quarta-feira, 22 de maio de 2024

Edson Monteiro: Empresas estatais - calo ou solução?

O tempo para um país atingir o estágio de “desenvolvido” depende muito de seus recursos naturais, como as riquezas existentes em seu solo e subsolo, da habilidade de seus governantes e da capacidade de organização de seus povos para investir e transformar esses recursos em atividades produtivas, seja para consumo próprio e bem estar de sua população ou para comercialização do excedente da produção para outras partes do mundo,

Ao longo da história, o Estado Empreendedor passou a induzir o desenvolvimento dos países, atuando como principal investidor em parques industriais e em atividades produtivas, bem como de infraestrutura de serviços, por meio de políticas públicas direcionadas para proporcionar melhores condições de vida para a população, com desenvolvimento do país a partir da  geração de emprego e renda.

E para cumprir seu papel,  independentemente do estágio em que esteja, o Estado recorre a diversos modelos organizacionais e societários – empresas públicas, sociedade de economia mista etc. – em que figura como principal agente e controlador, com participação societária exclusiva ou compartilhada com outros  investidores, conforme a área de atuação, de modo a garantir alinhamento e controle das atividades desenvolvidas com os planos de governo e políticas públicas estabelecidas  para atender os anseios e necessidades da população.

Os resultados auferidos por esses entes estatais, quando instituídos com finalidade lucrativa, também deveriam ser revertidos para a sociedade, por meio de dividendos creditados ao controlador — que, somados à arrecadação tributária, financiam a estrutura do Estado — ou reinvestidos na ampliação da capacidade produtiva dessas empresas para maior alcance de seus produtos e serviços.

O alcance dos objetivos dessas empresas depende fundamentalmente da qualificação dos gestores que as conduzem e da conexão de suas atividades com a atuação dos governos. Recomenda o espírito republicano que a escolha dos gestores das empresas estatais tenha o conhecimento, a experiência e a especialização profissional como condições essenciais para garantir o cumprimento de seus objetivos, bem como a sustentação e a continuidade dessas organizações.

Infelizmente não é o que temos visto por aqui nos últimos tempos! A evolução da famigerada economia de mercado, voltada para atender exclusivamente os interesses de uma minoria bem sucedida da Faria Lima e/ou de Wall Street, e as aspirações pela “mosca azul”, traz a reboque a influência de empresários neo-liberais e de políticos oportunistas, que sistematicamente chantageiam governantes para designar seus indicados para cargos nas estatais, sem qualificação adequada, transformando as empresas estatais em verdadeiros “cabides de emprego”, com determinação para favorecer interesses de terceiros, ultrajando até mesmo regras legais e estatutárias vigentes.

Com isso, a qualidade da gestão fica comprometida, trazendo consigo a ineficiência e os desvios de finalidades, seja pela falta de continuidade, em razão das constantes trocas de comando em curto espaço de tempo, seja pela falta de qualificação dos gestores. O foco na burocracia e a fragilidade “fabricada” na gestão criam ambientes propícios para a corrupção, favorecendo diretamente “sócios abutres”, interessados em explorar os negócios com foco no “lucro pelo lucro”, ou terceiros com interesses espúrios, ao arrepio da legislação e dos objetivos estabelecidos para atender a sociedade.

No intuito de transformar esse país no império do neoliberalismo, observamos movimentos orquestrados para, cada vez mais, desacreditar e desmontar as estruturas desses entes estatais – muitos com longa história de bons serviços prestados à sociedade, apoiados em corpo técnico altamente qualificado, e de extrema relevância na execução de políticas públicas -, sucateando suas estruturas para facilitar os constantes desvios de recursos ou justificar a transferência dos negócios para as mãos de grupos econômicos rentistas, a preço vil,  “doando” patrimônio do povo para riquinhos “necessitados”, para concentrar ainda mais a riqueza.

Não podemos assistir passivamente a atuação ineficiente de empresas estatais, nem admitir essa forma irresponsável de dispor do patrimônio público, com  privatizações desenfreadas, realizadas com o apoio de um parlamento sectário, que ocasionam “gaps” na execução de políticas públicas, pela falta de compromisso desses e de “sócios abutres” para com a sociedade, principalmente com os mais vulneráveis, e impactos relevantes nos preços dos produtos e serviços ofertados, que sobem vertiginosamente, enquanto a qualidade cai a níveis inadmissíveis.

Sabedores da importância de ter sob comando órgãos operacionais estruturados, com capacidade de execução de políticas públicas estratégicas para o Estado, só resta aos governos federal e estaduais darem um “freio de arrumação” nas empresas estatais, para reorganizar a estrutura do Estado Empreendedor e buscar eficiência nas empresas estatais, com medidas voltadas para profissionalizar a gestão,  revisar papéis e redirecionar a forma de atuação, racionalizar custos, valorizar  talentos e recoloca-las nos trilhos, para o bem do Estado Empreendedor desenvolvimentista e da Sociedade, que nada mais é a patroa.

O Estado não pode abrir mão da eficiência de seus braços operacionais na execução de seus programas de governo, voltados para atender os anseios e necessidades da sociedade. Afinal, empresa estatal não pode ser vista como um calo no pé dos governos, a ponto de terem que ser extirpadas para resolver seus incômodos! Quando operadas com ética e profissionalismo, serão sempre solução para o desenvolvimento do país.

 

•                                           Privatização da Sabesp tirará recursos e criará gasto para governo de São Paulo

 

A venda da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) vai transferir para o setor privado uma fonte de recursos do governo paulista ao mesmo tempo em que criará um gasto extra para o estado. Com a privatização, o governo deixará de receber periodicamente sua participação nos lucros da companhia e ainda terá de usar recursos próprios para garantir a prometida redução de tarifas prevista no negócio.

Essa redução de tarifas é o principal argumento usado pelo governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) para vender o controle da Sabesp. Tarcísio pretende privatizar a estatal paulista ainda neste semestre, vendendo ações da empresa na bolsa de valores.

Detalhes dessa venda ainda não foram divulgados. O governo tem pouco mais da metade das ações da Sabesp. Não se sabe ainda ainda quantas ele pretende vender, a que preço e quanto ele pretende arrecadar.

Tarcísio já aventou a possibilidade de levantar até R$ 30 bilhões com a venda da Sabesp. Desse montante, já foi dito que cerca de um terço – ou seja, R$ 10 bilhões – seriam alocados em um fundo voltado a políticas públicas de saneamento.

Sairiam desse fundo os recursos para redução das tarifas. O desconto prometido seria de 10% para as tarifas sociais, já subsidiadas; 1% para as residenciais; e 0,5% comerciais.

Para o sociólogo Edson Aparecido da Silva, secretário executivo do Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento (Ondas), essa seria a primeira incoerência no processo de privatização da Sabesp. Retirando dinheiro do tal fundo, o governo paulista assumiria um custo extra para reduzir tarifas sem afetar o lucro da Sabesp já privada.

"O governo vai acabar usando recursos que são do contribuinte [que era o dono da empresa] para reduzir a tarifa", reclamou ele.

•                                           Dúvidas

José Faggian, presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Água, Esgoto e Meio Ambiente do Estado de São Paulo (Sintaema), reforça as críticas à ideia do governo de Tarcísio. Ele também levanta questionamentos sobre a viabilidade do desconto.

Segundo Faggian, se o fundo receber os R$ 10 bilhões prometidos e for usado para dar 10% de desconto na conta de água de todos os usuários da Sabesp, não duraria nem dois anos. "Quem garantiria o desconto depois do uso do dinheiro?", questionou.

Já Silva aponta um problema legal. Ele lembra que a Lei de Responsabilidade Fiscal não permite que governos usem recursos de privatizações para gastos correntes. O uso do fundo para baratear a tarifa poderia ser proibido, portanto. "A privatização da Sabesp é um processo cheio de questionamentos à espera de respostas", afirmou.

•                                           Lucro

O que já se sabe é que a venda da Sabesp tirará dos cofres do governo valores que ele recebe periodicamente referentes ao lucro da empresa. De acordo com Faggian, hoje, os dividendos da Sabesp engordam os cofres paulistas em cerca de R$ 400 milhões por ano. Esse valor será reduzido na mesma proporção que a participação do governo da empresa.

O governo de Tarcísio argumenta que a venda da empresa antecipará esses pagamentos, abrindo espaço também para investimentos para expansão da rede de água e esgoto no estado. A meta é universalizar o serviço até 2029, diz o governo.

Acontece que a Sabesp, ainda como uma estatal, já tem planos para alcançar essas metas até 2033, sem a necessidade de privatização.

"A Sabesp reinveste 75% do seu lucro anual para expansão da rede. Distribui o restante ao governo e outros acionistas", explicou Faggian. "Se querem antecipar as metas, é só reinvestir mais do lucro. A empresa tem capacidade financeira e operacional para isso."

•                                           Contramão

O secretário executivo do Ondas defende que a solução para a melhoria do serviço da Sabesp não está na privatização, mas sim numa reestatização completa da empresa. Segundo ele, sem precisar distribuir dividendos a acionistas, a Sabesp poderia se voltar completamente à prestação de um bom serviço público em benefício dos paulistas.

"A solução é fortalecer a gestão pública na empresa", disse Silva.

Faggian também defende essa tese. Ele acrescentou que, cumpridas as metas de universalização da rede de saneamento em São Paulo, o investimento da Sabesp tende a diminuir muito. Sobraria dinheiro na empresa para uma redução de tarifa até maior do que a prometida no processo de privatização.

O sindicalista disse que o Sintaema e outros movimentos sociais já apresentaram ao governo e à Justiça seus argumentos contra a privatização. Ele disse que a gestão Tarcísio insiste na venda da empresa. Faggian espera que a Justiça se atente para os prejuízos e os problemas que a privatização da Sabesp trará à população.

<><> Prefeitos de 305 cidades aprovam novo contrato com Sabesp privatizada

Prefeituras de 305 municípios paulistas aprovaram na tarde desta segunda-feira (20) os novos contratos de concessão com a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) privatizada. A aprovação ocorreu em votação eletrônica na primeira reunião do Conselho Deliberativo da Unidade Regional de Água e Esgoto Sudeste (Urae 1), que reúne 370 dos 375 municípios paulistas operados pela Sabesp.

Os prefeitos também aprovaram o regimento interno da unidade, o Plano Regional de Saneamento Básico, a coordenação do grupo, que será exercida pela secretária de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística do Estado de São Paulo, Natália Rezende, e definiram que a Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado de São Paulo (Artesp) será a entidade responsável pela regulação e fiscalização dos serviços da companhia.

Segundo o governo do estado, o novo contrato da Sabesp inclui investimentos obrigatórios solicitados pelos municípios e garantia de cobertura em áreas urbanas, rurais e informais.

"A gente acredita que este projeto vai deixar um grande legado para o estado de São Paulo. Vários legados. O primeiro, e mais importante, a universalização do saneamento. A gente vai poder de fato sonhar com a despoluição de mananciais importantes, que é algo que o paulista, em especial o paulistano, sonha há tanto tempo. A gente vai poder sonhar com o aumento da disponibilidade hídrica. É impossível mensurar todo o ganho, todas as externalidades que nós vamos ter", disse o governador Tarcísio de Freitas, ao final da reunião.

·        Observatório critica

Representante do Observatório dos Direitos à Água e ao Saneamento (Ondas) no conselho, Amauri Pollachi criticou a decisão do governo do estado de privatizar a Sabesp, destacando as experiências negativas de outros países que passaram para a iniciativa privada empresas públicas da área de saneamento.

"O exemplo mais contundente está no fracasso da privatização do saneamento na Inglaterra. Após 35 anos, as contas de água subiram mais que o dobro da inflação, as dívidas alcançam 60 bilhões de libras, o equivalente à construção duas vezes do Eurotunel, e o volume de esgotos lançado em rios e mares é recorde", disse Pollachi.

Ele lembrou ainda o papel que a Sabesp vem desempenhando atualmente no Rio Grande do Sul, auxiliando nos trabalhos de drenagem das águas em Porto Alegre. "A calamidade no Rio Grande do Sul expôs o papel preponderante da Sabesp pública na retomada do abastecimento de água e na drenagem de Porto Alegre e Canoas."

Além disso, afirmou Pollachi, ficou evidente a ausência das empresas privadas de saneamento nas ações emergenciais no estado. "A Corsan [Companhia Riograndense de Saneamento], estatal gaúcha privatizada há um ano, demitiu cerca de 40% do seu quadro de funcionários."

Modelo diferente

Segundo a secretária Natália Rezende, o governo estudou diversos modelos de privatização pelo mundo e criou um modelo próprio e específico para o caso da Sabesp. "É [um modelo] totalmente diferente. O nosso modelo não se assemelha, por exemplo, ao do Rio de Janeiro, não se assemelha ao do Rio Grande do Sul. É um modelo da Sabesp, é um modelo do estado de São Paulo", enfatizou.

"Tanto o regulatório quanto da lógica de prestação de serviços é totalmente diferente do da Inglaterra. A Inglaterra fez uma privatização de bens. Aqui está falando, na verdade, de um follow-on [oferta adicional de ações de empresa já listada em bolsa] de uma empresa que já tem 49,7% do seu capital privado. Então, a gente está falando de trazer mais investimentos por meio de uma redução da participação do Estado", acrescentou.

 

Fonte: Jornal GGN/Brasil de Fato

 

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