CACs notificam o Exército sobre o desvio de
quase 6.000 armas em seis anos
Quase 6.000 armas
pertencentes a CACs (caçadores, atiradores e colecionadores) foram alvo de
roubo, furto ou extravio e tiveram os desvios notificados pelos proprietários
ao Exército, responsável pela fiscalização do grupo de 2018 a 2023.
Neste último ano, já
sob gestão Lula (PT), foram 1.259 notificações. Isso significa um aumento de
68% em relação aos 750 desvios informados em 2018, ano que antecedeu a chegada
de Jair Bolsonaro (PL) ao Palácio do Planalto e a implantação de sua política
armamentista.
Para especialistas
ouvidos pela reportagem, os dados evidenciam que o crescimento do número de
armas nas mãos dos CACs tem contribuído diretamente para o aumento de
ocorrências de roubo, furto e extravio de armamentos, alimentando,
consequentemente, o comércio ilegal.
A 1ª Região Militar,
abrangendo os estados do Rio de Janeiro e do Espírito Santo, e a 3ª Região
Militar, que engloba o Rio Grande do Sul, registram as maiores quantidades de
armas desviadas. Essas unidades da federação também se destacam entre aquelas
com as maiores concentrações de armas.
O Exército não fornece
dados por estado, mas por Região Militar. As informações foram obtidas e
organizadas pelo Instituto Sou da Paz.
Já os maiores aumentos
proporcionais de armas desviadas ocorreram em regiões que historicamente não
tinham tradição em tiro esportivo e caça, mas que experimentaram um rápido
crescimento como a 12ª Região Militar, que compreende os estados de Amazonas, Acre,
Rondônia e Roraima.
O Exército foi
procurado para comentar os dados, mas não respondeu até a publicação deste
texto.
A gerente de projetos
do Instituto Sou da Paz, Natália Pollachi, chamou a atenção para a
subnotificação de dados.
"Embora seja
obrigatória a notificação ao Exército, nem sempre isso acontece, pois a omissão
não configura crime", explicou.
Uma prova dessa
subnotificação pode ser detectada no relatório do TCU (Tribunal de Contas da
União). O documento mostra que pelo menos 3.873 (8%) das armas apreendidas
pelas polícias apareciam no sistema do Exército como armas de CACs de 2015 a
2020.
Desse total, somente
86 (2,2%) armas dos CACs constavam no sistema do Exército como roubadas,
apreendidas ou extraviadas.
"O problema é
ainda maior porque a gente sabe as dificuldades enfrentadas por muitas polícias
civis na investigação de ocorrências, especialmente no que diz respeito ao
desvio de armas de fogo. Atualmente, apenas Rio de Janeiro e Espírito Santo
possuem delegacias especializadas nesse tipo de crime", destacou Roberto
Uchôa, especialista em segurança pública do Fórum Brasileiro de Segurança
Pública.
O jornal Folha de
S.Paulo já tinha mostrado outros problemas envolvendo CACs. Relatório do TCU
mostrou ainda que 5.200 condenados pela Justiça conseguiram obter, renovar ou
manter o registro de CAC no Exército entre 2019 e 2022. Eles respondiam
principalmente a acusações por porte ou posse ilegal de armas, lesão corporal e
tráfico de drogas.
Os técnicos do TCU
concluíram que o Exército falhou em suas atribuições ao apontar "sérias
fragilidades" na fase de comprovação da idoneidade de quem obteve ou
renovou o registro de CAC.
Nesta terça-feira
(21), a Polícia Federal, com apoio de outros órgãos, realizou duas operações
contra CACs suspeitos de fornecerem armas e munições para facções criminosas.
No Nordeste, a
operação batizada de Fogo Amigo prendeu 20 suspeitos de integrar uma
organização formada por policiais militares da Bahia e de Pernambuco, além de
CACs e proprietários de lojas de armas e munições.
O grupo é suspeito de
vender armamento de forma ilegal para facções da Bahia, de Pernambuco e de
Alagoas.
Segundo o cronograma
do governo federal, a responsabilidade pelos CACs, clubes de tiro e lojas de
armas será integralmente da Polícia Federal a partir de 1° de janeiro de 2025.
Atualmente, a atribuição é do Exército.
O ministro da Justiça
e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, herdou de seu antecessor, Flávio
Dino, uma pasta com a política de controle de armas ainda em formatação e com a
Polícia Federal sem estrutura para receber os CACs. A instituição quer uma reestruturação
nessa área.
Em um aceno à bancada
da bala, Lewandowski prometeu reavaliar pontos específicos do decreto que
aumenta o controle de armas.
Parlamentares querem
que o governo altere quatro pontos: o que trata sobre armas de colecionadores
no Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional),
habitualidade para manter uma arma, a mudança do calibre 9mm para uso permitido
e permissão de clubes de tiro próximo a escolas.
Até o momento, ainda
não há decisão tomada sobre possíveis mudanças.
• Ações da PF miram CACs suspeitos de
ligação com facções criminosas
A Polícia Federal e
Ministérios Públicos estaduais deflagraram nesta terça-feira, 21, duas
operações contra a venda ilegal de armas e munições para facções criminosas e
um grupo voltado à prática de roubos na modalidade “novo cangaço”. As
investigações apuram o envolvimento de CACs – categoria formada por
colecionadores, atiradores desportivos e caçadores -, policiais militares e
lojistas em desvios de armamentos para abastecer os criminosos.
“As ações investigadas
constituem uma modalidade de conflito proveniente da evolução de crimes
violentos contra o patrimônio, no qual grupos criminosos subjugam a ação do
poder público por meio do planejamento e execução de roubos que causam um
verdadeiro terror social”, afirmou a PF sobre o novo cangaço.
Em uma das ofensivas,
batizada de Operação Baal e aberta em conjunto com o Grupo de Atuação Especial
de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público de São Paulo,
quatro CACs foram presos.
Eles são suspeitos de
ligação com o Primeiro Comando da Capital (PCC) e de usar o registro da
categoria para fornecer armas para quadrilhas. Agentes cumpriram 12 ordens de
prisão temporária e 24 mandados de busca e apreensão, em São Paulo, na Bahia,
no Maranhão e no Piauí. Foi decretado o bloqueio e sequestro de bens dos
investigados no valor de até R$ 4 milhões.
<><> Farda
Durante as
diligências, foram apreendidas diversas armas, inclusive fuzis com alto poder
de destruição, explosivos, pólvora, granadas caseiras e coletes balísticos.
Também foram encontrados, em uma casa no interior do Maranhão, peças de
fardamento usado por policiais, o que indica que o grupo estava pronto para uma
nova ação, segundo a PF.
As investigações
indicam que a quadrilha planejava um ataque para o fim do ano passado, mas a
ação foi adiada porque um dos líderes do grupo foi executado por outra facção.
O inquérito foi aberto
após uma tentativa de roubo a um banco em abril de 2023, em Confresa (MT). Na
ocasião, suspeitos foram presos e mortos em confronto – um deles morava em São
Paulo e integrava o PCC. O grupo sob suspeita também está ligado a ações de
roubos em Criciúma (2021), Guarapuava (2020) e Araçatuba (2021).
<><>
Sargento
Já na Operação Fogo
Amigo, a PF identificou um sargento da Polícia Militar de Pernambuco como o
“principal fornecedor de armas e munições” da facção criminosa Honda. De acordo
com a investigação, o militar detinha “significativos expressividade e volume”
no abastecimento do grupo criminoso.
A PF resgatou uma
sequência de diálogos que remetem à venda ilegal de armas do sargento Josenildo
de Souza Silva para a Honda. A investigação rastreou transferências Pix para
uma conta de Josenildo. Relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras
(Coaf) indica que ele movimentou, entre 2021 e 2023, R$ 2,1 milhões,
“totalmente incompatíveis com sues rendimentos de sargento da PM”.
A investigação que
chegou a Josenildo teve início com as informações colhidas em celular
apreendido na Operação Astreia, as quais apontaram “intensa atividade de
comércio ilegal de armas de fogo, munição e acessórios”.
Os dados estavam
armazenados no celular de Hiago Cruz, que atuava em nome de Josenildo na
intermediação de compra e venda de armas de fogo. Hiago fechou acordo de
delação. Seus relatos denunciaram a participação do sargento, considerado o
“principal fornecedor ilegal e articulador do esquema com uma grande rede de
contatos”.
<><> Uso
restrito
As investigações
culminaram na abertura da Operação Fogo Amigo, no rastro de uma quadrilha que
seria formada por PMs, CACs e lojistas. O grupo, de acordo com os
investigadores, se dedicava à venda ilegal de armas e munições para facções
criminosas que atuam em Pernambuco, na Bahia e Alagoas. Agentes da PF foram às
ruas para cumprir 20 ordens de prisão preventiva e 33 ordens de busca e
apreensão. Conforme a PF, a quadrilha comercializava também armas de uso
restrito, como fuzis e espingardas semiautomáticas – frequentemente usados em
assalto a carros blindados e a bancos.
O inquérito indica que
a obtenção das armas se dava por meio de inserção de informação falsa em
sistemas de fiscalização. Em março, o Estadão revelou que um relatório sigiloso
do Tribunal de Contas da União (TCU) apontou que o Exército emitiu licenças de
CACs para condenados por crimes como tráfico de drogas e homicídio, pessoas com
mandados de prisão em aberto e para cidadãos que podem ter sido usados como
“laranjas” do crime organizado.
Na semana passada, o
TCU determinou que a Força cancele as autorizações concedidas a caçadores,
atiradores e colecionadores com pendências judiciais. Além disso, a Corte de
Contas também obrigou os militares a consultarem bancos de dados das polícias e
do Judiciário para verificar implicações criminais contra quem apresenta
requerimento para ser registrado como CACs.
<><>
‘Periculosidade’
Além do sargento
Josenildo, foram identificados outros 19 suspeitos de integrar a quadrilha. A
PF pediu a prisão preventiva dos investigados, solicitação que foi acolhida
pelo juiz Eduardo Ferreira Padilha. O magistrado determinou o bloqueio de até
R$ 10 milhões dos alvos da Fogo Amigo.
Para o juiz, ficou
evidenciada a “periculosidade dos agentes, uma vez que estão engajados na
distribuição de armas e munições ilegais, inclusive com indícios de que tais
armamentos têm como destino organizações criminosas”.
As defesas dos citados
não haviam sido localizadas até a noite da terça-feira, no fechamento deste
texto.
Fonte:
IstoÉ/FolhaPress
Nenhum comentário:
Postar um comentário