sexta-feira, 14 de fevereiro de 2025

Emenda parlamentar: 'Contrato de propina', celular em forro e taxa de 6% - o esquema de desvio para o hospital no RS

A Polícia Federal deflagrou nesta quinta-feira (13) uma operação sobre desvio de dinheiro público federal de emendas parlamentares. Os mandados foram autorizados pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Flávio Dino.

Durante a investigação, a PF identificou até um "contrato de propina" formalizando o suposto esquema de corrupção (veja detalhes abaixo).

A investigação envolve emendas destinadas pelo deputado Afonso Motta (PDT-RS) ao Hospital Ana Nery, de Santa Cruz do Sul (RS).

Motta é citado no inquérito, mas não foi alvo da operação – a PF ainda investiga se ele tinha conhecimento do suposto esquema. O chefe de gabinete do deputado e outros suspeitos foram alvos de buscas.

Em nota, o deputado disse ter sido surpreendido pela operação e afirmou que buscaria mais informações antes de comentar o caso.

·        O suposto esquema

A decisão assinada por Flávio Dino afirma que a representação da PF descreve o esquema criminoso "ao longo de mais de 100 páginas", incluindo prints de conversas e o tal "contrato da propina".

"[...] aponta a autoridade policial a existência de uma organização criminosa que direcionava emendas parlamentares e se apropriava de parte desses recursos públicos", diz o despacho.

Segundo a investigação, o grupo agia para destinar emendas parlamentares ao Hospital Ana Nery, de Santa Cruz do Sul (RS) – mas, em troca, cobrava um percentual dos valores repassados à instituição.

Conversas sobre esse repasse, segundo a Procuradoria-Geral da República (PGR), foram encontradas no celular do lobista Cliver Fiegenbaum.

A empresa dele, ACF Intermediações, foi contratada pelo hospital para viabilizar o envio dessas emendas. A comissão de 6%, segundo a PGR, constituiria uma vantagem indevida.

Segundo a PGR, há indícios na investigação de que:

·        as emendas foram efetivamente enviadas ao Hospital Ana Nery;

·        a unidade de saúde realizou pagamentos a uma empresa no nome de Cliver Fiegenbaum.

g1 tenta contato com Fiegenbaum.

·        A empresa de captação

De acordo com as investigações, a CAF Representação e Intermediação de Negócios foi contratada pelo hospital Ana Nery para pleitear as emendas que seriam enviadas ao hospital.

O dono, Cliver Fiegenbaum, é descrito pela PGR como "lobista" que atuava em Brasília em favor do hospital.

O inquérito lista três notas fiscais emitidas pelo hospital em nome da CAF entre 2023 e 2024 – que, somadas, indicam pagamentos de R$ 509,4 mil à intermediadora.

O serviço é descrito nas três notas como "Referente captação de recursos através de indicações de emendas parlamentares".

Ao todo, o hospital recebeu R$ 1,07 milhão em três emendas do gabinete de Afonso Motta (PDT-RS) em 2023 e 2024.

Dois desses repasses, de R$ 200 mil cada, iam originalmente para outras entidades:

·        o Fundo Municipal de Saúde São Miguel das Missões/RS;

·        e a Fundação Universitária de Cardiologia, que gerencia o Instituto de Cardiologia do Rio Grande do Sul.

As emendas foram alteradas, no entanto, e o dinheiro foi transferido para o hospital Ana Nery – gerando "comissões" para a CAF Representação e Intermediação de Negócios.

·        O 'contrato da propina'

O "contrato da propina" citado pela Polícia Federal é justamente o contrato de prestação de serviços entre o hospital e a CAF.

Pelo contrato, a empresa de "intermediação" convencia os parlamentares a enviarem emendas para o hospital. E, em troca, recebia uma comissão com base no valor da emenda destinada.

'Em contrapartida aos serviços prestados, o Contratado receberá 6% (seis por cento) sobre o valor por ele comprovadamente captado, que serão pagos em até 30 dias após o recebimento do valor pela Contratante, através de depósito bancário em conta jurídica informada pelo Contratado, mediante apresentação da correspondente nota fiscal", diz uma das cláusulas.

·        Os alvos das buscas

Ao todo, Dino autorizou buscas em 13 endereços residenciais e comerciais, nos nomes de:

·        Cliver Andre Fiegenbaum, dono da CAF Intermediações;

·        Lino Furtado, chefe de gabinete do deputado Afonso Motta – endereços em Brasília e Rosário do Sul (RS);

·        Leandro Diedrich;

·        Celcio da Silveira Junior;

·        Gilberto Antônio Gobbi;

·        Agnaldo Machado Ferreira – endereços residenciais e comerciais;

·        Carlos Danilo Wagner – endereços residenciais e comerciais;

·        e no hospital Ana Nery, em Santa Cruz do Sul (RS).

"Autorizo de imediato a apreensão de aparelhos celulares e computadores que estejam na residência ou local de trabalho dos investigados (especificados na tabela acima) ou em sua posse, sendo permitido o acesso ao conteúdo dos aparelhos com a preservação da integridade de dados, cadeia de custódia digital e com a utilização de código hash", diz a decisão de Dino.

"Quanto ao Hospital Ana Nery, em se tratando de prestador de serviço essencial, devem ser apreendidos apenas os computadores estritamente necessários à elucidação do fluxo contábil e financeiro", segue.

Dino também determinou que Lino Furtado seja afastado do gabinete de Afonso Motta, e Cliver Fiegenbaum, do cargo que ocupa na Metroplan, vinculada à Secretaria Estadual de Desenvolvimento Urbano e Metropolitano do Rio Grande do Sul.

O ministro também bloqueou R$ 509 mil em contas e bens dos investigados.

·        O que dizem os citados

Em nota, o deputado Afonso Motta diz que foi "surpreendido" pela operação e busca entender o inquérito.

"O deputado Afonso Motta sustenta que nem ele nem o gabinete foram alvos da operação da PF. O parlamentar afirma que foi surpreendido e que está buscando acesso aos autos, para entender o que é investigado e se posicionar", diz o comunicado.

O hospital Ana Nery reafirmou, também em nota, "seu compromisso com a transparência, a integridade e o pleno cumprimento das normas legais".

"Na manhã desta quinta-feira, 13 de fevereiro de 2025, a instituição tomou conhecimento, com surpresa, da operação EmendaFest. Desde então, tem prestado total colaboração às autoridades, fornecendo prontamente todos os documentos solicitados e colocando-se à disposição para contribuir com o esclarecimento dos fatos", diz a unidade.

"O Hospital Ana Nery reitera seu compromisso com a ética e a legalidade e seguirá colaborando com as investigações para que sejam conduzidas com a máxima celeridade e transparência", prossegue.

·        Dinheiro apreendido e celular em forro

Até as 9h, a Polícia Federal já tinha encontrado e apreendido R$ 160 mil em dinheiro vivo com alvos da operação, incluindo o assessor de Motta.

Um funcionário do hospital que receberia a emenda e um terceiro envolvido, ainda não identificado, também estariam com parte desses valores.

Em um dos endereços, a Polícia Federal também encontrou telefones celulares escondidos no forro de um dos cômodos.

¨       Hugo Motta diz que acompanha operação sobre emendas

O presidente da Câmara, deputado Hugo Motta (Republicanos-PB), afirmou nesta quinta-feira (13) que acompanha, desde o início da manhã, a operação contra supostos desvios em emendas parlamentares destinadas pelo deputado Afonso Motta (PDT-RS) a um hospital no Rio Grande do Sul.

"Com tranquilidade vou acompanhar. Os órgãos da Casa já estão acompanhando para garantir que tudo seja conduzido da forma mais correta possível", disse o presidente da Câmara.

Relator da operação, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Flávio Dino determinou buscas em endereços do chefe de gabinete de Afonso Motta, Lino Furtado – e o afastamento dele do cargo. O gabinete informou ao g1, no início da tarde, que o funcionário já tinha sido oficialmente afastado.

Afonso Motta é citado no inquérito, mas não foi alvo dos mandados desta quinta. A PF ainda investiga se ele tinha conhecimento ou participação no suposto esquema.

Afonso Motta viajou ao Rio Grande do Sul na quarta-feira (12). Depois da operação, ele está retornando a Brasília. Em nota, ele se disse "surpreendido" pela ação da PF.

"O deputado Afonso Motta sustenta que nem ele nem o gabinete foram alvos da operação da PF. O parlamentar afirma que foi surpreendido e que está buscando acesso aos autos, para entender o que é investigado e se posicionar", diz o parlamentar.

O deputado afirmou a aliados que ainda não teve acesso aos autos e que não compreendeu, de forma completa, a ação da PF. O retorno a Brasília seria para tentar ter acesso ao conteúdo do inquérito que tramita no Supremo.

Operação surpreendeu parlamentares

A operação da Polícia Federal desta quinta pegou de surpresa parlamentares da Câmara. Parte das lideranças da Casa só ficou sabendo da ação durante a reunião de líderes, que acontece às quintas e define as pautas de consenso para a semana sequinte.

Segundo líderes partidários, o assunto foi abordado diretamente pelo presidente da Câmara, Hugo Motta.

No comunicado aos parlamentares, Motta disse que acompanhava os desdobramentos do caso desde cedo. Também fez questão de ressaltar que a operação da Polícia Federal não foi contra um parlamentar e que somente um funcionário havia sido alvo.

Para parlamentares, o tom adotado por Hugo Motta na reunião desta quinta reflete uma tentativa do presidente da Câmara de não criar tensões com o STF.

Motta foi eleito para o comando da Casa defendendo, em tom corporativista, as prerrogativas de deputados.

Nos últimos anos, o discurso de "fortalecimento" das prerrogativas tem sido utilizado para criticar operações da PF e inquéritos da Corte que miram deputados.

Em 2024, depois de buscas em gabinetes da Casa, parlamentares passaram a defender, por exemplo, o avanço de propostas que exigiam a aprovação da Mesa Diretora da Câmara ou do Senado para medidas judiciais contra deputados e senadores.

¨       Acervo de luxo: PF apreendeu quase 100 joias com 'Rei do Lixo', alvo de operação contra desvio de emendas

Polícia Federal apreendeu, em dezembro de 2024, um acervo milionário, com quase 100 itens de luxo, pertencente ao empresário do setor de limpeza José Marcos Moura, conhecido como "Rei do Lixo".

Moura e outras 14 pessoas são suspeitas de integrar uma quadrilha que teria desviado recursos de emendas parlamentares e fraudado licitações em diversos estados.

Da acordo com os investigadores, o grupo criminoso teria movimentado cerca de R$ 1,4 bilhão entre os anos de 2020 e 2024, a maior parte em contratos assinados no ano passado.

Segundo a PF, eles teriam desviado recursos de emendas parlamentares destinadas a prefeituras e ao Departamento Nacional de Obras Contra a Seca (DNOCS).

O esquema funcionava com a emissão de contratos fraudulentos de obras superfaturadas, ou que nem chegaram a ser realizadas, e contava com a lavagem do dinheiro desviado por empresas de fachada.

<><> Acervo de luxo

Em 10 de dezembro, agentes da PF foram às ruas para prender suspeitos e realizar buscas e apreensão de documentos, dispositivos eletrônicos e itens de valor que podem ter sido adquiridos com dinheiro público desviado pelos integrantes do esquema.

Na casa do "Rei do Lixo", em Salvador (BA), os policiais encontraram um acervo com quase 100 itens de luxo, entre os quais, pulseiras, correntes, anéis, pares de brinco, colares, braceletes, pingentes e relógios.

A maior parte das joias é de marcas de luxo, como Louis Vuitton, Tiffany, Bvlgari, Cartier, Boss, Hublot e Rolex.

Com o empresário, foram apreendidos 20 relógios de luxo, sendo 7 da marca suíça Rolex.

José Marcos Moura, que tem ligação com o partido União Brasil, chegou a ser preso, mas foi solto dias depois da operação.

<><> Outros itens

Os policiais federais também apreenderam com o "Rei do Lixo" quatro celulares, dois tablets, dois notebooks, pen drives, e dinheiro vivo em notas de real, dólar, euro e libra.

Também foram apreendidos com José Marcos Moura quatro veículos de luxo das marcas Mercedz-Bens (blindado) e Jeep (blindado) e Land Rover.

Foi apreendida ainda um revólver calibre 38 da marca brasileira Taurus.

Os agentes também encontraram itens de luxo com outros investigados por suposta participação no esquema de desvio de emendas parlamentares.

Com o empresário Alex Parente, por exemplo, foram apreendidos três celulares, quatro relógios de luxo, joias e roupas de grife, cinco carros e um computador. Alex é apontado como um dos líderes do esquema.

 

Fonte: g1

 

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