Raul Pont:
Lições do México - que a experiência mexicana sirva de exemplo para o Brasil
As
recentes eleições mexicanas, para o Executivo e o Legislativo do país, não ganharam maior
destaque na mídia brasileira. O protocolar registro do fato, apontar números e
reconhecer a vitória da candidata do Presidente Lopez Obrador e da Frente
liderada por seu partido, o Movimento de Regeneração Nacional (MORENA) foi o
que predominou na imprensa brasileira.
Apesar
do Mercosul, do crescimento das relações econômicas, das tentativas de
consolidar instituições de integração política e cultural, continuamos
desconhecendo nossos vizinhos e suas experiências históricas. Principalmente
pela alienante e dirigida cobertura da grande mídia nacional especializada em
nos trazer escândalos, personalidades, catástrofes e pouquíssimos conhecimento
sobre o processo histórico e o comportamento de seus povos, de suas classes
sociais.
O
México faz parte da América Latina, viveu conosco o domínio colonial europeu e
como, dizem os mexicanos, viveu sempre “tão longe de Deus e tão perto dos
Estados Unidos”. Este, inclusive, invadiu grandes áreas de seu território ao
longo do século XIX, exerceu sempre forte influência sobre o vizinho e na era
da globalização fez do México um dos exemplos da indústria “maquiladora”.
Apesar
disso, hoje, se constitui na segunda economia da América Latina, uma população
de 130 milhões de habitantes e com períodos de crescimento baseado num
nacionalismo econômico com forte presença do Estado, em especial no petróleo, e
de caráter reformista frente aos Estados oligárquicos pós independência. Viveu
um profundo processo revolucionário no início do século XX de caráter popular e
camponês que garantiu mudanças significativas na estrutura fundiária do país. O
Cardenismo (governo de Lázaro Cárdenas) dos anos 30 assemelha-se, em muito, com
os períodos vividos com Vargas no Brasil e Perón na Argentina.
Nesses
países, esses períodos de crescimento econômico e forte urbanização ocasionaram
transformações políticas com a crescente participação popular na vida pública.
Os grandes centros urbanos, as universidades públicas, as empresas estatais e,
no caso mexicano, a forte presença física e cultural dos povos originários,
colocaram estes países numa vanguarda de experiências políticas na América
Latina.
Nestas
eleições, agora, as lições da experiência mexicana são importantes e
necessárias de serem observadas pois revelam como os sistemas eleitorais podem
ter um peso importante nos processos democráticos. Mostram, claramente, que o
sistema eleitoral necessita partidos fortes que sejam identificados por seu
programa, por suas práticas de governo por sua história e representação social,
sem o que os processos eleitorais transformam-se em mera contagem de votos,
apuram-se os vencedores, e “borrão e conta nova”.
O
sistema eleitoral mexicano assenta-se no voto partidário, no voto de legenda e
coligação partidária. Claudia Sheinbaum alcançou a presidência – 60% dos votos
– depois de governar a Capital, eleger sua sucessora, Clara Brugada, na Cidade
do México, e estar alinhada ao projeto do presidente Lopez Obrador e seu
partido, o MORENA.
Os
aliados do bloco vencedor, Partido do Trabalho (PT) e Partido Verde (PV), junto
com o MORENA apresentaram uma unidade programática, de campo social e de
tradições de lutas populares, classistas e ambientalistas que caracterizavam
com facilidade sua identidade. Isso era reforçado pela liderança de Lopez
Obrador, por sua histórica luta social no México, desde o período de crise do
antigo PRI que governou o país por mais de meio século e a formação do Partido
da Revolução Democrática (PRD) (1989), do qual participou e foi candidato
presidencial em 2006.
Derrotado,
em eleição contestada por fraude, manteve-se ativo na construção e disputa
partidária. Mais tarde, afastou-se do PRD por crítica a sua burocratização,
eleitoralismo e o envolvimento partidário em processos de corrupção
administrativa. Esse afastamento levou-o à formação do Movimento de Regeneração
Nacional (MORENA) e a posterior eleição como prefeito da Capital.
Queremos
ressaltar nesta análise o voto partidário, o voto no partido ou partidos de uma
frente política. A identificação com a trajetória de origem do MORENA, os votos
no PT e no PV têm um significado político mais consciente e duradouro, mais
coerente do que o voto nominal predominante no Brasil.
Só
para reforçar a memória, no Brasil, em 2018, Bolsonaro foi candidato e eleito
pelo Partido Social Liberal (PSL), elegendo 52 deputados federais. Quatro anos
depois, o partido não existia mais.
No
México, a candidata derrotada foi Xochitl Galvez, representando a coligação:
Partido de Ação Nacional (PAN), Partido Revolucionário Institucional (PRI) e
Partido da Revolução Democrática (PRD). O dois primeiros, adversários
históricos desde o Cardenismo dos anos 30 e o PRD, com todo o processo de
institucionalização e perda de identidade política de suas origens. Apesar de
histórias distintas e contraditórias essa coligação expressava o pensamento
neoliberal predominante e alcançou em torno de 30% dos votos.
Comparando
com a explosão partidária vivida no Brasil nas últimas décadas, o voto nominal
no Legislativo, a esdrúxula figura da emenda parlamentar impositiva no
orçamento público e a fraude da “janela” para a troca de partido em ano
eleitoral sem perda de mandato, não é difícil compreender o resultado
antidemocrático que vivemos no presidencialismo brasileiro. O eleitor vota num
programa para governar e elege outro para legislar.
A
professora Cláudia Scheinbaum foi eleita presidenta da República do México e
terá maioria para governar graças a um sistema eleitoral melhor que o nosso.
Mais coerente, mais racional, mais democrático.
Outra
lição do pleito mexicano também pouco destacada pela mídia foi a garantia da
paridade de gênero na composição do Legislativo. A legislação eleitoral já
havia determinado um percentual crescente nas últimas eleições e que alcançou,
nesta, a paridade.
As
listas partidárias já compostas com igualdade de homens e mulheres garantem o
resultado final da paridade de gênero no Legislativo.
Não
é mais o exemplo de países europeus, vários países da América Latina já adotam
sistemas semelhantes para garantir a paridade de gênero ou avançar nessa
direção. No caso brasileiro, o atraso é histórico e agravado pelo voto nominal,
principal estímulo à corrupção, ao clientelismo e à degeneração partidária. Mesmo
com as medidas recentes de garantir recursos do Fundo Eleitoral para as
candidaturas femininas, os percentuais de representação quase não se alteraram.
Não alcançamos nem 20% de representação de mulheres nos legislativos dos entes
federados.
Com
o voto nominal, financiamento privado disfarçado, histórico patriarcalismo
cultural e partidos transformados em balcões de negócios e charlatanismo
político-religioso, o sistema eleitoral brasileiro continuará sendo pouco
democrático.
Esperemos
que a experiência mexicana sirva de exemplo para reacender a urgente luta por
reforma eleitoral no Brasil e as mulheres, maiores vítimas hoje dessa
desigualdade, tenham nisso papel relevante na defesa da paridade de gênero nos
Legislativos. Precisamos combinar a luta unitária das mulheres de todos os
partidos democráticos pelo voto em lista pré-ordenada com projeto de lei que
tramite com rapidez e a mesmo unidade no Congresso.
¨
Lições que a eleição
do México deixa para a esquerda brasileira. Por Beatriz Luna Buoso
A
esquerda brasileira deve analisar as últimas eleições do México, caracterizadas
por três importantes questões: a vitória do Morena (Movimento de Regeneração
Nacional) e sua continuidade na presidência por meio da primeira mulher eleita
no país, Claudia Sheinbaum; a consolidação da esquerda e a força de um partido
bem organizado.
Recentemente
tivemos uma importante vitória no México. Claudia Sheinbaum foi a primeira
mulher eleita, consolidando a esquerda no país, seguida do governo de André
Manuel López Obrador (AMLO), que deixa seu mandato com uma aprovação popular de
60%. Ambos presidentes fazem parte do jovem partido Morena, fundado e liderado
por López Obrador em 2011.
Logo
nas primeiras eleições disputadas em 2015, o partido obteve sucesso
considerável ao ganhar a prefeitura de várias cidades importantes e ocupando
assentos na Câmara dos Deputados. Este desempenho estabeleceu o partido como
uma força emergente na política mexicana, até então com hegemonia absoluta da
direita em todos os espaços.
Em
menos de uma década de fundação, em 2018, na eleição presidencial, acontece o
grande marco histórico do Morena, que com uma margem de 53% dos votos elege
López Obrador como presidente e também maioria no Congresso, consolidando seu
poder político e a possibilidade de uma nova hegemonia política no México,
depois de mais de 40 anos da direita no poder.
E
nos últimos dias acompanhamos a segunda vitória eleitoral, que foi um
acontecimento extremamente significativo por diversos fatores. Claudia
Sheinbaum é a primeira mulher eleita como presidenta do México. Companheira de
partido do seu antecessor, Sheinbaum possui uma trajetória política bastante
popular e bem avaliada, acumulando vários cargos eletivos, inclusive como
governadora da Cidade do México. Além de ganhar com uma vantagem de 58,4%
contra 28,5% da opositora, ela assume a presidência com um forte apoio popular,
já que AMLO sai da presidência com um mandato aprovado por mais da metade da
população mexicana. Todos esses fatores marcam uma virada de chave no sentido
da consolidação da esquerda no país.
É
certo que cada processo eleitoral é diferente, dependendo da conjuntura, da
história, da cultura democrática e da relevância geopolítica de cada país, mas
de todos eles se podem extrair lições interessantes que, em sua justa medida,
podem servir como aprendizado político. O triunfo do Morena no México sob
liderança de López Obrador oferece várias lições importantes que podem ser
aplicadas pela esquerda brasileira, ao tentar uma reeleição. Atrevo-me a expor
alguns dos elementos que considero importantes e que devemos refletir.
O
primeiro ponto, super comum em qualquer roda de conversa de militantes, é sobre
o trabalho de base que a esquerda tem deixado de fazer. Uma marca importante do
Motrena, que assim como o PT da fundação tinha como prioridade, é o diálogo e a
politização do povo. Após muitos anos observando a direita mexicana engravatada
falando com o povo, no palanque em hotéis de luxo, o Morena levou debates
políticos para os espaços públicos, como parques e praças. O partido mexicano
identificou que era fundamental transmitir conceitos, debater ideias, falar
menos e ouvir mais os cidadãos. E mais importante: esse movimento foi feito
independente do período de eleição. Politizar o povo foi uma estratégia
fundamental para a consolidação da esquerda no México, e deve ser uma das
prioridades de toda esquerda brasileira.
Outro
ponto fundamental, é a democracia interna do Morena. A escolha dos candidatos,
por exemplo, não cabe somente à direção do partido. Os candidatos apresentam
seus currículos e suas propostas numa assembleia, e a escolha é realizada por
voto universal, envolvendo milhões de filiados. Desta forma os filiados se
sentem pertencentes de verdade ao partido, e importantes no processo, e os
candidatos têm um prestígio, já que são escolhidos pela maioria do partido.
Sheinbaum, por exemplo, concorreu com cinco homens nas internas do partido e
foi escolhida pela militância para suceder López Obrador.
Além
desse processo interno para decidir sobre os candidatos, Morena também faz uma
extensa consulta pública, como fez recentemente para discutir a agenda
2024-2030, com os cidadãos mexicanos. A militância do partido, junto com o
povo, se reúne em fóruns e reuniões até mesmo de bairro, para discutir projeto
de nação.
Importante
destacar também a voz que o partido deu para os setores que historicamente são
excluídos e invisíveis na sociedade, como pessoas negras, mulheres, povos
originários, população LGBTQIA+, para participarem da construção de um projeto
de país. Não à toa, mesmo com a incessante violência de gênero no México, o
governo conseguiu avançar em pautas importantíssimas, como por exemplo, a
legalização do aborto.
AMLO
e Morena também conseguiram um feito muito importante, que foi atrair jovens e
novos eleitores. A esquerda brasileira também deve intensificar seus esforços
para engajar a juventude, abordando temas relevantes e incluindo os jovens em
suas estruturas de decisão.
Este
conjunto de fatores permitiu ao Morena não somente vencer as eleições, mas
também consolidar-se como uma força política capaz de liderar a transformação
que o México necessita, assim como o Brasil. Politizando o povo, fazendo um
trabalho de base forte, é possível sim radicalizar o discurso à esquerda. O
povo politizado se envolve, caminha junto, e esse envolvimento na construção do
projeto de nação é fundamental para ganhar a confiança e o apoio necessários. E
claro, não deixemos de lado a democracia interna dos partidos progressistas
brasileiros.
Fonte:
Brasil de Fato/Brasil 247
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