sábado, 25 de maio de 2024

Premiê de Israel estaria prestes a cair mesmo com o apoio dos EUA?

Antes criticado por condenar somente ditadores africanos e algumas figuras ligadas ao Leste Europeu, o Tribunal Penal Internacional (TPI) apresentou um pedido de prisão inédito contra um líder do chamado Norte Global: Benjamin Netanyahu, primeiro-ministro de Israel. Especialistas indicam possíveis repercussões à Sputnik Brasil.

Era outubro de 1998 quando um caso transformava a Justiça internacional, até então incipiente ao trazer a primeira jurisprudência sobre crimes contra a humanidade: a inesperada prisão do ditador chileno Augusto Pinochet, na época com 82 anos, em Londres, no Reino Unido.

Como era senador vitalício no país e tinha imunidade diplomática, mesmo após o fim do regime militar, além de contar com certa "amizade" histórica com a ex-primeira-ministra britânica Margaret Thatcher, Pinochet realizava uma missão "secreta" no país. A ocasião fez o juiz Baltasar Garzón emitir um mandado internacional de prisão contra ele por conta da Operação Condor, movimento que reunia no século XX as seis ditaduras sul-americanas para eliminar opositores.

Como Espanha, Inglaterra e Chile eram signatários de uma convenção sobre tortura, Pinochet foi detido imediatamente após o pedido e ficou 503 dias na prisão, um fato inédito. Isso também foi o embrião para a criação do TPI, fundado em julho de 2002 sob o Estatuto de Roma e que hoje reúne 124 Estados-membros. Passados quase 22 anos, a atuação do órgão foi marcada por importantes contribuições para punir crimes de guerra e contra a humanidade, mas também acumulou críticas: ter apenas a função de condenar ditadores africanos e algumas figuras do Leste Europeu, principalmente a ex-Iugoslávia.

Mas, nesta semana, um feito histórico marcou a atuação do TPI: o pedido de prisão contra o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, além do ministro da Defesa do país, Yoav Gallant. Entre as acusações estão "causar extermínio" e uso da fome "como método de guerra" por conta do conflito em curso desde outubro do ano passado na Faixa de Gaza. O número de mortos na região já ultrapassou 35 mil.

Ao mesmo tempo que um líder do chamado Norte Global entra no banco dos réus pela primeira vez, a medida também pode trazer um custo alto ao tribunal, que pode ser questionado sobre a efetividade ou não de sua atuação, apontam especialistas. Ainda foram incluídos no pedido de prisão do procurador-chefe do TPI, Karim Khan, duas autoridades do Hamas, Mohammed Diab Ibrahim al-Masri e Ismail Haniyeh.

Doutora em direito internacional pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e professora do Ibmec, Elizabeth Goraieb destacou ao podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, que nesta quarta-feira (22) já ocorreram implicações importantes na geopolítica global após o pedido de prisão no início desta semana: o reconhecimento da Palestina como Estado por Noruega, Irlanda e Espanha em um movimento raro entre os países da Europa Ocidental.

Além disso, a especialista acrescenta que Netanyahu já possui um processo em andamento no tribunal desde 2014 por conta das políticas promovidas contra a população palestina em Gaza e na Cisjordânia.

"Esse pedido jamais seria realizado pelo procurador se não houvesse provas robustas. Todo mundo está vendo vários relatórios, inclusive da ONU [Organização das Nações Unidas], da Anistia Internacional e de vários organismos internacionais […]. Com tudo isso, a Câmara [do TPI] confirma ou não o mandado de prisão que é expedido para todos os Estados-membros, inclusive a Interpol, e a grande consequência disso é que as pessoas [alvo do pedido] ficam reclusas ao seu território ou de países que não fazem parte do tribunal", resume a professora.

Assim como Israel, os Estados Unidos e principal aliado de Netanyahu na guerra contra os palestinos não são signatários do TPI, ao contrário da própria Palestina e de boa parte da União Europeia.

"A guerra é proibida pelo direito internacional desde o fim do século XIX. Temos toda a codificação para haver o mínimo de legalidade em um conflito armado, como o direito de defesa previsto na Carta das Nações Unidas. Entretanto, a legítima defesa tem parâmetros específicos, como o princípio da proporcionalidade. E é isso que tem unido a comunidade internacional diante da morte de milhares de crianças e mulheres, totalmente desproporcionais. A quantidade de bombas que Netanyahu despejou em Gaza nas duas primeiras semanas equivale a duas bombas atômicas", diz.

Seja através de uma possível e difícil prisão do primeiro-ministro em algum país signatário do TPI ou por pressão interna em Israel, Elizabeth Goraieb afirma que o pedido só mostra que o fim político de Netanyahu está cada vez mais próximo, mesmo com o apoio dos EUA.

"Ele não detém a grande maioria [dos eleitores], e a simpatia é cada vez menor dentro de Israel. Inclusive têm sido reprimidas em Tel Aviv as manifestações da oposição de forma violentíssima. Então Netanyahu quer se manter no poder, mas não adianta, vai cair […]. Ele conseguiu mostrar para o mundo que é uma pessoa que comete o mesmo crime que foi realizado contra os judeus anos atrás", declara.

Inclusive nos EUA foram registrados grandes protestos pró-Palestina em universidades, em meio à queda da aprovação do apoio norte-americano ao conflito promovido por Israel.

A especialista lembra ainda que o procurador do TPI chegou a denunciar que membros do tribunal chegaram a ser ameaçados por aliados, mas que há expectativas de mudança no panorama atual.

"Os Estados Unidos deram uma recuada na defesa de Netanyahu há pouco tempo porque eles estão vendo que a situação está trazendo também para eles uma antipatia internacional. Porque é isso o que está acontecendo."

·        Quem reconhece a Palestina como país?

Apesar de o TPI já ter declarado que não possui jurisdição nem autonomia sobre a questão, o fato de a Palestina ser um membro da entidade acaba sendo, de forma implícita, um reconhecimento formal do território como um Estado. É o que acrescenta à Sputnik Brasil a professora e doutora em direito internacional pela Universidade Católica de Brasília (UCB), Priscila Caneparo. "Esse é o primeiro ponto, até porque uma guerra internacional é entre dois Estados, e o Tribunal Penal Internacional deixou muito claro que essa é uma guerra Israel versus Palestina [e não Hamas, que é um dos tantos movimentos palestinos]", diz.

A especialista acrescenta que o pedido também vai funcionar como um teste para a credibilidade do tribunal. "Quando o Norte Global é colocado no banco dos réus, na figura do Netanyahu, a gente vislumbra uma virada quase que copernicana do papel do TPI, e acho que é importantíssimo deixar muito claro que isso é uma prova também para a influência e o poderio do Tribunal Penal Internacional. [Ou seja], como vai ficar a eficácia, a efetividade frente ao Norte Global em relação a essa expedição de dois mandados de prisão contra um israelense", enfatizou Caneparo.

Já existem elementos, conforme a especialista, que permitem analisar se a decisão do TPI pode gerar um sentido contrário ao esperado, que é prolongar o sofrimento da população palestina.

"Existia basicamente quase como uma divisão interna em Israel em relação à postura de Netanyahu, principalmente o partido de oposição que fazia parte do gabinete de guerra, que estava se opondo às determinações de Netanyahu na região de Rafah, porque era o único reduto de ajuda humanitária. Começaram a ameaçar se retirar esta semana e, quando veio o pedido de prisão do Netanyahu, eles voltaram atrás e voltaram a se unir", pontua, ao acrescentar que isso deu uma sobrevida ao governo de Netanyahu.

·        Medida tem mais força moral do que política, defende professora

Para a professora de direito internacional, a medida possui mais efeito moral do que efetividade jurídica prática. "Temos que pensar que toda e qualquer organização internacional, bem como o direito internacional, esbarram na soberania dos Estados. Então obviamente que vai depender de um esforço coletivo, de uma efetividade na base da cooperação internacional para que se veja um resultado prático dessa expedição de mandado de prisão", argumenta.

Outro ponto crítico relatado pela especialista é com relação à inclusão dos líderes do Hamas no mesmo pedido de prisão. A especialista acredita que haveria maior efetividade caso isso ocorresse posteriormente. "Dentro dessa perspectiva, é lógico que foi quase que 'bato com uma mão, agrado com a outra'. Existe a necessidade de imputar responsabilidade ao prospectar responsabilidade para o Hamas? Sim, existe. Porém, eu não acho que o momento foi oportuno. Eu acho que desviou um pouco o foco das ações que não são equivalentes. É importantíssimo deixar claro o que Israel está desenvolvendo dentro do território palestino", afirma.

·        O que é o crime de genocídio?

Um dos pedidos que levou o procurador do TPI a solicitar a prisão do premiê israelense foi o movido pela África do Sul contra o país judeu, do qual faz a acusação de um genocídio em curso nas terras palestinas. Porém, o órgão internacional não imputou o crime a Netanyahu. A professora Elizabeth Goraieb lembra que, mesmo com todas as provas robustas colhidas pelo tribunal e o "trabalho impecável" realizado nas investigações, o genocídio é um crime que exige um "elemento subjetivo chamado intenção" de provocar as mortes.

"O genocídio difere dos outros tipos penais porque tem que haver a prova de um elemento subjetivo chamado intenção, que é o dolo. Então, o sujeito, quando mata, extermina, faz deslocamento forçado. São formas de cometer o genocídio. Ele violenta a vítima, transfere crianças de grupo e faz com a intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, ético, racial ou religioso. Então, a prova do dolo, dessa intenção, é muito mais difícil. Por exemplo, nunca se conseguiu comprovar que [Slobodan] Milosevic deu a ordem para os extermínios dos sérvios", compara.

Já no crime de guerra ou contra a humanidade não há necessidade de comprovar esse elemento subjetivo. "[…] digamos que a tropa vem e atira na população como um todo. Não mira uma etnia, não mira uma raça, não existe um programa do Estado para destruir determinado grupo. Então, no crime contra a humanidade, há um ataque generalizado, sistemático contra uma população civil", finaliza.

¨      Benjamin Netanyahu pode ser preso em 123 países, se condenado pelo TPI

O primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, poderia ser preso em 123 países, se o Tribunal Penal Internacional pedir e as respectivas nações signatárias acatarem à orientação. Há mais de 25 anos, o ditador chileno Augusto Pinochet foi preso em Londres, em circunstâncias similares e que servem como jurisprudência para o caso atual.

Nesta segunda (20), o procurador-chefe do TPI Karim Khan pediu que o tribunal emitisse mandado de prisão contra Netanyahu, parte de sua equipe de governo e líderes do Hamas. O caso ainda precisa ser julgado pela Corte Internacional.

Para o desfecho, contudo, seriam necessários uma série de mecanismos, adotados pelo TPI e pelos países. Mas nesta quinta-feira (23), a Alemanha sinalizou que está disposta a acatá-los.

·        Qual é o poder do Tribunal Penal Internacional

O Tribunal Penal Internacional (TPI) é a instância da Justiça internacional responsável por investigar e julgar pessoas acusadas de crimes de guerra, crimes contra a humanidade e genocídio.

Parte superior do formulário

Parte inferior do formulário

Assim como a Corte Internacional de Justiça (CIJ), que julga os países por crimes contra a humanidade, o Tribunal também precisa da adesão das nações para que suas determinações sejam acolhidas.

E, ainda assim, como todos os órgãos do sistema penal internacional, essas decisões são limitadas às legislações e decisões de Estado dos países membros, sob a alegação de ameaça às respectivas soberanias.

Além disso, o TPI não tem força policial ou regulamentação nesse sentido para a aplicação de suas próprias decisões. Na prática, os países membros deveriam cumprir as determinações, mas elas têm somente força de recomendação e orientação, submetidas aos mecanismos internos de cada país para a sua aplicação.

·        Os países podem, ou não, prender Netanyahu

É dessa forma que mesmo os países signatários, que atualmente são 123, podem não cumprir a decisão do Tribunal, se este condenar Netanyahu à prisão, e assim os mandados de prisão podem não ter efeitos práticos.

Para que sejam cumpridos, os países devem movimentar os seus mecanismos diplomáticos, jurídicos e policiais. É como acenou a Alemanha, por meio do porta-voz do chanceler alemão Olaf Scholz, Steffen Hebestreit, em coletiva de imprensa.

Hebestreit foi questionado se o país iria prender o primeiro-ministro de Israel, caso o Tribunal Internacional determinasse junto aos signatários e Benjamin Netanyahu pisasse em território alemão. “Claro. Sim, cumprimos a lei”, respondeu, sem pestanejar.

A postura não é a mesma, por exemplo, dos Estados Unidos, da Rússia e de Israel, que não são signatários do tratado do TPI. Mas outros importantes países são membros do Tribunal: além da Alemanha, França e Reino Unido, que também têm relações próximas do Estado de Israel, são signatários e podem acenar da mesma forma que a Alemanha.

O direito internacional guarda, ainda, exemplos práticos que podem ser repetidos. É o caso do presidente da Rússia, Vladimir Putin, que como pode ocorrer com Netanyahu, foi alvo de uma ordem de prisão pelo Tribunal Internacional. Putin não foi preso, mas desde então se viu impossibilitado de comparecer a alguns países, onde sua presença pode gatilhar a prisão.

Também esteve na lista de condenados pelo Tribunal Penal Internacional o ex-presidente do Sudão, Omar al-Bashir, que liderou um golpe de estado no país em 1989 e foi deposto do poder em 2019 e detido pelo próprio país.

Outro precedente, que antece a própria regulamentação do TPI, é do ditador chileno Augusto Pinochet.

·        O precedente Pinochet

O TPI foi criado, inclusive, meses antes da prisão de Pinochet, por meio do tratado internacional Estatuto de Roma, que fundou a instância judicial, entre junho e julho de 1998.

A prisão de Pinochet foi considerada um precedente determinante para a atuação da Justiça internacional em crimes de guerra e genocídio, inclusive para a atuação posterior do Tribunal Penal Internacional.

Na época, o ditador ocupava um cargo de senador vitalício no país e estava, dentro do Chile, protegido pela imunidade. Mas viajou de forma particular – não diplomática – a Londres, capital britânica, para realizar uma cirurgia na coluna.

O juiz espanhol Baltazar Garzón emitiu um mandado de prisão, desde a Espanha, com base no julgamento internacional da Operação Condor, e Pinochet ficou 503 dias preso no Reino Unido.

¨      Alemanha diz que prenderá Benjamin Netanyahu se premiê for ao país após decisão do TPI

A Alemanha pode prender o primeiro-ministro israelense se ele entrar no país em meio a alegações de crimes de guerra por parte do Tribunal Penal Internacional (TPI), confirmou um porta-voz do governo alemão.

O promotor do TPI, Karim Khan, anunciou na segunda-feira (20) que está buscando mandados para três líderes do Hamas, bem como para os líderes israelenses Netanyahu e o ministro da Defesa, Yoav Gallant, estabelecendo equivalência entre eles pela guerra na Faixa de Gaza.

Na quarta-feira (22), o porta-voz do governo alemão, Steffen Hebestreit, foi questionado em uma conferência de imprensa se Berlim vai aderir à decisão do TPI e implementá-la.

"Da forma como você colocou isso tão bem, esta é uma questão hipotética, então darei meio passo para trás e direi: em princípio, somos apoiadores do TPI e continuará assim", afirmou Hebestreit, segundo o Daily Mail. Logo em seguida, o jornalista repetiu a sua pergunta, e Hebestreit reiterou: "Pensei ter respondido à pergunta através da minha declaração normativa, caso contrário, se ainda tiver dúvidas: claro. Sim, cumprimos a lei", reiterou.

A decisão da Alemanha surge após o embaixador de Israel em Berlim, Ron Prosor, ter feito um apelo desesperado ao governo alemão para que rejeitasse o mandado de prisão proposto pelo TPI, relata a mídia.

Netanyahu classificou o anúncio de Haia como "uma desgraça" e "uma completa distorção da realidade".

Em uma entrevista no começo da semana, o promotor Khan disse que os mandados são por crimes de guerra e crimes contra a humanidade devido ao ataque mortal do Hamas em 7 de outubro contra Israel e a resposta israelense no enclave palestino ao ataque.

"O mundo ficou chocado no dia 7 de outubro quando pessoas foram arrancadas dos seus quartos, das suas casas, dos diferentes kibutz em Israel", disse Khan à apresentadora da CNN, Christiane Amanpour, acrescentando que "as pessoas sofreram enormemente".

Ao mesmo tempo, o promotor afirmou que as acusações contra Netanyahu e Gallant incluem "crimes de extermínio, causar fome como método de guerra, incluindo a negação de suprimentos de ajuda humanitária, visando deliberadamente civis em conflito".

A decisão do TPI foi recebida com reações mistas por parte da comunidade internacional, com Londres a rotulá-la de "inútil" e o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, a chamá-la de "ultrajante", enquanto outros líderes mundiais disseram que apoiavam a investigação.

Na terça-feira (22), Noruega, Espanha e Irlanda reconheceram o Estado palestino, uma decisão que entrará em vigor em 28 de maio. No entanto, a Alemanha afirmou que o reconhecimento "não vai trazer paz", conforme noticiado.

 

Fonte: Sputnik Brasil/Jornal GGN

 

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