Calor extremo nas escolas:
cérebro diminui raciocínio para buscar conforto
Em situações de calor
extremo, o cérebro tira energia do que considera supérfluo, como a concentração
e o raciocínio, e o foco passa a ser aliviar o desconforto. Em uma sala de
aula, isso significa que o ensino e a aprendizagem ficam comprometidos.
É o que explica a
neurocientista Lívia Ciacci à Repórter Brasil, a respeito dos impactos do calor extremo nas escolas brasileiras, ainda
pouco preparadas para lidar com as mudanças
climáticas.
“O corpo vai eliminar mais
água para equilibrar a temperatura. Vai ter uma circulação mais superficial, os
vasos dilatam, a respiração pode acelerar. É como se a gente entrasse em um
estado de alerta, em que o bem-estar do corpo é prioridade e tudo o que é
secundário perde importância”, diz.
O ano de 2024 foi o mais quente já registrado, segundo dados do programa de monitoramento climático da Europa, o
Copernicus: 1,6ºC acima da média do início da era industrial.
Em uma sala de aula com
várias pessoas – portanto, com a temperatura ainda mais alta –, os efeitos
fisiológicos são potencializados, e qualquer atividade que exija engajamento do
aluno vai ser atrapalhada, explica a cientista.
“Nós nos agitamos procurando
um ambiente mais fresco. Nossa atenção vai ficar tomada por coisas como:
‘queria uma água gelada, precisava jogar uma água aqui na cabeça’. A gente
começa a desviar o foco para tentar resolver esse desconforto”, afirma.
Com a crise climática, medidas de enfrentamento
ao desconforto térmico na educação são ainda mais urgentes.
No Rio Grande do Sul, por
exemplo, a Justiça adiou o início do ano letivo na rede estadual a pedido do
sindicato de professores. Nos últimos dias, os termômetros chegaram a 43,8ºC,
maior temperatura já registrada no estado em 115 anos.
Segundo a Sociedade de
Pediatria do Rio de Janeiro, o calor extremo favorece o adoecimento das crianças, que podem sofrer com desidratação, exaustão, cãibras e
insolação.
“O calor elevado também
causa ressecamento da pele, desconforto nos olhos, boca e nariz e deixa todos
mais irritados”, diz a entidade, ressaltando que as crianças são mais
vulneráveis à desidratação porque a porcentagem de água em seu corpo é maior do
que nos adultos.
Caso não haja hidratação
adequada, os alunos podem sentir sintomas como tonturas, desmaios, cansaço,
palpitações, mal-estar e diminuição do volume urinário.
O calor extremo afeta também
o desenvolvimento do corpo e do cérebro das crianças, segundo artigo produzido pelo Centro sobre a Criança em
Desenvolvimento da Universidade de Harvard (EUA), publicado em julho de 2024.
“O desempenho escolar
diminui à medida que as temperaturas aumentam. Na cidade de Nova York, por
exemplo, as perdas de aprendizagem aumentaram em até 50% quando as temperaturas
em dias letivos ficavam acima de 38°C, em comparação com dias acima de 32°C”,
diz o documento.
Essa perda pode ser
duradoura. Dias letivos de muito calor afetam negativamente as notas em testes
realizados até três ou quatro anos depois, acrescenta o artigo.
Em 2023, uma projeção feita por economistas do Banco Mundial identificou que, quando se registram até 37 dias por ano com
temperaturas acima de 25ºC, o desvio padrão da nota média dos estudantes na
Prova Brasil – principal avaliação da educação básica do país – cai quase 2%.
·
Professores também são afetados
Professores e professoras
também sofrem os efeitos do calor excessivo, tanto na saúde e capacidade
cognitiva quanto na gestão de estudantes irritados e desconcentrados, diz
Ciacci.
“Além de precisar planejar
sua metodologia de acordo com o ambiente em que está, o docente deverá fazer o
esforço de se manter na linha do que planejou, também sofrendo os efeitos do
desconforto térmico”, ressalta a neurocientista. “Uma hora ou outra ele também
vai ficar irritado e vai desistir de alguma tarefa pedagógica.”
Para Daniel Bitencourt,
pesquisador da Fundacentro (Fundação de Segurança e Medicina do Trabalho),
instituição vinculada ao Ministério do Trabalho e Emprego, quando não
adequadamente preparados, ambientes internos podem servir como
potencializadores do calor que vem do ambiente externo. “Nesses casos,
professores, trabalhadores das escolas e os próprios alunos sentem um estresse
térmico maior do que se estivessem do lado de fora”, diz.
Bitencourt coordena um grupo
de pesquisa a respeito dos efeitos do calor nos trabalhadores de áreas
externas. Mas ele ressalta que os trabalhadores internos também sentem os
impactos das altas temperaturas.
“Não temos um estudo
específico para os professores, mas entendo que todos são atingidos”, afirma.
Bitencourt lembra que as atividades educacionais ao ar livre, como educação
física e aulas práticas de algumas disciplinas, expõem docentes e estudantes,
além do calor, à radiação solar, altamente prejudicial à saúde.
“Existe um novo cenário
climático, já estabelecido, com temperaturas mais altas, maior frequência de
ondas de calor e maior umidade, que implica um estresse térmico ainda mais
crítico para os trabalhadores”, afirma. E as previsões apontam para uma piora
nas próximas décadas.
Danos às cordas vocais
também podem afetar os professores, afirma Heleno Araújo, presidente da CNTE
(Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação). Em instituições de
ensino sem ar-condicionado, o forte ruído dos ventiladores contribui com essas
lesões.
Ele avalia que deveriam
existir Comissões Internas de Prevenção de Acidentes dentro das escolas.
Conhecidas como CIPAs, essas instâncias têm o objetivo de prevenir acidentes e
doenças no trabalho, e atuariam também nos impactos causados pelo calor,
propõe.
“Existe um conjunto de
ausências dentro do espaço da escola pública: [faltam] salas de leitura,
bibliotecas, quadras de esporte, laboratórios e também climatização. Esse é um
dos itens da precariedade que os docentes sofrem. O calor e o ruído causados
pelos ventiladores, às vezes em salas superlotadas e sem janelas, interferem no
processo de ensino-aprendizagem”, afirma.
Fonte: Repórter
Brasil
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