quarta-feira, 22 de maio de 2024

Avanço das facções é problema internacional, diz Jerônimo, para justificar aumento da criminalidade  na Bahia

Questionado sobre a atuação das facções criminosas na Bahia, o governador Jerônimo Rodrigues (PT) afirmou que “não vai dar trégua a esse movimento” e que esse não é um problema apenas da Bahia. Durante um evento de entrega de vans escolares nesta segunda-feira (20), o gestor estadual comentou sobre a expansão da criminalidade no estado.

“Não é só na Bahia, o Brasil está passando por isso. Estive agora na Europa e vi que a Europa também não está ausente desse movimento, que é internacional. Estamos muito firmes do que estamos fazendo, equipando a polícia, seja com novos profissionais, concurso, capacitação, equipamentos de inteligência e viaturas”, disse Jerônimo.

Na última semana, Jerônimo esteve em viagem na Holanda, Bélgica e Alemanha, para discutir questões ambientais e climáticas para o desenvolvimento sustentável na região, segundo o governo.

A atuação de facções criminosas na Bahia é um dos principais problemas de segurança pública do estado. Cartão-postal da capital baiana, o Pelourinho, por exemplo, está há mais de 10 anos sob o comando da maior organização criminosa do estado, o Bonde do Maluco (BDM). Suas iniciais estão espalhadas por transversais, ruas, muros e vários pontos, que demarcam a força de um comércio varejista de drogas.

Ao CORREIO, comerciantes e moradores relataram a insegurança no Centro Histórico de Salvador. “Aqui está infestado. Estão nesses casarões abandonados, onde eles vendem e consomem. Nas vias principais as pichações não ficam, porque nós apagamos, mas nas ruas descendo por aí tem um monte. É terrível”, disse o dono de uma loja no Largo Terreiro de Jesus. Segundo ele, o motivo é o Bonde do Maluco (BDM).

“É uma praga! Depois que este grupo aí das três letrinhas se instalou aqui, tudo piorou. Os assaltos acontecem por minuto", declarou. Segundo ele e outros empresários, a insegurança no ponto turístico está crítica. "Em qualquer rua dessas você pode dar de cara com esses ‘sacizeiros’ (nome pejorativo atribuído aos usuários de crack), que levam tudo. Os desavisados, sempre turistas, acabam depenados”, contou.

•                                           Governo Jerônimo já gastou R$ 26 milhões com empresa responsável por presídio que teve sete fugas

Duas semanas se passaram desde a fuga de sete detentos do Conjunto Penal de Barreiras, no Oeste da Bahia, sem qualquer pista, até agora, do paradeiro dos criminosos. A unidade prisional, que funciona no modelo de gestão compartilhada - em que o Estado transfere determinada atividades para a iniciativa privada -, é administrada pela Socializa Empreendimentos e Serviços e Manutenção, que recebeu só, do ano passado para cá, R$ 26,20 milhões do governo de Jerônimo Rodrigues (PT).

Ao todo, três empresas privadas operam em presídios baianos. Além da Socializa, que gere quatro unidades prisionais, tem a Reviver Administração Prisional Privada LTDA e a MAP Sistemas de Serviços LTDA, que administram, respectivamente, quatro e dois conjuntos penais na Bahia (veja mais no infográfico). A Socializa é a segunda empresa a ganhar mais recursos estaduais.

De acordo com os dados Transparência Bahia, divulgados pelo próprio governo Jerônimo, entre 2021 e 2024, foram gastos R$ 66,25 milhões com a Socializa. Com a Reviver, no mesmo período, o orçamento chegou a 239,17 milhões. Os dados da MAP só aparecem a partir de 2022. Entre este ano e 2024, ela recebeu do governo R$ 64,28 milhões. No total, já foram quase R$ 370 milhões investidos para que essas empresas administrarem presídios nos últimos três anos e meio.

Presidente do Sindicato dos Policiais Penais e Servidores Penitenciários do Estado da Bahia (SINPPSPEB), Reivon Pimentel critica o modelo de cogestão. “Enquanto a gestão plena, que é essa que nós atuamos, vem sendo sucateada durante quase duas décadas, o governo investiu 50% dos recursos para a gestão prisional nessas unidades de cogestão terceirizada, e acontece essa fuga, mesmo em estruturas novas, modernas”, afirma, ao se referir a fuga dos sete detentos do Conjunto Penal de Barreiras.

“Está comprovado que a terceirização de unidades prisionais é prejudicial para o preso, é prejudicial para a nossa categoria dos policiais penais, é prejudicial para o Estado que paga milhões por mês para essas empresas terceirizadas que não socializam”, acrescenta Reivon Pimentel.

A Secretaria de Administração Penitenciária e Ressocialização do Estado da Bahia (Seap) informou que ainda apura as circunstâncias da fuga dos sete detentos. A Polícia Civil, que disse buscar apenas seis fugitivos, declarou que as “investigações estão em andamento”. Já a Socializa afirmou que, após a evasão dos criminosos, instaurou procedimento interno para apurar as causas e responsabilidades. “O fato está sendo rigorosamente apurado pela empresa, que já se colocou à disposição de todas as autoridades para auxiliar no quanto necessário à solução do caso”, salientou.

Embora questione a gestão compartilhada dos presídios baianos, Reivon diz que o sindicato não combate o modelo de operacionalização, mas sim a terceirização da função policial penal. Segundo o presidente do SINPPSPEB, o estado não tem cumprido a decisão da Justiça do Trabalho, que determinou que o governo estadual se abstenha de contratar agentes para exercer a função de policiais penais.

"Avaliamos que a terceirização é altamente prejudicial para a nossa categoria, é prejudicial para o estado, que paga milhões todos os meses para essas três operadoras, e é prejudicial para o apenado porque a lógica do capital é gastar menos para lucrar mais”, declara.

Professor da Universidade Federal da Bahia (Ufba) e especialista em Gestão Pública, Sandro Cabral avalia ser difícil comparar a eficiência das prisões terceirizadas em relação a prisões públicas. Para analisar, diz ele, é preciso que os indicadores sejam disponibilizados e publicizados para ter estudos.

"Há algumas condições que prisões privadas podem ser melhores que as públicas, mas temos que ver essas condições estão presentes, como operadores capacitados para fazer a gestão, transparência em relação ao que é contratado e um Estado que faz a gestão da empresa terceirizada", ressalta.

•                                           Indicações políticas

Geder Luiz avaliou que, quando os cargos viram “moeda política”, há uma redução na qualidade do serviço prestado. “É um serviço prestado sem a expertise que deveria existir, sem a continuidade de quem já está capacitado”, salientou.

O desembargador afirmou que houve uma “melhoria muito significativa” no sistema penitenciário baiano com a ampliação do número de vagas para os presos. Mas, para ele, é necessário melhorar as estruturas das unidades prisionais.

LEIA A ENTREVISTA:

•                                           Como o TJ tem acompanhado a situação do sistema prisional na Bahia?

O Tribunal de Justiça tem um grupo de monitoramento e fiscalização do sistema prisional, que é um organismo que todo Tribunal de Justiça tem no Brasil por determinação do Conselho Nacional de Justiça. O CNJ instituiu um departamento de monitoramento de fiscalização e determinou que cada tribunal tenha um grupo de monitoramento composto por um desembargador e outros membros, como juízes e servidores, justamente com essa função de monitorar, de acompanhar e de melhorar dentro do possível o sistema prisional e penitenciário. Então, há o funcionamento desse grupo há quase 10 anos e é através disso que o Tribunal de Justiça acompanha essa questão.

•                                           Como o senhor avalia a situação do sistema prisional na Bahia?

A Bahia, como a maioria dos estados, tem os problemas que o sistema prisional tem, mas tem vantagens que muitos estados não têm. Foi feito um investimento aqui no estado há mais ou menos 15 anos e que possibilitou uma melhoria muito significativa no sistema. Como? Dinheiro do estado e dinheiro federal possibilitaram a construção de unidades prisionais, a interiorização do sistema prisional e a ampliação de vagas. Nós tivemos o resultado desse investimento em um equilíbrio. Hoje, tem a população prisional ali compatível com o número de vagas. Sempre tem um excesso de população, mas a Bahia é um dos estados onde se têm menos excesso. Se você pegar os 27 estados da federação, a Bahia vai estar ali, em números redondos, com aproximadamente 14 mil presos para 13 mil vagas. Então, tem um equilíbrio. A maioria dos estados não tem esse equilíbrio.

•                                           E quais seriam os aspectos negativos do sistema prisional baiano?

Tem aspectos negativos, como todo o sistema. Quais são? A qualidade da vaga na Bahia, que ainda está distante de ser aquilo que a lei de execução determina. A lei de execução fala em assistência integral à saúde, fala em assistência do preso do ponto de vista de coisas mínimas, coisas básicas como, por exemplo, higiene e limpeza, a salubridade do sistema. A Bahia ainda não tem esse nível de qualidade. Então, tem a quantidade que já é uma coisa positiva, mas falta ainda qualidade da vaga. É um problema muito sério isso.

•                                           Como tem sido a aplicação de penas alternativas no estado?

A Bahia investiu em penas alternativas, e é importante falar em penas alternativas porque, se você pune com penas fora da prisão, você impede que aquelas pessoas que praticaram crimes mais leves entrem na prisão. Uma vez que ingressam na prisão, elas passam por todo o problema da ampliação da atividade criminosa que a prisão provoca. Então, as pessoas jovens entram na prisão e são logo ligadas à alguma facção para ter proteção interna e de lá nunca mais sai. Se você coloca uma barreira para evitar o ingresso na prisão de crimes mais leves, como punir com alternativas penais, prestação de serviço à comunidade, outras penas como a tornozeleira impedem esses males da prisão. A Bahia investiu muito em alternativas penais e chegou a ser o estado também mais festejado em relação à experiência da alternativa penal. Foi uma experiência premiada na época pela ONU quando nós tivemos um congresso aqui em 2010. Acontece que, do mesmo jeito de 2018 e mais recentemente entre 2021 e 2022, nós tivemos uma mudança muito grande no sistema de alternativas penais. Esses cargos, que são ocupados por psicólogos, assistentes sociais, eram cargos técnicos, mas hoje está havendo uma modificação. Esses cargos estão sendo trocados muitas vezes por moeda política. Então, tem, por exemplo, um equipamento desse em uma cidade e, ao invés dos técnicos capacitados estarem ali, às vezes troca por indicação de um prefeito, indicação de um vereador e vira um lugar mais para privilégio de quem tem algum tipo de influência política e essa rotatividade prejudica a qualidade do serviço. Com isso a gente sofreu uma descrença muito grande nesse sistema. Então, faço essa crítica ao sucateamento de recursos humanos que vem sofrendo o sistema de alternativas penais na Bahia. Gostaria muito de ver essa rota revista e esse caminho retomado para ter estabilidade dos técnicos e não indicação política desses cargos.

•                                           Por que têm ocorrido as trocas de quadros técnicos por políticos?

É uma opção. Quando se criou essa estrutura, os cargos não foram criados por concurso público, foram criados cargos em comissão, até para, no momento, se agilizar e se preencher esses cargos. Mas como são cargos em comissão, as pessoas podem ser demitidas e ser trocadas por outras porque não precisam de concurso. Infelizmente, houve desvirtuamento dessa maneira e quando se interiorizou as unidades, que também é um aspecto positivo, você espalha essas células de serviço público, essa estrutura por todo o estado. Às vezes, está um técnico lá que sabe o que faz, mas aí precisa atender a fulano e beltrano em questões outras, e se tira aquela pessoa e se coloca quem tem um poder político ou tem alguma influência social. Essa situação chegou até nós e é um fato que deve ser corrigido.

•                                           Quais são as consequências das indicações políticas nas unidades prisionais?

É um serviço prestado sem a expertise que deveria existir, sem a continuidade de quem já está capacitado. A qualidade do serviço final começa a ser afetada, os resultados de cumprimento de pena, os dados estatísticos. Começa também a gerar descrença tanto no juiz, no promotor, em relação às pessoas irem para essas unidades cumprirem as suas penas e acaba havendo uma retroalimentação do sistema prisional. Se eu não confio naquela unidade (para penas alternativas) que não tem a qualidade que eu gostaria que tivesse, o acompanhamento como deveria ser, o tecnicismo que precisava ter, então, eu prefiro mandar para prisão. E aí começa a ter um crescimento da população prisional por uma situação que não deveria acontecer.

•                                           Há necessidade de construir mais unidades prisionais no estado?

As unidades prisionais nunca vão, infelizmente, chegar ao nível que se quer, porque toda vez que tem a construção de unidade prisional normalmente enche. O Brasil, por exemplo, em 1990, estou falando de 34 anos atrás, tinha 90 mil presos. Hoje, o Brasil tem 900 mil presos. Então, tem uma evolução de 1000% em 34 anos. Nenhum país no mundo teve esse aumento da população prisional. Se você pegar em 34 anos, os Estados Unidos que vêm em segundo lugar teve 100%. Nós tivemos 1000%. Então nenhum país do mundo gerou tantas vagas e cresceu tanto a população prisional proporcionalmente como no Brasil. Isso resultou na diminuição da violência? Não. Então, gerar a vaga não é a solução. O que você tem que ter como solução para o crime são as barreiras naturais do crime. Quais são as barreiras naturais do crime? Família, educação, estudo, saúde e civismo.

•                                           O racha na facção criminosa PCC faz aumentar o risco de rebeliões nos presídios da Bahia?

O risco de rebelião em qualquer unidade prisional é sempre inerente à unidade prisional. As condições são sempre ruins e a possibilidade de que haja uma insurreição por motivos ligados a comandos ou situações pontuais sempre existem. Eu não diria especificamente em função disso, mas acho que o risco é inerente quando se fala de um presídio.

 

Fonte: Correio

 

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