Para onde
caminha a Índia? (Crescer no silêncio)
A
Índia moderna e democrática, com uma história milenar, onde outrora
coabitaram diferentes civilizações e impérios, faz por merecer o seu
atual desenvolvimento económico, particularmente no segmento industrial, com
conquistas evidentes na melhoria da qualidade e bem-estar da população. É certo que ainda há muito por fazer, mas muito tem sido
feito, persistindo ainda muita economia informal, como consequência do elevado índice de pessoas
desempregadas, muito elevada entre os jovens.
É
um país vasto, talvez se possa considerar complexo, pela sua dimensão
territorial e demográfica, com idiossincrasias muito próprias, que moldarão
cada vez mais o futuro mundial. A falta de emprego na Índia “é uma
bomba-relógio” para os mais jovens, afirma a economista Jayati Ghosh (2023)
que chama ao dividendo demográfico do país “uma bomba-relógio”. “Não se
trata apenas de uma questão de perda potencial para a economia... é uma
geração perdida.” Diminuir a taxa de desemprego é sem dúvidas o grande
desafio que se coloca às autoridades indianas. Em abril de 2023, a Índia
ultrapassou a China continental como o país mais populoso do mundo, tem a
maior população jovem do mundo, no entanto, de acordo com a OCDE, mais de
30% dos jovens indianos são NEET (not in employment, education or training).
Tem
a maior população do mundo, com imensa diversidade de etnias e culturas, e,
nos últimos anos, tem sido uma das economias com crescimento mais rápido e
sustentado, com um próspero e vigoroso tecido empresarial, agroindustrial,
biotecnológico, tecnológico, e neste particular não podemos perder de vista
o recente feito histórico, ao se tornar o primeiro país a pousar uma aeronave
espacial nas zonas limítrofes do sul da Lua, com a Missão espacial Chandrayaan-3 que alunou às 13h34 (hora de Lisboa) no dia 23/08/2023,
tornando-se assim no quarto país a alunar com sucesso, depois da antiga URSS,
dos Estados Unidos e da China.
No
entanto nenhum destes tês pioneiros países conseguiu alunar tal como
perspetivaram, em zonas contiguas ao sul da Lua. Tal feito foi recentemente
tentado pela Rússia e pelos EUA, sem sucesso. É a maior democracia do mundo,
uma conquista quase milagrosa para um país tão diversificado, comprometido em
aumentar a riqueza e a sua distribuição com equidade, ainda que, para alguns,
politicamente se tenha tornado cada vez mais, um país autoritário, com
tendências autocráticas, sob a égide da presidência de Narendra Modi. Hoje
a Índia destaca-se pela sua elevada capacidade de produção industrial e de tecnologia de ponta, sendo a maior produtora
de software do mundo.
A
ÍNDIA A CHINA, E O CRESCIMENTO ECONÓMICO. A DEMOCRACIA FARÁ A DIFERENÇA?
Estamos sem dúvidas em presença da maior democracia do mundo, em que os
cidadãos têm maturidade politica,
cultura democrática, um marcado sentido de exercício da sua cidadania, e
instituições democráticas sólidas, em que é possível eleições livres e democráticas, e mais de mil milhões de pessoas
votam, com ampla participação dos partidos políticos e dos
cidadãos. A Índia actual, está a emergir como um actor relevante no palco
geopolítico, aumentando a sua influência diplomática e económica, não
estando vinculado nem à China nem aos EUA, autoproclamando-se líder do Sul
global.
“Incompreensivelmente, existe ainda alguma relutância dos
países da UE em aceitar este patamar de desenvolvimento económico e
tecnológico em que a India hoje se encontra, não obstante as crescentes
relações comerciais que se verificam hoje, como mais à frente verificaremos”
O
Ocidente parece indiferente a esta nova realidade. Perante tal circunstância
os países da UE por exemplo parecem adoptar uma posição negacionista,
focados apenas na China, de quem economicamente, dependem cada vez mais, sem
definir estratégias apropriadas a esta nova realidade que vem da Índia,
embora mantenham com ela significativas relações comerciais, como mais à
frente veremos. Por mera conveniência política, mostram alguma relutância em
aceitar o visível desenvolvimento económico, científico, tecnológico e o
reforço geoestratégico cada vez maior da Índia, não
negligenciável. Entre outros fatores subjacentes a tal desenvolvimento, estão
por exemplo, um significativo número de multinacionais instaladas no país,
tendo em conta entre outras razões, o seu enorme mercado consumidor.
É
uma nação promissora, mas que ainda sofre com o seu passado colonial.
Não obstante conseguiu um progresso científico e tecnológico de realçar. Soma prémios Nobel, da física, química, economia entre
outros. Hoje é uma pródiga fonte de recrutamento de professores qualificados,
de economia, gestão e outras áreas da ciência como a física, engenharia nuclear, para as melhores
universidades do mundo, Harvard, Yale, Oxford, Cambridge, para só citar
algumas. E tem igualmente gestores de topo nas melhores e mais prestigiadas
empresas dos EUA e na Europa.
De
referir a título de exemplo que a Syngenta Vegetal Seeds inaugurou
recentemente, um laboratório de última geração, constituindo-se como uma
das instalações de teste de sementes mais avançadas do mundo, representando
o primeiro laboratório dedicado à qualidade e “saúde” de sementes da Índia,
que dará respostas às necessidades não só dos produtores da Índia como
também a toda a região Ásia-Pacífico. Localizado na vila de Nuthankal,
perto de Hyderabad, o laboratório passa a fazer parte da rede global de
laboratórios de controle de qualidade de sementes de hortaliças da Syngenta. Isto inclui centros de excelência nos EUA e na Holanda, que apoiam a
missão da Syngenta de fornecer produtos de sementes vegetais da mais alta
qualidade aos produtores de todo o mundo. Segundo os últimos dados
disponíveis do Banco Mundial, a Índia é a quarta potência agrícola do mundo. Contribuindo a
agricultura com 16,7% do PIB, empregando 44% da população ativa, razão pela qual a agricultura é um pilar central da
economia indiana.
No
campo da Inteligência Artificial (IA) por norma referem-se dois países como
estando na dianteira, EUA e China, esquecendo-se mais uma vez o enorme
potencial que reside na Índia nesta matéria. O potencial transformador da IA
no aumento da produtividade através da simplificação e automatização de
processos é significativo, especialmente em setores como o da tecnologia. Um
centro de dados de IA fornecerá acesso contínuo a plataformas de dados não
pessoais para startups e pesquisadores indianos, entre outros.
Para
que tal desiderato caminhe de mãos dadas com o necessário sucesso, é
determinante, a existência de Universidades qualificadas, e na Índia é algo
que de facto existe. As universidades, são repositórios de conhecimento e
capacidade intelectual, desempenham um papel crucial no avanço deste objetivo
estratégico da Índia, a IA.
Torna-se
necessário para o efeito tal como nos outros países, alinhar estrategicamente
os seus programas académicos e esforços de
investigação com os objectivos desta missão crucial no futuro mais
próximo. As universidades podem emergir como aliadas inestimáveis na busca da
Índia pela supremacia da IA. Aproveitando a sua experiência, as universidades podem dar um
contributo determinante, e serem por exemplo pioneiras no desenvolvimento de
modelos de IA com um espírito humanístico, promovendo o avanço social, garantindo um desenvolvimento económico sustentável
e simultaneamente inclusivo, particularmente considerando a sua dimensão
demográfica. Este objectivo é perseguido por via de um consorcio
universitário a Alliance University que contribui activamente para o
desenvolvimento da IA que pode ser uma vantagem competitiva para o país que
procura maior produtividade para todos os sectores.
Tem,
contudo, uma vizinhança problemática. A relação
estabelecida entre a Índia e China é tensa e não raras vezes chegam, nas
suas fronteiras comuns, a conflitos potencialmente perigosos para a região,
tendo havido a partir de 1962 um aumento dessa tensão. A causa inicial deste
conflito prende-se com uma região litigiosa no Himalaia, em Arunachal Pradesh,
designada pela China como Tibete do Sul. Por outro lado, a sua relação com o Paquistão, país maioritariamente muçulmano, tem sido marcada recorrentemente por conflitos de
fronteiras comuns e militares, em que a região do Caxemira é a principal
causa. A Índia também acusa o Paquistão de financiar violentos grupos
paramilitares que operam nas zonas fronteiriças, e
importa realçar que a Índia, China e o Paquistão são potencias nucleares.
O
Banco Mundial descreve a inclusão financeira como a circunstância em que
tanto as empresas como os indivíduos, têm acesso a serviços e produtos
financeiros adequados às suas necessidades e acessíveis, permitindo-lhes
adquirir (micro) créditos e seguros, realizar transações financeiras,
efetuar pagamentos e acumular poupanças. Estes serviços devem ser prestados
de forma eficiente e sustentável (Banco Mundial, 2017).
É
o 10.o maior parceiro comercial da UE, significando apenas 2% do comercio total
de mercadorias da UE (Conselho Europeu 2024) que por sua vez é o segundo maior
parceiro comercial da Índia (Conselho Europeu 2024). Estão presentes na
Índia mais de 6000 empresas europeias, que geram 1,7 milhões de empregos
diretos e 5 milhões de empregos indiretos numa vasta gama de setores (Conselho
Europeu 2024).
É
a quinta maior economia do mundo, com um PIB que ascende a 3,25 trilhões de
dólares segundo os dados mais recentes do Fundo Monetário Internacional
(FMI), consolida cada vez mais o seu desenvolvimento económico a par do reforço da inclusão financeira, e a sua importância geoestratégica. O início do
exercício de 2023-24 registou um crescimento robusto impulsionado pelo
investimento público e pelo consumo privado. Quanto às suas Finanças Públicas, para 2024, o FMI prevê um défice orçamental de 8,5%, com uma redução para
8% até 2025. Entretanto, o rácio dívida/PIB aumentou marginalmente para
81,9% em 2023 e espera-se que continue a aumentar para 82,2% em 2025 (FMI).
Não passa despercebido este novo alento económico que perpassa hoje este
gigante asiático, e que se materializará, é uma questão de tempo, ainda em
mais desenvolvimento sustentado e crescimento económico, feito todo ele em
silêncio.
¨
A ascensão da Índia:
de colônia inglesa a potência global do século XXI
Nação
rica em história e cultura, a Índia tem consolidado sua posição como uma das
potências econômicas emergentes mais promissoras do mundo no século XXI.
À
Sputnik Brasil, o analista internacional e jornalista indiano Shobhan Saxena
afirma que a mudança econômica indiana se intensificou há cerca de 20 anos, com
a adoção de um novo modelo produtivo. "A economia da Índia mudou, cresceu
bastante, e a pobreza se reduziu. A Índia não tem mais o problema de fome, e o
sistema de saúde, transporte e educação melhorou."
Nos
últimos anos, a Índia se tornou a quinta maior economia mundial, superando o
Reino Unido. Saxena credita o crescimento ao aumento de investimentos nacionais
e estrangeiros, sobretudo em infraestrutura. "O governo da Índia está
fazendo bastante investimento, principalmente na área de infraestrutura.
Empresas de outro país também estão fazendo bastante investimento."
O
país tem avançado significativamente no setor de tecnologia, com Bengaluru se
destacando como o Vale do Silício indiano na visão do analista. Empresas
indianas de tecnologia, farmacêuticas e de petróleo têm ganhado presença
global, inclusive no Brasil.
Na
entrevista aos jornalistas Melina Saad e Marcelo Castilho, do podcast Mundioka,
da Sputnik Brasil, Saxena afirma que a iniciativa "Make in India" tem
atraído empresas estrangeiras para estabelecerem suas fábricas no país,
aproveitando os custos competitivos de mão de obra e recursos.
Segundo
o jornalista, um dos maiores trunfos da Índia é sua população jovem. "Mais
de 75% da população da Índia tem idade entre 15 e 35 anos", disse,
destacando que tal parcela proporciona uma força de trabalho valiosa e um
mercado consumidor crescente.
- Como é a economia da Índia atualmente?
O
pesquisador em ciência política da Universidade de Louvain João Paulo Nicolini
afirma que a economia indiana tem se beneficiado da população jovem, mas também
de uma forte indústria de serviços.
Nicolini
explicou que "o mercado principal do Norte Global busca serviços providos
pelos indianos", contribuindo para um crescimento econômico robusto.
No
entanto ele também alertou sobre a informalidade no mercado de trabalho
indiano, com dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT) indicando que
"aproximadamente 80% da população jovem não consegue entrar no mercado
formal […]".
O
pouso de uma sonda indiana na Lua, no entanto, é destacado por Nicolini como um
marco significativo, evidenciando que "o desenvolvimento científico da
Índia é um ponto forte do país", colocando-o em posição de destaque no Sul
Global no que tange à área de ciência e tecnologia.
- Qual a importância de Bollywood?
O
termo "Bollywood" é uma junção das palavras "Bombaim" —
antigo nome da maior cidade indiana, Mumbai — e "Hollywood", distrito
americano que concentra a produção de filmes dos EUA. Mumbai é responsável pela
realização dos filmes indianos de grandes orçamentos e é o maior centro de
produção cinematográfica do planeta.
Segundo
Saxena, a Índia está expandindo sua influência cultural globalmente através do
soft power. "O governo da Índia tem uma organização que se chama Conselho
de Cultura Internacional para compartilhar, espalhar a cultura indiana."
De
acordo com ele, isso se reflete na proliferação de centros culturais indianos
ao redor do mundo, em aulas de ioga e meditação e no sucesso internacional de
Bollywood, por exemplo.
- Em que ano a Índia deixou de ser colônia da Inglaterra?
Em
1947, a Índia deixava de ser uma colônia da Inglaterra, após séculos de
dominação do país europeu. Os primeiros em território indiano foram os
portugueses, no século XVI, mas navios britânicos chegaram em 1612 e iniciaram
o processo de colonização.
Após
esse período, o país deu início a um processo de mudança de uma economia
colonial para uma nação que visava ao seu desenvolvimento.
O
pesquisador João Paulo Nicolini enfatiza que, para os indianos, a visão de sua
nação como uma grande potência não é novidade. "A elite do país,
independentemente do partido, entende que a Índia sempre foi uma grande
potência, subjugada durante o período da colonização britânica", explicou.
Segundo
ele, a colonização "extraiu e complicou o desenvolvimento econômico"
indiano, mas também fomentou um sentimento de unificação em torno da
independência.
A
transição para uma grande potência moderna, segundo Nicolini, está fortemente
ligada ao desenvolvimento científico e tecnológico. "A Índia atingiu essa
capacidade de ciência e tecnologia muito desenvolvida, superando bloqueios das
grandes potências, principalmente na área nuclear."
O
avanço permitiu que o país asiático alcançasse um status similar ao das grandes
potências do Norte Global em alguns tipos de tecnologia.
- Quem governa a Índia hoje?
O
primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, ocupa o cargo desde 2014. Neste ano,
ele espera obter o terceiro mandato como chefe de governo do país. A eleição
começou em 19 de abril e será concluída em 1º de junho, com a contagem dos
votos, lançados em urna eletrônica, prevista para 4 de junho.
No
pais mais populoso do mundo, o primeiro-ministro é apontado pelo partido que
conquista a maioria das cadeiras do Lok Sabha, a câmara baixa do Parlamento.
Em
2022, parlamentares também escolheram a presidente da Índia, Draupadi Murmu.
Ela atua como comandante suprema das Forças Armadas e possui poderes
fundamentais em crises políticas, como quando uma eleição é inconclusiva. No
entanto o primeiro-ministro é quem detém poderes executivos.
Questionado
sobre o papel do governo de Modi no crescimento econômico da Índia, Nicolini
reconhece controvérsias sociais, mas ressalta esforços para a industrialização
e a redução na burocracia.
"Ele
tentou aproximar outros países da Índia, ampliando acesso à tecnologia e
reduzindo problemas burocráticos com um imposto único, o IVA indiano, que
facilita a negociação entre estados e com outros países."
No
entanto ele também observou que "a globalização facilitou muito mais o
crescimento econômico indiano do que propriamente algumas ações que o governo
tomou".
- Qual a posição da Índia no BRICS?
Para
Nicolini, a Índia mantém uma relação complexa e pragmática com outras potências
globais, equilibrando suas relações com os Estados Unidos e a Rússia. Segundo
ele, a postura se deve a uma longa história de apoio soviético e a uma
estratégia de "pragmatismo na maneira de se relacionar com as
potências".
Ele
destaca que "os norte-americanos buscam um apoio indiano para impedir os
chineses de avançar demais" na região do Indo-Pacífico, dada a competição
geopolítica entre Índia e China.
Para
Saxena, na arena internacional a Índia tem conseguido equilibrar suas relações
com as diversas potências globais. "A Índia tem uma relação bem forte e
estratégica com os EUA, mas a Índia não deixou a Rússia."
- Futuros da Índia
Apesar
dos avanços, Saxena afirma que o país enfrenta desafios crônicos, como prover
educação e emprego de qualidade à população. "A Índia até agora tem
pobreza, problema de sistema de saúde… Tem problemas porque a Índia é a [nação]
mais populosa do mundo."
Para
o analista, embora a economia esteja crescendo, a distribuição de riqueza e a
melhoria dos serviços básicos, como de saúde e educação, ainda são pontos que
necessitam de atenção contínua.
O
futuro do país parece promissor, com uma previsão de que o produto interno
bruto (PIB) chegue a US$ 10 trilhões (cerca de R$ 50,9 trilhões) nos próximos
cinco anos, segundo ele. "Os povos indianos e todo mundo é mais otimista
com o futuro da Índia."
Para
Nicolini, a previsão de que a Índia se tornará a terceira maior economia do
mundo até 2030 é plausível. "Eu até acredito que possa vir a ser mesmo com
toda aquela expectativa que a gente já teve com o BRICS", conclui.
Fonte:
Diário de Notícias/Sputnik Brasil
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