O discurso
anti-imigração ajudou a eleger presidentes na República Dominicana e no Panamá?
Em
maio, as eleições na República Dominicana e no Panamá alçaram dois políticos de
direita ao comando do executivo dos países da América Central e Caribe. Além da
proximidade continental, uma bandeira comum esteve presente nas campanhas de
ambos: o discurso antimigração.
Luis
Abinader foi reeleito no último domingo (19) na República Dominicana. À frente
do governo do país desde 2020, o político integra o partido Revolução Moderna.
Em
entrevista ao Mundioka, podcast da Sputnik Brasil, Victor Cabral, doutorando em
Relações Internacionais, mestre em Geografia pela PUC-Rio e pesquisador do
Boletim Geocorrente e do Multilateralismo e a Direita Radical na América Latina
(MUDRAL), disse que Abinader é considerado um político de centro-direita, com
grande apelo popular, e sua reeleição aconteceu sem surpresas.
Se
em seu primeiro mandato, o presidente dominicano apostou em um discurso
anti-corrupção e trabalhou para a melhora do cenário econômico — sobretudo em
um período de pandemia, que prejudicou abruptamente um país movido pelo turismo
—, dessa vez ele resolveu direcionar seu discurso contra o vizinho Haiti, o que
lhe rendeu apoio.
"A
relação do Haiti com a República Dominicana é muito ruim já há algumas décadas.
[...] Há uma relação estranha, muito problemática baseada no racismo. Há um
racismo muito forte na República Dominicana contra os haitianos e isso faz com
que haja um ódio social realmente forte contra os haitianos, principalmente
esses migrantes que estão vindo numa situação cada vez mais irregular".
Cabral
explica que a rejeição ao Haiti na República Dominicana é histórica, ou seja,
não vem dos dias de hoje.
"Em
1937, por exemplo, exatamente na fronteira, a gente teve um massacre chamado
Massacre de Perejil, que é como se fosse uma salsa. Em um período de seis dias,
20 mil haitianos foram mortos com facões por moradores da fronteira com forte
apoio do ditador dominicano na época, que era o Rafael Trujillo [apoiado pelos
EUA, governou o país de 1930 a 1931]".
Como
proposta para impedir a presença dos haitianos no território dominicano,
Abinader vem difundindo a ideia da construção de um muro na fronteira entre os
países — assim como aconteceu entre os EUA e o México.
A
investida, entretanto, é criticada por uma parcela da população dominicana por
conta da forte economia nas fronteiras.
"As
cidades dominicanas que ficam na fronteira com a Haiti dependem desse fluxo de
comércio, dependem que os haitianos venham comprar produtos para poder revender
no Haiti, dependem justamente dessa troca comercial que existe. Então, o muro
seria problemático economicamente falando", esclarece Cabral.
A
construção do muro seria apenas a concretização do fechamento da fronteira
imposto pelo presidente da República Dominicana, uma vez que o território sofre
com intervenções de forma frequente.
Abinader
"já fechou a fronteira várias vezes ao longo do governo, inclusive ela
estava fechada até não muito tempo atrás por conta dos últimos problemas
políticos no Haiti, e a ideia dele é justamente fazer com que os haitianos não
consigam entrar no país", conta o pesquisador.
Além
dessa política antimigratória, a República Dominicana lança mão de outros
projetos que vão de encontro à restrição de direitos dessa população.
De
acordo com Cabral, a Constituição que entrou em vigor em 2010 no país caribenho
retirava a possibilidade de nacionalidade para filhos e netos de migrantes em
situação irregular ou migrantes temporários.
"Isso
fez com que, de um dia para o outro, mais de 200 mil pessoas nascidas na
República Dominicana e que fossem descendentes de haitianos perdessem a
nacionalidade. Então elas se tornaram pessoas sem direito a fazer coisas
básicas, a ter acesso à saúde, educação, moradia, abrir uma conta no banco,
perderam todo o direito", explica o pesquisador.
Por
conta dessa medida, o país foi processado na Corte Interamericana de Direitos
Humanos, "que exigiu que o governo desfizesse essa medida e o governo
ignorou".
"À
época, o António Guterres, que é ex-primeiro-ministro de Portugal e atual
secretário-geral da ONU, ele era o alto comissariado das Nações Unidas para
Refugiados. Ele chegou a ser muito enfático em dizer que a República Dominicana
estava cometendo um erro muito forte em tentar fazer essa produção de apátridas
em pleno século XXI", lembra o especialista.
O
racismo e xenofobia contra os haitianos é tão evidente que, segundo Cabral, a
Embaixada dos Estados Unidos da República Dominicana emitiu, no ano passado,
"um alerta de viagem para que americanos negros tomassem cuidado de
estarem na República Dominicana por correrem o risco de serem confundidos com
haitianos e virem a ser presos, por qualquer razão".
Entre
as contradições de um país revolucionário, que se tornou independente da
metrópole no início do século XIX — o Haiti foi a primeira nação independente
da América Latina e do Caribe —, e um país que se orgulha da miscigenação com a
Espanha, o ódio anti-negro "acaba embalando essa relação", comenta o
pesquisador.
"A
identidade nacional da República Dominicana tem uma base no ódio contra
haitianos. A construção deles enquanto nação independente trabalha com essa
questão de que eles são os inimigos ou são os outros e que devemos ter algum
tipo de distância. Como a distância física não é possível, então eles tentam
essa distância social traduzida em um muro de uma forma cada vez mais
contundente", completa.
·
Panamá segue a rota do discurso
anti-imigração
José
Raul Mulino, político da direita panamenha, foi eleito no início de março em
processo conturbado: ele era candidato à vice-presidência na chapa com Ricardo
Martinelli, ex-presidente do Panamá que foi condenado a mais de dez anos de
prisão e teve sua candidatura embargada no mês de março. Nesse processo, Mulino
conseguiu autorização do tribunal eleitoral para concorrer como presidente
apenas dois dias antes da eleição, no dia 3 de maio.
Ex-ministro
de Segurança Pública e também de Governo, Mulino teve como um dos principais
propósitos durante sua campanha prometer o fechamento da Selva de Darién, com o
intuito de impedir a migração a partir daquela localidade.
"A
Selva de Darién é uma região de muita floresta, extremamente fechada. São 575
mil hectares, se leva de cinco a dez dias para passar por ali, só que hoje é o
principal foco de crise humanitária que nós temos na América Latina. Em 2022,
cerca de 250 mil pessoas teriam cruzado a floresta segundo as Nações Unidas, só
ao longo dos 12 meses, em 2023 só no primeiro trimestre foram 100 mil
travessias", conta Victor Cabral sobre a região.
O
trajeto, segundo o pesquisador, recebe em sua maioria migrantes venezuelanos,
equatorianos, haitianos e cada vez mais chineses também passam por ali.
"Essas
pessoas se dirigem à Colômbia e fazem a travessia a pé ou então por barcos para
conseguir passar e, a partir dessa selva, chegarem no Panamá e de lá seguirem
para os Estados Unidos ou para o Canadá".
Como
o Panamá é um país de passagem para esses migrantes, a população local não se
importa muito com o que será feito na floresta. Porém, Cabral analisa que os
EUA veem com "bons olhos" a proposta, sobretudo com a questão da
imigração se fortalecendo no debate entre os principais candidatos à
presidência norte-americana.
"Joe
Biden tem uma preocupação muito grande de poder tentar controlar ao máximo
possível as migrações ou passar uma imagem no seu discurso de que ele fez
alguma coisa, porque esse é um dos principais assuntos da campanha. O
[ex-presidente Donald] Trump bate na tecla das migrações desde a primeira
campanha dele, é o tema da campanha dele também nesse ano e é um dos desafios
da gestão Biden, que ele conseguiu desagradar todo mundo, dos democratas aos
republicanos em como gerir as fronteiras e as migrações".
Sob
pressão, Cabral relembra que Biden vem implementando medidas de recrudescimento
para a população migrante, como reforçar a deportação, definir que essas
pessoas possam ser processadas criminalmente e dificultar pedidos de asilo ou
refúgio.
"Os
números de migração, de chegada de pessoas, aumentaram muito nos Estados
Unidos. Em 2022 a gente tem um número que passa de um milhão de pessoas sendo
apreendidas na fronteira dos Estados Unidos com o México. Em 2023, esse número
tem uma queda, mas ele ainda fica muito acima de meio milhão de pessoas. Então,
para o país, é algo realmente importante conseguir gerir isso, tanto
republicanos quanto democratas", diz Cabral.
"Se
você tem um Mulino no Panamá falando abertamente que vai conseguir fechar a
fronteira, vai fazer um muro ou uma cerca de qualquer coisa que seja pra
impedir a passagem de imigrantes, isso acaba sendo positivo para os EUA",
finaliza.
·
Presidente eleito do
Panamá tem desafios significativos pela frente
As
eleições gerais do Panamá, resultaram na vitória de José Raul Mulino, antigo
ministro de Segurança Pública, com 34% de apoio. O empresário independente
Ricardo Lombana, do Movimiento Otro Camino (MOCA), ficou em
segundo lugar, com quase 25%, enquanto o ex-presidente Martin Torrijos ocupou o
terceiro, com 16%.
Mulino
venceu devido ao apoio do ex-presidente Ricardo Martinelli (2009-2014),
desqualificado da disputa presidencial depois que a Suprema Corte ratificou uma
sentença de corrupção por lavagem de dinheiro, em fevereiro de 2024. A
administração de Martinelli é lembrada positivamente pelos cidadãos panamenhos,
graças aos investimentos significativos em infraestrutura e ao crescimento
econômico considerável, que evidenciam como a nostalgia moldou as preferências
dos eleitores e aumentou o apoio a Mulino.
Por
outro lado, os eleitores também destacaram o desejo de mudança, uma vez que os
candidatos independentes, a maioria da coligação Vamos, ganharam a
maior parte das cadeiras, com 20 membros eleitos na Assembleia Nacional. O
partido de Mulino, Realizando Metas, obteve 14 cadeiras,
enquanto o Partido Revolucionario Democrático (PRD), no poder,
conseguiu apenas 13 cadeiras, seu pior resultado eleitoral em anos. Com mais
seis partidos entrando na legislatura, Mulino provavelmente precisará buscar um
consenso para formar uma bancada governista.
A
questão de Martinelli, que permanece na embaixada da Nicarágua depois de
receber asilo político, será um teste inicial importante. Embora Mulino tenha
enfatizado em seu discurso de vitória que não era fantoche de ninguém, o apoio
de Martinelli foi fundamental para sua vitória. O perdão é altamente
improvável, dado o apoio obrigatório do Legislativo, mas uma opção seria
permitir que Martinelli deixasse o país. A medida é arriscada para Mulino,
considerando o amplo apoio à prisão de Martinelli, uma vez que os eleitores
demonstraram preocupação com a continuidade da corrupção.
Outras
questões urgentes exigirão a atenção da próxima administração. A crise
migratória na região de Darién, na fronteira com a Colômbia, sobrecarregou as
autoridades panamenhas. Mulino prometeu fechar a fronteira; no entanto, isso
continua sendo impossível devido à selva extremamente densa.
O
novo governo provavelmente tentará limitar os fluxos migratórios, o que poderá
colocar Mulino em conflito com a administração de esquerda do presidente
colombiano Gustavo Petro, que enfatizou a abordagem das causas da migração, em
vez de bloquear os fluxos migratórios. Além disso, grupos criminosos
organizados têm utilizado cada vez mais esses fluxos de migrantes para
contrabandear drogas ilícitas para o Panamá, para posterior transporte através
de portos, provocando um aumento dos riscos de segurança no país.
Além
disso, Mulino enfatizou o crescimento econômico e a atração de investimento
internacional, embora a confiança empresarial tenha diminuído
significativamente depois que os protestos levaram ao encerramento da mina Cobre Panamá, que respondia por 5% do PIB do país.
Mulino
rejeitou a reabertura da mina e propôs o diálogo com a Minera Panamá,
subsidiária da First Quantum Minerals, com a condição de que a empresa
interrompa o processo de arbitragem internacional, que poderia custar bilhões
de dólares ao país.
Enquanto
isso, uma seca prolongada está afetando as receitas de pedágio do Canal do
Panamá, uma vez que os níveis mais baixos das águas limitam o número de navios
que podem passar por ele.
Para
concluir, o crescimento econômico e a importante plataforma de investimento
social de Mulino enfrentam desafios substanciais impulsionados pelas projeções
econômicas fracas, redução nas receitas governamentais, déficits fiscais
crescentes e uma legislatura fragmentada, que exigirá que o governo busque
consenso político para aprovar reformas significativas.
Fonte:
Sputnik Brasil/bnamericas
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