sexta-feira, 14 de fevereiro de 2025

Elcemir Paço Cunha: … Pois não sabem o que fazem. Ou sabem?

O atual debate sobre inflação no Brasil é uma dessas oportunidades que reflete o conflito essencial que está no âmago da vida econômica da sociedade. Muito disso se deve às respostas apresentadas em termos práticos para enfrentar essa pressão inflacionária, especialmente a que rebate nos gêneros alimentícios.

Todos sabemos que a variação dos preços desses produtos afeta mais diretamente as chamadas classes médias e baixas. E o remédio principal para combatê-la, por meio da manipulação da taxa de juros, também. Isso já mostra de partida sobre qual base as medidas são tomadas. É uma alternativa existente na caixa de ferramentas acumuladas ao longo dos últimos cem anos pelo menos. O fato de tomar essa ferramenta e não outra, ou não admitir uma combinação de ferramentas, diz muito a respeito do que está em jogo.

Para a maioria dos analistas formou-se tardiamente a constatação de que as percepções das pessoas sobre a economia (tanto no Brasil quantos nos EUA) desde 2022 eram afetadas pela pressão inflacionária sobre os gêneros alimentícios. Essa pressão era maior do que a média da taxa geral medida e assim segue desde então. Esse problema, especialmente no Brasil, refletiu-se também na aspereza entre executivo e COPOM no último ano, como todos também sabem.

Uma parte do problema envolvia e envolve saber quais fatores estão de fato acionando a inflação de alimentos.

Nesse plano, o COPOM sempre defendeu se tratar de um aumento da demanda. Daí a decisão de acionar uma de suas ferramentas prediletas e subir os juros para desacelerar a economia, gerando desemprego e rebaixando salários. Esse é o plano declarado em suas atas: provocar uma recessão. Essa posição tem amplo apoio entre os economistas mais ortodoxos, operadores das finanças, gestores de fundos. A imprensa em geral, e com exemplos contumazes, os segue de perto como tem sido a praxe há décadas. Ao fundo está o argumento de que o crescimento atual brasileiro não seria sustentável por ir além da capacidade “normal” da oferta, provocando um hiato de produto que força a subida dos preços. Por isso cabe um freio desse crescimento em ajuste à capacidade nacional. É uma teoria cuja história e influência merece atenção. Mas as atas do COPOM não são material informativo suficiente dessa teoria nem de bons fundamentos para as decisões de juros que parecem as embasar.

Noutro caminho, muitos dos chamados heterodoxos já questionavam em 2022 se de fato se tratava de inflação de demanda. Do lado do executivo, aqui e ali apareceu em 2023 timidamente a tese de que a inflação então registrada decorria dos vários aumentos dos custos dos insumos em geral, especialmente os referentes ao mercado internacional desde a pandemia. O ministro Haddad recepcionou Isabella Weber que naquela época já falava a respeito da inflação motivada pelos custos, mas também pelo oportunismo em variados setores econômicos que viram a chance de aumentar, e de modo algo articulado, as suas margens de lucro nessa remarcação dos preços. Ela sugere o caminho do controle estratégico de preços de determinados itens por meio de medidas não meramente formais, a exemplo do México e Espanha. Faltam dados sobre esse quadro de custos e subida articulada dos preços no Brasil.

Com menor audiência e pompa, Baccarin e amigos têm insistido (de modo resumido e aprofundado) no fato de que a pressão inflacionária decorre há muito da internacionalização da produção brasileira de alimentos e sem mecanismos internos de compensação, como estoques reguladores por exemplo. Com a subida internacional dos preços de produtos como café e carne, os preços internos são forçados para cima uma vez que o Brasil é um grande exportador desses produtos. No caso dos lácteos, os preços internos seguem os aumentos internacionais uma vez que o país é um importador.

É coisa certa que a inflação é uma resultante de muitos fatores combinados. Alguns podem pesar mais do que outros em momentos e contextos diferentes. E não é aqui que vamos resolver a questão. Mas dos três grupos de explicações anteriores chama a atenção um fato importante: exatamente o grupo que possui menor influência é também aquele que apresenta melhor qualidade de dados e análise sobre quais fatores têm exercido considerável influência.

Os heterodoxos acima apenas suspeitam que a inflação não seja de demanda. Convenhamos que o executivo não fez muita coisa com essa suspeita desde 2023 no sentido de enfrentar criativamente a questão. Os ortodoxos se apegaram à teoria do hiato de produto e escutam mais os operadores das finanças. As atas do COPOM, compreensivelmente lacônicas, demonstram nada ou quase nada que prove publicamente haver crescimento acima da capacidade, lastreando assim suas decisões que afetarão milhões de pessoas com dor e sofrimento.

A maioria dos críticos dessas medidas sugere que o remédio não é adequado para a doença. Recentemente circulou que o mercado errou 95% das previsões sobre economia e Bolsa desde 2021. Ainda assim continuam sendo aqueles que mais influenciam quando é preciso definir a causa da inflação e as alternativas para domá-la. E não faz muito tempo que Roberto Campos Neto, ex-Banco Central e expoente da ortodoxia, disse não saber “por que alguém acredita no que a gente fala”. Bem, parece que conhecimento das coisas e provas de sua correção não são prerrequisitos para provocar recessão, desemprego e baixa nas rendas a propósito de enfrentar a inflação de preço internacional. Ou, talvez contrariamente a seus críticos, sabem exatamente o que fazem.

¨      Fazenda reduz previsão de crescimento do PIB para 2025 e aponta riscos externos

O Ministério da Fazenda revisou para baixo a previsão de crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) em 2025, passando de 2,5% para 2,3%. O PIB é a soma de todas as riquezas produzidas pelo país em um ano, e a revisão se deve a fatores internos e externos. O aumento na taxa básica de juros e o cenário conjuntural externo foram destacados no documento "2024 em retrospectiva e o que esperar para 2025", da Secretaria de Política Econômica (SPE) do Ministério da Fazenda.

"A gente espera uma desaceleração do ritmo de crescimento. Estamos atravessando um ciclo de aumento de juros, que tem impacto no ritmo de atividade", afirmou o secretário de Política Econômica, Guilherme Mello, de acordo com a Folha de S. Paulo. Para o ano de 2025, a Fazenda projeta uma aceleração no setor agropecuário, mas uma redução no desempenho da indústria e dos serviços.

A SPE alerta para os riscos de um "aumento muito acentuado do protecionismo nos EUA", que, se ocorrer, pode levar o Federal Reserve (FED) a interromper o ciclo de redução de juros. Caso isso aconteça, as projeções para o Brasil podem ser revistas.

Nesta quinta-feira (13), o presidente dos EUA, Donald Trump, afirmou em sua rede social Truth Social que as últimas três semanas foram as melhores, mas que esta quinta promete ser um "grande dia" devido às tarifas recíprocas que pretende implementar. A medida afetaria países que aplicam taxas sobre importações dos EUA.

Quanto à inflação, a previsão da Fazenda é que a meta seja novamente descumprida, com uma alta de 4,8% nos preços, conforme medido pelo IPCA. Esse resultado seria equivalente ao índice registrado em 2024.

Apesar de o indicador superar a meta, a Fazenda acredita que os preços de alimentos devem cair neste ano. "Os preços de carnes tendem a desacelerar até o final do ano, menos impactados pela reversão no ciclo de abate do gado e pelo avanço das exportações", observa o documento. Também há perspectivas favoráveis para o arroz, feijão, alimentos in natura e derivados de soja e leite, devido às boas expectativas para o clima e para a produção agrícola em 2025.

Ainda conforme a reportagem, a Fazenda prevê um aumento nos preços de trigo e derivados, em razão de uma colheita baixa no ano passado. Mello ainda ponderou que "a taxa de câmbio utilizada foi a do Focus, de R$ 6 para cada dólar. Caso o câmbio mais apreciado [se mantenha], em R$ 5,73, isso terá impacto no nosso cenário inflacionário". "Nossa safra mais forte e a produção maior de petróleo também devem impactar [no câmbio]".

¨      Varejo do Brasil fecha 2024 com maior expansão em 12 anos

O setor de varejo do Brasil registrou em 2024 o maior crescimento das vendas em 12 anos, embora tenha apontado enfraquecimento no final do ano em linha com as expectativas de perda de força gradual da economia.

As vendas varejistas tiveram queda de 0,1% em dezembro na comparação com o mês anterior, segundo dados divulgados nesta quinta-feira pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

O resultado mensal ficou aquém da expectativa em pesquisa da Reuters de estabilidade. Na comparação com mesmo mês do ano anterior, houve aumento de 2,0%, segundo o IBGE, contra projeção de ganho de 3,5%..

Ainda assim, o setor registrou em 2024 crescimento de 4,7%, o oitavo ano de expansão e no ritmo mais intenso desde 2012 (+8,4%).

O varejo teve um ano de 2024 amplamente positivo, mostrando resiliência em meio a um mercado de trabalho aquecido, expansão do crédito e aumento da renda.

No entanto, mostrou desaceleração do ritmo com quedas seguidas nos últimos dois meses do ano, em um aceno às expectativas de perda de força gradual da economia que deve se estender para o início de 2025.

Isso ocorre em um ambiente de redução do impulso fiscal e aperto monetário, o que encarece o crédito. Em janeiro, o Banco Central elevou a taxa básica de juros Selic em 1 ponto percentual como indicado, a 13,25%, e deve adotar nova alta na próxima reunião.

"Para 2025, projetamos uma desaceleração no crescimento devido à redução dos estímulos fiscais e de crédito, além da inflação e juros elevados", disse Igor Cadilhac, economista do PicPay. "Apesar desse cenário desafiador, esperamos que a retração seja relativamente moderada. Alguns fatores devem ajudar a sustentar o consumo das famílias, como o mercado de trabalho aquecido e o aumento da massa salarial."

Em dezembro, cinco dos oito setores pesquisados no varejo restrito apresentaram retração de vendas em relação a novembro, sendo as mais intensas de Equipamentos e material para escritório, informática e comunicação (-5,0%); Artigos farmacêuticos, médicos, ortopédicos e de perfumaria (-3,3%); e Combustíveis e lubrificantes (-3,1%).

No comércio varejista ampliado, que inclui as atividades de veículos, motos, partes e peças; material de construção e atacado de produtos alimentícios, bebidas e fumo, o volume de vendas em dezembro caiu 1,1% ante o mês anterior. Mas ainda fechou 2024 com alta acumulada de 4,1%, a maior desde 2021 (+4,5%).

No âmbito do varejo ampliado, oito das onze atividades pesquisadas fecharam o ano com ganhos, com destaque para Artigos farmacêuticos, médicos, ortopédicos e de perfumaria (14,2%); Veículos e motos, partes e peças (11,7%); Outros artigos de uso pessoal e doméstico (7,1%) e Material de construção (4,7%)

“Em termos setoriais, o grande destaque foi o setor farmacêutico, que é a única atividade a sustentar também oito anos de crescimento contínuo", disse o gerente da pesquisa, Cristiano Santos.

As três atividades que sofreram queda em 2024 foram Combustíveis e lubrificantes (-1,5%); Atacado especializado em produtos alimentícios, bebidas e fumo (-7,1%); e Livros, jornais, revistas e papelaria (-7,7%).

“O segmento de livros, jornais, revistas e papelaria já vem acumulando quedas há alguns anos, a última alta foi em 2022. Isso está relacionado ao crescente processo de digitalização de parte de seus produtos. O que vem sustentando essa atividade é o livro didático", completou Santos.

Os dados do varejo são os mais recentes a apontar desaceleração da atividade econômica no final do ano passado no Brasil, juntando-se à produção industrial e ao volume de serviços, que apresentaram desempenhos semelhantes.

 

Fonte: Jornal GGN/Brasil 247

 

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