foram alvos da operação da PF.
O parlamentar afirma que foi surpreendido e que está buscando acesso aos autos,
para entender o que é investigado e se posicionar", diz o parlamentar.
O deputado afirmou
a aliados que ainda não teve acesso aos autos e que não compreendeu, de forma
completa, a ação da PF. O retorno a Brasília seria para tentar ter acesso ao
conteúdo do inquérito que tramita no Supremo.
Operação
surpreendeu parlamentares
A operação da
Polícia Federal desta quinta pegou de surpresa parlamentares da Câmara. Parte
das lideranças da Casa só ficou sabendo da ação durante a reunião de líderes,
que acontece às quintas e define as pautas de consenso para a semana sequinte.
Segundo líderes
partidários, o assunto foi abordado diretamente pelo presidente da Câmara, Hugo
Motta.
No comunicado aos
parlamentares, Motta disse que acompanhava os desdobramentos do caso desde
cedo. Também fez questão de ressaltar que a operação da Polícia Federal não foi
contra um parlamentar e que somente um funcionário havia sido alvo.
Para
parlamentares, o tom adotado por Hugo Motta na reunião desta quinta
reflete uma tentativa do presidente da Câmara de não criar tensões com o STF.
Motta foi eleito
para o comando da Casa defendendo, em tom corporativista, as prerrogativas de
deputados.
Nos últimos anos, o
discurso de "fortalecimento" das prerrogativas tem sido utilizado
para criticar operações da PF e inquéritos da Corte que miram deputados.
Em 2024, depois de
buscas em gabinetes da Casa, parlamentares passaram a defender, por exemplo, o
avanço de propostas que exigiam a aprovação da Mesa Diretora da Câmara ou do
Senado para medidas judiciais contra deputados e senadores.
¨
Acervo de luxo: PF apreendeu quase 100 joias com 'Rei
do Lixo', alvo de operação contra desvio de emendas
A Polícia Federal apreendeu, em
dezembro de 2024, um acervo milionário, com quase 100 itens de luxo,
pertencente ao empresário do setor de limpeza
José Marcos Moura, conhecido como "Rei do Lixo".
Moura e outras 14 pessoas são suspeitas de integrar
uma quadrilha que teria desviado recursos de emendas parlamentares e fraudado
licitações em diversos estados.
Da acordo com os investigadores, o grupo criminoso
teria movimentado cerca de R$ 1,4 bilhão entre os anos de 2020 e 2024, a maior
parte em contratos assinados no ano passado.
Segundo a PF, eles teriam desviado recursos de
emendas parlamentares destinadas a prefeituras e ao Departamento Nacional de
Obras Contra a Seca (DNOCS).
O esquema funcionava com a emissão de contratos
fraudulentos de obras superfaturadas, ou que nem chegaram a ser realizadas, e
contava com a lavagem do dinheiro desviado por empresas de fachada.
<><> Acervo de luxo
Em 10 de dezembro, agentes da PF foram às ruas para
prender suspeitos e realizar buscas e apreensão de documentos, dispositivos
eletrônicos e itens de valor que podem ter sido adquiridos com dinheiro público
desviado pelos integrantes do esquema.
Na casa do "Rei do Lixo", em Salvador
(BA), os policiais encontraram um acervo com quase 100 itens de luxo, entre os
quais, pulseiras, correntes, anéis, pares de brinco, colares, braceletes,
pingentes e relógios.
A maior parte das joias é de marcas de luxo, como
Louis Vuitton, Tiffany, Bvlgari, Cartier, Boss, Hublot e Rolex.
Com o empresário, foram apreendidos 20 relógios de
luxo, sendo 7 da marca suíça Rolex.
José Marcos Moura, que tem ligação com o
partido União Brasil, chegou a ser preso, mas foi solto dias depois da operação.
<><> Outros itens
Os policiais federais também apreenderam com o
"Rei do Lixo" quatro celulares, dois tablets, dois notebooks, pen
drives, e dinheiro vivo em notas de real, dólar, euro e libra.
Também foram apreendidos com José Marcos Moura
quatro veículos de luxo das marcas Mercedz-Bens (blindado) e Jeep (blindado) e
Land Rover.
Foi apreendida ainda um revólver calibre 38 da
marca brasileira Taurus.
Os agentes também encontraram itens de luxo com
outros investigados por suposta participação no esquema de desvio de emendas
parlamentares.
Com o empresário Alex Parente, por exemplo, foram
apreendidos três celulares, quatro relógios de luxo, joias e roupas de grife,
cinco carros e um computador. Alex é apontado como um dos líderes do esquema.
Fonte: g1
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