Como
guerrilheiros colombianos estão usando TikTok para recrutar crianças
Grupos
dissidentes das Farc, grupo guerrilheiro colombiano, estão postando vídeos no
TikTok para atrair jovens.
A
BBC investigou o aumento no número de vídeos de “recrutamento” postados na
plataforma, que acontece na ausência de um acordo de paz entre o governo e as
facções dissidentes.
“Um
ou dois dão início à trend e ela se torna moda na sala de aula”, diz Lorena
(nome fictício), uma professora de 30 anos da região rural de Cauca, no sul da
Colômbia.
Ela
conta que, ao entrar em sala, é frequentemente recebida por alunos se filmando
com smartphones, desenhando no quadro-negro símbolos inspirados no agora
desmobilizado grupo guerrilheiro Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia
(Farc) ou dançando ao som de músicas revolucionárias.
Lorena,
que pediu para permanecer anônima por razões de segurança, diz que esse tipo de
comportamento pró-guerrilha tem se tornado cada vez mais comum.
“Costumava
ser mais secreto… Tornou-se completamente normalizado”, disse numa entrevista à
BBC por Zoom.
“Infelizmente
basta um ou dois (alunos) começarem a ver os vídeos (no Tiktok) em sala de aula
e vira moda.”
E
conta que esses estudantes muitas vezes desaparecem em seguida, e, quando os vê
novamente, estão em vídeos do TikTok – armados e vestindo uniforme de
guerrilha.
Em
Cauca, crianças e adultos cresceram com as Farc, que têm uma forte presença na
região desde a criação do grupo armado de esquerda, em 1964.
O
grupo, que no seu auge chegou a ter mais de 20.000 integrantes, desmobilizou-se
oficialmente e assinou um acordo de paz com o governo em 2016.
Mas
há facções dissidentes que ainda não dispensaram as armas. E algumas das mais
fortes encontram-se ativas em Cauca.
Essas
facções das Farc uniram forças sob a égide do que foi apelidado de Estado Mayor
Central (EMC).
Autoridades
acreditam que o EMC tenha mais de 3.000 membros.
Tentativas
de negociação do atual governo de esquerda do Presidente Gustavo Petro com a
maioria das facções da EMC não tiveram sucesso.
Elas
continuam a operar, acredita-se que financiadas pelo tráfico de drogas,
mantendo o controle dos territórios rurais e, segundo as autoridades, continuam
a aumentar seu contingente.
O
recrutamento de crianças por grupos guerrilheiros é um problema de décadas na
Colômbia, mas com as redes sociais na equação, a questão tornou-se mais difícil
de combater, disseram especialistas e autoridades à BBC.
Segundo
o delegado do Sistema de Alerta Precoce da Defensoria Pública da Colômbia,
Ricardo Arias Macías, pelo menos 184 jovens foram recrutados por grupos
guerrilheiros em 2023. E este ano, até junho, 159 já haviam se alistado – todas
menores de 18 anos, sendo 124 delas crianças de Cauca.
“Esses
são apenas os casos relatados, a maioria deles nem sequer é relatada”, disse
ele.
Lorena,
que há nove anos trabalha como professora em comunidades pobres e remotas, diz
que no último ano pelo menos 15 alunos de sua escola saíram para se juntar à
guerrilha.
“Você
sente tanta dor, decepção… tanta impotência”, disse, com o olhar baixo.
Segundo
Lorena, foi depois da pandemia de Covid que o uso das redes sociais pelos
guerrilheiros, principalmente o TikTok, “explodiu”.
Agora,
disse, a maioria dos alunos tem telefones com acesso à internet. “Eles estão
sempre neles. Não conseguimos controlar”, diz ela.
Durante
um período de quatro semanas, a BBC identificou mais de 50 contas no TikTok em
que guerrilheiros colombianos exibiam estilos de vida chamativos e incentivavam
outros a se somarem.
Os
perigos de aderir a um grupo armado, no entanto, não são destacados.
Muitas
das postagens feitas por combatentes das facções da EMC continham linguagem
direta de recrutamento, incentivando os espectadores a ingressar em uma facção
ou outra e, repetidamente, os usuários perguntavam nos comentários como
ingressar.
Músicas
que exaltam os líderes do passado e a vida de guerrilha compõem a trilha sonora
dos vídeos, nos quais rapazes e moças posam junto a armas ou a plantações de
coca, com os rostos à mostra.
Embora
alguns relatos sejam explícitos, revelando o nome da facção, muitos aludem às
Farc usando um emoji de samurai com uma bandeira colombiana.
Em
abril, o ministro da Defesa da Colômbia, Iván Velásquez, alertou sobre os
perigos desse tipo de vídeo no TikTok.
“São
ações de recrutamento que estão sendo feitas para atrair crianças, menores, em
várias regiões do país”, disse.
Segundo
Santiago Rodríguez, jornalista que trabalha para o site investigativo
colombiano La Silla Vacia, há muito tempo o EMC conta com canais oficiais de
redes sociais para compartilhar declarações, incluindo um grupo de WhatsApp com
jornalistas e uma conta no Facebook.
Mas,
mais recentemente, o conteúdo migrou para o TikTok – e atingiu um público mais
jovem.
De
acordo com Sergio Saffon, especialista colombiano da organização de imprensa
investigativa InSight Crime, esses vídeos de combatentes da EMC abordam
crianças de comunidades pobres, às quais, segundo ele, são vendidas “uma ótima
vida onde você pode ter tudo o que quiser. Dinheiro, mulheres, motos".
Muitas
das contas de TikTok encontradas pela BBC postando esse tipo de conteúdo
acabaram banidas pela plataforma. Mas novos conteúdos surgem constantemente.
O
TikTok não respondeu a um pedido de comentário da BBC, mas as diretrizes da
comunidade da plataforma dizem que “moderar milhões de conteúdos todos os dias
é um esforço complexo, e desenvolver um processo confiável para fazer isso é
fundamental”.
Combater
o uso das redes sociais pela guerrilha também não é tarefa fácil para as
autoridades colombianas.
A
Defensoria Pública da Colômbia designou uma equipe para tratar especificamente
da questão, mas o trabalho está apenas no começo, disse Arias.
Até
o próprio EMC está tentando impedir que seus membros se exibam no TikTok,
segundo Sebastián Martínez, membro de uma das facções do EMC em Cauca, que
oficialmente faz parte da agora paralisada comissão de diálogo do grupo.
“Não
há campanha de propaganda das Farc para recrutar pessoas através das redes
sociais”, disse ele à BBC numa entrevista via Zoom.
“Há
casos particulares que às vezes fogem das nossas mãos… Isso pode trazer riscos
à segurança, e estamos tentando controlar isso”, disse ele.
Martínez
admitiu que o financiamento do EMC provém de negócios ilegais, como impostos
sobre os produtores de coca, papoula e maconha, mas afirmou que agora eles
também se aventuram em culturas agrícolas legais.
E
reconheceu também que o grupo estava recrutando crianças a partir dos 15 anos
de idade, o que as autoridades colombianas consideram um recrutamento forçado
devido à falta de capacidade de discernimento nessa idade.
Enquanto
isso, Lorena continua lutando para salvar seus alunos dos perigos da vida de
guerrilha.
Ela
e um grupo de outros professores criaram uma rede escolar para monitorar contas
de redes sociais e estabeleceram um chat de emergência para que os alunos
possam entrar em contato quando se sentirem em risco.
“Não
podemos dar tudo a eles. Lutamos com unhas e dentes e tentamos ignorar nossos
medos. Mas quando você vê uma mudança de vida, quando eles voltam e dizem que
terminaram a faculdade ou abriram um negócio, é isso que te faz continuar
lutando”.
Fonte:
Rachelle Krygier e Laura García, da BBC Monitoring e BBC Mundo
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