Impactos das inundações no RS: solo,
agricultura e infraestrutura
Após as recentes
inundações no Rio Grande do Sul e o tempo que a água tem levado para baixar,
alguns questionamentos como recuperação de solo, reconstrução e impacto são
levantados. O geólogo e professor do Centro Universitário Nossa Senhora do
Patrocínio (Ceunsp), Rodrigo Salvetti, alerta que ainda não é possível estimar
quando tudo irá se reestabelecer.
“É muito difícil
estimar tempos e custos de recuperação, dada a dimensão do desastre causado
pelas chuvas. Um bom parâmetro que pode ser utilizado é a reconstrução de Nova
Orleans, cidade afetada pelo furacão Katrina em 2005, nos EUA. A reconstrução
da cidade e a instalação de estruturas preventivas para novas inundações
levaram quase uma década, a um custo superior a 70 bilhões de reais. Isso
apenas para uma cidade. Quando extrapolamos isso para todo o estado do Rio
Grande do Sul, o custo passa a ser incalculável e o tempo imensurável.
Infelizmente podemos estar falando de vários anos até que toda a infraestrutura
da região seja recuperada”, afirma
O Rio Grande do Sul é
um dos grandes produtores de commodities do país. A soja, por exemplo, possui
produção em 435 cidades. Além disso, o estado também é responsável pela
produção de 70% de arroz no Brasil. Segundo a Confederação Nacional de
Municípios (CNM), os prejuízos da agropecuária gaúcha somam mais de R$ 2,5
bilhões, sendo que a maior parte deste montante é somente da agricultura. As
chuvas destruíram diversas plantações e boa parte dos solos pode se tornar
impróprio para plantio.
“Em relação ao solo,
temos um problema ainda maior. As enchentes carrearam muita areia e argila para
as áreas de plantações, tornando os solos desses locais inapropriados para o
plantio. É possível recuperar o solo, removendo a areia e argila, e fazendo correção
e adubação do solo fértil que porventura ainda exista por baixo. Em alguns
locais, porém, a enxurrada foi mais forte, e o solo foi completamente removido
e a rocha ficou exposta. Nesses não é possível repor o solo e essas áreas
precisarão ser abandonadas”, explica o professor Rodrigo Salvetti.
Apesar de ainda não
ter um completo entendimento do prejuízo e dimensão do trabalho que virá pela
frente. O geólogo alerta sobre a importância de pensar que as mudanças
climáticas já fazem parte da realidade e de não agir apenas reativamente. “O
que precisa ser repensado é o que será viável a longo prazo. As mudanças
climáticas são nossa realidade e eventos desse porte, que antes ocorriam uma
vez a cada século, podem passar a ser mais frequentes, causando danos,
prejuízos e perdas de vidas humanas e animais. Transferir os bairros mais
atingidos para áreas mais altas e criar estruturas de contenção e alerta para
eventos extremos futuros podem ser indispensáveis para essa região a curto
prazo”.
Além disso, Salvetti
reforça que é importante planejar uma recomposição da mata nativa. “Outro ponto
a ser considerado é a recuperação ambiental da área, com reconstituição das
matas nativas sobretudo à beira dos rios atingidos. Isso auxilia na infiltração
das águas da chuva, na diminuição da velocidade do deslocamento das águas
durante o extravasamento e na diminuição do impacto causado durante as
enchentes”.
De acordo com dados da
Defesa Civil, são mais de 538 mil gaúchos desalojados, sendo que cerca de 80
mil se encontram em abrigos, além de 149 vítimas fatais até o momento.
• Sobre o Ceunsp
Com 60 anos de
tradição e dois campi – Itu e Salto –, o Ceunsp é reconhecido por seu ensino de
qualidade, com ótimos indicadores comprovados pelo MEC, Enade e Guia da
Faculdade e considerado um dos maiores complexos educacionais da região.
Oferece cursos de graduação e pós-graduação em diversas áreas do conhecimento.
Pertence ao grupo Cruzeiro do Sul Educacional, um dos mais representativos do
País, que reúne instituições academicamente relevantes e marcas reconhecidas em
seus respectivos mercados.
• Enchentes no Rio Grande do Sul, em meio
a nova onda de alagamentos
O prefeito Sebastião
Melo (MDB) anunciou a suspensão das aulas na rede pública e privada na
sexta-feira e o fechamento das comportas do sistema de contenção do Guaíba.
A prefeitura foi muito
questionada nesta quinta sobre por que não tomou mais medidas com antecedência
considerando que havia previsão de chuva.
Em coletiva de
imprensa, Sebastião Melo disse que "a prefeitura não foi pega de surpresa
pelas chuvas".
Segundo ele, a
prefeitura sabia através da previsão do Climatempo sobre as chuvas e por isso
tomou algumas decisões, mas que o volume foi além do esperado.
"Tão logo a chuva
começou a acontecer, eu vim para a comissão de crise e tomei as decisões.
Algumas pessoas podem perguntar 'mas vocês poderiam ter feito isso ontem', é um
questionamento legítimo, mas em momento de chuva tudo é muito difícil", afirmou
Melo. "Sabíamos que ia chover, mas as chuvas foram especialmente
fortes."
A prefeitura disse
ainda que o fato da rede já estar muito sobrecarregada afetou a capacidade de
contenção do problema, mas que não há um "colapso" do sistema de
proteção à chuvas.
Entre as decisões
tomadas, segundo o prefeito, está o fechamento das comportas anti-alagamento do
rio. Segundo a prefeitura, 5 das 14 comportas estavam abertas ainda na tarde de
quinta, mas em "iminência de fechamento".
Segundo o diretor do
Departamento Municipal de Água e Esgotos (Dmae), Maurício Loss, algumas das
comportas que foram mantidas abertas tinham o objetivo de ajudar no escoamento
das áreas alagadas; mas assim que identificado que hávia uma inversão, ou seja,
que as águas estavam indo do rio para a cidade, as comportas foram sendo
fechadas.
O diretor do Dmae
também negou que o sistema de saneamento da capital tenha entrado em colapso e
culpou pela situação a chuva “além do previsto”.
Loss disse também que
10 das 23 estações de bombeamento fluvial da cidade estão funcionando.
O Dmae afirmou que,
nos últimos 20 dias, parte das casas de bombas foram alagadas e que a
substituição dos motores não é imediata, depende da encomenda das máquinas, que
já foi feita.
A prefeitura tem
enfrentado acusações de “possível negligência e omissão” em relação ao sistema
de proteção contra enchentes da capital.
Segundo documentos do
Dmae que vieram à tona nesta semana, a administração foi avisada por técnicos
que havia problemas na estrutura de bombeamento de água.
• 'Não tem o que fazer'
Os artesãos Rogério
Pereira, 59 anos, e Regina Paproski, 61 anos, viram frustrada na quinta-feira
(23/5) a terceira tentativa de retornar para casa.
A ideia era começar a
limpeza do apartamento térreo em que residem há três décadas, na Avenida Praia
de Belas. Invadido pela água na noite de sexta-feira (3/5), o imóvel, assim
como parte do quarteirão, ficou isolado pela água por quase 20 dias.
O plano do casal teve
de ser adiado em razão do alagamento da área, que tornou o prédio inacessível
pela segunda vez.
Depois de ingressar no
imóvel, eles pretendiam destruir os pequenos muros de contenção improvisados
com que tentaram deter a água e retirar móveis e pertences destruídos.
“Essa chuva nos
quebrou as pernas. Hoje, a esquina mais próxima (da Avenida Praia de Belas com
a Rua Barão do Gravataí) já tinha 40 centímetros de água. Agora não sabemos o
que fazer”, diz Rogério.
O prédio em que
Rogério e Regina vivem é uma construção de meados do século 20, antes do aterro
da Avenida Praia de Belas. O artesão desconfia que um erro de projeto deixou
seu apartamento mais baixo que o restante da edificação.
Com o passar do tempo,
os dois tiveram de lidar com a umidade e com o acúmulo de água da chuva, que às
vezes ameaçava invadir a área interna. Nada havia preparado o casal, porém,
para o que ocorreu nas últimas semanas.
“Na manhã do dia 3,
não estava chovendo, mas acordamos com água nas aberturas (do apartamento).
Percebemos que ali havia algo diferente. À noite, a água já estava invadindo a
sala e a cozinha. Vimos que não iria parar ali e decidimos sair”, relata Rogério.
Os dois abrigaram-se
na casa da irmã de Rogério, no bairro Bom Jesus, levando consigo os gatos
Micuim e Maia. No dia 4, um sábado, a água no piso do apartamento já chegava a
30 centímetros. Na segunda-feira (6/5), o quadro era ainda pior.
“A água dava no peito,
havia coisas boiando. A geladeira tinha começado a tombar”, lembra o artesão.
Na véspera (22/5),
Rogério voltou ao local para uma última vistoria antes do início da limpeza.
“Parece que uma bomba
atômica entrou no apartamento. A gente não acredita que somente o sobe-e-desce
da água faça com que coisas de todas as partes da casa estejam espalhadas em
todos os cômodos, misturadas, imprestáveis. Isso para não falar no cheiro fétido”,
desabafa.
Apesar da catástrofe,
o morador do Praia de Belas considera-se privilegiado.
“Tivemos muita sorte.
São milhares de pessoas em situação até pior do que a nossa. Temos alimentação,
cama, roupas, nossos bichinhos estão abrigados”, avalia.
O casal pretende fazer
pequenas reformas no imóvel, mas Rogério confessa que mal sabe por onde
começar.
“A longo prazo, não
tem o que fazer. Teremos de conviver com o sentimento de medo de estar ali, na
cama, e ocorrer uma nova enchente”, afirma.
Além de interromper o
sonho de normalização de muitos gaúchos, a enxurrada de sexta-feira (23/5)
travou operações de reocupação de espaços públicos e destruiu obras
emergenciais que serviam de paliativo diante da aniquilação da infraestrutura
do Estado.
Em Porto Alegre, a
prefeitura havia programado o início da limpeza do Mercado Público. Com as
chuvas, foi preciso adiar o trabalho.
No bairro Sarandi,
zona norte de Porto Alegre, a chuva e a correnteza do Arroio das Pedras
derrubaram um trecho da Avenida Sarandi e do talude de contenção na esquina com
a Avenida General Raphael Zippin.
Embora o Sarandi seja
o bairro onde a enchente atingiu o maior número de pessoas, com 26.042 pessoas
afetadas segundo a prefeitura, esse ponto da avenida não havia sofrido danos
até ontem.
No Vale do Taquari,
uma ponte provisória flutuante instalada pelo Exército sobre o Rio Forqueta,
entre os municípios de Lajeado e Arroio do Meio, foi levada pela torrente. A
passagem, em uso desde a quarta-feira (15/5), substituía a antiga ponte
destruída pela enchente e permitia a passagem de 45 pessoas por minuto, em
sentido único.
• Denúncia ao ministério público
Os documentos do Dmae
foram anexados pelo deputado estadual Matheus Gomes (PSOL) em um ofício enviado
na quarta ao procurador-geral de Justiça do Estado, Alexandre Saltz, no qual
solicita abertura de procedimento para averiguar “possível negligência e omissão”
da prefeitura em relação ao sistema de proteção contra enchentes da capital.
O documento traz uma
série de despachos e laudos de servidores do Dmae no qual os técnicos solicitam
providências em relação a falhas do sistema.
Entre os
questionamentos feitos pelo Psol, estão:
• O que foi feito em 2018 quando
engenheiros apontaram falhas no sistema de descarga de bombas do rio Guaíba?
• O processo administrativo para conserto
de problemas nas bombas foi interrompido em 2019. Por que ele ficou três anos
parado? Outras medidas para o conserto foram tomadas nesse meio tempo?
• A falta de manutenção e qualificação do
sistema de proteção à chuva poderia ter evitado o agravamento dos danos
causados pela elevação dos rios em abril e maio e 2014?
• A prefeitura considerou as orientações
do IPCC (painel intergovernamental sobre mudanças climáticas) e do Plano de
Ação Climático da cidade em suas ações nos últimos anos?
Sem citar os
documentos ou o ofício enviado ao Ministério Público, o prefeito Sebastião Melo
se defendeu na coletiva de quinta, afirmando que todas as obras necessárias
exigem um alto volume de recursos que a prefeitura não tinha disponível.
Disse também que foram
investidos mais de R$ 35 milhões na dragagem (limpeza) dos arroios ( córregos
d'água) e que a situação teria sido pior se isso não tivesse sido feito.
Melo também acusou a
"esquerda e a extrema esquerda" de criarem uma "narrativa
mentirosa" sobre as enchente em Porto Alegre.
"Essas pessoas
governaram a cidade por 16 anos”, afirmou, em referência a administraçõesdo PT
na capital nos anos 1990 (1989-2004).
Melo é prefeito de
Porto Alegre desde 2021. Antes disso, a cidade foi administrada pelo PSDB
(2017-2021), pelo PDT (2013-2017) e pelo partido de Melo, que então se chamava
PMDB (2009-2010).
• Bueiros e lixo
Diferentemente do
início do mês, quando o grosso da enchente foi provocado pelo avanço das águas
do Guaíba sobre as zonas norte e central, desta vez a inundação deveu-se
principalmente ao extravasamento de bueiros e arroios como o Feijó, junto ao
bairro Sarandi, e o Cavalhada, na zona sul.
Os bairros Restinga e
Santana, na zona leste, e Cavalhada, na zona sul, que não registraram
alagamentos nos primeiros dias de maio, registraram pontos de alagamento e
bloqueio de ruas.
No bairro Camaquã,
crianças e funcionários da escola infantil Paraíso dos Baixinhos foram
resgatados numa operação que envolveu pais, Corpo de Bombeiros e Exército.
O resgate foi
dificultado por uma obra inacabada em um duto na região, que começou a jorrar
água e impediu até mesmo a passagem de um caminhão do Exército.
Em outros locais,
áreas que já estavam secas voltaram a ficar submersas.
Na Avenida José de
Alencar, no bairro Menino Deus, quase duas dezenas de comerciantes foram
resgatados. A região apresentava recuo da água desde o domingo (12/5). No
bairro Cidade Baixa, ruas como Barão do Gravataí, Baronesa do Gravataí, Luiz
Afonso e Joaquim Nabuco tiveram a mesma sorte.
O excesso de chuva foi
o responsável por pelo menos um ponto de alagamento: o Parque Farroupilha,
popularmente chamado de Redenção, no bairro Bom Fim. No final da tarde, a área
em torno do chafariz do parque estava coberta pela água acumulada desde a madrugada
no local.
Uma postagem do
advogado Sérgio Achutti Blattes em uma rede social na quarta-feira (22/5)
indicava que o alagamento na área começara antes da chuva. “Hoje, 22 de maio,
Rua Aureliano (Avenida Aureliano de Figueiredo Pinto), lateral do TJ/RS, voltou
a inundar”, escreveu o advogado na postagem, que incluía um vídeo da via
alagada entre os prédios do Tribunal de Justiça do Estado e do Instituto de
Previdência do Estado.
Questionado sobre a
limpeza dos bueiros da cidade e a retirada do lixo durante a coletiva de
quinta, o prefeito respondeu que têm um contrato de limpeza mas que “se existem
bueiros entupidos” é porque “lixo foi colocado indevidamente”.
“Peço reiteradamente
que as pessoas não joguem lixo na rua”, disse o prefeito da coletiva.
Questionado sobre a
possibilidade de pedir ajuda, como do Exército, para a limpeza, o prefeito
afirmou que o Exército está ajudando Porto Alegre, mas também tem que atuar em
outras cidades e que o efetivo que está atuando deve ser aumentado.
A prefeitura disse
também que está fazendo um pregão para contratar mais empresas para fazer a
limpeza.
O mês de maio já detém
o recorde de volume de chuva na capital. Segundo o Instituto Nacional de
Meteorologia, de 1º de maio às 15h de quinta-feira (23/5), a precipitação
atingiu 461 mm, maior quantidade registrada desde que a medição começou a ser
feita, em 1916. O segundo maior volume, de 405 mm, foi atingido em 1941, ano da
enchente que, até este ano, era considerado o evento mais extremo desse tipo no
Estado.
Fonte: XCOM Agência de
Comunicação CEUNSP/BBC News Brasil
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