O TSE e o conservadorismo judicial: qual o
futuro das Eleições Gerais de 2026?
Nas últimas semanas, o
cenário judiciário de um dos Tribunais superiores foi revitalizado. Predição de
tempos plurais e representativos enunciaram a chegada de Carmen Lúcia à cadeira
de Presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ladeada por Nunes Marques,
vice-presidente, ambos eleitos como sucessores do quadro de ministros que
chefiam o tribunal eleitoral. A figura feminina de Carmen abalizará as Eleições
Municipais de 2024, com a sorte de que demandas arrojadas por grupos
subrepresentados no processo eleitoral sejam vociferados no púlpito do Tribunal
para o pleito deste ano.
A vaga de Alexandre de
Moraes, Presidente que tornou o TSE esse “outro conhecido” na condução do
processo eleitoral de 2022, não ficou para trás. Sorte ou azar, sai Alexandre e
entra Mendonça – com comentários elogiosos franqueados a Moraes. André Mendonça
foi empossado e, portanto, eleito dentro do quadro de ministros sucessores para
ocupar a cadeira do colega no TSE. O mesmo Ministro terrivelmente evangélico
que brindou, em jantar com a Associação Brasileira de Juristas Conservadores
(ABRAJUC), os ares rarefeitos da democracia constitucional amesquinhada pelo
bolsonarismo.
O que esses
remanejamentos dizem respeito ao destino judicial do Tribunal Superior
Eleitoral que, antes, era vanguarda democrática? De maneira realista, entre a
Presidência de Carmen e a porvir de Marques, há Mendonça e um bolsonarismo
resiliente, que por seu turno, energizam a nova feição jurídico-institucional
do Tribunal para 2026. Para as Eleições Gerais de 2026, Nunes Marques e André
Mendonça seriam, respectivamente, Presidente e Vice do Tribunal. Ambos foram
indicados e apadrinhados pelo bolsonarismo nos últimos quatro anos. E ambos são
a nova causa de esgotamento do progressismo judicial na Corte – cujo último
suspiro será dado por Carmen Lúcia.
Bertolt Brecht certa
vez reiterou, com contundência, que a cadela do fascismo sempre estaria no cio.
Contudo, antes mesmo da premente necessidade de corriqueiramente abatê-la,
diz-se, é necessário olhar para o ovo da serpente que também eclode vertiginosamente.
É bem verdade que a atual conjuntura política de um lulismo cambaleante não
pode anunciar a chegada de outro padrão eleitoral para as Eleições de 2026
senão a do próprio Lula. Todavia, esse cenário político pode preconizar o
padrão judicial que se instalará no TSE, em razão do bolsonarismo que se
notabiliza por ser força política resiliente que ainda é mau agouro às
coalizões sociais e institucionais. Essa feição será eminentemente
conservadora.
• Domesticados no Supremo, mas tumorosos
no TSE: o que esperar de Nunes Marques e André Mendonça?
De um primeiro ponto
de vista, o comportamento judicial de Mendonça e Marques no Supremo Tribunal
Federal (STF) enquadrados pelas análises empíricas da ciência política e do
direito constitucional não pressagiam qualquer intempérie. As atuações tímidas
dos dois ministros indicados por Bolsonaro são desinteressadas a outras pautas
que não lhe sejam afetas ao bolsonarismo, sendo este o único vínculo que os
conecta na carne dentro da Corte. Num cenário turvo, Mendonça e Marques podem
ser facilmente aninhados ao comportamento judicial dos outros ministros da
Corte. Porém, quando de frente aos julgamentos do Oito de Janeiro de 2023,
divergem – pois lhe cativa proteger os últimos auspícios de uma força política
carcomida.
A tela muda quando o
jogo vira para o TSE. Além de ser pauta refratária do bolsonarismo, o
ressentimento internalizado pelos reacionários ao processo eleitoral é
notadamente sabido e público. As armadilhas de Mendonça e Marques, em um cargo
de poder de mando, podem sair dos umbrais e migrar para o campo iluminado da
luta política e ideológica. Isso, por sua vez, tende a demonstrar a influência
que ambos os ministros detêm no próprio processo político.
Diego Werneck
Arguelhes e Leandro Molhano Ribeiro já alertavam sobre intervenções individuais
ou minoritárias de ministros, quando cada agente ministerial é capaz de afetar
o processo político em função da sua própria condição de ministro. Eles
consideram que os ministros desenvolveram uma consciência sobre sua dinâmica
individual com a “arena de decisão”, passando a estruturá-la e moldá-la
arbitrariamente.
Nessa margem, os
ministros reconhecem formas informais de afetar o espectro institucional sem
usufruir do processo decisório interno, o que pode ser galvanizado graças à
alocação de poder judicial que um ministro poderá deter se, por acaso, ocupar a
função de dirigente da Corte. Essas afetações são chanceladas, por exemplo, por
controle irrestrito da agenda do Tribunal.
Há motivos, como dito,
para confiar no credo de que a ideologia bolsonarista será norte e bússola da
díade Mendonça e Marques. Em outro artigo recentemente publicado pela Revista
GV Direito, Theófilo Codeço Machado Rodrigues observou pontual e empiricamente
que há uma dinâmica na indicação de ministros ao Supremo que alterna entre o
presidencialismo de coalizão e uma espécie de tecnicismo oriundo de um
“insulamento burocrático”.
Distinto deste ponto
de partida, a sua conclusão é a de que as indicações presidenciais de juízes
respondem às demandas de suas respectivas conjunturas políticas, nas seguintes
variáveis: (i) o interno, que ocorre quando se espera do indicado certo comprometimento
com a agenda do presidente da República; (ii) o simbólico, representante de uma
sinalização para a sociedade; (iii) o insulado, ao significar que o presidente
quer passar a mensagem da existência de certo “republicanismo” ou
“independência” de seu indicado; (iv) por fim, a barganha, entendida como um
recurso mais óbvio de negociação do presidencialismo de coalizão.
Se por um lado a via
de bolsonarização brasileira requisita maior oxigenação da agenda de governança
bolsonarista em alguma instituição, isso certamente se consubstanciará em um
lugar como o TSE. Nele, haveria maior leniência se tolerarmos no cenário futuro
a variável interna promovida por Mendonça e Marques no âmbito do Tribunal,
outrora leais ao bolsonarismo. Isso inclui, se também partirmos do pressuposto
do ressentimento, uma forma de vingança constitucional que transmuta o Tribunal
não em vanguarda, mas em trava; uma vingança constitucional que degrada os
direitos políticos e perverte a exegese em prol de torções hermenêuticas
favoráveis ao conglomerado bolsonarista nas Eleições de 2026.
Nessa sina, também não
necessariamente Mendonça e Marques pretenderiam combater a contaminação do
jurídico pela política – que é o mantra da campanha ideológica dos
congressistas da ordem do dia –, mas sim fazê-la trabalhar a seu favor. E tal
intervenção será fecunda somente se um Tribunal como TSE, que já desbravou, em
outras oportunidades, para além do limite fronteiriço que separa o direito da
política, for encabeçado pelos dois ministros. Inseridos nesse quadro, a díade
contará com um contingente vultuoso de juristas conservadores que exortarão com
legitimidade popular maciça os atos judiciais da Corte.
Contra o
conservadorismo judicial de Mendonça e Marques não há remédio. As chances de
mobilização popular ou parlamentares que provoquem uma mudança tectônica que
obstaculize a chapa dirigente de conduzir o Tribunal são pífias – e
inconstitucionais. O aspecto regimental que promove a blindagem e a salvação
dos dois caninos a Bolsonaro se sobressai e não pode ser repuxado para o vão.
O propósito deste
texto é, então, servir de anteparo para uma crise da atuação judicial, cuja
reação opera no campo da resistência política em face deste “ativismo judicial”
mais pernicioso – um que de fato comove positivamente a feição abusiva e
reacionária dos bolsonaristas.
Para que lidemos com o
futuro da política no pleito de 2026, os efeitos daninhos podem ser agourados
de antemão. E que, sobretudo, estes efeitos sirvam de combustível para fazer
resistir e fortalecer as coalizões que sirvam de barreira contra um líder político
autocrata que queira ascender em 2026, cuja assessoria contará com Marques e
Mendonça. As seguintes assertivas escritas são uma tentativa premonitória –
ainda que negativa – de precaver a distopia judicial de Mendonça e Marques no
TSE:
(i) Retração de
direitos políticos de grupos subrepresentados: um primeiro efeito cataclísmico
enredado pela dupla de bolsonaristas seria uma virada jurisprudencial que, por
seu turno, retarde o avanço de direitos políticos de minorias. Essa nocividade
não se exprime por restrições notórias ao direito de votar típicas de
autocracias, contudo, ela inscreve o dano nas prerrogativas individuais dos
sujeitos. Distribuições de recursos partidários, restrições à utilização do
nome social e a prossecução de julgamentos relevantes e simbólicos de combate à
desigualdade distributiva em âmbito eleitoral são alguns dos laudatórios
exemplos que podem ser operacionalizados de maneira limitante pelo cálculo
judicial de ambos os ministros. Quando presidirem o Tribunal, a ampliação do
poder de agenda será um efeito automático.
(ii) Interferências
negativas no processo político de 2026: uma interpretação judicial alinhada à
ala reacionária dominante de um panorama político conservador fará com que as
regras do processo político sejam, de mínimo a máximo grau, relativizadas em prol
do chicaneiro bolsonarista. Sob esse pretexto, decisões substanciais do
Tribunal Superior Eleitoral não devem ser aguardadas para salvaguardar o
processo político. Grande parte da defesa democrática durante o regime
bolsonarista foi de autoria do STF juntamente ao TSE que, intransigentemente,
passaram não só a afirmar a constitucionalidade de leis e sua dura aplicação,
como ocuparam o vácuo de controle de institucionalidade, apagando alguns, mas
não todos, focos de incêndios. Lembre-se que graças a gestão de Moraes é que
Bolsonaro foi quase-sepultado politicamente para 2026, mas sem que o
bolsonarismo enfraquecesse. Em caminho contrário a isso, as novas decisões
judiciais aguardadas devem patrocinar o líder sucessor da dirigência do
movimento bolsonarista: entre estes, Michelle Bolsonaro e Tarcísio Freitas são
os cotejados para se beneficiarem da nova envergadura das decisões.
(iii) Via de
impunidade judicial e de silêncio institucional: Atualmente, apenas uma das
dezessete ações demovidas contra Bolsonaro resultaram na perda de seus direitos
políticos, o que não afastou a sua plena elegibilidade em razão das
articulações congressuais favoráveis a uma anistia política capitaneadas pelo
Partido Liberal (PL). A expectativa é que, com a chefia de Marques e Mendonça,
o Tribunal detrate os caminhos à responsabilização eleitoral de Bolsonaro e
despavimente o caminho rumo à responsabilização, seja através de silêncio
estratégico ou por meio de votos albergados no protecionismo bolsonarista. O
ideário aqui presente é atrasar ao máximo a agenda de culpabilização,
garantindo o mínimo de sobrevida política que resta ao antigo líder do bolsonarismo.
Fonte: Por Gabriel de
Moraes, no Le Monde
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