Avanço das
facções é problema internacional, diz Jerônimo, para justificar aumento da
criminalidade na Bahia
Questionado
sobre a atuação das facções criminosas na Bahia, o governador Jerônimo
Rodrigues (PT) afirmou que “não vai dar trégua a esse movimento” e que esse não
é um problema apenas da Bahia. Durante um evento de entrega de vans escolares
nesta segunda-feira (20), o gestor estadual comentou sobre a expansão da
criminalidade no estado.
“Não
é só na Bahia, o Brasil está passando por isso. Estive agora na Europa e vi que
a Europa também não está ausente desse movimento, que é internacional. Estamos
muito firmes do que estamos fazendo, equipando a polícia, seja com novos
profissionais, concurso, capacitação, equipamentos de inteligência e viaturas”,
disse Jerônimo.
Na
última semana, Jerônimo esteve em viagem na Holanda, Bélgica e Alemanha, para
discutir questões ambientais e climáticas para o desenvolvimento sustentável na
região, segundo o governo.
A
atuação de facções criminosas na Bahia é um dos principais problemas de
segurança pública do estado. Cartão-postal da capital baiana, o Pelourinho, por
exemplo, está há mais de 10 anos sob o comando da maior organização criminosa
do estado, o Bonde do Maluco (BDM). Suas iniciais estão espalhadas por
transversais, ruas, muros e vários pontos, que demarcam a força de um comércio
varejista de drogas.
Ao
CORREIO, comerciantes e moradores relataram a insegurança no Centro Histórico
de Salvador. “Aqui está infestado. Estão nesses casarões abandonados, onde eles
vendem e consomem. Nas vias principais as pichações não ficam, porque nós
apagamos, mas nas ruas descendo por aí tem um monte. É terrível”, disse o dono
de uma loja no Largo Terreiro de Jesus. Segundo ele, o motivo é o Bonde do
Maluco (BDM).
“É
uma praga! Depois que este grupo aí das três letrinhas se instalou aqui, tudo
piorou. Os assaltos acontecem por minuto", declarou. Segundo ele e outros
empresários, a insegurança no ponto turístico está crítica. "Em qualquer
rua dessas você pode dar de cara com esses ‘sacizeiros’ (nome pejorativo
atribuído aos usuários de crack), que levam tudo. Os desavisados, sempre
turistas, acabam depenados”, contou.
• Governo
Jerônimo já gastou R$ 26 milhões com empresa responsável por presídio que teve
sete fugas
Duas
semanas se passaram desde a fuga de sete detentos do Conjunto Penal de
Barreiras, no Oeste da Bahia, sem qualquer pista, até agora, do paradeiro dos
criminosos. A unidade prisional, que funciona no modelo de gestão compartilhada
- em que o Estado transfere determinada atividades para a iniciativa privada -,
é administrada pela Socializa Empreendimentos e Serviços e Manutenção, que
recebeu só, do ano passado para cá, R$ 26,20 milhões do governo de Jerônimo
Rodrigues (PT).
Ao
todo, três empresas privadas operam em presídios baianos. Além da Socializa,
que gere quatro unidades prisionais, tem a Reviver Administração Prisional
Privada LTDA e a MAP Sistemas de Serviços LTDA, que administram,
respectivamente, quatro e dois conjuntos penais na Bahia (veja mais no
infográfico). A Socializa é a segunda empresa a ganhar mais recursos estaduais.
De
acordo com os dados Transparência Bahia, divulgados pelo próprio governo
Jerônimo, entre 2021 e 2024, foram gastos R$ 66,25 milhões com a Socializa. Com
a Reviver, no mesmo período, o orçamento chegou a 239,17 milhões. Os dados da
MAP só aparecem a partir de 2022. Entre este ano e 2024, ela recebeu do governo
R$ 64,28 milhões. No total, já foram quase R$ 370 milhões investidos para que
essas empresas administrarem presídios nos últimos três anos e meio.
Presidente
do Sindicato dos Policiais Penais e Servidores Penitenciários do Estado da
Bahia (SINPPSPEB), Reivon Pimentel critica o modelo de cogestão. “Enquanto a
gestão plena, que é essa que nós atuamos, vem sendo sucateada durante quase
duas décadas, o governo investiu 50% dos recursos para a gestão prisional
nessas unidades de cogestão terceirizada, e acontece essa fuga, mesmo em
estruturas novas, modernas”, afirma, ao se referir a fuga dos sete detentos do
Conjunto Penal de Barreiras.
“Está
comprovado que a terceirização de unidades prisionais é prejudicial para o
preso, é prejudicial para a nossa categoria dos policiais penais, é prejudicial
para o Estado que paga milhões por mês para essas empresas terceirizadas que
não socializam”, acrescenta Reivon Pimentel.
A
Secretaria de Administração Penitenciária e Ressocialização do Estado da Bahia
(Seap) informou que ainda apura as circunstâncias da fuga dos sete detentos. A
Polícia Civil, que disse buscar apenas seis fugitivos, declarou que as
“investigações estão em andamento”. Já a Socializa afirmou que, após a evasão
dos criminosos, instaurou procedimento interno para apurar as causas e
responsabilidades. “O fato está sendo rigorosamente apurado pela empresa, que
já se colocou à disposição de todas as autoridades para auxiliar no quanto
necessário à solução do caso”, salientou.
Embora
questione a gestão compartilhada dos presídios baianos, Reivon diz que o
sindicato não combate o modelo de operacionalização, mas sim a terceirização da
função policial penal. Segundo o presidente do SINPPSPEB, o estado não tem
cumprido a decisão da Justiça do Trabalho, que determinou que o governo
estadual se abstenha de contratar agentes para exercer a função de policiais
penais.
"Avaliamos
que a terceirização é altamente prejudicial para a nossa categoria, é
prejudicial para o estado, que paga milhões todos os meses para essas três
operadoras, e é prejudicial para o apenado porque a lógica do capital é gastar
menos para lucrar mais”, declara.
Professor
da Universidade Federal da Bahia (Ufba) e especialista em Gestão Pública,
Sandro Cabral avalia ser difícil comparar a eficiência das prisões
terceirizadas em relação a prisões públicas. Para analisar, diz ele, é preciso
que os indicadores sejam disponibilizados e publicizados para ter estudos.
"Há
algumas condições que prisões privadas podem ser melhores que as públicas, mas
temos que ver essas condições estão presentes, como operadores capacitados para
fazer a gestão, transparência em relação ao que é contratado e um Estado que
faz a gestão da empresa terceirizada", ressalta.
• Indicações
políticas
Geder
Luiz avaliou que, quando os cargos viram “moeda política”, há uma redução na
qualidade do serviço prestado. “É um serviço prestado sem a expertise que
deveria existir, sem a continuidade de quem já está capacitado”, salientou.
O
desembargador afirmou que houve uma “melhoria muito significativa” no sistema
penitenciário baiano com a ampliação do número de vagas para os presos. Mas,
para ele, é necessário melhorar as estruturas das unidades prisionais.
LEIA
A ENTREVISTA:
• Como
o TJ tem acompanhado a situação do sistema prisional na Bahia?
O
Tribunal de Justiça tem um grupo de monitoramento e fiscalização do sistema
prisional, que é um organismo que todo Tribunal de Justiça tem no Brasil por
determinação do Conselho Nacional de Justiça. O CNJ instituiu um departamento
de monitoramento de fiscalização e determinou que cada tribunal tenha um grupo
de monitoramento composto por um desembargador e outros membros, como juízes e
servidores, justamente com essa função de monitorar, de acompanhar e de
melhorar dentro do possível o sistema prisional e penitenciário. Então, há o
funcionamento desse grupo há quase 10 anos e é através disso que o Tribunal de
Justiça acompanha essa questão.
• Como
o senhor avalia a situação do sistema prisional na Bahia?
A
Bahia, como a maioria dos estados, tem os problemas que o sistema prisional
tem, mas tem vantagens que muitos estados não têm. Foi feito um investimento
aqui no estado há mais ou menos 15 anos e que possibilitou uma melhoria muito
significativa no sistema. Como? Dinheiro do estado e dinheiro federal
possibilitaram a construção de unidades prisionais, a interiorização do sistema
prisional e a ampliação de vagas. Nós tivemos o resultado desse investimento em
um equilíbrio. Hoje, tem a população prisional ali compatível com o número de
vagas. Sempre tem um excesso de população, mas a Bahia é um dos estados onde se
têm menos excesso. Se você pegar os 27 estados da federação, a Bahia vai estar
ali, em números redondos, com aproximadamente 14 mil presos para 13 mil vagas.
Então, tem um equilíbrio. A maioria dos estados não tem esse equilíbrio.
• E
quais seriam os aspectos negativos do sistema prisional baiano?
Tem
aspectos negativos, como todo o sistema. Quais são? A qualidade da vaga na
Bahia, que ainda está distante de ser aquilo que a lei de execução determina. A
lei de execução fala em assistência integral à saúde, fala em assistência do
preso do ponto de vista de coisas mínimas, coisas básicas como, por exemplo,
higiene e limpeza, a salubridade do sistema. A Bahia ainda não tem esse nível
de qualidade. Então, tem a quantidade que já é uma coisa positiva, mas falta
ainda qualidade da vaga. É um problema muito sério isso.
• Como
tem sido a aplicação de penas alternativas no estado?
A
Bahia investiu em penas alternativas, e é importante falar em penas
alternativas porque, se você pune com penas fora da prisão, você impede que
aquelas pessoas que praticaram crimes mais leves entrem na prisão. Uma vez que
ingressam na prisão, elas passam por todo o problema da ampliação da atividade
criminosa que a prisão provoca. Então, as pessoas jovens entram na prisão e são
logo ligadas à alguma facção para ter proteção interna e de lá nunca mais sai.
Se você coloca uma barreira para evitar o ingresso na prisão de crimes mais
leves, como punir com alternativas penais, prestação de serviço à comunidade,
outras penas como a tornozeleira impedem esses males da prisão. A Bahia
investiu muito em alternativas penais e chegou a ser o estado também mais
festejado em relação à experiência da alternativa penal. Foi uma experiência
premiada na época pela ONU quando nós tivemos um congresso aqui em 2010.
Acontece que, do mesmo jeito de 2018 e mais recentemente entre 2021 e 2022, nós
tivemos uma mudança muito grande no sistema de alternativas penais. Esses
cargos, que são ocupados por psicólogos, assistentes sociais, eram cargos
técnicos, mas hoje está havendo uma modificação. Esses cargos estão sendo
trocados muitas vezes por moeda política. Então, tem, por exemplo, um
equipamento desse em uma cidade e, ao invés dos técnicos capacitados estarem
ali, às vezes troca por indicação de um prefeito, indicação de um vereador e
vira um lugar mais para privilégio de quem tem algum tipo de influência
política e essa rotatividade prejudica a qualidade do serviço. Com isso a gente
sofreu uma descrença muito grande nesse sistema. Então, faço essa crítica ao
sucateamento de recursos humanos que vem sofrendo o sistema de alternativas
penais na Bahia. Gostaria muito de ver essa rota revista e esse caminho
retomado para ter estabilidade dos técnicos e não indicação política desses
cargos.
• Por
que têm ocorrido as trocas de quadros técnicos por políticos?
É
uma opção. Quando se criou essa estrutura, os cargos não foram criados por
concurso público, foram criados cargos em comissão, até para, no momento, se
agilizar e se preencher esses cargos. Mas como são cargos em comissão, as
pessoas podem ser demitidas e ser trocadas por outras porque não precisam de
concurso. Infelizmente, houve desvirtuamento dessa maneira e quando se
interiorizou as unidades, que também é um aspecto positivo, você espalha essas
células de serviço público, essa estrutura por todo o estado. Às vezes, está um
técnico lá que sabe o que faz, mas aí precisa atender a fulano e beltrano em
questões outras, e se tira aquela pessoa e se coloca quem tem um poder político
ou tem alguma influência social. Essa situação chegou até nós e é um fato que
deve ser corrigido.
• Quais
são as consequências das indicações políticas nas unidades prisionais?
É
um serviço prestado sem a expertise que deveria existir, sem a continuidade de
quem já está capacitado. A qualidade do serviço final começa a ser afetada, os
resultados de cumprimento de pena, os dados estatísticos. Começa também a gerar
descrença tanto no juiz, no promotor, em relação às pessoas irem para essas
unidades cumprirem as suas penas e acaba havendo uma retroalimentação do
sistema prisional. Se eu não confio naquela unidade (para penas alternativas)
que não tem a qualidade que eu gostaria que tivesse, o acompanhamento como
deveria ser, o tecnicismo que precisava ter, então, eu prefiro mandar para
prisão. E aí começa a ter um crescimento da população prisional por uma
situação que não deveria acontecer.
• Há
necessidade de construir mais unidades prisionais no estado?
As
unidades prisionais nunca vão, infelizmente, chegar ao nível que se quer,
porque toda vez que tem a construção de unidade prisional normalmente enche. O
Brasil, por exemplo, em 1990, estou falando de 34 anos atrás, tinha 90 mil
presos. Hoje, o Brasil tem 900 mil presos. Então, tem uma evolução de 1000% em
34 anos. Nenhum país no mundo teve esse aumento da população prisional. Se você
pegar em 34 anos, os Estados Unidos que vêm em segundo lugar teve 100%. Nós
tivemos 1000%. Então nenhum país do mundo gerou tantas vagas e cresceu tanto a
população prisional proporcionalmente como no Brasil. Isso resultou na
diminuição da violência? Não. Então, gerar a vaga não é a solução. O que você
tem que ter como solução para o crime são as barreiras naturais do crime. Quais
são as barreiras naturais do crime? Família, educação, estudo, saúde e civismo.
• O
racha na facção criminosa PCC faz aumentar o risco de rebeliões nos presídios
da Bahia?
O
risco de rebelião em qualquer unidade prisional é sempre inerente à unidade
prisional. As condições são sempre ruins e a possibilidade de que haja uma
insurreição por motivos ligados a comandos ou situações pontuais sempre
existem. Eu não diria especificamente em função disso, mas acho que o risco é
inerente quando se fala de um presídio.
Fonte:
Correio
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