quarta-feira, 22 de maio de 2024

Para onde caminha a Índia? (Crescer no silêncio)

A Índia moderna e democrática, com uma história milenar, onde outrora coabitaram diferentes civilizações e impérios, faz por merecer o seu atual desenvolvimento económico, particularmente no segmento industrial, com conquistas evidentes na melhoria da qualidade e bem-estar da população. É certo que ainda há muito por fazer, mas muito tem sido feito, persistindo ainda muita economia informal, como consequência do elevado índice de pessoas desempregadas, muito elevada entre os jovens.

É um país vasto, talvez se possa considerar complexo, pela sua dimensão territorial e demográfica, com idiossincrasias muito próprias, que moldarão cada vez mais o futuro mundial. A falta de emprego na Índia “é uma bomba-relógio” para os mais jovens, afirma a economista Jayati Ghosh (2023) que chama ao dividendo demográfico do país “uma bomba-relógio”. “Não se trata apenas de uma questão de perda potencial para a economia... é uma geração perdida.” Diminuir a taxa de desemprego é sem dúvidas o grande desafio que se coloca às autoridades indianas. Em abril de 2023, a Índia ultrapassou a China continental como o país mais populoso do mundo, tem a maior população jovem do mundo, no entanto, de acordo com a OCDE, mais de 30% dos jovens indianos são NEET (not in employment, education or training).

Tem a maior população do mundo, com imensa diversidade de etnias e culturas, e, nos últimos anos, tem sido uma das economias com crescimento mais rápido e sustentado, com um próspero e vigoroso tecido empresarial, agroindustrial, biotecnológico, tecnológico, e neste particular não podemos perder de vista o recente feito histórico, ao se tornar o primeiro país a pousar uma aeronave espacial nas zonas limítrofes do sul da Lua, com a Missão espacial Chandrayaan-3 que alunou às 13h34 (hora de Lisboa) no dia 23/08/2023, tornando-se assim no quarto país a alunar com sucesso, depois da antiga URSS, dos Estados Unidos e da China.

No entanto nenhum destes tês pioneiros países conseguiu alunar tal como perspetivaram, em zonas contiguas ao sul da Lua. Tal feito foi recentemente tentado pela Rússia e pelos EUA, sem sucesso. É a maior democracia do mundo, uma conquista quase milagrosa para um país tão diversificado, comprometido em aumentar a riqueza e a sua distribuição com equidade, ainda que, para alguns, politicamente se tenha tornado cada vez mais, um país autoritário, com tendências autocráticas, sob a égide da presidência de Narendra Modi. Hoje a Índia destaca-se pela sua elevada capacidade de produção industrial e de tecnologia de ponta, sendo a maior produtora de software do mundo.

A ÍNDIA A CHINA, E O CRESCIMENTO ECONÓMICO. A DEMOCRACIA FARÁ A DIFERENÇA?
Estamos sem dúvidas em presenc
̧a da maior democracia do mundo, em que os cidadãos têm maturidade politica, cultura democrática, um marcado sentido de exercício da sua cidadania, e instituições democráticas sólidas, em que é possível eleições livres e democráticas, e mais de mil milhões de pessoas votam, com ampla participação dos partidos políticos e dos cidadãos. A Índia actual, está a emergir como um actor relevante no palco geopolítico, aumentando a sua influência diplomática e económica, não estando vinculado nem à China nem aos EUA, autoproclamando-se líder do Sul global.

“Incompreensivelmente, existe ainda alguma relutância dos países da UE em aceitar este patamar de desenvolvimento económico e tecnológico em que a India hoje se encontra, não obstante as crescentes relações comerciais que se verificam hoje, como mais à frente verificaremos”

O Ocidente parece indiferente a esta nova realidade. Perante tal circunstância os países da UE por exemplo parecem adoptar uma posição negacionista, focados apenas na China, de quem economicamente, dependem cada vez mais, sem definir estratégias apropriadas a esta nova realidade que vem da Índia, embora mantenham com ela significativas relações comerciais, como mais à frente veremos. Por mera conveniência política, mostram alguma relutância em aceitar o visível desenvolvimento económico, científico, tecnológico e o reforço geoestratégico cada vez maior da Índia, não negligenciável. Entre outros fatores subjacentes a tal desenvolvimento, estão por exemplo, um significativo número de multinacionais instaladas no país, tendo em conta entre outras razões, o seu enorme mercado consumidor.

É uma nação promissora, mas que ainda sofre com o seu passado colonial. Não obstante conseguiu um progresso científico e tecnológico de realçar. Soma prémios Nobel, da física, química, economia entre outros. Hoje é uma pródiga fonte de recrutamento de professores qualificados, de economia, gestão e outras áreas da ciência como a física, engenharia nuclear, para as melhores universidades do mundo, Harvard, Yale, Oxford, Cambridge, para só citar algumas. E tem igualmente gestores de topo nas melhores e mais prestigiadas empresas dos EUA e na Europa.

De referir a título de exemplo que a Syngenta Vegetal Seeds inaugurou recentemente, um laboratório de última geração, constituindo-se como uma das instalações de teste de sementes mais avançadas do mundo, representando o primeiro laboratório dedicado à qualidade e “saúde” de sementes da Índia, que dará respostas às necessidades não só dos produtores da Índia como também a toda a região Ásia-Pacífico. Localizado na vila de Nuthankal, perto de Hyderabad, o laboratório passa a fazer parte da rede global de laboratórios de controle de qualidade de sementes de hortaliças da Syngenta. Isto inclui centros de excelência nos EUA e na Holanda, que apoiam a missão da Syngenta de fornecer produtos de sementes vegetais da mais alta qualidade aos produtores de todo o mundo. Segundo os últimos dados disponíveis do Banco Mundial, a Índia é a quarta potência agrícola do mundo. Contribuindo a agricultura com 16,7% do PIB, empregando 44% da população ativa, razão pela qual a agricultura é um pilar central da economia indiana.

No campo da Inteligência Artificial (IA) por norma referem-se dois países como estando na dianteira, EUA e China, esquecendo-se mais uma vez o enorme potencial que reside na Índia nesta matéria. O potencial transformador da IA no aumento da produtividade através da simplificação e automatização de processos é significativo, especialmente em setores como o da tecnologia. Um centro de dados de IA fornecerá acesso contínuo a plataformas de dados não pessoais para startups e pesquisadores indianos, entre outros.

Para que tal desiderato caminhe de mãos dadas com o necessário sucesso, é determinante, a existência de Universidades qualificadas, e na Índia é algo que de facto existe. As universidades, são repositórios de conhecimento e capacidade intelectual, desempenham um papel crucial no avanço deste objetivo estratégico da Índia, a IA.

Torna-se necessário para o efeito tal como nos outros países, alinhar estrategicamente os seus programas académicos e esforços de investigação com os objectivos desta missão crucial no futuro mais próximo. As universidades podem emergir como aliadas inestimáveis na busca da Índia pela supremacia da IA. Aproveitando a sua experiência, as universidades podem dar um contributo determinante, e serem por exemplo pioneiras no desenvolvimento de modelos de IA com um espírito humanístico, promovendo o avanço social, garantindo um desenvolvimento económico sustentável e simultaneamente inclusivo, particularmente considerando a sua dimensão demográfica. Este objectivo é perseguido por via de um consorcio universitário a Alliance University que contribui activamente para o desenvolvimento da IA que pode ser uma vantagem competitiva para o país que procura maior produtividade para todos os sectores.

Tem, contudo, uma vizinhança problemática. A relação estabelecida entre a Índia e China é tensa e não raras vezes chegam, nas suas fronteiras comuns, a conflitos potencialmente perigosos para a região, tendo havido a partir de 1962 um aumento dessa tensão. A causa inicial deste conflito prende-se com uma região litigiosa no Himalaia, em Arunachal Pradesh, designada pela China como Tibete do Sul. Por outro lado, a sua relação com o Paquistão, país maioritariamente muçulmano, tem sido marcada recorrentemente por conflitos de fronteiras comuns e militares, em que a região do Caxemira é a principal causa. A Índia também acusa o Paquistão de financiar violentos grupos paramilitares que operam nas zonas fronteiriças, e importa realçar que a Índia, China e o Paquistão são potencias nucleares.

O Banco Mundial descreve a inclusão financeira como a circunstância em que tanto as empresas como os indivíduos, têm acesso a serviços e produtos financeiros adequados às suas necessidades e acessíveis, permitindo-lhes adquirir (micro) créditos e seguros, realizar transações financeiras, efetuar pagamentos e acumular poupanças. Estes serviços devem ser prestados de forma eficiente e sustentável (Banco Mundial, 2017).

É o 10.o maior parceiro comercial da UE, significando apenas 2% do comercio total de mercadorias da UE (Conselho Europeu 2024) que por sua vez é o segundo maior parceiro comercial da Índia (Conselho Europeu 2024). Estão presentes na Índia mais de 6000 empresas europeias, que geram 1,7 milhões de empregos diretos e 5 milhões de empregos indiretos numa vasta gama de setores (Conselho Europeu 2024).

É a quinta maior economia do mundo, com um PIB que ascende a 3,25 trilhões de dólares segundo os dados mais recentes do Fundo Monetário Internacional (FMI), consolida cada vez mais o seu desenvolvimento económico a par do reforço da inclusão financeira, e a sua importância geoestratégica. O início do exercício de 2023-24 registou um crescimento robusto impulsionado pelo investimento público e pelo consumo privado. Quanto às suas Finanças Públicas, para 2024, o FMI prevê um défice orçamental de 8,5%, com uma redução para 8% até 2025. Entretanto, o rácio dívida/PIB aumentou marginalmente para 81,9% em 2023 e espera-se que continue a aumentar para 82,2% em 2025 (FMI). Não passa despercebido este novo alento económico que perpassa hoje este gigante asiático, e que se materializará, é uma questão de tempo, ainda em mais desenvolvimento sustentado e crescimento económico, feito todo ele em silêncio.

¨      A ascensão da Índia: de colônia inglesa a potência global do século XXI

Nação rica em história e cultura, a Índia tem consolidado sua posição como uma das potências econômicas emergentes mais promissoras do mundo no século XXI.

À Sputnik Brasil, o analista internacional e jornalista indiano Shobhan Saxena afirma que a mudança econômica indiana se intensificou há cerca de 20 anos, com a adoção de um novo modelo produtivo. "A economia da Índia mudou, cresceu bastante, e a pobreza se reduziu. A Índia não tem mais o problema de fome, e o sistema de saúde, transporte e educação melhorou."

Nos últimos anos, a Índia se tornou a quinta maior economia mundial, superando o Reino Unido. Saxena credita o crescimento ao aumento de investimentos nacionais e estrangeiros, sobretudo em infraestrutura. "O governo da Índia está fazendo bastante investimento, principalmente na área de infraestrutura. Empresas de outro país também estão fazendo bastante investimento."

O país tem avançado significativamente no setor de tecnologia, com Bengaluru se destacando como o Vale do Silício indiano na visão do analista. Empresas indianas de tecnologia, farmacêuticas e de petróleo têm ganhado presença global, inclusive no Brasil.

Na entrevista aos jornalistas Melina Saad e Marcelo Castilho, do podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, Saxena afirma que a iniciativa "Make in India" tem atraído empresas estrangeiras para estabelecerem suas fábricas no país, aproveitando os custos competitivos de mão de obra e recursos.

Segundo o jornalista, um dos maiores trunfos da Índia é sua população jovem. "Mais de 75% da população da Índia tem idade entre 15 e 35 anos", disse, destacando que tal parcela proporciona uma força de trabalho valiosa e um mercado consumidor crescente.

  • Como é a economia da Índia atualmente?

O pesquisador em ciência política da Universidade de Louvain João Paulo Nicolini afirma que a economia indiana tem se beneficiado da população jovem, mas também de uma forte indústria de serviços.

Nicolini explicou que "o mercado principal do Norte Global busca serviços providos pelos indianos", contribuindo para um crescimento econômico robusto.

No entanto ele também alertou sobre a informalidade no mercado de trabalho indiano, com dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT) indicando que "aproximadamente 80% da população jovem não consegue entrar no mercado formal […]".

O pouso de uma sonda indiana na Lua, no entanto, é destacado por Nicolini como um marco significativo, evidenciando que "o desenvolvimento científico da Índia é um ponto forte do país", colocando-o em posição de destaque no Sul Global no que tange à área de ciência e tecnologia.

  • Qual a importância de Bollywood?

O termo "Bollywood" é uma junção das palavras "Bombaim" — antigo nome da maior cidade indiana, Mumbai — e "Hollywood", distrito americano que concentra a produção de filmes dos EUA. Mumbai é responsável pela realização dos filmes indianos de grandes orçamentos e é o maior centro de produção cinematográfica do planeta.

Segundo Saxena, a Índia está expandindo sua influência cultural globalmente através do soft power. "O governo da Índia tem uma organização que se chama Conselho de Cultura Internacional para compartilhar, espalhar a cultura indiana."

De acordo com ele, isso se reflete na proliferação de centros culturais indianos ao redor do mundo, em aulas de ioga e meditação e no sucesso internacional de Bollywood, por exemplo.

  • Em que ano a Índia deixou de ser colônia da Inglaterra?

Em 1947, a Índia deixava de ser uma colônia da Inglaterra, após séculos de dominação do país europeu. Os primeiros em território indiano foram os portugueses, no século XVI, mas navios britânicos chegaram em 1612 e iniciaram o processo de colonização.

Após esse período, o país deu início a um processo de mudança de uma economia colonial para uma nação que visava ao seu desenvolvimento.

O pesquisador João Paulo Nicolini enfatiza que, para os indianos, a visão de sua nação como uma grande potência não é novidade. "A elite do país, independentemente do partido, entende que a Índia sempre foi uma grande potência, subjugada durante o período da colonização britânica", explicou.

Segundo ele, a colonização "extraiu e complicou o desenvolvimento econômico" indiano, mas também fomentou um sentimento de unificação em torno da independência.

A transição para uma grande potência moderna, segundo Nicolini, está fortemente ligada ao desenvolvimento científico e tecnológico. "A Índia atingiu essa capacidade de ciência e tecnologia muito desenvolvida, superando bloqueios das grandes potências, principalmente na área nuclear."

O avanço permitiu que o país asiático alcançasse um status similar ao das grandes potências do Norte Global em alguns tipos de tecnologia.

  • Quem governa a Índia hoje?

O primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, ocupa o cargo desde 2014. Neste ano, ele espera obter o terceiro mandato como chefe de governo do país. A eleição começou em 19 de abril e será concluída em 1º de junho, com a contagem dos votos, lançados em urna eletrônica, prevista para 4 de junho.

No pais mais populoso do mundo, o primeiro-ministro é apontado pelo partido que conquista a maioria das cadeiras do Lok Sabha, a câmara baixa do Parlamento.

Em 2022, parlamentares também escolheram a presidente da Índia, Draupadi Murmu. Ela atua como comandante suprema das Forças Armadas e possui poderes fundamentais em crises políticas, como quando uma eleição é inconclusiva. No entanto o primeiro-ministro é quem detém poderes executivos.

Questionado sobre o papel do governo de Modi no crescimento econômico da Índia, Nicolini reconhece controvérsias sociais, mas ressalta esforços para a industrialização e a redução na burocracia.

"Ele tentou aproximar outros países da Índia, ampliando acesso à tecnologia e reduzindo problemas burocráticos com um imposto único, o IVA indiano, que facilita a negociação entre estados e com outros países."

No entanto ele também observou que "a globalização facilitou muito mais o crescimento econômico indiano do que propriamente algumas ações que o governo tomou".

  • Qual a posição da Índia no BRICS?

Para Nicolini, a Índia mantém uma relação complexa e pragmática com outras potências globais, equilibrando suas relações com os Estados Unidos e a Rússia. Segundo ele, a postura se deve a uma longa história de apoio soviético e a uma estratégia de "pragmatismo na maneira de se relacionar com as potências".

Ele destaca que "os norte-americanos buscam um apoio indiano para impedir os chineses de avançar demais" na região do Indo-Pacífico, dada a competição geopolítica entre Índia e China.

Para Saxena, na arena internacional a Índia tem conseguido equilibrar suas relações com as diversas potências globais. "A Índia tem uma relação bem forte e estratégica com os EUA, mas a Índia não deixou a Rússia."

  • Futuros da Índia

Apesar dos avanços, Saxena afirma que o país enfrenta desafios crônicos, como prover educação e emprego de qualidade à população. "A Índia até agora tem pobreza, problema de sistema de saúde… Tem problemas porque a Índia é a [nação] mais populosa do mundo."

Para o analista, embora a economia esteja crescendo, a distribuição de riqueza e a melhoria dos serviços básicos, como de saúde e educação, ainda são pontos que necessitam de atenção contínua.

O futuro do país parece promissor, com uma previsão de que o produto interno bruto (PIB) chegue a US$ 10 trilhões (cerca de R$ 50,9 trilhões) nos próximos cinco anos, segundo ele. "Os povos indianos e todo mundo é mais otimista com o futuro da Índia."

Para Nicolini, a previsão de que a Índia se tornará a terceira maior economia do mundo até 2030 é plausível. "Eu até acredito que possa vir a ser mesmo com toda aquela expectativa que a gente já teve com o BRICS", conclui.

 

Fonte: Diário de Notícias/Sputnik Brasil

 

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