quinta-feira, 20 de junho de 2024

O relato emocionante de ex-refém do Hamas: 'Não acredito mais na paz'

Uma ativista pela paz israelense que foi levada da sua casa no dia 7 de outubro e mantida refém durante 53 dias em Gaza, disse à BBC que a provação pela qual passou destruiu sua crença de que é possível alcançar a paz entre palestinos e israelenses.

Em sua primeira entrevista no Reino Unido desde que foi libertada em novembro, Ada Sagi, de 75 anos, conversou com a jornalista Emma Barnett, do programa de rádio Today, da BBC.

Ela contou como foi mantida num apartamento sendo vigiada por pessoas pagas para isso, que o Hamas a manteve em um hospital antes da sua libertação — e que ela agora acredita que "o mundo odeia os judeus".

"Não acredito mais na paz, lamento", disse a professora de árabe e hebraico. "Eu entendo que o Hamas não quer isso."

Sagi viveu durante décadas no kibutz Nir Oz, perto da fronteira entre Israel e Gaza, tentando ajudar nos esforços de reconciliação. Ela ensinava árabe aos israelenses para que pudessem se comunicar com os vizinhos.

No outono de 2023, ela planejava ir a Londres para visitar o filho Noam e comemorar seu aniversário.

Mas os planos mudaram quando o Hamas atacou o sul de Israel, matando 1,2 mil pessoas e levando 251 reféns para Gaza — entre eles, Sagi.

A ativista, que completou 75 anos enquanto era mantida refém por aqueles que ela descreve como "terroristas do Hamas", foi finalmente libertada 53 dias depois.

Demorou seis meses para ela se sentir preparada para falar com a imprensa britânica sobre sua experiência — e dar sua opinião sobre aqueles que tiraram sua liberdade, sua casa e sua crença na paz.

Ela está ciente dos 116 reféns deixados para trás, 41 dos quais são dados como mortos por Israel. E faz um apelo ao governo israelense para aprovar um novo cessar-fogo em Gaza, e chegar a um acordo para libertação de reféns com o Hamas.

"Israel tem que fazer o acordo... trazer de volta para casa todos esses reféns que estão vivos e também mortos", diz ela.

Sagi conta que, quando foi levada para Gaza, ela e alguns outros reféns foram mantidos inicialmente na casa de uma família com crianças, mas no dia seguinte foram levados para um apartamento na cidade de Khan Younis, no sul, porque era "perigoso".

O proprietário do apartamento, lembra Sagi, disse a eles que sua esposa e filhos estavam na casa dos sogros. O homem, acrescentou ela, era enfermeiro.

Ela disse que estudantes estavam sendo pagos para vigiá-los. "Eu os ouvi dizer... 70 shekels [US$ 18,83, R$ 102] por dia."

"É muito dinheiro em Gaza porque não há trabalho. E se você tem um trabalho fora do Hamas, não passa de 20 shekels por dia", afirma.

Sagi estava entre os 105 reféns liberados em novembro em troca de um cessar-fogo de uma semana e da libertação de cerca de 240 prisioneiros palestinos de prisões israelenses.

Ela descreveu a terrível incerteza que antecedeu sua libertação no quinto dia do acordo, junto a outros nove israelenses e dois tailandeses.

"A cada batida na porta, você pensa que é alguém que vem te levar", relata.

Quando os reféns souberam que havia um acordo, e que as mulheres mais velhas seriam libertadas, ela disse que uma das mulheres que acabou sendo libertada com ela ficou "aterrorizada" por poder ser jovem demais para ser incluída na lista.

"Mas a nossa vigia disse: 'Não. Vocês vieram juntas, vocês vão juntas'", ela explicou.

No 49° dia, uma sexta-feira, Sagi conta que disseram a eles:

"Vocês vão para casa."

Mas ela não acreditou.

"Na hora do almoço, nos deram comida... nos levaram de carro até Khan Younis, e seguimos até a fronteira de Rafah [na fronteira com o Egito]."

Mas algo havia dado errado, e eles tiveram que voltar para Khan Younis.

"Fomos informados que eles estavam libertando mulheres com filhos, [e você sente] toda aquela felicidade por estar sendo libertada, e [então] algo dá errado", recorda.

Quando chegaram à cidade, diz Sagi, eles foram levados para um hospital — que ela acredita ser o principal hospital no sul de Gaza, o Nasser. E disseram a eles: "Vocês vão ficar aqui."

"As pessoas dizem que não estão envolvidas. Elas estão envolvidas... e recebendo dinheiro por cada um de nós", pontua.

O relato de vários outros reféns libertados indicam que 10 reféns no total ficaram no hospital Nasser, um deles permanece em cativeiro.

Quando solicitado pela BBC a comentar as alegações de Sagi, o diretor do hospital, Atef al-Hoot, negou que qualquer refém tenha sido mantido lá, e disse que fornecia apenas serviços humanitários.

Os militares israelenses afirmaram anteriormente que suas tropas detiveram "cerca de 200 terroristas que estavam no hospital" durante uma operação na unidade em fevereiro, e que encontraram munições, assim como medicamentos não utilizados destinados aos reféns israelenses.

O Hamas negou as alegações israelenses de que seus combatentes têm operado dentro do Nasser e de outros hospitais em Gaza.

Sagi contou que ela e os outros moradores do kibutz Nir Oz que sobreviveram aos ataques de 7 de outubro estavam vivendo agora em apartamentos na cidade de Kiryat Gat.

Ela está escrevendo um livro e trabalhando com crianças com transtorno de déficit de atenção com hiperatividade (TDAH). "Me faz sentir bem poder ajudar outras pessoas", afirma.

Ela também deseja continuar falando sobre sua provação, apesar das fortes emoções que isso suscita.

"Perdi minha casa. Perdi minha liberdade — o lugar para onde voltar. Nossa comunidade — o kibutz — está destruída", diz ela.

"Chorei muito. Não sou uma 'mulher de ferro', como todo mundo diz. Às vezes, você chora, e isso é bom. Minha mãe dizia: 'Chorar clareia a visão'."

 

¨      O 'inquietante' pacto de proteção mútua entre Rússia e Coreia do Norte

visita do presidente da Rússia, Vladimir Putin, à Coreia do Norte tem sido acompanhada com atenção pelo mundo.

E a aproximação cada vez mais evidente entre o líder norte-coreano, Kim Jong-un, e o colega russo tem colocado o Ocidente em alerta.

Agora, a aliança entre os dois países deu um passo adiante com a assinatura de um acordo entre Kim e Putin que inclui uma "assistência mútua em caso de agressão contra uma das partes", segundo explicou o mandatário russo, citado pelos meios de comunicação estatais de Moscou.

Os líderes estiveram reunidos durante duas horas na quarta-feira (19/6), em Pyongyang, capital norte-coreana.

Kim Jong-un classificou a Rússia como o "amigo e aliado mais honesto" e se referiu a Putin como "o amigo mais querido do povo coreano", de acordo com um comunicado da agência estatal russa RIA.

Já Putin teria dito, segundo as agências russas, que a Coreia do Norte tem direito a se defender e que ambos os país podem cooperar militarmente, ainda que o acordo seja "de natureza defensiva e pacífica".

Em declaração aos jornalistas em Pyongyang, Kim advertiu que seu país responderá "sem hesitar" aos "incidentes ou guerras" que Coreia do Norte ou Rússia enfrentarem, após a assinatura do chamado Acordo Integral de Parceria Estratégica.

"Não haverá diferenças na interpretação, nem vacilações ou indecisão no cumprimento do dever de responder em um esforço conjunto a diversos incidentes ou guerras que já enfrentam nossos países, ou que enfrentarão no futuro", disse o líder norte-coreano.

Kim também declarou que a relação entre a Coreia do Norte e a Rússia agora se eleva a um "novo nível de aliança" e que o tratado acelerará a criação de um "mundo multipolar" onde nenhum país dominante possa exercer um poder hegemônico.

O acordo levantou questões entre os especialistas.

Muitos se perguntam o que realmente significa a assinatura e como isso pode influenciar em questões relevantes como a guerra na Ucrânia.

·        Um compromisso vago

Para o correspondente de diplomacia da BBC, Paul Adams, apesar de os dois líderes descreverem o acordo em termos "audaciosos", é "difícil avaliar o que ele significa na prática, até que um texto formal seja anunciado".

Kim o chama de "o tratado mais forte jamais criado", e Putin de "documento revolucionário".

"Para Putin, tudo está relacionado com a guerra na Ucrânia. Ele precisa conseguir todos os projéteis de artilharia e foguetes que puder", analisa Adams.

Segundo estimativas da Coreia do Sul, a Rússia já recebeu 10 mil contêineres de munições de Pyongyang.

Já Kim, escreve Adams, "tem suas próprias necessidades, evidenciadas pelo recente fracasso de seu país em colocar um satélite espião em órbita. Apesar das sanções, a Rússia ainda pode reunir o tipo de experiência técnica que o líder norte-coreano deseja."

O que ele realmente conseguirá?

Em suas declarações, o líder russo disse que "não exclui o desenvolvimento de uma cooperação técnico-militar com a Coreia do Norte".

"Isso soa como um compromisso", diz o analista. "Os dois países estão claramente estreitando seus laços, para consternação do mundo ocidental. A China também pode ter suas preocupações."

Mas o que os dois países querem dizer com “assistência mútua em caso de agressão contra uma das partes deste acordo”?

"Talvez os dois líderes prefiram que isso continue sendo inquietante e ambíguo", avalia Adams.

Na avaliação Laura Bicker, correspondente da BBC na China, o acordo, apesar de ambíguo, pode ter reflexo nos países vizinhos à Coreia do Norte.

"A Coreia do Sul pode mudar de ideia sobre fornecer armas para a Ucrânia. Isso também pode aproximar os sul-coreanos do Japão. Os dois rivais históricos já deixaram de lado algumas de suas diferenças nos últimos dois anos para assinar um acordo trilateral com os EUA, na esperança de combater uma Coreia do Norte provocativa e a crescente influência da China", escreve Bicker.

Para Bicker, é improvável que Pequim demonstre qualquer desaprovação em público, mas a "China pode querer se distanciar deste acordo".

·        Apoio de Kim Jong-un à invasão russa na Ucrânia

Durante a visita de Putin à Corea do Norte - a primera oficial ao país asiático em 24 anos -, Kim Jong-un assegurou que apoia "plenamente" a invasão russa à Ucrânia.

Isso é especialmente relevante para o líder russo, que, desde o início da guerra, se tornou um pária para o Ocidente e tem buscado aliados em outros lugares.

Na visita, Putin revelou que a Coreia do Norte tem abrigado filhos de soldados russos mortos na Ucrânia no acampamento de verão Songdowon, na costa do Pacífico do país.

Em um comunicado, a agência de desinformação da Ucrânia disse que "a visita mostra que Putin está procurando qualquer oportunidade para continuar a guerra, apesar de afirmar que está pronto para a paz".

Já o ministro das Relações Exteriores ucraniano, Dmytro Kuleba, afirmou anteriormente em uma entrevista à BBC que este encontro é prova de que nem a Ucrânia nem a Rússia podem travar esta guerra sozinhas.

Estados Unidos e Coreia do Sul têm acusado a Coreia do Norte de fornecer à Rússia artilharia e outros equipamentos, provavelmente em troca de alimentos e ajuda militar.

Ambos os países negam a existência de um acordo de armas, mas em 2023 prometeram fortalecer seus vínculos militares.

Quase dois anos e meio após a invasão da Ucrânia, não há dúvida de que a interdependência entre a Coreia do Norte e a Rússia continua se fortalecendo, já que fornecem suprimentos mutuamente.

·        Recepção pomposa

Putin foi recebido na Coreia do Norte com um desfile impressionante .

No aeroporto, havia tapetes vermelhos, rosas vermelhas e a guarda de honra posicionada na pista, enquanto os dois líderes sorriam e se abraçavam.

A praça Kim Il-Sung, em Pyongyang, estava repleta de pessoas, balões coloridos, flores e coreografias.

Enormes cartazes com fotos dos dois líderes enfeitavam os prédios durante a cerimônia de boas-vindas.

"Esta luxuosa recepção ocorre em um momento em que a Coreia do Norte, fortemente sancionada, tem sofrido com a escassez de alimentos, combustível e energia, com uma economia esgotada que piorou muito devido à pandemia de covid-19", observa a jornalista da BBC Shaimaa Khalil, de Seul, na Coreia do Sul.

Apesar da situação econômica, Pyongyang parece não ter poupado recursos para esta visita, com a esperança, é claro, de que produza resultados, indica Khalil.

Putin presenteou Kim com um luxuoso automóvel russo Aurus, uma adaga e um jogo de chá, informaram os meios de comunicação estatais russos, citando o assistente presidencial Yuri Ushakov.

Os dois também assistiram a um concerto de gala

Após a visita à Coreia do Norte, Putin partiu em direção ao Vietnã, país aliado de longa data da Rússia.

 

Fonte: BBC News Mundo

 

Nenhum comentário: