quinta-feira, 2 de maio de 2024

'Violação muito séria': por que Kiev retira cada vez mais direitos dos ucranianos?

A Ucrânia recentemente notificou o Conselho da Europa que deixaria de observar várias disposições da Convenção Europeia dos Direitos Humanos e do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos. Na prática, os ucranianos terão ainda menos direitos fundamentais garantidos por Kiev.

Entre as novas medidas, estão a aplicação de diversas restrições aos homens em idade militar (de 18 a 60 anos) que não desejam participar do recrutamento para as Forças Armadas.

A professora de relações internacionais na Universidade de Abu Dhabi Isabela Gama entende que a suspensão de direitos civis, mesmo em situação de lei marcial, é "uma violação muito séria", que também "pode abrir precedentes muito graves em outras situações".

"Isso é extremamente grave e pode levar a uma suspensão de mais direitos. Isso é absolutamente inconstitucional e pode causar maiores questões, como, por exemplo, já está acontecendo, que os homens [...] estão sendo obrigados a servir no exército."

Para ela, as medidas não são suspensões "parciais" de direitos, como dito por Kiev, mas sim "uma suspensão total dos direitos de um ser humano de escolher o seu destino".

Entre os direitos restringidos por Kiev, sob a lei marcial, estão os de inviolabilidade do domicílio; privacidade, incluindo correspondência e conversas telefônicas; liberdade de circulação e escolha do local de moradia; e liberdade de pensamento e expressão.

Também estão restritos os direitos de eleger e ser eleito; realizar reuniões, comícios e manifestações; possuir, usar e dispor de bens; além dos direitos de atividade empresarial e ao trabalho e à educação.

No documento enviado ao Conselho da Europa, o governo de Kiev notificou que diversos direitos humanos e liberdades previstos na Constituição da Ucrânia serão temporariamente limitados durante a lei marcial.

Além disso, foram listadas outras medidas já aplicadas — como a expropriação forçada de propriedades, as restrições à circulação, a proibição de reuniões pacíficas e o estabelecimento de um imposto militar para cidadãos e empresas.

Vale lembrar que, em 16 de maio, deve entrar em vigor uma lei sobre mobilização militar, que prevê o aumento de penas para quem fugir do recrutamento.

E como essa decisão pode afetar o Estado ucraniano? Gama entende que, ao invés de o presidente ucraniano, Vladimir Zelensky, tentar desescalar o conflito, ele gera "maiores problemas para ele mesmo", já que o conflito tem provocado cortes de energia, água e falta de alimentos. "A população vai começar a se opor ao governo ucraniano, ao invés de o apoiar nesse conflito. Então, eu acredito que isso vai ser um tiro pela culatra."

Isabela Gama explica que, desde o início do conflito armado, os parceiros militares da Ucrânia, enviaram dinheiro, munição e armamento, mas não têm tido um "retorno" à altura.

"Nenhum Estado provê recursos a outro para um conflito sem querer algo em troca. O que o Ocidente quer em troca é que a Rússia seja derrotada. Mas não é o que está acontecendo. Quem está perdendo é a Ucrânia."

A professora de relações internacionais da Unisagrado Letícia Rizzotti explica que o anúncio de suspensão de direitos vai contra documentos da UE que determinam obrigações dos membros do bloco sobre diversas questões, incluindo os direitos humanos. "É um dos pilares em termos de institucionalidade supranacional", observa.

Para ela, uma suspensão parcial produz "várias preocupações", incluindo uma "autocratização do próprio regime ucraniano". "O regime ucraniano, claro, passou por um endurecimento, em função do próprio contexto da guerra. Postergar as eleições, mantendo os próprios eleitos no poder, sem dúvida, foi a primeira dessas medidas."

"Isso, evidentemente, já produz uma série de violações, de modo geral. A própria concepção do conflito armado, colocando a vida de civis em risco, já é em si mesmo uma violação flagrante do corpo de normas do direito humanitário. Mas, de algum modo, acho que a suspensão parcial desses outros mecanismos é muito significativa."

Para a professora, a decisão pode ser vista como um recado para a UE de que Kiev tem poucos recursos da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). "Acho que isso é uma sinalização importante, inclusive para a UE, de um abandono. Ou, pelo menos, a mensagem que a Ucrânia gostaria de passar, de abandono."

Vale ressaltar que os Estados Unidos têm tido outros compromissos, como o conflito na Faixa de Gaza, além de questões domésticas como a crise imigratória, em meio a um ano de eleições presidenciais.

Para ela, "é notório que há uma redução expressiva do corpo militar e da capacidade de luta da Ucrânia". "A gente está falando de, provavelmente, uma geração inteira de jovens perdidos nesse contexto", se referindo a todo mecanismo bélico necessário no conflito.

Outra medida anunciada visa tentar fornecer recursos ao Exército ucraniano. Em Rovno, no oeste da Ucrânia, a venda de esculturas de metal de um memorial soviético foi permitida. Tal decisão pretende reunir fundos para comprar drones.

A professora Isabela Gama ressalta que Zelensky tem uma postura "teatral", incluindo a forma como se veste e age publicamente. "Ele torna tudo extremamente dramático. Então, a partir do momento que você coloca essa atenção em símbolos da União Soviética, e diz que isso pode ser desmantelado e vendido para 'fins superiores', na verdade se está lidando com um imaginário popular para tentar gerar maior apoio."

"Você está dessovietizando, sim, a Ucrânia, mas está também conectando a imagem da Rússia à União Soviética, o que é um problema. A Rússia não é a União Soviética e a Ucrânia era parte da União Soviética. Então, não tem como você expurgar essa parte da sua própria história. Porque há muitos cidadãos ucranianos que nasceram soviéticos. Então, como você expurga isso da sua identidade? Você não consegue. Talvez, aos mais novos, sim, mas isso é um legado histórico, que não vai ser esquecido."

Para ela, tais medidas geram ainda mais tensões, em um contexto onde, para os ucranianos, "a possibilidade de uma vitória nesse conflito é bastante pequena".

A professora também comenta que, apesar de a mídia ocidental colocar a Rússia como "a vilã da história", foi a Ucrânia que decidiu suspender direitos e continuar com o conflito. "A Ucrânia está dando continuidade a isso, porque [o presidente russo, Vladimir] Putin já declarou que está disposto a se sentar e negociar um cessar-fogo."

Por fim, Rizzotti ressalta que o conflito tem exigido muito por parte da Ucrânia, incluindo treinamentos, militares e recursos, e exposto "fragilidades", que exigem por exemplo o desmantelamento de estruturas soviéticas. "Bem, quem tem recursos não precisa fazer isso. Conforme o conflito vai se estendendo, os recursos vão ficando cada vez mais escassos."

¨      Kiev cancela quase 300 mil pensões a ucranianos deslocados pelo conflito

Em dezembro, a vice-primeira-ministra ucraniana, Iryna Vereshchuk, disse que a Ucrânia poderia encontrar dificuldades no cumprimento de suas obrigações sociais devido ao déficit orçamentário.

O governo ucraniano cancelou o pagamento de quase 300 mil pensões a deslocados internos pelo conflito. A informação foi veiculada pelo portal Strana.

Segundo Iryna Vereshchuk, o cancelamento das pensões, usadas para subsistência, foi determinado a pedido de parceiros ocidentais.

Em dezembro do ano passado, Vereshchuk havia dito que, devido ao déficit orçamentário, o regime de Kiev poderia encontrar dificuldades no cumprimento de suas obrigações sociais e humanitárias, e ressaltou que os cidadãos ucranianos teriam de sobreviver a isso.

Anteriormente, a deputada ucraniana Aleksandra Ustinova afirmou que o buraco no orçamento do governo estava sendo preenchido com ajuda do financiamento ocidental. Se a assistência dos Estados Unidos fosse interrompida, as autoridades ucranianas seriam forçadas "a estender a mão" aos países do G7.

Em novembro, o presidente ucraniano, Vladimir Zelensky, assinou um projeto de lei relativo ao orçamento da Ucrânia para 2024, com um déficit de mais de US$ 43 milhões (R$ 223 milhões).

¨      Dependência ucraniana por eletricidade demonstra falta de investimento em infraestrutura estratégica

A Ucrânia anunciou o aumento das importações de eletricidade de quatro dos seus vizinhos, sinalizando o estatuto cada vez menos invejável do país no setor de energia.

Herdando da URSS em 1991 um dos sistemas de produção de eletricidade mais sofisticados, poderosos e simbióticos do mundo, a classe política pró-Ocidente da Ucrânia desperdiçou gradualmente as riquezas energéticas do país e enfrenta agora o risco de perder o que resta da sua rede energética na guerra por procuração patrocinada pela Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) com a Rússia.

A operadora nacional do sistema de transmissão de eletricidade Ukrenergo informou nesta quarta-feira (1º) que a Ucrânia está importando 11.159 MWh de energia da Romênia, Moldávia, Eslováquia e Hungria, com uma capacidade máxima de até 1.500 MWh em algumas horas.

Ukrenergo confirmou o contínuo déficit de eletricidade na rede durante as horas de pico à noite e aconselhou os residentes a "usarem eletricidade com moderação". A operadora atribuiu a escassez aos danos causados por ataques de drones e mísseis russos aos equipamentos do tronco de transmissão.

"Durante o dia, aplicam-se restrições de consumo na região de Carcóvia. Pela manhã, cerca de 203 mil consumidores domésticos ficaram no escuro. O consumo para a indústria em Krivoi Rog também está limitado 24 horas por dia", disse a Ukrenergo, acrescentando que houve apagões nas regiões de Odessa, Carcóvia e Kherson.

O chefe da Ukrenergo, Vladimir Kudritsky, alertou em meados de abril que os consumidores deveriam se preparar para escassez periódica de eletricidade. No dia 12 de abril, o ministro da Energia ucraniano, German Galuschenko, pediu aos residentes que se preparassem para os apagões na primavera e no verão europeus e que comprassem geradores. Em março, Kudritsky disse que a Ucrânia tinha sofrido o seu maior ataque "de todos os tempos", com danos "sérios" causados a usinas termo e hidrelétricas, depois de a Rússia ter lançado ataques de retaliação aos ataques de drones ucranianos a instalações energéticas no interior da Rússia.

A produção e o consumo de eletricidade na Ucrânia têm vindo a diminuir continuamente há mais de três décadas, de 298,62 TWh produzidos em 1990, para 171,27 TWh no ano 2000, 188,82 TWh em 2010, 148,5 TWh em 2020 e 114,29 TWh em 2022.

A Ucrânia decidiu sincronizar a sua rede elétrica com a Rede Europeia Continental da União Europeia (UE) em março de 2022, exportando um valor recorde de US$ 590 milhões (cerca de R$ 3,06 bilhões) em eletricidade para a Europa nesse ano. No entanto, algo pareceu ter dado errado nos meses e anos que se seguiram, com a consultora ucraniana ExPro Consulting reportando em janeiro que a Ucrânia tinha passado de exportações recorde para importações recorde – comprando 232.950 MWh de eletricidade do exterior só em dezembro de 2023 – 75 vezes acima da marca de dezembro de 2022.

A produção de eletricidade da Ucrânia caiu 27,5% em 2022 em comparação com 2021 (incluindo um declínio de 28% na eletricidade gerada por usinas nucleares, 35% na energia térmica, 32% em usinas combinadas de calor e energia e 36% em energias renováveis). A maioria das usinas termelétricas está situada em Donbass, que se juntou formalmente à Rússia em outubro de 2022. A usina nuclear de Zaporozhie é a mais poderosa da Europa. Perdendo o controle das instalações para a Rússia em março de 2022, os militares ucranianos recorreram a bombardeios incessantes, ameaçando criar um desastre nuclear nos moldes de Chernobyl.

A grande maioria das principais instalações de geração de energia da Ucrânia, incluindo todas as suas principais usinas nucleares, de carvão, hidrelétricas e de consumo de gás natural (que representam quase 90% da produção total de eletricidade) foram criadas durante o período soviético, com parte da infraestrutura baseada em ligações econômicas com a Rússia.

Mesmo antes da escalada do conflito em 2022, muitas destas instalações tinham caído em desuso, exigindo centenas de milhões de dólares em investimento para serem restauradas e voltarem a funcionar.

¨      Avanço em Semenovka dá à Rússia chance de cercar e desmoronar as linhas ucranianas

O Ministério da Defesa russo anunciou na segunda-feira (29) que as tropas do agrupamento Tsentr (Centro) concluíram a libertação do povoado de Semenovka na República Popular de Donetsk (RPD), cerca de 7 km a noroeste de Avdeevka e cerca de 15 km a noroeste da cidade de Donetsk.

Os militares russos fizeram com que as tropas ucranianas armadas e treinadas pela Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) recuassem mais de 400 quilômetros quadrados até agora neste ano, com o avanço tornado possível através de uma série de ataques poderosos no inverno e no início da primavera, no Hemisfério Norte, que forçaram as tropas ucranianas a abandonar suas posições fortificadas nos subúrbios ocidentais e norte da cidade de Donetsk.

A operação, parte de um avanço mais amplo contra forças mercenárias ucranianas e estrangeiras em áreas como Novoaleksandrovka, Arkhangelskoe, Tarasovka e Zavetnoe, provocou um leve pânico em Kiev e Washington, com o ex-assessor presidencial Oleg Soskin culpando o comandante-chefe das Forças Armadas ucranianas, Aleksandr Syrsky, pela "enorme deterioração" no front, e sugerindo que desde sua nomeação em fevereiro, "o tempo todo, quase todos os dias, os povoados estão sendo entregues um a um".

"Precisamos congelar a situação. Precisamos de um cessar-fogo, porque não pode haver ofensiva, nem regresso às fronteiras de 1991, em geral a linha não pode ser mantida", alertou Soskin.

O The New York Times compartilhou a severa avaliação, publicando uma matéria intitulada "Ucrânia se retira de vilas no front oriental enquanto aguarda a ajuda dos EUA" citando as queixas de Syrsky sobre suas forças estarem desarmadas e que a situação no front "piora" à medida que a Rússia "tenta tomar a iniciativa estratégica e romper a linha de frente".

Syrsky confirmou que os combates em torno das vilas a norte e a oeste de Donetsk constituem a "situação mais difícil" ao longo do front de 1.000 quilômetros, com a retirada ucraniana de Semenovka, bem como do povoado vizinho de Berdychi, sinalizando um avanço para além das linhas defensivas estabelecidas a oeste de Avdeevka após a libertação da cidade pelas forças russas em fevereiro.

Na terça-feira (30), o Ministério da Defesa da Rússia informou que as forças ucranianas tentaram nove contra-ataques contra as tropas do agrupamento Tsentr, inclusive fora de Semenovka, mas que todos eles foram repelidos, com as forças ucranianas sofrendo a perda de 145 soldados, três veículos de combate de infantaria Bradley, dois outros veículos militares, um obuseiro autopropulsado M109 Paladin de 155 mm e um obuseiro leve M101 de 105 mm.

"A captura de Semenovka é uma grande vitória para o agrupamento Tsentr", disse o veterano observador militar russo Yevgeny Mikhailov à Sputnik, explicando que a operação para libertar a vila da RPD não apenas abre oportunidades para cercar as forças ucranianas em uma ampla área, mas também para desenvolver impulso para forçar as linhas inimigas a desmoronar.

"Além disso, grandes perspectivas estão se abrindo. Em primeiro lugar, o cerco das forças ucranianas na área de Berdichi. A partir daí o caminho se abre e surge uma oportunidade para cercar e derrotar as tropas ucranianas que se acumularam em grandes concentrações nas áreas de Selidovo e Pokrovsk. E mais adiante está a aglomeração Slavyansk-Kramatorsk", disse Mikhailov.

Syrsky e companhia aparentemente não esperavam uma captura tão rápida de Semenovka, acredita o observador, sugerindo que o ritmo das operações indica que as forças da Ucrânia foram incapazes de criar uma segunda linha defensiva forte e fortificada a oeste de Avdeevka.

"Os militares russos estão agora capturando importantes instalações estratégicas praticamente diariamente, que as forças ucranianas não tiveram tempo de se preparar para defender. Em geral, grandes vitórias nos aguardam em um futuro próximo, vamos colocar desta forma", disse Mikhailov.

Com base no ritmo do avanço russo, Mikhailov diz que é difícil estimar onde vão parar as linhas defensivas da Ucrânia no Donbass.

"Eles queriam, mas não tiveram tempo para construir uma linha de defesa decente, e não esperavam uma ofensiva e um avanço tão rápidos por parte do Exército russo. Berdichi cairá e todo o resto começará a desmoronar [...]. Acho improvável que eles tenham tempo para concentrar adequadamente suas forças nessa direção. Além disso, mesmo as forças que estão agora sendo mobilizadas para lá são mais ou menos unidades de elite, enviadas para tentar conter o avanço das forças russas. Mas isso pouco adianta, porque em princípio temos uma vantagem em poder de fogo, uma vantagem tática, e o espírito de luta das nossas unidades é muito maior."

"Assim, duvido que qualquer linha de defesa possa ser criada até chegarmos a áreas com estruturas defensivas poderosas. Isso inclui perto de Slavyansk e perto de Kramatorsk. [Caso contrário], o que já existe noutros lugares será, evidentemente, capaz de conter as nossas forças em algumas áreas, mas não de forma muito poderosa. Ou seja, estamos vendo que o front [ucraniano] está desmoronando e acho que não faz sentido falar em uma linha de defesa séria."

Mikhailov espera que a estratégia russa de romper as linhas ucranianas fortemente fortificadas continue ao longo do padrão estabelecido – aproximando-se das forças inimigas pelos flancos, cercando-as, lançando bombas pesadas KAB e FAB sobre as suas posições, usando artilharia e aviação e depois aproximando-se com grupos de assalto, cortando suprimentos.

 

Fonte: Sputnik Brasil

 

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