'Não quero ser chefe. Não vale a pena': os
brasileiros que querem mais equilíbrio entre trabalho e vida pessoal
A fotógrafa Paula
Oliveira, de 29 anos, trabalha em uma agência de comunicação com atendimento de
clientes e, quando pensa nos próximos passos da carreira, diz ter uma certeza:
não quer ser chefe.
Na contramão de
profissionais que desejam alcançar cargos de gerência e diretoria, ela afirma
que, muitas vezes, os ganhos financeiros não compensam a sobrecarga.
“Não quero seguir o
caminho de liderança, porque acho que não vale a pena quando traço um panorama
sobre o salário que se ganha e as responsabilidades que se tem”, explica Paula.
Por ser mãe de uma
menina de 1 ano e 6 meses, Paula também busca ocupações que não exijam que ela
fique muito além do horário de expediente ou que tenha que trabalhar no fim de
semana.
“Eu me separei em
dezembro do ano passado e minha filha fica comigo 100% do tempo, e acaba que eu
tenho mais responsabilidade com ela”, diz Paula.
Ela chegou a essa
conclusão depois de receber propostas de trabalho em outras agências e
recusá-las para ter mais tempo livre com a filha.
“Eu sei que em um
cargo de coordenação eu posso ter que ficar mais tempo no trabalho. Muitas
empresas pedem isso, porque acumula muita atividade”, diz.
“Hoje em dia, prezo
muito mais pela minha qualidade de vida e pela minha saúde. Posso ser a melhor
dentro do meu cargo, mas não tendo uma posição alta de liderança.”
Paula faz parte de uma
parcela relevante dos profissionais brasileiros que buscam cada vez mais um
equilíbrio entre a vida pessoal e o trabalho e planejam sua carreira de acordo
com isso.
A pesquisa “Futuro do
Trabalho 2024: onde estamos e para onde vamos”, da plataforma de inteligência
Futuros Possíveis, com 2.011 pessoas com mais de 16 anos, identificou que,
embora 27% queiram ganhar mais e ter benefícios melhores nos próximos dois anos,
só 10% ambicionam assumir cargos de gestão.
Dentre os
participantes, 20% disseram que gostariam de trabalhar menos horas e 12%
disseram que querem ser promovidos para um novo cargo ou função, mas sem
chefiar equipes — um desejo que foi especialmente pronunciado entre os
participantes da chamada geração Z.
“Esses dados mostram
uma quebra de paradigma”, diz Angelica Mari, cofundadora da Futuros Possíveis e
especialista em inovação e futuro.
“O que é ser
bem-sucedido? Quando falamos de competências que não são técnicas, como
autonomia, criatividade e empatia, a trajetória profissional de uma pessoa,
para ser bem sucedida, não necessariamente precisa estar relacionada a um cargo
de gestor ou diretor.”
A nova mentalidade
profissional reflete não só a preocupação com flexibilidade e tempo livre, mas
também uma reavaliação das prioridades na carreira, destaca Mari.
O salário ainda é o
fator mais importante na hora de avaliar um novo emprego, segundo a
especialista.
Mas, na hora de
decidir se vai aceitar uma proposta ou permanecer em um cargo, a carga horária
exigida e a autonomia de ajustar o horário de trabalho de acordo com as
necessidades pessoais são fatores que têm cada vez mais importância.
Em resposta a isso,
empresas têm tentado encurtar as jornadas de cinco dias de trabalho por semana.
Enquanto isso, um
contingente relevante de trabalhadores está um passo atrás nessa busca por uma
vida profissional menos exaustiva e quer acabar com o regime de seis dias de
trabalho para um de descanso.
“Não é novidade que as
pessoas estão esgotadas, depressivas e tendo burnout”, diz Rick Azevedo, de 30
anos, criador do movimento Vida Além do Trabalho. Ele fez uma petição no
Congresso pelo fim desta escala, que ainda é padrão em muitas indústrias e no varejo
“Se querem fazer algo
em prol do trabalhador, que eliminem a escala 6x1.”
• O que pensa a geração Z
O desejo de ser
promovido sem ter a responsabilidade de liderar uma equipe foi especialmente
pronunciado na pesquisa da Futuros Possíveis entre os profissionais da chamada
geração Z, que engloba pessoas com idades entre 16 a 29 anos, como é o caso de
Paula Oliveira.
Essa foi a faixa
etária onde mais pessoas disseram que não pensam em ser chefes, 16% ao todo.
Em comparação, entre
aqueles com mais de 50 anos, só 7% disseram querer a mesma coisa.
“A gente foi ensinado
que somente o trabalho dignifica, mas não é a única coisa. Existe também o seu
talento, o que você gosta de fazer, isso faz parte de quem você é. A geração Z
traz muito desse discurso", diz Mari.
“Vem muito isso da
geração anterior falar que quem é novo não é compromissado, mas isso não quer
dizer que eles são descompromissados, eles estão abrindo novas rotas
profissionais."
O foco desta geração
não está apenas na busca por um emprego, mas de oportunidades que permitam usar
ao máximo suas habilidades individuais e estejam em sintonia com seus desejos.
“As novas gerações
estão mais focadas neste aspecto e mais dispostas a deixar um emprego quando
não existe essa compatibilidade”, diz Paul Ferreira, professor de estratégia e
liderança na Escola de Administração de Empresas de São Paulo, da Fundação Getúlio
Vargas (FGV/EAESP).
Para a geração Z, o
sucesso não é apenas uma questão de alcançar determinadas posições
hierárquicas. Mais do que isso, eles valorizam a clareza e a transparência em
relação à sua trajetória profissional.
“Eles desejam saber
claramente como suas ações e esforços os levarão a determinadas posições no
futuro, e quais benefícios isso trará”, diz Ferreira.
Além disso, segundo o
professor, a geração Z demonstra uma mentalidade mais voltada para o curto
prazo, preocupando-se principalmente com sua satisfação imediata.
“Se comparado com a
geração anterior, os millennials, que estavam dispostos a fazer uma série de
coisas pensando lá na frente, a geração Z não está disposta a muitos
sacrifícios em prol de uma evolução de carreira’”, afirma Ferreira.
“Isso faz uma
diferença muito grande. Toda vez que houver uma possibilidade de mudança, esse
profissional irá pensar “isso me faz mais feliz ou menos feliz’?””.
• Mudanças no mercado
Uma das mudanças mais
perceptíveis no mercado em reação às novas ambições e desejos dos profissionais
é a adoção de jornadas menores.
Algumas empresas
começaram a testar a semana de quatro dias de trabalho, enquanto outras
passaram a dispensar os funcionários mais cedo às sextas-feiras, a chamada
short friday.
Ferreira diz, no
entanto, que a adaptação mais comum no momento é oferecer uma flexibilidade de
trabalhar de casa parcial ou integralmente.
“A escolha entre
trabalho presencial, híbrido e remoto é direcionada a melhorar a produtividade
por meio de um melhor atendimento das preferências dos colaboradores”, explica
o especialista, que acrescenta que a semana de trabalho mais curta também visa o
mesmo objetivo.
A psicóloga Victória
Pasqual, de 25 anos, já tem uma escala de três dias de trabalho durante a
semana, com uma jornada de dez horas por dia com uma pausa de uma hora para o
almoço.
Quando trabalhava
antes em uma ONG, cumprindo uma escala 5x2, com 40 horas semanais, ela diz que
“não tinha tempo para nada”.
Agora funcionária de
uma instituição pública do Rio de Janeiro na área de saúde mental, Victória diz
que a mudança no regime de trabalho fez diferença, porque ela pode estudar mais
e ter tempo livre para suas atividades de lazer.
Isso é especialmente
importante na função que exerce, gerenciando uma equipe de acompanhantes
terapêuticos de pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS), o que tem um impacto
direto na sua própria sua saúde mental.
“Eu trabalho com
histórias de vida muito sofridas. Tem um desgaste afetivo também”, diz.
Ela conta que, além
das 11 horas no trabalho por dia, passa mais 4 horas no transporte público para
ir e voltar, o que acaba sendo muito cansativo.
“Se eu não tivesse
dois dias a mais de folga, não sei como faria. Acho que não conseguiria
trabalhar, pois há vários níveis de exaustão.”
A psicóloga ressalta
que, com dois dias livres na semana, ela consegue fazer atendimentos
particulares para complementar a renda e, mesmo assim, considera sua atual
rotina mais saudável do que no passado.
“Era muito desgastante
chegar em casa e não ter energia para nada. Hoje, eu tenho dois dias na semana
para dar conta de outras coisas”, diz Victória.
• Vida além do trabalho
Rick Azevedo também se
sentia esgotado quando trabalhava seis dias por semana como balconista em uma
farmácia do Rio de Janeiro.
“Eu nunca fui uma
pessoa satisfeita de ter um dia de folga apenas”, diz Rick, que viu um vídeo
que gravou com um desabafo sobre essa rotina viralizar nas redes sociais.
Ele conta que muitos
usuários se identificaram com aquela situação, muitos deles da geração Z que
também não viam sentido em uma jornada de trabalho exaustiva.
Ver essa insatisfação
ecoar entre tanta gente o fez criar o movimento Vida Além do Trabalho para
pedir o fim da escala 6x1.
Ele também criou
grupos no WhatsApp e no Telegram, que têm somados cerca de 12 mil membros, por
onde ele conta que recebe muitos relatos denunciando jornadas que consideram
abusivas.
“A gente tem uma
ilusão que a CLT protege. Mas a CLT está defasada desde a última reforma
trabalhista. Tem trabalhadores sendo explorados”, diz.
Para mudar essa
realidade, Rick fez uma petição ao Congresso que já teve mais de 790 mil
assinaturas de apoio.
“Pedimos também uma
mudança para uma escala 4x3 e uma redução da jornada de 44 semanais [adotada
por algumas empresas] para 40 horas.”
O carioca Caio
Oliveira, de 33 anos, é um dos profissionais que sentiu na pele o quão
exaustivo pode ser uma jornada 6x1.
Trabalhando na área de
hotelaria e de serviços como bares e restaurantes, ele conta que, por muitos
anos, folgou só um dia na semana e, por causa de mudanças de emprego em
sequência, chegou a ficar quase oito anos sem tirar férias.
Caio diz que isso
afetou sua saúde mental e física.
“Eu tinha muito
contato com pessoas, e acho que quem está na frente da operação cansa muito.
Não só a parte física, mas também mental”, diz.
“Muitas vezes a gente
tem que lidar com os problemas da nossa vida e tem que estar preparado para
receber pessoas. Você às vezes tem que vestir uma máscara.”
Mas, no início do ano
passado, ele conta que assumiu um cargo administrativo e passou a trabalhar
cinco dias por semana, de segunda a sexta.
Agora, diz que tem
mais qualidade de vida e pensa em voltar a estudar, o que não seria possível
com as escalas puxadas de antes e sem ter a flexibilidade de horário que sua
função hoje permite.
“Consigo ter mais
tempo não só para cuidar de mim, para ter o meu tempo também, meu espaço, minha
casa e dividir mais o tempo com minhas amizades e com quem quero ter próximo de
mim”, diz.
“Eu não voltaria para
como era antes de forma alguma.”
Fonte: BBC News Brasil
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