quarta-feira, 22 de maio de 2024

Jeferson Miola: Crise revela identidade ideológica de Leite com ideário da extrema-direita

O governador tucano Eduardo Leite confessou em entrevista [FSP, 20/5] que recebeu com antecedência os alertas da meteorologia sobre a ocorrência de enchentes, mas mesmo assim não tomou as providências devidas.

Num reconhecimento tardio do seu negacionismo climático, e já depois de muito leite derramado, com a licença para o trocadilho, ele admitiu que “muitos alertas se revelam agora especialmente relevantes”.

Ora, pelo menos desde 2022 o governo gaúcho tem conhecimento de que o território do Rio Grande do Sul é um dos epicentros mundiais de fenômenos climáticos graves.

E, durante as enchentes de setembro e novembro de 2023, o governo recebeu a previsão de que novo evento climático severo ocorreria em abril e maio de 2024, porém nada fez. Ou melhor, destinou ridículos 50 mil reais do orçamento deste ano para a defesa civil.

Leite justificou a inação governamental na prevenção e preparação da defesa civil porque “o governo também vive outras pautas e agendas”.

Mas, afinal, quais seriam essas “outras pautas e agendas” hierarquicamente mais relevantes e de prioridade absoluta, que canalizaram todos os esforços e recursos do Estado do RS e que impediram que o governo protegesse a população e a economia gaúcha com um plano de contingência frente à previsão do evento climático severo, conhecido com antecedência de pelo menos nove meses?

O governador responde que “a agenda que se impunha ao estado era aquela especialmente vinculada ao restabelecimento da capacidade fiscal do estado […]”, não a agenda de salvar vidas e prevenir para que essa situação de terra arrasada não acontecesse.

Tanto Leite como o prefeito de Porto Alegre Sebastião Melo não podem ser responsabilizados pelo evento climático severo.

No entanto, a omissão, a incompetência e a negligência deles causou graves prejuízos humanos, ambientais e econômicos que ou poderiam ter sido evitados em grande medida, ou poderiam ter sido consideravelmente menores, senão mínimos, se os governantes tivessem agido de outra maneira.

Não se pode aceitar a narrativa mentirosa de que houve uma catástrofe; uma fatalidade causada pela malvada natureza ou por um castigo divino. Porque o que aconteceu foi um crime.

E, como fica claro na confissão do governador, um crime praticado de modo doloso, com a consciência sobre os efeitos trágicos que sua omissão causaria.

Esta confissão do Leite foi precedida de outros tropeços dele na crise.

O primeiro, quando criou a arrecadação de doações via PIX em contra gerenciada por entidade privada.

Depois, no exercício autêntico do seu servilismo ao mercado, Leite cogitou prescindir de doações humanitárias para favorecer o comércio em detrimento das pessoas e das famílias que perderam absolutamente todos seus bens e recursos.

Apesar de Leite ser enquadrado na classificação de direitista que “come com garfo e faca”, como Fernando Haddad caracteriza direitistas “civilizados”, a crise tem aprofundado as características conservadoras, iliberais, negacionistas e primitivistas dele sobre o papel do Estado e a visão de sociedade, que têm fortes semelhanças com o ideário das extremas-direitas lavajatista e bolsonarista.

•                                           Não é catástrofe, é crime. Por Jeferson Miola

Especialistas, acadêmicos e cientistas convergem no diagnóstico de que falhas da Prefeitura na manutenção do sistema de proteção contra enchentes causaram a inundação de Porto Alegre, que poderia ter sido evitada.

Não precisaríamos estar passando por isso. Decididamente não precisaríamos sofrer com tamanha devastação, perda e dor.

Não aconteceu uma catástrofe. Mas catastróficas foram as consequências do evento climático severo. Que poderiam não ter sido catastróficas – ou, pelo menos, não teriam sido de magnitude catastrófica –, se a Prefeitura não tivesse sido negligente, incompetente e irresponsável.

As falhas, todas evitáveis e preveníveis, ocorreram no contexto de um processo contínuo de sucateamento, abandono e desmonte das estruturas e da inteligência técnica das áreas de engenharia, planejamento, gestão hídrica, ambiental e urbanística da cidade.

Este debilitamento da capacidade pública do Município, que é metódica e intencional, integra o ideário do bloco de poder que desde 2005, há 20 anos, se reveza na Prefeitura com sucessivas gestões conservadoras que transformaram a capital gaúcha num laboratório de experimentos ultraliberais radicais.

As oligarquias locais eliminaram barreiras sócio-ambientais modernas e normas urbanas civilizadas para deixar livre o caminho da penetração agressiva sobretudo do capital financeiro e imobiliário no território da cidade, desfigurando a paisagem, degradando as condições ambientais e desprotegendo a população.

A Prefeitura não foi pega desprevenida neste evento climático severo. Desde pelo menos desde 2022, quando da ocorrência de ciclones extratropicais, se sabia que o Rio Grande do Sul é um epicentro mundial de fenômenos climáticos severos.

Depois, em setembro e novembro de 2023, quando o nível do Guaíba atingiu respectivamente 3,18m e 3,46m, houve inundação restrita em algumas áreas da cidade, e então as falhas de manutenção do sistema ficaram patentes.

Não se tratavam de problemas complexos. Menos ainda problemas insanáveis ou onerosos, mas de questões comezinhas, como a falta de borracha de vedação e de parafuso de pressão para fechar e vedar eficientemente as comportas.

Apesar desses sinais todos, o governo do prefeito Sebastião Melo negligenciou, não investiu um único centavo no sistema de proteção contra enchentes e não providenciou sequer o conserto das comportas, das tampas de esgoto e das bombas de água defeituosas.

A Prefeitura tem responsabilidades indiscutíveis pelo descalabro da cidade.

Se o sistema não tivesse falhado como falhou, por falta de manutenção, a única área da cidade que ficaria inundada seria o bairro Sarandi, na região norte, uma vez que o volume do Rio Gravataí fez o Guaíba ultrapassar a cota de 6 metros, que é o limite de nível que o sistema de proteção de enchentes protege.

No entanto, todas demais áreas, como o centro histórico, a Cidade Baixa, o Menino Deus, a zona sul, o 4º Distrito, o aeroporto e outras partes do território não teriam sido inundadas.

Além de responsável pelos efeitos catastróficos do evento climático, a Prefeitura também é responsável pelo atraso inaceitável do fim da inundação da cidade, que poderia terminar em dois ou três dias, se fossem empregadas as soluções técnicas recomendadas por especialistas ao prefeito e sua equipe inepta.

As recomendações são exequíveis e estão ao alcance imediato: mergulhadores para vedar as comportas e impermeabilizar as áreas de infiltração, fechamento hermético de tampas de dutos forçados e energização das casas de bombas que devolvem a água invasora para o Guaíba.

Mesmo com a existência dessa alternativa para acelerar o escoamento das águas, o governo municipal continua irredutível no erro, na incompetência e no negacionismo, sujeitando a cidade a ficar semanas alagada, quando poderia acabar a inundação imediatamente.

Com isso, o governo municipal aumenta os danos, os prejuízos das pessoas e empresas, a economia, e expõe a população ao risco de colapso sanitário.

Na tarde desta 6ª feira, 17/5, a Prefeitura derrubou portões do Muro da Mauá para permitir que a água retida na parte interna da cidade, em cota superior à do Guaíba, pudesse escoar para o Lago.

Detalhe: a Prefeitura não abriu portões, mas derrubou portões do Muro. Significa a destruição de uma barreira física estrutural de contenção de enchentes. Ou seja, mais uma irresponsabilidade absurda da Prefeitura.

E se nos próximos dias o nível do Guaíba voltar a subir consideravelmente, possibilidade mostrada em modelos meteorológicos, isso significa que as águas encontrarão os portões abertos para inundarem a cidade indefesa?

Sebastião Melo faz parte do problema, ele é responsável por sujeitar a população a sofrer consequências catastróficas do evento climático severo. Não merecíamos passar por isso.

Porto Alegre não foi atingida por uma fatalidade inevitável, como sugere a mídia associada à exploração imobiliária inescrupulosa da cidade. Tampouco foi vítima de alguma maldade da natureza ou castigo divino.

A catástrofe poderia ter sido evitada; foi consequência das escolhas ruinosas do governo Melo.

O que aconteceu e continua acontecendo é um crime, e os culpados precisam ser afastados de funções públicas e responsabilizados nas esferas administrativa, cível e criminal. Arruinaram uma linda cidade.

Porto Alegre precisa urgentemente de uma governança competente e responsável para superar a situação de emergência climática, humana e existencial.

 

•                                           Deputado acusa prefeitura de Porto Alegre (RS) de negligência: “Causou a tragédia”

 

O deputado estadual Matheus Gomes (PSOL-RS) usou seu perfil no X (antigo Twitter), para fazer uma denúncia contra o prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo (MDB). De acordo com o parlamentar, a gestão dele recebeu um alerta sobre os riscos de inundações no Centro, Menino Deus, Cidade Baixa e Sarandi, mas a tragédia não teria sido evitada por uma postura negligente das autoridades.

Em uma série de postagens feitas no X/Twitter, Gomes divulgou um documento do DMAE (Departamento Municipal de Água e Esgotos), de novembro de 2023, quando uma sequência de chuvas fez o rio Guaíba atingir mais de 3,4 metros e engenheiros solicitaram reparos urgentes em quatro casas de bombas e apontaram outros problemas.

De acordo com os dados exibidos pelo deputado estadual, a prefeitura não atendeu aos pedidos dos engenheiros do DMAE e as consequências previstas pelos especialistas se tornaram realidade. “Os engenheiros fizeram o seu papel, mas quem autoriza as ações negligenciou”, escreveu o político. Confira:

“Tive acesso a documentos do DMAE que mostram como a prefeitura de Sebastião Melo foi alertada sobre os riscos de inundações no Centro, Menino Deus, Cidade Baixa e Sarandi. Agora temos as evidências do que já era especulado: a negligência causou a tragédia!

Em novembro de 2023, vivemos uma sequência de chuvas que fizeram o Guaíba atingir mais de 3,4m. Dias depois, os engenheiros do DMAE solicitaram reparos URGENTES em quatro casas de bombas: a 17 e a 18, que ficam no Centro; a 13, no Parque Marinha; e a 20, na Vila Minuano.

Na 17 e 18, foi solicitada a “elevação das paredes do poço de descarga”, uma obra simples para aumentar a altura da parede e manter as bombas isoladas e funcionando em casos extremos. O pedido surgiu com a análise dos problemas de novembro.

O documento enfático afirmava a “necessidade urgente de resolução da demanda” para não corrermos o risco de ver “o alagamento da área central de Porto Alegre, entre a Usina do Gasômetro e a Rodoviária”. Nada foi feito para reparar o problema verificado pelos técnicos do DMAE.

Na EBAP 13, que fica no Parque Marinha, foi solicitado o conserto das janelas de inspeção do poço de descarga, que não estavam devidamente pressurizadas, como manda o projeto original. O perigo iminente era o alagamento no Menino Deus e no entorno da Azenha. Nada foi feito!

Por fim, na EBAP 20, na Vila Minuano, os engenheiros pediram uma avaliação do quão protegido estava o “poço de descarga”, pois havia a hipótese de que uma elevação do Arroio Passo da Mangueira geraria o colapso das bombas e graves consequências na região do Sarandi.

Tragicamente, toda a descrição dos engenheiros do DMAE aconteceu, e da pior maneira. Se comprovou o que os estudiosos da hidrologia dizem: a pior inundação é a que está por vir, por isso, a prevenção é o melhor caminho. Mas o mais estarrecedor é o que vem agora…

Esse processo tramitava desde 2018 e sempre parava na incompetência dos gestores do DMAE. Os engenheiros fizeram o seu papel, mas quem autoriza as ações negligenciou. Prova disso é que, em 23 de abril de 2024, ainda não havia sequer um cronograma pra fazer os reparos. A verdade é que, ao contrário do que o Melo diz, o teste do sistema de proteção contra cheias foi em 2023.

Entre setembro e novembro, os especialistas viram os problemas e apresentaram soluções para diminuir os impactos das cheias. Mas, Maurício Loss (DMAE) e Melo não agiram! O prefeito Sebastião Melo adora aparecer como síndico, zelador, cuidador dos problemas da capital, mas mostrou que isso é só discurso.

Diante do “Super El Niño” e da inegável mudança no padrão de chuvas na última década, o seu negacionismo climático se sobressaiu. Essas informações são só o começo. Os processos possuem mais de 100 páginas, inúmeras perguntas não respondidas, detalhes absurdos da inoperância de Sebastião Melo e nós iremos mostrar ponto a ponto pra vocês.

E sei que alguns podem se perguntar: será que é a hora? Milhares de pessoas ainda estão nos abrigos, com suas casas debaixo d’água. Seguimos diariamente nas ações de solidariedade e construindo alternativas para sairmos dessa crise.

Sim, é hora de responsabilizar os culpados e o trabalho parlamentar exige fiscalização séria! Toda a documentação será entregue ao Ministério Público, também iremos estimular ações investigativas noutros órgãos de controle, além do parlamento. Sem a responsabilização de quem foi negligente, como Sebastião Melo, não teremos reconstrução de Porto Alegre e do RS!”

 

Fonte: Viomundo/DCM

 

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