quinta-feira, 20 de junho de 2024

Raul Pont: Lições do México - que a experiência mexicana sirva de exemplo para o Brasil

As recentes eleições mexicanas, para o Executivo e o Legislativo do país, não ganharam maior destaque na mídia brasileira. O protocolar registro do fato, apontar números e reconhecer a vitória da candidata do Presidente Lopez Obrador e da Frente liderada por seu partido, o Movimento de Regeneração Nacional (MORENA) foi o que predominou na imprensa brasileira.

Apesar do Mercosul, do crescimento das relações econômicas, das tentativas de consolidar instituições de integração política e cultural, continuamos desconhecendo nossos vizinhos e suas experiências históricas. Principalmente pela alienante e dirigida cobertura da grande mídia nacional especializada em nos trazer escândalos, personalidades, catástrofes e pouquíssimos conhecimento sobre o processo histórico e o comportamento de seus povos, de suas classes sociais.

O México faz parte da América Latina, viveu conosco o domínio colonial europeu e como, dizem os mexicanos, viveu sempre “tão longe de Deus e tão perto dos Estados Unidos”. Este, inclusive, invadiu grandes áreas de seu território ao longo do século XIX, exerceu sempre forte influência sobre o vizinho e na era da globalização fez do México um dos exemplos da indústria “maquiladora”.

Apesar disso, hoje, se constitui na segunda economia da América Latina, uma população de 130 milhões de habitantes e com períodos de crescimento baseado num nacionalismo econômico com forte presença do Estado, em especial no petróleo, e de caráter reformista frente aos Estados oligárquicos pós independência. Viveu um profundo processo revolucionário no início do século XX de caráter popular e camponês que garantiu mudanças significativas na estrutura fundiária do país. O Cardenismo (governo de Lázaro Cárdenas) dos anos 30 assemelha-se, em muito, com os períodos vividos com Vargas no Brasil e Perón na Argentina.

Nesses países, esses períodos de crescimento econômico e forte urbanização ocasionaram transformações políticas com a crescente participação popular na vida pública. Os grandes centros urbanos, as universidades públicas, as empresas estatais e, no caso mexicano, a forte presença física e cultural dos povos originários, colocaram estes países numa vanguarda de experiências políticas na América Latina.

Nestas eleições, agora, as lições da experiência mexicana são importantes e necessárias de serem observadas pois revelam como os sistemas eleitorais podem ter um peso importante nos processos democráticos. Mostram, claramente, que o sistema eleitoral necessita partidos fortes que sejam identificados por seu programa, por suas práticas de governo por sua história e representação social, sem o que os processos eleitorais transformam-se em mera contagem de votos, apuram-se os vencedores, e “borrão e conta nova”.

O sistema eleitoral mexicano assenta-se no voto partidário, no voto de legenda e coligação partidária. Claudia Sheinbaum alcançou a presidência – 60% dos votos – depois de governar a Capital, eleger sua sucessora, Clara Brugada, na Cidade do México, e estar alinhada ao projeto do presidente Lopez Obrador e seu partido, o MORENA.

Os aliados do bloco vencedor, Partido do Trabalho (PT) e Partido Verde (PV), junto com o MORENA apresentaram uma unidade programática, de campo social e de tradições de lutas populares, classistas e ambientalistas que caracterizavam com facilidade sua identidade. Isso era reforçado pela liderança de Lopez Obrador, por sua histórica luta social no México, desde o período de crise do antigo PRI que governou o país por mais de meio século e a formação do Partido da Revolução Democrática (PRD) (1989), do qual participou e foi candidato presidencial em 2006.

Derrotado, em eleição contestada por fraude, manteve-se ativo na construção e disputa partidária. Mais tarde, afastou-se do PRD por crítica a sua burocratização, eleitoralismo e o envolvimento partidário em processos de corrupção administrativa. Esse afastamento levou-o à formação do Movimento de Regeneração Nacional (MORENA) e a posterior eleição como prefeito da Capital.

Queremos ressaltar nesta análise o voto partidário, o voto no partido ou partidos de uma frente política. A identificação com a trajetória de origem do MORENA, os votos no PT e no PV têm um significado político mais consciente e duradouro, mais coerente do que o voto nominal predominante no Brasil.

Só para reforçar a memória, no Brasil, em 2018, Bolsonaro foi candidato e eleito pelo Partido Social Liberal (PSL), elegendo 52 deputados federais. Quatro anos depois, o partido não existia mais.

No México, a candidata derrotada foi Xochitl Galvez, representando a coligação: Partido de Ação Nacional (PAN), Partido Revolucionário Institucional (PRI) e Partido da Revolução Democrática (PRD). O dois primeiros, adversários históricos desde o Cardenismo dos anos 30 e o PRD, com todo o processo de institucionalização e perda de identidade política de suas origens. Apesar de histórias distintas e contraditórias essa coligação expressava o pensamento neoliberal predominante e alcançou em torno de 30% dos votos.

Comparando com a explosão partidária vivida no Brasil nas últimas décadas, o voto nominal no Legislativo, a esdrúxula figura da emenda parlamentar impositiva no orçamento público e a fraude da “janela” para a troca de partido em ano eleitoral sem perda de mandato, não é difícil compreender o resultado antidemocrático que vivemos no presidencialismo brasileiro. O eleitor vota num programa para governar e elege outro para legislar.

A professora Cláudia Scheinbaum foi eleita presidenta da República do México e terá maioria para governar graças a um sistema eleitoral melhor que o nosso. Mais coerente, mais racional, mais democrático.

Outra lição do pleito mexicano também pouco destacada pela mídia foi a garantia da paridade de gênero na composição do Legislativo. A legislação eleitoral já havia determinado um percentual crescente nas últimas eleições e que alcançou, nesta, a paridade.

As listas partidárias já compostas com igualdade de homens e mulheres garantem o resultado final da paridade de gênero no Legislativo.

Não é mais o exemplo de países europeus, vários países da América Latina já adotam sistemas semelhantes para garantir a paridade de gênero ou avançar nessa direção. No caso brasileiro, o atraso é histórico e agravado pelo voto nominal, principal estímulo à corrupção, ao clientelismo e à degeneração partidária. Mesmo com as medidas recentes de garantir recursos do Fundo Eleitoral para as candidaturas femininas, os percentuais de representação quase não se alteraram. Não alcançamos nem 20% de representação de mulheres nos legislativos dos entes federados.

Com o voto nominal, financiamento privado disfarçado, histórico patriarcalismo cultural e partidos transformados em balcões de negócios e charlatanismo político-religioso, o sistema eleitoral brasileiro continuará sendo pouco democrático.

Esperemos que a experiência mexicana sirva de exemplo para reacender a urgente luta por reforma eleitoral no Brasil e as mulheres, maiores vítimas hoje dessa desigualdade, tenham nisso papel relevante na defesa da paridade de gênero nos Legislativos. Precisamos combinar a luta unitária das mulheres de todos os partidos democráticos pelo voto em lista pré-ordenada com projeto de lei que tramite com rapidez e a mesmo unidade no Congresso.

 

¨      Lições que a eleição do México deixa para a esquerda brasileira. Por Beatriz Luna Buoso

A esquerda brasileira deve analisar as últimas eleições do México, caracterizadas por três importantes questões: a vitória do Morena (Movimento de Regeneração Nacional) e sua continuidade na presidência por meio da primeira mulher eleita no país, Claudia Sheinbaum; a consolidação da esquerda e a força de um partido bem organizado.

Recentemente tivemos uma importante vitória no México. Claudia Sheinbaum foi a primeira mulher eleita, consolidando a esquerda no país, seguida do governo de André Manuel López Obrador (AMLO), que deixa seu mandato com uma aprovação popular de 60%. Ambos presidentes fazem parte do jovem partido Morena, fundado e liderado por López Obrador em 2011. 

Logo nas primeiras eleições disputadas em 2015, o partido obteve sucesso considerável ao ganhar a prefeitura de várias cidades importantes e ocupando assentos na Câmara dos Deputados. Este desempenho estabeleceu o partido como uma força emergente na política mexicana, até então com hegemonia absoluta da direita em todos os espaços.

Em menos de uma década de fundação, em 2018, na eleição presidencial, acontece o grande marco histórico do Morena, que com uma margem de 53% dos votos elege López Obrador como presidente e também maioria no Congresso, consolidando seu poder político e a possibilidade de uma nova hegemonia política no México, depois de mais de 40 anos da direita no poder.

E nos últimos dias acompanhamos a segunda vitória eleitoral, que foi um acontecimento extremamente significativo por diversos fatores. Claudia Sheinbaum é a primeira mulher eleita como presidenta do México. Companheira de partido do seu antecessor, Sheinbaum possui uma trajetória política bastante popular e bem avaliada, acumulando vários cargos eletivos, inclusive como governadora da Cidade do México. Além de ganhar com uma vantagem de 58,4% contra 28,5% da opositora, ela assume a presidência com um forte apoio popular, já que AMLO sai da presidência com um mandato aprovado por mais da metade da população mexicana. Todos esses fatores marcam uma virada de chave no sentido da consolidação da esquerda no país.

É certo que cada processo eleitoral é diferente, dependendo da conjuntura, da história, da cultura democrática e da relevância geopolítica de cada país, mas de todos eles se podem extrair lições interessantes que, em sua justa medida, podem servir como aprendizado político. O triunfo do Morena no México sob liderança de López Obrador oferece várias lições importantes que podem ser aplicadas pela esquerda brasileira, ao tentar uma reeleição. Atrevo-me a expor alguns dos elementos que considero importantes e que devemos refletir.

O primeiro ponto, super comum em qualquer roda de conversa de militantes, é sobre o trabalho de base que a esquerda tem deixado de fazer. Uma marca importante do Motrena, que assim como o PT da fundação tinha como prioridade, é o diálogo e a politização do povo. Após muitos anos observando a direita mexicana engravatada falando com o povo, no palanque em hotéis de luxo, o Morena levou debates políticos para os espaços públicos, como parques e praças. O partido mexicano identificou que era fundamental transmitir conceitos, debater ideias, falar menos e ouvir mais os cidadãos. E mais importante: esse movimento foi feito independente do período de eleição. Politizar o povo foi uma estratégia fundamental para a consolidação da esquerda no México, e deve ser uma das prioridades de toda esquerda brasileira.

Outro ponto fundamental, é a democracia interna do Morena. A escolha dos candidatos, por exemplo, não cabe somente à direção do partido. Os candidatos apresentam seus currículos e suas propostas numa assembleia, e a escolha é realizada por voto universal, envolvendo milhões de filiados. Desta forma os filiados se sentem pertencentes de verdade ao partido, e importantes no processo, e os candidatos têm um prestígio, já que são escolhidos pela maioria do partido. Sheinbaum, por exemplo, concorreu com cinco homens nas internas do partido e foi escolhida pela militância para suceder López Obrador.

Além desse processo interno para decidir sobre os candidatos, Morena também faz uma extensa consulta pública, como fez recentemente para discutir a agenda 2024-2030, com os cidadãos mexicanos. A militância do partido, junto com o povo, se reúne em fóruns e reuniões até mesmo de bairro, para discutir projeto de nação.

Importante destacar também a voz que o partido deu para os setores que historicamente são excluídos e invisíveis na sociedade, como pessoas negras, mulheres, povos originários, população LGBTQIA+, para participarem da construção de um projeto de país. Não à toa, mesmo com a incessante violência de gênero no México, o governo conseguiu avançar em pautas importantíssimas, como por exemplo, a legalização do aborto.

AMLO e Morena também conseguiram um feito muito importante, que foi atrair jovens e novos eleitores. A esquerda brasileira também deve intensificar seus esforços para engajar a juventude, abordando temas relevantes e incluindo os jovens em suas estruturas de decisão.

Este conjunto de fatores permitiu ao Morena não somente vencer as eleições, mas também consolidar-se como uma força política capaz de liderar a transformação que o México necessita, assim como o Brasil. Politizando o povo, fazendo um trabalho de base forte, é possível sim radicalizar o discurso à esquerda. O povo politizado se envolve, caminha junto, e esse envolvimento na construção do projeto de nação é fundamental para ganhar a confiança e o apoio necessários. E claro, não deixemos de lado a democracia interna dos partidos progressistas brasileiros.

 

Fonte: Brasil de Fato/Brasil 247

 

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