Fatores de risco modificáveis inspiram
mudanças nas políticas públicas de saúde
O aumento da
incidência das doenças crônicas não transmissíveis (DCNTs) é uma das principais
preocupações de saúde pública globalmente – segundo a Organização Mundial da
Saúde (OMS), elas são responsáveis atualmente por 74% das mortes ao redor do
mundo. O grupo formado por condições como diabetes, obesidade, hipertensão e
até câncer – e que tende a crescer ainda mais com o envelhecimento da população
– tem feito com que países adotem iniciativas e proponham políticas públicas
para não só evitar a sobrecarga nos sistemas de saúde, como melhorar a
qualidade de vida das pessoas. Para atacar o problema, um dos alvos principais
envolve os fatores de risco modificáveis, rol que engloba alimentação saudável,
tabagismo, consumo de álcool e sedentarismo, dentre outros.
“É muito mais custoso
para o sistema gastar com uso de medicações e tempo de internação”, afirma
Carla Montenegro, doutora em Ciências da Saúde e especialista em serviços de
reabilitação do Hospital Israelita Albert Einstein. “É muito mais econômico
investir em políticas públicas que priorizam e incentivam as mudanças de
comportamento que podem mitigar esses fatores de risco.”
Só que mudar esse
cenário não é simples. O estilo de vida moderno, com grande oferta de alimentos
ultraprocessados (muitas vezes, a preços acessíveis), infindáveis opções de
entretenimento por meio de telas e redes sociais e escassez de tempo livre,
favorece a manutenção de hábitos não saudáveis. O resultado é que praticar
atividade física, comer de forma balanceada, reduzir o uso de substâncias e até
dormir de forma satisfatória acaba, se tornando hábitos cada vez mais ausentes
da rotina das pessoas.
Outro ponto importante
a ser observado é a relação entre os níveis de desenvolvimento de uma nação e
as taxas de óbitos associadas às condições crônicas: das 15 milhões de mortes
prematuras – entre os 30 e os 69 anos – provocadas por DCNTs no mundo, mais de
85% acontecem em países de baixa e média renda, de acordo com a OMS.
Diante desse contexto,
órgãos de saúde têm ampliado o diálogo e redobrado os esforços na busca por
soluções intersetoriais e que partam de uma lógica de medidas coletivas, e não
individuais, para tratar o problema.
“Antigamente,
acreditava-se que, uma vez que a pessoa adotasse hábitos saudáveis, ela já
estaria se prevenindo e o problema seria solucionado”, salienta Mark Barone,
doutor em fisiologia humana e coordenador do Fórum Intersetorial de Condições
Crônicas Não Transmissíveis no Brasil (CCNTs). “Era um olhar simplista, que
percebemos não funcionar. Porque não basta falar ‘coma alimentos com menos
açúcar’ se esses são mais baratos no mercado. Os fatores de risco estão muito
conectados aos determinantes sociais.”
• Determinantes sociais no cerne das
políticas públicas
A principal mudança na
compreensão e abordagem de estratégias modernas de prevenção e promoção de
saúde é o entendimento de que entregar uma cartilha com a lista de hábitos
saudáveis não basta. O CCNTs tem participado da discussão e da implementação de
projetos em diversas cidades do Brasil e um deles exemplifica bem a importância
de unir instrumentos de diferentes setores para alcançar resultados positivos
nesse tipo de intervenção.
Barone conta que uma
cidade no interior da Bahia instalou academias ao ar livre. O diferencial,
segundo ele, foi a contratação de um professor de educação física e a criação
de um grupo de pessoas que tinham doenças crônicas ou risco de desenvolver
essas condições, que passaram a realizar sessões semanais. “A questão social é
muito forte. Às vezes o equipamento está disponível, mas não há uso porque a
pessoa não sabe como usar, ou até usa, mas não cria rotina. Quando você
estabelece isso como uma atividade social, há um aumento no engajamento”,
detalha.
Por isso, segundo
Montenegro, possibilitar o acesso a projetos de promoção de saúde e à adesão de
hábitos de vida mais saudáveis deve estar no centro das políticas públicas.
“Temos dados epidemiológicos que mostram como os determinantes sociais
influenciam nos hábitos de vida, desde a qualidade do sono até o manejo do
estresse ou a escolha alimentar. Temos que facilitar esse processo e entender
como a equipe de saúde pode tornar isso acessível para toda a comunidade.”
E a educação entra
como pilar importante na construção de uma atmosfera que favorece a cultura de
hábitos ligados ao bem-estar. “A questão do desembalar menos e descascar mais
tem uma série de fatores e todos eles influenciam se essa mudança de hábito vai
ser adotada pelo indivíduo ou não. É saber que uma pessoa pode não ter recursos
financeiros ou tempo para se inscrever numa academia, então a orientação deve
ser no sentido de inserir atividades físicas na realidade do seu dia a dia. Ou
desmistificar que a alimentação saudável exige o consumo de produtos mais
caros”, completa.
• Ações para mudar os fatores de risco
modificáveis
Embora ainda pouco
falado, já existem ações em andamento. Em 2021, por exemplo, o Ministério da
Saúde lançou o Guia de Atividade Física para a População Brasileira, que aborda
os conceitos sobre atividades físicas, como encaixar a prática de exercícios no
dia a dia e quais instrumentos públicos estão disponíveis – como o Programa
Academia da Saúde. Outro exemplo é o Plano de Ações Estratégicas para o
Enfrentamento das Doenças Crônicas e Agravos Não Transmissíveis no Brasil,
2021-2030 (Plano de Dant), que traça objetivos e metas para a década vigente –
dentre elas, reduzir em um terço a mortalidade prematura por DCNT.
E há ainda as mudanças
de regulamentação. Uma delas são as novas normas sobre rotulagem nutricional da
Anvisa, que entraram em vigor em 2022. Dentre as principais mudanças estão a
rotulagem frontal, com destaque para informações como alto teor em ingredientes
como açúcar adicionado, gordura saturada e sódio. Outra foi a alteração das
regras de publicidade de determinadas classes de alimentos – que, de acordo com
o Ministério da Saúde, estimulavam alimentos ricos em açúcar, gordura e sal,
além de serem destinados prioritariamente às crianças e adolescentes, um
público mais vulnerável a esse tipo de propaganda.
Em outra frente de
atuação, a reforma tributária em discussão no governo federal também propõe a
regulamentação do Imposto Seletivo, que incidirá sobre produtos considerados
nocivos à saúde, como bebidas alcóolicas e cigarro. É um movimento que tem
embasamento técnico bem estabelecido: ao lançar o manual de técnico de taxação
de álcool, por exemplo, a OMS cita um estudo publicado na Lancet em que os
autores apontam que aumentos de impostos – de 20% a 50% – demonstraram ser
custo-efetivos no combate ao consumo excessivo de álcool.
“Esse movimento de
tributação vai ser absolutamente importante, mas ainda há o desafio de
trabalhar a compreensão da população sobre essa questão, porque muitas vezes as
pessoas podem pensar que o alimento vai ficar mais caro. A proposta é muito
mais ampla do que isso: é tributar mais os não saudáveis e tirar impostos
daqueles que são classificados como alimentos saudáveis”, avalia Barone.
• Consumo de álcool e tabagismo preocupam
No Brasil, o aumento
no consumo de álcool por jovens tem levantado preocupação. A Pesquisa Nacional
de Saúde do Escolar (PeNSE), do IBGE, mostrou que 63,3% dos estudantes entre 13
e 17 anos já experimentaram alguma bebida alcoólica e 47% dos alunos nessa
faixa etária afirmaram que já ficaram embriagados pelo menos uma vez.
Já o hábito do
tabagismo voltou ao centro do debate público com a popularização dos modelos de
cigarros eletrônicos. De acordo com pesquisa realizada pela Covitel em 2022,
estudo de monitoramento de fatores de risco para doenças crônicas no Brasil,
dos 1.800 entrevistados, jovens entre 18 e 24 anos foram maioria na
experimentação de cigarros eletrônicos: 19,7%. Na edição de 2023, foi possível
observar que 20,5% experimentaram por curiosidade, enquanto outros 11,6% foram
convencidos por se tratar de uma moda. Os dispositivos eletrônicos para fumar
(DEFs) têm a venda proibida no Brasil desde 2009 pela Anvisa. Em abril deste
ano, após um novo boom na exposição dos e-cigarros, a agência manteve a
proibição.
Montenegro chama a
atenção para outro fator: a relação entre o estresse e questões de saúde mental
e o aumento do uso de substâncias. Ela cita o período da pandemia como exemplo,
um momento de grande estresse global que ligou o alerta para o aumento nas taxas
de consumo de álcool – um estudo demonstrou que a frequência chegou a aumentar
14% em 2020, em comparação a 2019. “Quando uma pessoa parte para o consumo do
álcool, do cigarro, além dos fatores culturais, há também uma busca de prazer
imediato, que é proporcionado por substâncias que na verdade são tóxicas ao
organismo.”
Segundo ela, essa
relação tem sido muito observada nos jovens, que estão cada vez mais
sobrecarregados e fragilizados. “Então, é necessário também um olhar para a
saúde mental da população, investimento nesse processo de educação,
conscientização e acesso a estruturas do serviço de saúde que tenham
alternativas como as práticas integrativas, que auxiliam no manejo do estresse,
da depressão e ansiedade, diminuindo a necessidade de utilizar substâncias para
alívio psíquico”, completa.
Para Barone, para
vencer esses desafios, é preciso investir em educação e informação tanto da
sociedade, quanto dos profissionais de saúde. “A recomendação dos profissionais
de saúde tem um peso enorme, mesmo com a discussão atual sobre a credibilidade
de instituições, ainda é um papel muito relevante para a população.”
Fonte: Futuro da Saúde
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