Os estudantes estão novamente do lado certo
da história
A liberdade de
expressão e o direito de protesto são pilares fundamentais da democracia,
especialmente nos espaços acadêmicos, onde a troca de ideias e o debate são
incentivados como parte essencial do processo educativo. Contudo, o recente
aumento da repressão aos estudantes pró-Palestina em universidades dos Estados
Unidos levanta sérias questões sobre até que ponto esses princípios estão sendo
respeitados.
Os protestos
universitários se intensificaram, desencadeando uma onda de manifestações por
todo o país. Desde Los Angeles até Nova York, estudantes têm se reunido para
expressar solidariedade com o povo palestino e exigir ações concretas de suas
instituições de ensino.
Tudo começou quando a
Universidade de Columbia tomou medidas para reprimir manifestantes
pró-palestinos que ocupavam um gramado em seu campus em 18 de abril, a ocupação
foi uma resposta à guerra em Gaza e ao apoio das instituições de ensino aos
interesses de Israel. Desde então, protestos e acampamentos surgiram em
diversas faculdades e universidades, com intervenções policiais resultando em
mais de 700 prisões até o momento.
As intervenções
policiais foram registradas em várias universidades, incluindo a Universidade
Columbia em Manhattan, onde 108 manifestantes foram presos, e a Universidade do
Sul da Califórnia em Los Angeles, onde 93 pessoas foram detidas. Em Emerson
College, em Boston, 108 pessoas foram presas pela polícia e o acampamento foi
esvaziado. Essas ações repercutiram em outras instituições, como a Universidade
de Princeton em Nova Jersey, onde dois estudantes de pós-graduação foram
presos.
“Argumento levanta
questionamentos sobre a liberdade de expressão e a autonomia dos estudantes
para se engajarem em causas que consideram relevantes e urgentes.”
No entanto, a resposta
das administrações universitárias tem sido, em muitos casos, draconiana,
variando desde o cancelamento de aulas até medidas disciplinares contra os
manifestantes. Em algumas instituições, como a Universidade da Califórnia, Los
Angeles, a polícia do campus obrigou os estudantes a desmontarem suas barracas,
enquanto em outras, como a Universidade de Delaware em Newark, a presença de
manifestantes e a possível montagem de acampamentos geraram controvérsia.
Esses protestos
refletem a crescente polarização em torno da questão israelense nos Estados
Unidos, especialmente entre os jovens universitários. À medida que a violência
em Gaza continua e as tensões se intensificam, é provável que mais protestos
ocorram nos campus universitários, alimentando um debate cada vez mais
acalorado sobre o papel das instituições de ensino na questão do conflito
israelense-palestino.
·
E a liberdade de expressão?
O cerceamento do
direito de protesto tem sido justificado sob o pretexto de garantir a segurança
e a ordem nos campus universitários. No entanto, tal argumento levanta
questionamentos sobre a liberdade de expressão e a autonomia dos estudantes
para se engajarem em causas que consideram relevantes e urgentes. A repressão
policial, em vez de promover o diálogo e a resolução pacífica de conflitos, tem
exacerbado as tensões e criado um ambiente de hostilidade.
Além disso, a
narrativa de que esses protestos são antissemitas, como alegado por alguns
legisladores e líderes universitários, simplifica em demasia a complexidade da
situação. O apoio aos palestinos não é equivalente a uma postura antissemita, e
tentar rotular os estudantes dessa maneira é não apenas injusto, mas também
prejudicial ao debate saudável e à compreensão mútua.
É importante
reconhecer que os protestos pró-Palestina não surgem no vácuo, mas são uma
resposta legítima às injustiças e violações de direitos humanos que ocorrem na
região. Exigir o desinvestimento de empresas ligadas à
campanha militar israelita em Gaza e
defender o direito de protestar sem punição são demandas legítimas que refletem
preocupações éticas e morais.
“Os estudantes de hoje
estão se levantando contra a injustiça e a violência, buscando conscientizar e
promover mudanças em questões como a guerra em Gaza e os laços de suas
instituições com Israel.”
Assim como nos
protestos estudantis durante a Guerra do Vietnã e o movimento estudantil de
Maio de 1968, os atuais protestos nas universidades dos Estados Unidos refletem
uma geração de estudantes engajados e politicamente ativos. Na década de 1960, intelectuais como Herbert Marcuse (1898-1979) inspiraram jovens a desafiar o status
quo, questionando a autoridade e buscando mudanças sociais significativas.
Da mesma forma, os estudantes de hoje estão se levantando contra a injustiça e
a violência, buscando conscientizar e promover mudanças em questões como a
guerra em Gaza e os laços de suas instituições com Israel. Esses paralelos
históricos destacam a persistência do ativismo estudantil como uma força motriz
na luta por um mundo mais justo e igualitário.
O papel das
autoridades governamentais, como o presidente da Câmara dos Representantes,
Mike Johnson, também merece escrutínio. Sua ameaça de revogar o financiamento
federal das universidades caso não consigam controlar os protestos é uma clara
tentativa de coibir a liberdade de expressão e de impor uma narrativa
unidimensional sobre o conflito israelo-palestino.
Os protestos
pró-Palestina nos campus universitários representam não apenas uma expressão
legítima de solidariedade, mas também um lembrete poderoso do papel vital que a
juventude desempenha na luta por justiça e dignidade. É hora de ouvir suas
vozes, em vez de silenciá-las, e de trabalhar juntos para construir um mundo
onde todos os povos possam viver em paz e liberdade.
·
O lobby israelense
Àmedida que os
conflitos na região de Gaza se intensificam e o risco de uma escalada para uma
guerra regional aumenta, observa-se uma lealdade inabalável dos Estados Unidos
e de seus aliados com Israel. No entanto, esse apoio constante tem gerado
consequências complexas e custos significativos. Israel se vê cada vez mais
isolado na comunidade internacional, enfrentando oposição tanto da opinião
pública global quanto da maioria dos governos ao redor do mundo.
O custo financeiro e o
dano à reputação dos EUA são cada vez mais evidentes. A defesa americana em
relação a Israel tem perdido centralidade como projeto de política externa,
assim como a posição moral que já teve. Os ultrajes cometidos pelos israelenses,
muitas vezes sem críticas dos representantes americanos, minam a credibilidade
dos Estados Unidos no cenário internacional.
Então, por que os
Estados Unidos e seus aliados continuam a oferecer um apoio acrítico a Israel?
Uma visão comum é que esse apoio é resultado das atividades do lobby
pró-Israel, grupos de pressão capazes de exercer considerável influência
política e financeira. Essa teoria ganhou destaque a partir de um artigo
escrito por John Mearsheimer e Stephen Walt, intitulado “The Israel Lobby“,
publicado em 2006. Neste ensaio, os autores expuseram sua visão sobre a
influência dos grupos de pressão pró-Israel na política externa dos Estados
Unidos, destacando o poder do American Israel Public Affairs
Committee (AIPAC) como um dos principais influenciadores.
“É fundamental
reconhecer que o apoio a Israel vai além das atividades de lobby e está
enraizado em questões estratégicas e econômicas.”
No entanto, é
importante contextualizar essa narrativa e considerar outras perspectivas.
Primeiramente, Mearsheimer e Walt ressaltam que o lobby de Israel não
representa necessariamente as opiniões de todos os judeus americanos, muitos
dos quais não se identificam fortemente com Israel. Além disso, o lobby de
Israel não é único; existem diversos grupos de pressão atuando nos Estados
Unidos, e o lobby de Israel é apenas um deles. Sua eficácia também não é
unânime, já que outros grupos de lobby superam o AIPAC em termos de influência
financeira e política.
É fundamental
reconhecer que o apoio a Israel vai além das atividades de lobby e está
enraizado em questões estratégicas e econômicas. Historicamente, os interesses
dos Estados Unidos na região do Oriente Médio são complexos e envolvem uma
variedade de atores e fatores. A presença de Israel na região é vista como um
ativo estratégico para o país, especialmente em um contexto de instabilidade e
rivalidades regionais.
A análise da Guerra do
Iraque de 2003 exemplifica essa complexidade. Enquanto alguns argumentam que o
lobby de Israel desempenhou um papel significativo nesse conflito, é importante
reconhecer os interesses geopolíticos e econômicos mais amplos em jogo. Os
Estados Unidos buscavam reforçar sua influência no Oriente Médio e garantir
acesso aos recursos naturais da região, como o petróleo. Nesse sentido, a
guerra no Iraque não pode ser atribuída exclusivamente às pressões do lobby
pró-Israel.
“O AIPAC, durante
muito tempo, foi um bastião de apoio bipartidário a Israel, contando com o
respaldo de membros tanto do Partido Democrata quanto do Partido Republicano.”
Além disso, é crucial
evitar simplificações excessivas ao analisar as relações internacionais e o
papel dos grupos de pressão. Enquanto o lobby pró-Israel desempenha um papel na
promoção de políticas favoráveis a Israel, é apenas um componente de uma rede
complexa de interesses e influências. É importante considerar as dinâmicas
geopolíticas mais amplas e os objetivos estratégicos dos Estados Unidos ao
avaliar o apoio a Israel.
·
American Israel Public Affairs Committee
Nos corredores do
poder em Washington, poucos grupos de lobby têm exercido tanto poder e
influência quanto o American Israel Public Affairs Committee, mais
conhecido como AIPAC. Por décadas, o AIPAC tem sido uma figura
proeminente na política americana, trabalhando para promover os interesses de
Israel nos Estados Unidos. No entanto, nos últimos anos, o grupo enfrentou
desafios significativos à medida que a dinâmica política e os eventos
internacionais moldam o debate em torno de Israel e da Palestina.
O AIPAC, durante muito
tempo, foi um bastião de apoio bipartidário a Israel, contando com o respaldo
de membros tanto do Partido Democrata quanto do Partido Republicano. No
entanto, à medida que as divisões internas sobre a questão israelense se
intensificaram nos Estados Unidos, o AIPAC se viu cada vez mais envolvido em
estratégias políticas agressivas que alienaram alguns setores dos Democratas.
Este cenário se agravou com a recente escalada de conflitos na região.
A crise de identidade
do AIPAC foi evidenciada pelos seus esforços para financiar desafiantes
eleitorais a Democratas considerados insuficientemente favoráveis a Israel.
Tradicionalmente, o grupo evitava enfrentar titulares, mas essa postura mudou
nos últimos anos. A tensão se acirrou ainda mais devido às divergências
internas no Partido Democrata sobre Israel, em um contexto de aumento das
críticas à política israelense em relação aos civis em Gaza e às barreiras à
ajuda humanitária.
“A influência do
ex-presidente Donald Trump na oposição aos fundos adicionais para a Ucrânia
complicou ainda mais a situação, criando um dilema para o AIPAC no que diz
respeito aos seus interesses.”
Além disso, a complexa
política de ajuda externa no Congresso tem apresentado desafios significativos
para o AIPAC. A disputa sobre o financiamento para Israel, em meio aos debates
sobre a assistência à Ucrânia, criou um impasse que o grupo ainda não conseguiu
superar. A influência do ex-presidente Donald Trump na oposição aos fundos
adicionais para a Ucrânia complicou ainda mais a situação, criando um dilema
para o AIPAC no que diz respeito aos seus interesses.
A abordagem cada vez
mais agressiva do AIPAC e os desafios que enfrenta não passaram despercebidos,
especialmente durante a recente reunião com doadores e legisladores em
Washington. O grupo reuniu apoio entre os membros de ambos os partidos, mas
também enfrentou críticas por suas táticas políticas. A exibição de vídeos que
destacavam Democratas criticando Israel gerou controvérsia e levantou questões
sobre a direção que o AIPAC está tomando.
Os esforços da AIPAC
para minar candidatos Democratas que não se alinham com sua agenda foram
contestados por grupos progressistas, que lançaram iniciativas para contrariar
o impacto financeiro do AIPAC nas eleições. Essas tensões refletem um cenário
político em transformação nos Estados Unidos, onde a postura em relação a
Israel se tornou uma questão dicisiva.
Apesar dos desafios, o
AIPAC continua sendo um dos grupos de lobby mais poderosos em Washington, com
uma capacidade formidável de arrecadar dinheiro e influenciar a política
externa dos Estados Unidos. No entanto, as crescentes críticas e as mudanças na
dinâmica política representam desafios significativos para o futuro do grupo e
para o debate sobre as relações entre os Estados Unidos e Israel.
Fonte: Por Bruno
Fabrício Alcebino da Silva, em Jacobin Brasil
Nenhum comentário:
Postar um comentário