segunda-feira, 24 de junho de 2024

BRASIL PARALELO JÁ GASTOU MEIO MILHÃO DE REAIS EM ANÚNCIOS CONTRA ABORTO

“O SEU APOIO À BRASIL PARALELO pode impedir o aborto e salvar vidas”. Essa é uma das frases dos mais de 5 mil anúncios feitos pela produtora de extrema direita sobre o tema nas redes sociais desde agosto de 2020.

Um levantamento do Intercept Brasil com base nos dados da Biblioteca de Anúncios da Meta indica que a Brasil Paralelo tem investido significativamente em campanhas antiaborto nas redes sociais nos últimos anos.

Os dados revelam que, desde agosto de 2020, a empresa desembolsou no mínimo R$ 560,6 mil em mais de 5 mil anúncios mencionando a palavra aborto nas redes sociais.

Como alguns desses anúncios seguem ativos e a Meta fornece apenas uma faixa de valores, o gasto real pode ser ainda maior. Se somados os valores máximos de cada anúncio, divulgados pela própria big tech, esse valor pode chegar a R$ 1,131 milhão.

O ano de 2023 marcou o pico de investimento da produtora no tema, com um gasto total de R$ 389.100 em campanhas antiaborto, sendo que somente em outubro de 2023 foram gastos mais de R$ 200 mil.

Na época, o tema estava quente: no mês anterior, em 22 de setembro, a ex-ministra Rosa Weber havia pautado o tema no STF. Votou pela descriminalização do aborto nas primeiras 12 semanas de gestação.

Os anúncios mais caros sobre o tema feitos pela produtora custaram R$ 10 mil cada, valor que foi gasto pelo menos seis vezes, todos eles no segundo semestre de 2023. Cinco dos anúncios com maior valor foram direcionados a pessoas com mais de 55 anos.

As propagandas antiaborto da produtora apresentam estratégias complexas de segmentação de público e de narrativas. A maioria dos anúncios utiliza linguagem emocional e imagens impactantes para engajar o público.

Frases como “Ficar em silêncio não é uma opção” são recorrentes, apontando que, apesar de se posicionar como uma produtora de conteúdo, a intenção do grupo é mobilizar e engajar os espectadores em torno da causa.

•           Narrativa da Brasil Paralelo sobre aborto é a mesma do PL do Estupro

A linha abordada na máquina de propaganda da Brasil Paralelo alimentou muitas das teorias que circularam em apoio ao Projeto de Lei do Estupro, o PL 1904/24, que pretende equiparar o aborto após a 22ª semana de gestação ao homícídio.

Nesta semana, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, do PP, anunciou a criação de uma comissão para debater a proposta. Segundo ele, o grupo contará com representantes de todos os partidos e o debate será retomado no segundo semestre, após o recesso parlamentar.

A proposta de lei tem sido alvo de intensas críticas, tanto pelo seu conteúdo quanto pelo processo de tramitação. O projeto não só equipara o aborto ao homicídio, mas também impõe uma pena maior à mulher que realiza o procedimento em comparação à do estuprador. As críticas culminaram em manifestações de coletivos feministas nas principais cidades do Brasil, protestando contra o projeto que representa um retrocesso significativo na legislação sobre o aborto legal.

Lira, em resposta às críticas, assegurou que o texto a ser aprovado na Câmara não trará retrocessos ou danos aos direitos das mulheres. “Quero reafirmar que nada nesse projeto retroagirá nos direitos já garantidos e nada irá avançar para trazer qualquer dano às mulheres”, afirmou.

Neste mês, a Brasil Paralelo defendeu abertamente o PL 1904/24. Nas redes sociais, a produtora fez posts afirmando que “a vida começa na concepção”, e diz que uma “campanha de desinformação” visa deturpar o projeto que “salva vidas”. Não foram veiculados anúncios específicos sobre o projeto – por enquanto. A máquina segue rodando.

•           Brasil Paralelo pagou R$ 25 milhões em quatro anos ao Facebook e Instagram

Os gastos da Brasil Paralelo não se restringem apenas a anúncios sobre aborto. Desde 4 de agosto de 2020 até 16 de junho de 2024, o valor total gasto em anúncios na plataforma da Meta chega a R$24.745.039.

Em seus termos de uso, a Meta diz que proíbe anúncios com desinformação, conteúdo chocante, sensacionalista, e situações de crise, temas sociais ou políticos controversos. Os anúncios de aborto da Brasil Paralelo praticamente gabaritam as restrições, mas a Meta parece não se importar muito com isso.

Os anúncios abrangem uma variedade de temas, refletindo a agenda ultraconservadora da produtora. Vários deles também se referem a temas ligados às questões de gênero, como homofobia, transfobia e violência doméstica.

A produtora tem em seu catálogo um documentário que traz a versão do agressor da ativista Maria da Penha – que dá nome à principal lei brasileira criada para coibir atos de violência doméstica. O documentário foi apontado como a causa de uma série de ataques e ameaças contra Penha, que precisou ser incluída no Programa de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos do governo do Ceará, no início de junho.

 

•           Guerra ao aborto: Cobrando a juros

As forças progressistas foram às ruas e tiraram o governo das cordas.

<><> Não há mal que nunca acabe

Quem imaginaria que mobilizações a favor do aborto legal derrotariam a direita no Congresso e bagunçariam o jogo viciado de Arthur Lira? O movimento de oposição ao PL do Estupro, liderado pelas mulheres, não só ganhou a sociedade, mas também mostrou que não é proibido enfrentar e discordar dos chamados “temas morais”, como aliás é possível vencê-los.

O fato pegou todos de surpresa e deu alento ao governo e à esquerda, que descobriram que a sociedade não está inerte e imune a disputas.

A prepotência e o erro de cálculo da extrema-direita pode ter respingado inclusive na bancada evangélica, facilitando a substituição da linha dura por uma liderança de “perfil mais light”.

Mas quem teve mesmo que administrar a derrota foi Arthur Lira, que adiou a votação do PL para o segundo semestre, uma saída honrosa para não admitir uma derrota acachapante.

O problema é que o estrago já estava feito e abalou os rumos do processo de sucessão à presidência da Câmara.

A possível perda do controle fez com que o cacique alagoano caísse no improviso e no desespero, tirando da gaveta a PEC da Anistia para tentar angariar o apoio das lideranças partidárias no Congresso, mas acabou sendo derrotado dessa vez pelo Senado que não quis compartilhar o ônus de levar adiante uma medida tão impopular. E, como em política uma derrota nunca vem sozinha, o STF em breve voltará a analisar o orçamento secreto.

Com tudo isso, o governo acumulou forças para novas batalhas, e a vitória no tema do Ensino Médio foi um suspiro de alívio depois de uma sucessão de reveses no Congresso. O susto com o PL do Estupro fez Lira voltar-se para as pautas econômicas e a regulamentação da reforma tributária pode sair do papel.

Lula pode comemorar, ainda, um pequeno aumento na popularidade, o que talvez seja reflexo tanto da recuperação econômica no primeiro trimestre, quanto da resposta contundente do governo à crise no Rio Grande do Sul.

 

RELEMBRE A MATÉRIA DE BRUNA LARA

•           Menos de 4% das meninas de 10 a 14 anos grávidas por estupro têm acesso ao aborto legal

Um levantamento inédito do Intercept revela a situação desesperadora das meninas de 10 a 14 anos vítimas de estupro: entre 2015 e 2020, só 3,9% tiveram acesso ao aborto legal.

Ao todo, foram 362 procedimentos em crianças e adolescentes frente a mais de 132 mil estupros nessa faixa etária. A estimativa é de que aproximadamente 9,2 mil deles tenham resultado em gravidez – os números são explicados ao final.

Vivemos uma guerra ao aborto legal, e ela impacta principalmente crianças e adolescentes, 70% das vítimas de estupro. O STF se prepara para julgar a descriminalização total do aborto até a 12ª semana de gestação. Mas, no momento, o procedimento é permitido pela lei em casos de estupro ou risco de vida da mãe – no caso de meninas até 13 anos, os dois critérios são preenchidos – e o STF se prepara para votar Mas, não raro, como aconteceu nos casos das meninas de Santa Catarina e do Piauí, os hospitais se recusam a fazer o abortamento alegando risco à vida da gestante. Mas a realidade é a seguinte: o aborto legal é extremamente seguro.

Nos Estados Unidos, parir é 65,9 vezes mais perigoso para uma mulher do que abortar – e isso porque a maioria das adultas têm corpos maduros para levar uma gestação a termo, ao contrário de crianças. Mesmo a remoção de um dente pode gerar o dobro de complicações que um aborto. E gestar no Brasil é ainda mais arriscado. Em 2021, tivemos 107 mortes maternas a cada 100 mil nascimentos. A taxa foi de 32,9 entre as mães estadunidenses.

Se é por falta de informação ou por razões morais que o procedimento é negado por médicos a crianças estupradas, só podemos especular. Mas é obrigação do serviço realizar o aborto, bastando o consentimento. Se houver impedimentos técnicos, o estabelecimento deve encaminhar a paciente a um serviço capaz de fazer o abortamento.

Ao fim, os médicos usam uma cartada para defletir a responsabilidade pela recusa que não podem dar: exigem uma autorização do Judiciário, o que não é exigido pela lei. Os familiares dessas meninas podem denunciar a má conduta dos médicos no Conselho Regional de Medicina, pela internet. Para encontrar o formulário, basta jogar no Google os termos “CRM”, “denúncia” e a sigla de seu estado.

Contudo, a lentidão dos processos desanima, em especial por prolongar a gravidez, cujo avanço vira trunfo daqueles que querem forçar a menina a parir. E, mesmo quando são instauradas sindicâncias em casos como o estupro de pacientes por profissionais de saúde, os conselhos costumam ser omissos, mais preocupados em lustrar a imagem de seus membros do que em corrigir condutas inapropriadas.

Aproveito a saideira para jogar os holofotes sobre mais um agente: o governo federal. Após quatro anos nas trevas, é hora de o Executivo proteger nossas crianças. Não dos monstros fantasiosos de Damares Alves, mas da violência muito real das instituições.

Diante da cobertura patética do aborto legal – que não é de hoje – pergunto: e aí? O que o Ministério da Saúde de Nísia Trindade e o Ministério das Mulheres de Aparecida Gonçalves vão fazer?

Em nota, a pasta de Trindade afirmou que “proteger meninas e mulheres” e “assegurar o atendimento humanizado”, especialmente em casos de violência sexual, é prioridade desta gestão. Por isso, o ministério está revisando portarias e normas relacionadas ao aborto e notas técnicas e manuais voltados aos profissionais de saúde, além de “implementar protocolos de atendimento que evitem a estigmatização nos casos de abortamento”.

Já o Ministério das Mulheres disse estar em diálogo com a Saúde para garantir o atendimento a essas vítimas e trabalhando para retomar o programa Mulher Viver sem Violência, que tem essa garantia como um ponto-chave. Isso “envolve a capacitação permanente de profissionais e a criação de novos serviços especializados, como a construção das 40 novas unidades da Casa da Mulher Brasileira”, além de assegurar às vítimas “o acesso a informações sobre direitos e serviços e a atenção em saúde”.

Seguiremos atentos.

Por fim, explico o levantamento:

1) Identificamos o número de estupros na faixa de 10 a 14 anos entre 2015 e 2020 no Sistema de Informação de Agravos de Notificação do Ministério da Saúde – de acordo com a pasta, este é o último ano com dados consolidados.

2) Calculamos 7% do total desses estupros, porque, segundo o Ipea, essa é a porcentagem de violações que terminam em gravidez.

3) Pedimos via Lei de Acesso à Informação ao Ministério da Saúde o número anual de abortos por idade e filtramos os feitos por razões médicas e legais em meninas de 10 a 14 anos entre 2015 e 2020.

4) Comparamos a estimativa de vítimas de estupro grávidas nessa idade com o número dos abortos e chegamos a 3,9%.

 

Fonte: Por Paulo Motoryn, em The Intercept/Brasil de Fato

 

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