sexta-feira, 14 de fevereiro de 2025

Colômbia quer proibir camisetas e souvenirs com Pablo Escobar

Um projeto de lei em tramitação no Congresso da Colômbia visa proibir a venda de mercadorias que celebrem o narcotraficante Pablo Escobar, cujo cartel de cocaína está ligado a milhares de assassinatos.

Um dia, em 1989, Gonzalo Rojas estava na escola em Bogotá, capital colombiana, quando um professor tirou ele da sala de aula para dar uma notícia devastadora.

O pai dele, também chamado Gonzalo, havia morrido em um acidente de avião naquela manhã.

"Me lembro de sair e ver minha mãe e minha avó me esperando, chorando", diz Rojas, que tinha apenas 10 anos na época.

"Foi um dia muito, muito triste."

Minutos após a decolagem, uma explosão a bordo do voo 203 da Avianca matou a tripulação e os 107 passageiros a bordo, além de três pessoas no solo que foram atingidas pelos destroços.

A explosão não foi um acidente. Foi um ataque à bomba deliberado de Pablo Escobar e do seu cartel de Medellín.

Embora a era marcada por guerras às drogas, atentados a bomba, sequestros e uma taxa altíssima de homicídios tenha sido em grande parte relegada ao passado da Colômbia, o legado de Escobar não foi.

O famoso criminoso, que foi morto pelas forças de segurança em 1993, alcançou um status quase de culto ao redor mundo, sendo imortalizado em livros, músicas e produções de TV, como a série Narcos da Netflix.

Na própria Colômbia, seu nome e rosto estão estampados em canecas, chaveiros e camisetas em lojas de souvenirs que atendem principalmente a visitantes curiosos.

Mas um projeto de lei no Congresso da Colômbia está tentando mudar isso.

O projeto visa proibir produtos com Escobar — e com outros criminosos condenados — para ajudar a pôr fim à glorificação de um chefe do narcotráfico que foi central no comércio global de cocaína, e é amplamente considerado responsável por pelo menos 4 mil assassinatos.

"Questões difíceis que fazem parte da história e da memória do nosso país não podem ser simplesmente relembradas por uma camiseta ou um adesivo vendido em uma esquina", diz o deputado Juan Sebastián Gómez, coautor do projeto de lei.

A legislação proposta proibiria a venda, assim como o uso e o porte de roupas e itens que promovam criminosos, incluindo Escobar. Isso significaria multas para aqueles que violassem as regras e uma suspensão temporária dos negócios.

Muitos comerciantes que vendem esses produtos afirmam que uma lei que proíba esse tipo de mercadoria prejudicaria seus meios de subsistência.

"Isso é terrível. Temos o direito de trabalhar, e essas camisetas do Pablo, especialmente, sempre vendem bem", diz Joana Montoya, dona de uma barraca repleta de produtos de Escobar na Comuna 13, uma zona turística popular de Medellín.

Medellín, a cidade natal de Escobar, era conhecida como "a cidade mais perigosa do mundo" no fim dos anos 1980 e início dos anos 1990, devido à violência associada com as guerras às drogas e o conflito armado da Colômbia.

Hoje, ela foi revitalizada e se tornou um centro de inovação e turismo, com vendedores ávidos para lucrar com o fluxo de visitantes que querem levar souvenirs para casa — alguns relacionados a Escobar.

"Essas mercadorias com Escobar beneficiam muitas famílias daqui — nos sustentam. Nos ajudam a pagar o aluguel, comprar comida, cuidar dos nossos filhos", diz Montoya, que sustenta a si mesma e a filha pequena.

Ela afirma que pelo menos 15% de suas vendas são provenientes de produtos com Escobar, mas alguns vendedores disseram à BBC que, para eles, este percentual chega a 60%.

Se o projeto de lei for aprovado, haverá um período de tempo definido para que os vendedores se familiarizem com as novas regras e eliminem gradualmente seu estoque de mercadorias com Escobar.

"Precisaríamos de uma fase de transição para que as pessoas pudessem parar de vender esses produtos, e substituí-los por outros", explica o deputado Gómez. Ele diz que a Colômbia tem coisas mais interessantes para mostrar do que os chefes do narcotráfico, e que a associação com Escobar estigmatizou o país no exterior.

Algumas das camisetas, vendidas por cerca de R$ 36, exibem uma frase de efeito associada a Escobar — plata o plomo, que pode ser traduzida como "prata ou chumbo". A expressão simboliza a escolha que o chefe do cartel dava àqueles que representavam uma ameaça às suas operações criminosas: aceitar um suborno ou ser morto.

A assistente de loja María Suarez acredita que o lucro obtido com as vendas de mercadorias com Escobar não é ético.

"Precisamos desta proibição. Ele fez coisas horríveis, e esses souvenirs são coisas que não deveriam existir", diz ela, explicando que se sente desconfortável pelo fato do chefe ter itens relacionados a Escobar no estoque.

Acredita-se que Escobar e seu cartel de Medellín chegaram a controlar 80% da cocaína que entrava nos EUA. Em 1987, ele foi nomeado uma das pessoas mais ricas do mundo pela revista Forbes.

Ele gastou parte de sua fortuna desenvolvendo bairros carentes, mas muitas pessoas consideram isso uma tática para comprar a lealdade de alguns segmentos da população.

Anos depois da morte do pai, Rojas se lembra dele como um homem calmo e responsável, que amava a família. Para ele, o projeto de lei é um momento decisivo.

"É um marco na maneira como refletimos sobre o que está acontecendo em termos de comercialização de imagens de Pablo Escobar, a fim de corrigir isso", avalia Rojas.

Mas ele tem críticas em relação às propostas. Ele acredita que o projeto de lei não se concentra o suficiente na educação.

Rojas se lembra de um dia, há muitos anos, em que encontrou um homem vestindo uma camiseta verde com a silhueta de Escobar e os dizeres: "Pablo, presidente".

"Isso me deixou tão confuso que não consegui dizer nada a ele sobre o assunto", recorda.

"É preciso dar mais ênfase à forma como transmitimos mensagens diferentes às novas gerações, para que não haja uma imagem positiva do que é um chefe de cartel."

Rojas tem se envolvido ativamente nos esforços para reformular as narrativas sobre Escobar e o tráfico de drogas. Em parceria com algumas outras vítimas, ele lançou o narcostore.co em 2019, uma loja online que parece vender itens com o tema de Escobar.

Mas nenhum dos produtos existe de fato e, quando os clientes selecionam um item, é exibido um depoimento em vídeo de uma vítima. Rojas diz que o site atraiu 180 milhões de visitas do mundo todo.

No Congresso da Colômbia, o projeto de lei precisa passar por quatro etapas antes de se tornar lei. Gómez diz que espera que a proposta gere reflexão dentro e fora do Congresso.

"Na Alemanha, não se vende camisetas de Hitler ou suásticas. Na Itália, não se vende adesivos de Mussolini, e você não vai ao Chile para obter uma cópia da carteira de identidade de Pinochet."

"Acho que a coisa mais importante que o projeto de lei pode fazer é gerar uma conversa como país — uma conversa que ainda não aconteceu."

O prefeito de Medellín — que também foi candidato à presidência nas eleições de 2022 — apoiou publicamente o projeto de lei, chamando a promoção das mercadorias de "um insulto à cidade, ao país e às vítimas".

Em El Poblado, uma área nobre de Medellín popular entre os turistas, três americanos visitam uma barraca repleta de souvenirs. Um deles compra um boné estampado com o nome e o rosto de Escobar. Ele diz que quer uma recordação da "história".

No entanto, para os defensores do projeto de lei, não se trata de remover Escobar da história — mas, sim, de apagar uma construção mítica dele, promovendo novas formas de honrar as vítimas que ele matou —, e reconhecendo a dor persistente das que foram deixadas para trás.

 

Fonte: BBC News

 

 

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