Dinheiro, 'ideologia' ou aventura: o que
motiva mercenários a lutarem ao lado dos ucranianos?
Desde 2022, mais de
13,5 mil mercenários participam das hostilidades na Ucrânia ao lado das Forças
Armadas ucranianas, segundo informações do Ministério da Defesa da Rússia. Ao
Mundioka, podcast da Sputnik Brasil, especialistas contam quem geralmente se interessa
por tal empreitada e as motivações para ir ao campo de batalha.
A Ucrânia tem recebido
uma gama heterogênea de indivíduos de várias partes do mundo para compor o
grupo de mercenários que atua ao lado das tropas oficiais do país. Informações
do Ministério da Defesa russo afirmam que a maioria dos cidadãos que desembarcaram
em território ucraniano para participar do conflito são poloneses, cerca de 3
mil, segundo dados do órgão.
Há ainda cerca de mil
georgianos, mil norte-americanos, mil canadenses e outros mil britânicos.
"Em números
menores tem mercenários também vindos da Romênia, da Alemanha, da França, da
África, de vários países da África, da Ásia e do Oriente Médio. Tem registros
também de latino-americanos lutando pela Ucrânia, vindos, por exemplo, da
Colômbia, do México, Peru, Chile, Argentina e também do Brasil", afirma
Albert Caballé, pesquisador na área de defesa, geopolítica e história militar e
editor do site Velho General.
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O que é ser um mercenário?
Antes de entender as
motivações dessas pessoas em se tornarem mercenárias e saírem de seus países
para vivenciar uma rotina de conflito armado "longe de casa", é
preciso entender, segundo Caballé, o que significa ser um mercenário.
"De acordo com o
protocolo adicional I da Convenção de Genebra de 1977, mercenário é alguém
especialmente recrutado para lutar em determinado conflito armado para lutar em
determinada guerra", explica o especialista.
Nesse sentido, o
mercenário obviamente não é um membro das forças armadas desse país. Caballé
ainda elucida que, segundo o artigo 47 do Direito Internacional Humanitário
(DIH), "um mercenário não tem direito a ser combatente ou prisioneiro de
guerra", e estabelece que um mercenário é toda pessoa que:
- é especialmente
recrutada localmente ou no estrangeiro para lutar em um conflito;
- participa de fato
diretamente das hostilidades;
- seja motivado a
participar das hostilidades essencialmente pelo desejo de obter ganhos privados
e seja prometido por, ou em nome de uma parte do conflito, a uma compensação
material substancialmente superior à prometida ou paga aos combatentes de
posições e funções similares nas forças dessa parte;
- não seja nacional de
uma parte do conflito nem residente em território controlado por uma parte do
conflito;
- não seja obviamente
membro das forças armadas de uma parte em conflito e também não tenha sido
enviado por um Estado que, não sendo parte do conflito, estaria lá em missão
oficial como membro das forças armadas desse Estado, assessores militares, por
exemplo.
"Ou seja, um
mercenário é alguém que luta sem nenhuma cobertura além daquelas que lhe forem
prometidas por quem o contratou. Na prática, o amparo legal dele, se é que
podemos usar esse termo, é muito frágil. Os mercenários que lutam na Ucrânia
não fogem desse padrão", completa Caballé.
·
Quem são os mercenários que aceitam lutar
na Ucrânia?
De acordo com o
analista militar Rodolfo Laterza, o perfil desses mercenários normalmente é de
"indivíduos com antecedentes criminais e problemas financeiros".
<< Entretanto,
ele lista características que geralmente podem aparecer nesses mercenários, ou
até mesmo se cruzar em um mesmo indivíduo:
# Indivíduos com
sérios antecedentes criminais, que têm problemas de inclusão e adaptação à
sociedade na qual nasceram e que formaram a sua gênese, ainda que degradada
como cidadãos;
# Indivíduos com
graves problemas psicológicos, familiares e financeiros;
# Indivíduos
manipulados por ideologias chauvinistas toscas, por narrativas, até certo ponto
mitológicas, que formam a crença de sujeitos com má formação cultural.
A origem dos
mercenários também pode pressupor, de acordo com Laterza, as motivações que
levaram esses indivíduos a participarem de conflitos, neste caso, na Ucrânia.
Conforme explica o especialista,
mercenários oriundos de países como Suécia e Finlândia, países com Índice de
Desenvolvimento Humano (IDH) alto, são, em geral, "aqueles que têm
problemas comportamentais e mentais".
"Temos também, na
categoria daqueles que buscam mais necessidades econômicas e dificuldades de
adaptação à sociedade moderna com empregos adequados e dificuldades de aderir a
uma ordem legalmente vigente, muitos latino-americanos, notadamente da Colômbia
e, agora, aparecendo um bocado também do México", completa.
Entre todas essas
características, Laterza também descreve uma espécie de niilismo em relação à
vida por parte dos sujeitos que tratam como uma escolha se arriscar nos campos
de batalha.
Para o especialista,
eles não possuem "sentido de vida voltado para a construção de uma família
ou de uma sociedade pacífica", ficando essa mobilização vital, se podemos
assim considerar, voltada para a compensação, muitas vezes considerada como
aventura. "Como se fosse uma guerra, um safári. E quando se deparam, aí se
degeneram mais ainda em termos comportamentais, em termos de conduta".
Em relação à
qualificação desses indivíduos no âmbito militar, Laterza afirma que europeus e
colombianos, em grande parte, possuem aptidão militar, mas há alguns
"aventureiros e pessoas com determinados níveis de problemas
criminais".
·
Quanto ganham os mercenários na Ucrânia?
Caballé conta que
existem relatos de ex-militares do Chile e do Peru, por exemplo, que teriam
recebido promessas de salários supergenerosos, variando entre US$ 2 mil (R$
10,37 mil) até mais de US$ 3 mil (R$ 15,55 mil) por mês, ou seja, os valores
poderiam ultrapassar R$ 15 mil. "São valores muito superiores ao que
normalmente é pago nas forças desses países", argumenta.
"Para se ter uma
ideia, em vários países latino-americanos, na Colômbia, por exemplo, o salário
de um general do exército regular é de US$ 2 mil e poucos. Então é uma oferta
financeira bastante atrativa", acrescenta.
Por outro lado, de
acordo com Laterza, as promessas nem sempre são cumpridas e "muitos se
queixam da ausência de pagamento desses valores".
"Muitos reclamam
que não vem esse pagamento, vem pagamento só em uma ou duas parcelas e são
obrigados a custear os próprios uniformes, custear a alimentação, custear a
própria viagem. […] Muitos não têm assistência médica ou são obrigados a pagar
pela assistência médica", relata.
·
Há brasileiros envolvidos nessa empreitada?
De acordo com Caballé,
sim, há brasileiros lutando junto às forças ucranianas. Entretanto, ele afirma
que não se sabe o número exato, mas estima que "cerca de duas dúzias deles
já teriam morrido na Ucrânia".
"O que se sabe é
que provavelmente os brasileiros fazem parte do que se chama de Companhia
Alpha, do primeiro batalhão da Legião Internacional de Defesa [Territorial] da
Ucrânia", conta.
Ele afirma também que
"não é incomum" encontrar nas redes sociais brasileiros que estão
lutando na Ucrânia. Em relação ao perfil dessas pessoas, o especialista diz que
são parecidos com os de outros que estão na mesma empreitada: "Atrás de
uma boa recompensa em dinheiro", além de "outras motivações".
¨ Eventual acordo de longo prazo entre EUA e Ucrânia é 'absurdo e
não tem futuro', dizem analistas
O acordo que duraria
dez anos, na verdade, visa apenas gerar retornos políticos para Vladimir
Zelensky e Joe Biden, em um momento em que o líder norte-americano busca a
reeleição contra um Donald Trump fortalecido, dizem especialistas em
geopolítica internacional à Sputnik.
O presidente ucraniano
Vladimir Zelensky anunciou que Kiev e Washington estão trabalhando em um acordo
bilateral de longo prazo para fortalecer a segurança da Ucrânia. No entanto, o
referido pacto é "ridículo", "absurdo" e estaria fadado ao
fracasso, concordaram os especialistas consultados pela Sputnik.
"[O eventual
acordo] é ridículo e absurdo porque, na verdade, um armistício, um acordo de
paz como tal, só é alcançado se o outro [neste caso a Rússia] concordar. Mas
Zelensky está a partir de uma posição maximalista, absurda e suicida",
explica Jesús López Almejo, professor de Relações Internacionais e membro do
Sistema Nacional de Pesquisadores do Conselho Nacional de Humanidades, Ciência
e Tecnologia do México.
Segundo o analista, o
presidente ucraniano já não tem condições de negociar nada porque a sua
legitimidade termina em junho. "Se Zelensky não se submeter às eleições,
não será mais o presidente com capacidade de dizer: 'Eu represento os valores
democráticos ocidentais e europeus'", observa o professor.
Segundo o
especialista, Zelensky causou "graves danos" a Kiev pela sua posição
"suicida" de continuar em um conflito perdido contra as tropas
russas.
Além disso, salienta,
boa parte do povo ucraniano deixou de apoiá-lo porque ele está realizando uma
"perseguição brutal" através do seu sistema de recrutamento,
sequestrando pessoas, homens entre os 18 e os 60 anos, para irem para o front
de batalha. Além disso, diz o especialista, começou a cancelar os serviços
consulares, especialmente na Europa, onde se concentra o maior número de
refugiados ucranianos para adicioná-los às fileiras militares do país.
"A única coisa
que oferece a estes homens em idade de combate é morrer na frente de batalha
contra a Rússia ou ir para a prisão por terem desertado", destaca López
Almejo, que prevê o fracasso do acordo se este for fechado.
O especialista
sustenta que o eventual acordo que Kiev e Washington assinariam tem apenas a
intenção de que Zelensky continue contando com financiamento dos países
ocidentais.
Na verdade, o
bilionário Elon Musk descreveu este pacto como sinônimo de um conflito sem fim.
"Isso é uma
loucura, é uma guerra eterna", escreveu o dono da Tesla e do X
(anteriormente Twitter) nas suas redes sociais.
- O acordo mais sólido?
Segundo Zelensky, o
acordo que se pretende fechar é "o mais sólido de todos" entre as
duas nações, em um momento em que há dúvidas sobre a continuidade do apoio
americano a Kiev caso Trump regresse à Casa Branca.
"Estamos
debatendo os fundamentos específicos da nossa segurança e cooperação. Estamos
trabalhando também na definição de níveis específicos de apoio para este ano e
para os próximos dez anos, incluindo apoio armado, financeiro, político e
produção conjunta de armas", disse o presidente ucraniano em mensagem à
população.
"O acordo deve
ser verdadeiramente exemplar e refletir a força da liderança
norte-americana", acrescentou Zelensky, garantindo que o seu governo
prossegue com os preparativos para a cúpula de paz, que será realizada em junho
na Suíça, na qual a Rússia disse não ter intenção de participar se seus
interesses não forem levados em conta.
Christian Nader,
historiador mexicano da Escola Nacional de Antropologia e História da UNAM,
disse à Sputnik que o acordo procuraria criar uma "infraestrutura militar
para a produção de armas que ajudasse a restaurar o complexo militar-industrial
ucraniano, que está em pedaços".
"Eles procuram
recorrer, como têm feito durante dez anos, a mercenários multinacionais e até,
como disse Macron há poucos dias, também estão dispostos a enviar tropas
regulares da Organização do Tratado do Atlântico Norte [OTAN], o que seria uma
agressão direta da organização supranacional francesa contra a Rússia",
disse ele.
- Estenda o conflito tanto quanto possível
Para Nader, o que
Zelensky está tentando fazer é prolongar o conflito o máximo possível para
comprometer Washington e forçá-lo a começar a enviar cada vez mais recursos
financeiros e militares durante a próxima década. Recentemente, o país
norte-americano aprovou um pacote de ajuda para Kiev no valor de US$ 61 bilhões
(cerca de R$ 312,2 bilhões), após meses de disputas internas no Congresso entre
democratas e republicanos.
"[A Ucrânia quer]
transformar este conflito em um cenário de impasse", afirma o especialista
em geopolítica do Leste Europeu.
"A Rússia sabe
perfeitamente como o Exército ucraniano está se movendo. Um exemplo de quão
patéticas são por vezes as estratégias de Washington e da OTAN é que
recentemente [os russos] estão levando as armas ocidentais que capturam no
front para Moscou como um sinal de troféu", diz ele.
"Mesmo que seja
um plano de dez anos, não vejo futuro nele e acho que é uma saída, um plano D
da parte de Zelensky, que está totalmente preso em uma encruzilhada e sabe
perfeitamente que a derrota ucraniana está praticamente virando a
esquina", acrescentou.
- A visão de um governo deslocado
Para Carlos Manuel
López Alvarado, internacionalista da Universidade Nacional Autônoma do México
(UNAM), um eventual acordo se deve única e exclusivamente à visão
"deslocada" que os Estados Unidos têm sobre o seu papel no mundo.
"Ainda se
acredita nos Estados Unidos que o mundo é unipolar, quando na verdade nunca
foi. Sempre houve aquelas outras expressões que confrontaram a visão hegemônica
ocidental", observa o especialista.
Segundo o
especialista, Washington é atualmente "um animal ferido e em
decomposição", cuja visão não obedece às reais necessidades da comunidade
global.
Tanto López Almejo
como López Alvarado concordam que o eventual acordo de longo prazo mostra
Zelensky como um "fantoche" dos Estados Unidos, especialmente de
Biden, que tenta obter benefícios políticos da questão ucraniana antes das
eleições de 5 de novembro.
¨
Ex-diplomata dos EUA:
funcionários do Departamento de Estado temem dar opinião contrária sobre Gaza
Muitos funcionários do
Departamento de Estado dos EUA temem expressar abertamente opiniões sobre Gaza,
que são contrárias à posição oficial do governo Biden, informou o The
Washington Post nesta terça-feira (30), citando a ex-diplomata Hala Rharrit.
No início de abril,
Rharrit renunciou ao cargo de porta-voz em idioma árabe do Departamento de
Estado e vice-diretora do escritório regional de mídia em Dubai em protesto
contra a política dos EUA em Gaza e o apoio ao fornecimento ilimitado de armas
a Israel, de acordo com o Departamento de Estado. Ela ingressou no Departamento
de Estado em 2006 como comissária política.
Na visão de Hala,
dentro do Departamento de Estado de hoje, os diplomatas receiam expressar os
seus pontos de vista contrários à política oficial, apesar de o secretário de
Estado Antony Blinken ter afirmado que saúda opiniões divergentes e lê os
telegramas que chegam através do canal oficial de dissidência do departamento,
aponta o jornal.
"As pessoas têm
medo de falar umas com as outras. As pessoas não sabem como as outras pessoas
se sentem. Então, elas tentam avaliar, sabe, como está se sentindo? As pessoas
têm medo de mencionar Gaza no trabalho. Elas só querem fingir que isso não está
acontecendo", disse Rharrit, citada pela mídia.
Segundo a
ex-diplomata, ela teve que recusar várias entrevistas com meios de comunicação
árabes sobre Gaza porque achou que os pontos de discussão oficiais eram
provocadores.
"Muitas vezes
eles [pontos de discussão] ignoravam completamente os palestinos. Logo no
início, foi muito, muito intenso sobre 'Israel tem o direito de se defender'.
Sim, Israel tem o direito de se defender, mas não houve menção da situação dos
palestinos. Eu, em boa consciência, não podia ir à televisão árabe com esses
pontos de discussão [...]", acrescenta a ex-diplomata.
Rharrit não é a
primeira diplomata dos EUA a renunciar em protesto contra a política do governo
Biden em Gaza. Em outubro de 2023, Josh Paul, um oficial que supervisionou as
transferências de armas para países estrangeiros, renunciou em protesto pela
assistência militar contínua dos EUA a Israel.
Fonte: Sputnik Brasil
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