Colômbia quer
proibir camisetas e souvenirs com Pablo Escobar
Um projeto de lei
em tramitação no Congresso da Colômbia visa proibir
a venda de mercadorias que celebrem o narcotraficante Pablo Escobar, cujo cartel de
cocaína está ligado a milhares de assassinatos.
Um dia, em 1989,
Gonzalo Rojas estava na escola em Bogotá, capital colombiana, quando um
professor tirou ele da sala de aula para dar uma notícia devastadora.
O pai dele, também
chamado Gonzalo, havia morrido em um acidente de avião naquela manhã.
"Me lembro de
sair e ver minha mãe e minha avó me esperando, chorando", diz Rojas, que
tinha apenas 10 anos na época.
"Foi um dia
muito, muito triste."
Minutos após a
decolagem, uma explosão a bordo do voo 203 da Avianca matou a tripulação e os
107 passageiros a bordo, além de três pessoas no solo que foram atingidas pelos
destroços.
A explosão não foi
um acidente. Foi um ataque à bomba deliberado de Pablo Escobar e do seu cartel
de Medellín.
Embora a era
marcada por guerras às drogas, atentados a
bomba, sequestros e uma taxa altíssima de homicídios tenha sido em grande parte
relegada ao passado da Colômbia, o legado de Escobar não foi.
O famoso criminoso,
que foi morto pelas forças
de segurança em
1993, alcançou um status quase de culto ao redor mundo, sendo imortalizado em
livros, músicas e produções de TV, como a série Narcos da Netflix.
Na própria
Colômbia, seu nome e rosto estão estampados em canecas, chaveiros e camisetas
em lojas de souvenirs que atendem principalmente a visitantes curiosos.
Mas um projeto de
lei no Congresso da Colômbia está tentando mudar isso.
O projeto visa
proibir produtos com Escobar — e com outros criminosos condenados — para ajudar
a pôr fim à glorificação de um chefe do narcotráfico que foi central no
comércio global de cocaína, e é amplamente considerado responsável por pelo
menos 4 mil assassinatos.
"Questões
difíceis que fazem parte da história e da memória
do nosso país não podem ser simplesmente relembradas por uma camiseta ou um
adesivo vendido em uma esquina", diz o deputado Juan Sebastián Gómez,
coautor do projeto de lei.
A legislação
proposta proibiria a venda, assim como o uso e o porte de roupas e itens que
promovam criminosos, incluindo Escobar. Isso significaria multas para aqueles
que violassem as regras e uma suspensão temporária dos negócios.
Muitos comerciantes
que vendem esses produtos afirmam que uma lei que proíba esse tipo de
mercadoria prejudicaria seus meios de subsistência.
"Isso é
terrível. Temos o direito de trabalhar, e essas camisetas do Pablo,
especialmente, sempre vendem bem", diz Joana Montoya, dona de uma barraca
repleta de produtos de Escobar na Comuna 13, uma zona turística popular de
Medellín.
Medellín, a cidade
natal de Escobar, era conhecida como "a cidade mais perigosa do
mundo" no fim dos anos 1980 e início dos anos 1990, devido à violência
associada com as guerras às drogas e o conflito armado da Colômbia.
Hoje, ela foi
revitalizada e se tornou um centro de inovação e turismo, com vendedores
ávidos para lucrar com o fluxo de visitantes que querem levar souvenirs para
casa — alguns relacionados a Escobar.
"Essas
mercadorias com Escobar beneficiam muitas famílias daqui — nos sustentam. Nos
ajudam a pagar o aluguel, comprar comida, cuidar dos nossos filhos", diz
Montoya, que sustenta a si mesma e a filha pequena.
Ela afirma que pelo
menos 15% de suas vendas são provenientes de produtos com Escobar, mas alguns
vendedores disseram à BBC que, para eles, este percentual chega a 60%.
Se o projeto de lei
for aprovado, haverá um período de tempo definido para que os vendedores se
familiarizem com as novas regras e eliminem gradualmente seu estoque de
mercadorias com Escobar.
"Precisaríamos
de uma fase de transição para que as pessoas pudessem parar de vender esses
produtos, e substituí-los por outros", explica o deputado Gómez. Ele diz
que a Colômbia tem coisas mais interessantes para mostrar do que os chefes do
narcotráfico, e que a associação com Escobar estigmatizou o país no exterior.
Algumas das
camisetas, vendidas por cerca de R$ 36, exibem uma frase de efeito associada a
Escobar — plata o plomo, que pode ser traduzida como "prata ou
chumbo". A expressão simboliza a escolha que o chefe do cartel dava
àqueles que representavam uma ameaça às suas operações criminosas: aceitar um
suborno ou ser morto.
A assistente de
loja María Suarez acredita que o lucro obtido com as vendas de mercadorias com
Escobar não é ético.
"Precisamos
desta proibição. Ele fez coisas horríveis, e esses souvenirs são coisas que não
deveriam existir", diz ela, explicando que se sente desconfortável pelo
fato do chefe ter itens relacionados a Escobar no estoque.
Acredita-se que
Escobar e seu cartel de Medellín chegaram a controlar 80% da cocaína que
entrava nos EUA. Em 1987, ele foi nomeado uma das pessoas mais ricas do mundo
pela revista Forbes.
Ele gastou parte de
sua fortuna desenvolvendo bairros carentes, mas muitas pessoas consideram isso
uma tática para comprar a lealdade de alguns segmentos da população.
Anos depois da
morte do pai, Rojas se lembra dele como um homem calmo e responsável, que amava
a família. Para ele, o projeto de lei é um momento decisivo.
"É um marco na
maneira como refletimos sobre o que está acontecendo em termos de
comercialização de imagens de Pablo Escobar, a fim de corrigir isso",
avalia Rojas.
Mas ele tem
críticas em relação às propostas. Ele acredita que o projeto de lei não se
concentra o suficiente na educação.
Rojas se lembra de
um dia, há muitos anos, em que encontrou um homem vestindo uma camiseta verde
com a silhueta de Escobar e os dizeres: "Pablo, presidente".
"Isso me
deixou tão confuso que não consegui dizer nada a ele sobre o assunto",
recorda.
"É preciso dar
mais ênfase à forma como transmitimos mensagens diferentes às novas gerações,
para que não haja uma imagem positiva do que é um chefe de cartel."
Rojas tem se
envolvido ativamente nos esforços para reformular as narrativas sobre Escobar e
o tráfico de drogas. Em parceria com algumas outras vítimas, ele lançou o
narcostore.co em 2019, uma loja online que parece vender itens com o tema de
Escobar.
Mas nenhum dos
produtos existe de fato e, quando os clientes selecionam um item, é exibido um
depoimento em vídeo de uma vítima. Rojas diz que o site atraiu 180 milhões de
visitas do mundo todo.
No Congresso da
Colômbia, o projeto de lei precisa passar por quatro etapas antes de se tornar
lei. Gómez diz que espera que a proposta gere reflexão dentro e fora do
Congresso.
"Na Alemanha,
não se vende camisetas de Hitler ou suásticas. Na Itália, não se vende adesivos
de Mussolini, e você não vai ao Chile para obter uma cópia da carteira de
identidade de Pinochet."
"Acho que a
coisa mais importante que o projeto de lei pode fazer é gerar uma conversa como
país — uma conversa que ainda não aconteceu."
O prefeito de
Medellín — que também foi candidato à presidência nas eleições de 2022 — apoiou
publicamente o projeto de lei, chamando a promoção das mercadorias de "um
insulto à cidade, ao país e às vítimas".
Em El Poblado, uma
área nobre de Medellín popular entre os turistas, três americanos visitam uma
barraca repleta de souvenirs. Um deles compra um boné estampado com o nome e o
rosto de Escobar. Ele diz que quer uma recordação da "história".
No entanto, para os
defensores do projeto de lei, não se trata de remover Escobar da história —
mas, sim, de apagar uma construção mítica dele, promovendo novas formas de
honrar as vítimas que ele matou —, e reconhecendo a dor persistente das que
foram deixadas para trás.
Fonte: BBC News
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