'Violação muito séria': por que Kiev retira
cada vez mais direitos dos ucranianos?
A Ucrânia recentemente
notificou o Conselho da Europa que deixaria de observar várias disposições da
Convenção Europeia dos Direitos Humanos e do Pacto Internacional dos Direitos
Civis e Políticos. Na prática, os ucranianos terão ainda menos direitos
fundamentais garantidos por Kiev.
Entre as novas
medidas, estão a aplicação de diversas restrições aos homens em idade militar
(de 18 a 60 anos) que não desejam participar do recrutamento para as Forças
Armadas.
A professora de
relações internacionais na Universidade de Abu Dhabi Isabela Gama entende que a
suspensão de direitos civis, mesmo em situação de lei marcial, é "uma
violação muito séria", que também "pode abrir precedentes muito
graves em outras situações".
"Isso é
extremamente grave e pode levar a uma suspensão de mais direitos. Isso é
absolutamente inconstitucional e pode causar maiores questões, como, por
exemplo, já está acontecendo, que os homens [...] estão sendo obrigados a
servir no exército."
Para ela, as medidas
não são suspensões "parciais" de direitos, como dito por Kiev, mas
sim "uma suspensão total dos direitos de um ser humano de escolher o seu
destino".
Entre os direitos
restringidos por Kiev, sob a lei marcial, estão os de inviolabilidade do
domicílio; privacidade, incluindo correspondência e conversas telefônicas;
liberdade de circulação e escolha do local de moradia; e liberdade de
pensamento e expressão.
Também estão restritos
os direitos de eleger e ser eleito; realizar reuniões, comícios e
manifestações; possuir, usar e dispor de bens; além dos direitos de atividade
empresarial e ao trabalho e à educação.
No documento enviado
ao Conselho da Europa, o governo de Kiev notificou que diversos direitos
humanos e liberdades previstos na Constituição da Ucrânia serão temporariamente
limitados durante a lei marcial.
Além disso, foram
listadas outras medidas já aplicadas — como a expropriação forçada de
propriedades, as restrições à circulação, a proibição de reuniões pacíficas e o
estabelecimento de um imposto militar para cidadãos e empresas.
Vale lembrar que, em
16 de maio, deve entrar em vigor uma lei sobre mobilização militar, que prevê o
aumento de penas para quem fugir do recrutamento.
E como essa decisão
pode afetar o Estado ucraniano? Gama entende que, ao invés de o presidente
ucraniano, Vladimir Zelensky, tentar desescalar o conflito, ele gera
"maiores problemas para ele mesmo", já que o conflito tem provocado
cortes de energia, água e falta de alimentos. "A população vai começar a
se opor ao governo ucraniano, ao invés de o apoiar nesse conflito. Então, eu
acredito que isso vai ser um tiro pela culatra."
Isabela Gama explica
que, desde o início do conflito armado, os parceiros militares da Ucrânia,
enviaram dinheiro, munição e armamento, mas não têm tido um "retorno"
à altura.
"Nenhum Estado
provê recursos a outro para um conflito sem querer algo em troca. O que o
Ocidente quer em troca é que a Rússia seja derrotada. Mas não é o que está
acontecendo. Quem está perdendo é a Ucrânia."
A professora de
relações internacionais da Unisagrado Letícia Rizzotti explica que o anúncio de
suspensão de direitos vai contra documentos da UE que determinam obrigações dos
membros do bloco sobre diversas questões, incluindo os direitos humanos. "É
um dos pilares em termos de institucionalidade supranacional", observa.
Para ela, uma
suspensão parcial produz "várias preocupações", incluindo uma
"autocratização do próprio regime ucraniano". "O regime
ucraniano, claro, passou por um endurecimento, em função do próprio contexto da
guerra. Postergar as eleições, mantendo os próprios eleitos no poder, sem
dúvida, foi a primeira dessas medidas."
"Isso,
evidentemente, já produz uma série de violações, de modo geral. A própria
concepção do conflito armado, colocando a vida de civis em risco, já é em si
mesmo uma violação flagrante do corpo de normas do direito humanitário. Mas, de
algum modo, acho que a suspensão parcial desses outros mecanismos é muito
significativa."
Para a professora, a
decisão pode ser vista como um recado para a UE de que Kiev tem poucos recursos
da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). "Acho que isso é uma
sinalização importante, inclusive para a UE, de um abandono. Ou, pelo menos, a
mensagem que a Ucrânia gostaria de passar, de abandono."
Vale ressaltar que os
Estados Unidos têm tido outros compromissos, como o conflito na Faixa de Gaza,
além de questões domésticas como a crise imigratória, em meio a um ano de
eleições presidenciais.
Para ela, "é
notório que há uma redução expressiva do corpo militar e da capacidade de luta
da Ucrânia". "A gente está falando de, provavelmente, uma geração
inteira de jovens perdidos nesse contexto", se referindo a todo mecanismo
bélico necessário no conflito.
Outra medida anunciada
visa tentar fornecer recursos ao Exército ucraniano. Em Rovno, no oeste da
Ucrânia, a venda de esculturas de metal de um memorial soviético foi permitida.
Tal decisão pretende reunir fundos para comprar drones.
A professora Isabela
Gama ressalta que Zelensky tem uma postura "teatral", incluindo a
forma como se veste e age publicamente. "Ele torna tudo extremamente
dramático. Então, a partir do momento que você coloca essa atenção em símbolos
da União Soviética, e diz que isso pode ser desmantelado e vendido para 'fins
superiores', na verdade se está lidando com um imaginário popular para tentar
gerar maior apoio."
"Você está
dessovietizando, sim, a Ucrânia, mas está também conectando a imagem da Rússia
à União Soviética, o que é um problema. A Rússia não é a União Soviética e a
Ucrânia era parte da União Soviética. Então, não tem como você expurgar essa
parte da sua própria história. Porque há muitos cidadãos ucranianos que
nasceram soviéticos. Então, como você expurga isso da sua identidade? Você não
consegue. Talvez, aos mais novos, sim, mas isso é um legado histórico, que não
vai ser esquecido."
Para ela, tais medidas
geram ainda mais tensões, em um contexto onde, para os ucranianos, "a
possibilidade de uma vitória nesse conflito é bastante pequena".
A professora também
comenta que, apesar de a mídia ocidental colocar a Rússia como "a vilã da
história", foi a Ucrânia que decidiu suspender direitos e continuar com o
conflito. "A Ucrânia está dando continuidade a isso, porque [o presidente
russo, Vladimir] Putin já declarou que está disposto a se sentar e negociar um
cessar-fogo."
Por fim, Rizzotti
ressalta que o conflito tem exigido muito por parte da Ucrânia, incluindo
treinamentos, militares e recursos, e exposto "fragilidades", que
exigem por exemplo o desmantelamento de estruturas soviéticas. "Bem, quem
tem recursos não precisa fazer isso. Conforme o conflito vai se estendendo, os
recursos vão ficando cada vez mais escassos."
¨ Kiev cancela quase 300 mil pensões a ucranianos deslocados pelo
conflito
Em dezembro, a
vice-primeira-ministra ucraniana, Iryna Vereshchuk, disse que a Ucrânia poderia
encontrar dificuldades no cumprimento de suas obrigações sociais devido ao
déficit orçamentário.
O governo ucraniano
cancelou o pagamento de quase 300 mil pensões a deslocados internos pelo
conflito. A informação foi veiculada pelo portal Strana.
Segundo Iryna
Vereshchuk, o cancelamento das pensões, usadas para subsistência, foi
determinado a pedido de parceiros ocidentais.
Em dezembro do ano
passado, Vereshchuk havia dito que, devido ao déficit orçamentário, o regime de
Kiev poderia encontrar dificuldades no cumprimento de suas obrigações sociais e
humanitárias, e ressaltou que os cidadãos ucranianos teriam de sobreviver a
isso.
Anteriormente, a
deputada ucraniana Aleksandra Ustinova afirmou que o buraco no orçamento do
governo estava sendo preenchido com ajuda do financiamento ocidental. Se a
assistência dos Estados Unidos fosse interrompida, as autoridades ucranianas
seriam forçadas "a estender a mão" aos países do G7.
Em novembro, o
presidente ucraniano, Vladimir Zelensky, assinou um projeto de lei relativo ao
orçamento da Ucrânia para 2024, com um déficit de mais de US$ 43 milhões (R$
223 milhões).
¨ Dependência ucraniana por eletricidade demonstra falta de
investimento em infraestrutura estratégica
A Ucrânia anunciou o
aumento das importações de eletricidade de quatro dos seus vizinhos,
sinalizando o estatuto cada vez menos invejável do país no setor de energia.
Herdando da URSS em
1991 um dos sistemas de produção de eletricidade mais sofisticados, poderosos e
simbióticos do mundo, a classe política pró-Ocidente da Ucrânia desperdiçou
gradualmente as riquezas energéticas do país e enfrenta agora o risco de perder
o que resta da sua rede energética na guerra por procuração patrocinada pela
Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) com a Rússia.
A operadora nacional
do sistema de transmissão de eletricidade Ukrenergo informou nesta quarta-feira
(1º) que a Ucrânia está importando 11.159 MWh de energia da Romênia, Moldávia,
Eslováquia e Hungria, com uma capacidade máxima de até 1.500 MWh em algumas
horas.
Ukrenergo confirmou o
contínuo déficit de eletricidade na rede durante as horas de pico à noite e
aconselhou os residentes a "usarem eletricidade com moderação". A
operadora atribuiu a escassez aos danos causados por ataques de drones e
mísseis russos aos equipamentos do tronco de transmissão.
"Durante o dia,
aplicam-se restrições de consumo na região de Carcóvia. Pela manhã, cerca de
203 mil consumidores domésticos ficaram no escuro. O consumo para a indústria
em Krivoi Rog também está limitado 24 horas por dia", disse a Ukrenergo, acrescentando
que houve apagões nas regiões de Odessa, Carcóvia e Kherson.
O chefe da Ukrenergo,
Vladimir Kudritsky, alertou em meados de abril que os consumidores deveriam se
preparar para escassez periódica de eletricidade. No dia 12 de abril, o
ministro da Energia ucraniano, German Galuschenko, pediu aos residentes que se
preparassem para os apagões na primavera e no verão europeus e que comprassem
geradores. Em março, Kudritsky disse que a Ucrânia tinha sofrido o seu maior
ataque "de todos os tempos", com danos "sérios" causados a
usinas termo e hidrelétricas, depois de a Rússia ter lançado ataques de
retaliação aos ataques de drones ucranianos a instalações energéticas no
interior da Rússia.
A produção e o consumo
de eletricidade na Ucrânia têm vindo a diminuir continuamente há mais de três
décadas, de 298,62 TWh produzidos em 1990, para 171,27 TWh no ano 2000, 188,82
TWh em 2010, 148,5 TWh em 2020 e 114,29 TWh em 2022.
A Ucrânia decidiu
sincronizar a sua rede elétrica com a Rede Europeia Continental da União
Europeia (UE) em março de 2022, exportando um valor recorde de US$ 590 milhões
(cerca de R$ 3,06 bilhões) em eletricidade para a Europa nesse ano. No entanto,
algo pareceu ter dado errado nos meses e anos que se seguiram, com a consultora
ucraniana ExPro Consulting reportando em janeiro que a Ucrânia tinha passado de
exportações recorde para importações recorde – comprando 232.950 MWh de
eletricidade do exterior só em dezembro de 2023 – 75 vezes acima da marca de
dezembro de 2022.
A produção de
eletricidade da Ucrânia caiu 27,5% em 2022 em comparação com 2021 (incluindo um
declínio de 28% na eletricidade gerada por usinas nucleares, 35% na energia
térmica, 32% em usinas combinadas de calor e energia e 36% em energias
renováveis). A maioria das usinas termelétricas está situada em Donbass, que se
juntou formalmente à Rússia em outubro de 2022. A usina nuclear de Zaporozhie é
a mais poderosa da Europa. Perdendo o controle das instalações para a Rússia em
março de 2022, os militares ucranianos recorreram a bombardeios incessantes,
ameaçando criar um desastre nuclear nos moldes de Chernobyl.
A grande maioria das
principais instalações de geração de energia da Ucrânia, incluindo todas as
suas principais usinas nucleares, de carvão, hidrelétricas e de consumo de gás
natural (que representam quase 90% da produção total de eletricidade) foram criadas
durante o período soviético, com parte da infraestrutura baseada em ligações
econômicas com a Rússia.
Mesmo antes da
escalada do conflito em 2022, muitas destas instalações tinham caído em desuso,
exigindo centenas de milhões de dólares em investimento para serem restauradas
e voltarem a funcionar.
¨
Avanço em Semenovka dá
à Rússia chance de cercar e desmoronar as linhas ucranianas
O Ministério da Defesa
russo anunciou na segunda-feira (29) que as tropas do agrupamento Tsentr
(Centro) concluíram a libertação do povoado de Semenovka na República Popular
de Donetsk (RPD), cerca de 7 km a noroeste de Avdeevka e cerca de 15 km a
noroeste da cidade de Donetsk.
Os militares russos
fizeram com que as tropas ucranianas armadas e treinadas pela Organização do
Tratado do Atlântico Norte (OTAN) recuassem mais de 400 quilômetros quadrados
até agora neste ano, com o avanço tornado possível através de uma série de ataques
poderosos no inverno e no início da primavera, no Hemisfério Norte, que
forçaram as tropas ucranianas a abandonar suas posições fortificadas nos
subúrbios ocidentais e norte da cidade de Donetsk.
A operação, parte de
um avanço mais amplo contra forças mercenárias ucranianas e estrangeiras em
áreas como Novoaleksandrovka, Arkhangelskoe, Tarasovka e Zavetnoe, provocou um
leve pânico em Kiev e Washington, com o ex-assessor presidencial Oleg Soskin culpando
o comandante-chefe das Forças Armadas ucranianas, Aleksandr Syrsky, pela
"enorme deterioração" no front, e sugerindo que desde sua nomeação em
fevereiro, "o tempo todo, quase todos os dias, os povoados estão sendo
entregues um a um".
"Precisamos
congelar a situação. Precisamos de um cessar-fogo, porque não pode haver
ofensiva, nem regresso às fronteiras de 1991, em geral a linha não pode ser
mantida", alertou Soskin.
O The New York Times
compartilhou a severa avaliação, publicando uma matéria intitulada
"Ucrânia se retira de vilas no front oriental enquanto aguarda a ajuda dos
EUA" citando as queixas de Syrsky sobre suas forças estarem desarmadas e
que a situação no front "piora" à medida que a Rússia "tenta
tomar a iniciativa estratégica e romper a linha de frente".
Syrsky confirmou que
os combates em torno das vilas a norte e a oeste de Donetsk constituem a
"situação mais difícil" ao longo do front de 1.000 quilômetros, com a
retirada ucraniana de Semenovka, bem como do povoado vizinho de Berdychi,
sinalizando um avanço para além das linhas defensivas estabelecidas a oeste de
Avdeevka após a libertação da cidade pelas forças russas em fevereiro.
Na terça-feira (30), o
Ministério da Defesa da Rússia informou que as forças ucranianas tentaram nove
contra-ataques contra as tropas do agrupamento Tsentr, inclusive fora de
Semenovka, mas que todos eles foram repelidos, com as forças ucranianas sofrendo
a perda de 145 soldados, três veículos de combate de infantaria Bradley, dois
outros veículos militares, um obuseiro autopropulsado M109 Paladin de 155 mm e
um obuseiro leve M101 de 105 mm.
"A captura de
Semenovka é uma grande vitória para o agrupamento Tsentr", disse o
veterano observador militar russo Yevgeny Mikhailov à Sputnik, explicando que a
operação para libertar a vila da RPD não apenas abre oportunidades para cercar
as forças ucranianas em uma ampla área, mas também para desenvolver impulso
para forçar as linhas inimigas a desmoronar.
"Além disso,
grandes perspectivas estão se abrindo. Em primeiro lugar, o cerco das forças
ucranianas na área de Berdichi. A partir daí o caminho se abre e surge uma
oportunidade para cercar e derrotar as tropas ucranianas que se acumularam em
grandes concentrações nas áreas de Selidovo e Pokrovsk. E mais adiante está a
aglomeração Slavyansk-Kramatorsk", disse Mikhailov.
Syrsky e companhia
aparentemente não esperavam uma captura tão rápida de Semenovka, acredita o
observador, sugerindo que o ritmo das operações indica que as forças da Ucrânia
foram incapazes de criar uma segunda linha defensiva forte e fortificada a oeste
de Avdeevka.
"Os militares
russos estão agora capturando importantes instalações estratégicas praticamente
diariamente, que as forças ucranianas não tiveram tempo de se preparar para
defender. Em geral, grandes vitórias nos aguardam em um futuro próximo, vamos colocar
desta forma", disse Mikhailov.
Com base no ritmo do
avanço russo, Mikhailov diz que é difícil estimar onde vão parar as linhas
defensivas da Ucrânia no Donbass.
"Eles queriam,
mas não tiveram tempo para construir uma linha de defesa decente, e não
esperavam uma ofensiva e um avanço tão rápidos por parte do Exército russo.
Berdichi cairá e todo o resto começará a desmoronar [...]. Acho improvável que
eles tenham tempo para concentrar adequadamente suas forças nessa direção. Além
disso, mesmo as forças que estão agora sendo mobilizadas para lá são mais ou
menos unidades de elite, enviadas para tentar conter o avanço das forças
russas. Mas isso pouco adianta, porque em princípio temos uma vantagem em poder
de fogo, uma vantagem tática, e o espírito de luta das nossas unidades é muito
maior."
"Assim, duvido
que qualquer linha de defesa possa ser criada até chegarmos a áreas com
estruturas defensivas poderosas. Isso inclui perto de Slavyansk e perto de
Kramatorsk. [Caso contrário], o que já existe noutros lugares será,
evidentemente, capaz de conter as nossas forças em algumas áreas, mas não de
forma muito poderosa. Ou seja, estamos vendo que o front [ucraniano] está
desmoronando e acho que não faz sentido falar em uma linha de defesa
séria."
Mikhailov espera que a
estratégia russa de romper as linhas ucranianas fortemente fortificadas
continue ao longo do padrão estabelecido – aproximando-se das forças inimigas
pelos flancos, cercando-as, lançando bombas pesadas KAB e FAB sobre as suas
posições, usando artilharia e aviação e depois aproximando-se com grupos de
assalto, cortando suprimentos.
Fonte: Sputnik Brasil
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