terça-feira, 21 de maio de 2024

Por que o Ocidente está 'tão preocupado' com a visita de Putin à China?

De acordo com o The New York Times, a ênfase no estreitamento de laços de ambas as nações - poderosas cada uma à sua maneira - causa receio no Ocidente.

"Visita de Putin à China destaca laços militares que preocupam o Ocidente". É esta a manchete dessa sexta-feira (17) de um artigo do veículo norte-americano The New York Times logo após a viagem do presidente russo à China.

A nota afirma que a visita de Putin à China – a primeira viagem de Putin ao estrangeiro desde que assumiu o seu novo mandato – é o mais recente "sinal" da crescente proximidade entre as duas nações, "apesar das tentativas de Washington de aumentar a pressão sobre Pequim para se distanciar de Moscou e da política de sanções e boicote que os EUA impuseram à Rússia e à China".

"O presidente Vladimir Putin esteve, na sexta-feira, em uma cidade do nordeste da China [Harbin] e visitou uma universidade apoiada pelo Estado famosa pela sua investigação de ponta em defesa, destacando como as forças econômicas e militares entre os dois países cresceram apesar de, ou talvez por causa, da pressão ocidental", observa o artigo.

O jornal norte-americano detalha que a viagem a Harbin ocorreu após um dia de reuniões entre Putin e o presidente Xi Jinping realizadas em Pequim, que refletiram não só o alinhamento estratégico entre a Rússia e a China, mas também a "ligação pessoal" entre os dois líderes.

¨      O que está por trás da aliança entre China e Rússia

A BBC News Brasil conversou com especialistas em política chinesa e russa de diferentes partes do globo e que veem o momento atual sob perspectivas distintas para identificar quais são os interesses e visões em comum que aproximam Moscou e Pequim.

·        Interesses econômicos e de segurança

Segundo analistas, acima de tudo essa é uma parceria pragmática, que busca o benefício mútuo.

Após a invasão à Ucrânia, Estados Unidos, União Europeia, Reino Unido e outras nações aliadas impuseram sanções restritas à Rússia - proibindo as importações de petróleo e as exportações de produtos de alta tecnologia.

Com isso, o comércio desses países com os russos caiu exponencialmente ao longo de 2022 e a China se solidificou como o parceiro comercial mais importante da Rússia.

O comércio bilateral entre os dois parceiros atingiu um nível recorde em 2022, chegando a 190 bilhões de dólares. Ou seja, um aumento de 30% em relação ao ano anterior.

Além disso, quase metade de todas as receitas anuais do governo russo vem do petróleo e gás, e as vendas para os países da União Europeia despencaram com as sanções.

Mas uma parte significativa desse déficit foi compensada com o aumento das vendas para a Ásia - e para a China.

A Rússia exportou duas vezes mais gás de cozinha e 50% a mais de gás natural para a China em 2022 do que no ano anterior. Há ainda projetos de longo prazo para expandir os laços e construir um novo gasoduto para ligar os dois territórios.

Para além da economia, também há cooperação em termos de segurança, segundo analistas.

A China não só compartilha uma fronteira de mais de 4 mil quilômetros com a Rússia, como também faz divisa com outras ex-repúblicas soviéticas sob a influência de Moscou, como o Cazaquistão, o Quirguistão e o Tajiquistão. E estrategicamente, Pequim não quer instabilidade em suas fronteiras.

Mas a grande questão neste momento em relação ao conflito na Ucrânia é se a China, o quarto maior exportador de armas do mundo, vai enviar ajuda bélica para a Rússia.

Até agora, o governo chinês não forneceu equipamentos letais à Rússia, mas os Estados Unidos acreditam que essa é uma possibilidade no futuro.

Siemon Wezeman, do Instituto Internacional de Estocolmo para Estudos da Paz, disse à BBC que a China está fabricando material bélico cada vez mais sofisticado, como por exemplo drones, que podem interessar à Rússia. Porém até o momento não há provas de envio de armas.

·        Visão de mundo e oposição ao Ocidente

Mas a ligação não para por aí. Segundo os especialistas consultados pela reportagem, uma posição similar sobre o Ocidente e o futuro da ordem mundial, além de visões de mundo semelhantes, também unem as duas potências.

Para eles, existe uma vaga similaridade nos valores enaltecidos por ambos os governos e - em parte - pelas sociedades.

O pesquisador e professor da American University, Joseph Torigian, estuda a trajetória política desses dois países e as estratégias de seus governos. Segundo ele, vigora em ambos "uma forma diferente de olhar para o mundo, que coloca mais ênfase no poder do Estado e em valores sociais conservadores".

Ambos os governos também possuem tendências autocráticas, em oposição ao modelo de democracia ocidental, diz Torigian.

Mas esses valores ou ideologias têm origens distintas nos dois países e são difundidos e aplicados de formas e em intensidades diferentes. No passado, inclusive, China e União Soviética tiveram conflitos em relação aos seus modelos de comunismo.

O professor e pesquisador chinês Yingjie Guo, da Universidade de Sidney, explica que o governo chinês afirma se guiar pelas ideologias do comunismo e marxismo, mas que na prática o desenvolvimento econômico muitas vezes é colocado em primeiro lugar.

"O Partido Comunista estabelece como objetivo o comunismo e continua a dizer que é guiado pelo marxismo (...). No entanto, não tem pressa em avançar para o comunismo ou mesmo para estágios mais avançados do socialismo. Pelo contrário, o socialismo chinês voltou a um estágio inicial, em que as relações de produção não socialistas, incluindo a propriedade privada, são permitidas."

Além disso, segundo o cientista político e historiador Rana Mitter, da Universidade de Oxford, o pensamento político chinês atual também tem muitas influências do Confucionismo, uma doutrina que vem sendo retomada por Xi Jinping.

"Essa filosofia tradicional chinesa traz elementos a respeito da hierarquia e do relacionamento entre as pessoas e países", explica.

Já no caso da Rússia, apesar do passado soviético comunista, as influências ideológicas atuais são totalmente diferentes, além de mais dispersas e difíceis de serem identificadas.

"A filosofia do governo Putin atualmente está diretamente ligada ao nacionalismo, mas mais ainda ao imperialismo e a um sentimento de superioridade (combinado com um sentimento de ressentimento) da nação russa. (...) É basicamente um conjunto completo de ideologias clássicas da extrema direita", definiu o pesquisador e jornalista russo Andrei Kolesnikov, membro do think tank Carnegie Endowment for International Peace.

Pesquisador e professor da Universidade Federal do Sul, na Rússia, Victor Apryshchenko afirma ainda que esse discurso nacionalista está presente não só nas declarações de oficiais do governo, mas também nas escolas, na produção cultural controlada pelo Estado e nas redes sociais.

"Creio que a principal explicação para esse renascimento do nacionalismo atualmente é o trauma que a Rússia e a população russa enfrentaram após o colapso da União Soviética. Me parece que desde 1991 há um esforço interno e externo para tentar retomar a posição anterior", diz.

Mas o ponto que une os dois países é justamente como os seus valores se contrapõem aos ditos ocidentais, em especial quando se trata da defesa da democracia como o melhor modelo de governo e da definição de direitos humanos e outros conceitos.

"A oposição ao modelo ocidental certamente ajuda a unir os dois países", afirma Andrew Mertha, diretor do programa de estudos sobre a China da Universidade Johns Hopkins, nos EUA.

Segundo analistas, Rússia e China não estão necessariamente tentando impor seu modo de ver a realidade ao resto do mundo, como fizeram durante a Guerra Fria, mas temem justamente o que acreditam ser uma tentativa do Ocidente de fazer isso com seus próprios valores.

Segundo Vicente Ferraro Jr, cientista político e pesquisador do Laboratório de Estudos da Ásia da Universidade de São Paulo (USP), esse é um dos principais componentes políticos da relação hoje.

"Ambos contestam em parte o liberalismo político e acusam o Ocidente de tentar 'exportar' seus modelos políticos, de maneira inapropriada, a outras sociedades e contextos culturais. O liberalismo político e, indiretamente, a democracia representativa são apresentados por ambas não como valores universais, mas como construções do Ocidente instrumentalizadas para fins geopolíticos", diz.

Existem, por exemplo, vozes que defendem a ideia de que os conceitos de democracia e direitos propostos pelos Estados Unidos e pela Europa na verdade são apenas uma forma de manipular os demais países em favor de seus interesses.

Em outras palavras, Moscou e Pequim compartilham da ideia de que a ordem internacional liderada pelo Ocidente e por suas regras é uma ameaça tanto para a China quanto para a Rússia.

Segundo os especialistas, isso fica claro tanto nos discursos em que Putin acusa a Otan de expandir seus interesses além do seu próprio território, quanto quando Xi Jinping critica a busca dos Estados Unidos por aliados na região da Ásia-Pacífico.

"Trata-se de uma aliança contra um adversário comum, baseada principalmente na ideia de que os Estados Unidos estão usando seu poder militar livremente e amplamente em todo o mundo e que isso não pode continuar", definiu o russo Mikhail Alexseev, professor da Universidade Estadual de San Diego.

Para ele, sem essa percepção comum sobre o Ocidente, a estrutura da parceria entre Rússia e China pode desabar.

·        Uma parceria 'sem limites'?

Mas há quem questione se essa aliança é, de fato, ilimitada, como os dois governos definiram em um comunicado conjunto emitido pouco antes da invasão da Ucrânia.

As diferenças ideológicas, que existem apesar das visões de mundo semelhantes, podem se tornar um problema em algum momento, segundo especialistas consultados pela BBC Brasil.

Os precedentes estabelecidos no passado também não são dos melhores. Em março de 1969, as tropas da China e da antiga União Soviética (URSS) se enfrentaram numa batalha que durou meses e marcou por mais de duas décadas as relações entre os dois países.

Os analistas afirmam ainda que a China pode abandonar a parceria caso a Rússia vá longe demais em sua empreitada na Ucrânia, por exemplo utilizando armas nucleares. Ou então caso uma cooperação mais vantajosa economicamente se apresente no futuro.

A professora Alexandra Vacroux, da Universidade de Harvard, definiu da seguinte maneira: "É uma espécie de casamento por conveniência, mas não existe amor de verdade".

¨      Rússia está no top 10 das economias que mais cresceram no mundo no séc. XXI, revelam dados

Uma análise das estatísticas de crescimento econômico de diferentes países aponta para a Rússia ter um dos melhores desempenhos nas últimas décadas.

A economia da Rússia foi a décima que mais cresceu entre as principais economias mundiais desde o início do século XXI, segundo uma análise de dados do FMI e do Banco Mundial da Sputnik.

As informações têm em conta economias com um PIB total de pelo menos US$ 100 bilhões (R$ 510,46 bilhões). No final do sec. XX havia 35 dessas economias e, no final de 2023, 68. O PIB da Rússia cresceu 7,7 vezes em 23 anos, de US$ 260 bilhões (R$ 1,33 trilhões) no final do último século para pouco mais de US$ 2 trilhões (R$ 10,21 trilhões).

A Etiópia, que se juntou ao BRICS, teve o crescimento mais rápido – desde o início do século, sua economia cresceu 19,4 vezes, para US$ 160 bilhões (R$ 816,74 bilhões). Em seguida, vem a China, cujo PIB aumentou 14,6 vezes, chegando a US$ 17,7 trilhões (R$ 90,35 trilhões). O terceiro que mais cresceu foi o Cazaquistão, com sua economia aumentando 14,2 vezes.

A quarta economia com crescimento mais rápido foi o Vietnã: 13,9 vezes, com o Catar completando os cinco primeiros (crescimento de 13,2 vezes). Entre os dez primeiros estão ainda a Romênia, que cresceu 9,3 vezes, Bangladesh (8,4 vezes) e a Indonésia (8,3 vezes).

Além da Etiópia, China e Rússia, o crescimento mais rápido do PIB no BRICS foi o da Índia, com sua economia crescendo 7,6 vezes desde a virada do século. Ao longo dos anos, os Emirados Árabes Unidos cresceram 4,8 vezes, o Egito, quatro vezes, o Irã, 3,7 vezes, o Brasil, 3,3 vezes, e a África do Sul, 2,5 vezes.

O único país que apresentou uma queda no PIB desde o início do século foi o Japão, membro do G7. Sua economia encolheu 15%, para US$ 4,2 trilhões (R$ 21,44 trilhões), contra US$ 5 trilhões (R$ 25,52 trilhões) no final do século passado.

A Grécia teve o crescimento mais lento do PIB ao longo dos anos, com apenas 83%. Porto Rico (+88%) e a Itália (+97%), membro do G7, também cresceram menos de duas vezes. Entre os outros países do G7, o Canadá teve o crescimento mais rápido (2,9 vezes), seguido pelos EUA (2,7 vezes), Alemanha (2,3 vezes), França (2,2 vezes) e Reino Unido (duas vezes).

¨      Índia mais que dobra importações de diamantes da Rússia, apesar das sanções ocidentais

Uma análise dos dados apresentados pelo Ministério do Comércio e Indústria da Índia realizada pela Sputnik neste domingo (19), aponta que Nova Deli expandiu suas importações de pedras preciosas de parceiros como a Rússia e a China.

A Índia mais que dobrou as importações de diamantes da Rússia, para 728.000 quilates em março, em relação ao mesmo período do ano anterior, em meio à diminuição da oferta da Bélgica e dos Emirados Árabes Unidos, de acordo com os dados do ministério.

Em busca de uma diversificação de mercado, em um ano, a Índia aumentou as importações de pedras preciosas de diversos países elevando para 354.000 quilates as compras do Canadá, em relação a março do ano anterior, enquanto as importações de diamantes da China aumentaram 2,6 vezes, para 122.000 quilates, e as remessas de Hong Kong aumentaram 15% no mesmo período.

Ao mesmo tempo, as importações de diamantes provenientes da Bélgica caíram 2 milhões de quilates, para 2,1 milhões de quilates no mesmo período, e dos Emirados Árabes Unidos, em 900.000 quilates, para 7,3 milhões de quilates, segundo os dados.

Os Estados Unidos reduziram as suas exportações de diamantes para o país asiático para 155.000 quilates, Israel para 110.000 quilates, Botsuana para 214.000 quilates e a África do Sul para 255.000 quilates, mostraram os dados.

As importações totais de diamantes da Índia em março caíram de 14,7 milhões de quilates para 12,15 milhões de quilates, em termos anuais.

Em 1º de janeiro, entrou em vigor a proibição gradual da União Europeia (UE) sobre as importações diretas e indiretas, a compra e a transferência de diamantes russos. A proibição abrange os diamantes originários da Rússia, exportados do país ou em trânsito, bem como os diamantes russos processados em países terceiros.

A proibição abrange diamantes naturais e sintéticos não industriais, bem como joias com diamantes, enquanto a proibição indireta de importação de diamantes russos quando processados em países terceiros foi introduzida gradualmente a partir de 1º de março e está programada para terminar em 1º de setembro.

 

Fonte: Sputnik Brasil/BBC News Mundo

 

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