sexta-feira, 24 de maio de 2024

CACs notificam o Exército sobre o desvio de quase 6.000 armas em seis anos

Quase 6.000 armas pertencentes a CACs (caçadores, atiradores e colecionadores) foram alvo de roubo, furto ou extravio e tiveram os desvios notificados pelos proprietários ao Exército, responsável pela fiscalização do grupo de 2018 a 2023.

Neste último ano, já sob gestão Lula (PT), foram 1.259 notificações. Isso significa um aumento de 68% em relação aos 750 desvios informados em 2018, ano que antecedeu a chegada de Jair Bolsonaro (PL) ao Palácio do Planalto e a implantação de sua política armamentista.

Para especialistas ouvidos pela reportagem, os dados evidenciam que o crescimento do número de armas nas mãos dos CACs tem contribuído diretamente para o aumento de ocorrências de roubo, furto e extravio de armamentos, alimentando, consequentemente, o comércio ilegal.

A 1ª Região Militar, abrangendo os estados do Rio de Janeiro e do Espírito Santo, e a 3ª Região Militar, que engloba o Rio Grande do Sul, registram as maiores quantidades de armas desviadas. Essas unidades da federação também se destacam entre aquelas com as maiores concentrações de armas.

O Exército não fornece dados por estado, mas por Região Militar. As informações foram obtidas e organizadas pelo Instituto Sou da Paz.

Já os maiores aumentos proporcionais de armas desviadas ocorreram em regiões que historicamente não tinham tradição em tiro esportivo e caça, mas que experimentaram um rápido crescimento como a 12ª Região Militar, que compreende os estados de Amazonas, Acre, Rondônia e Roraima.

O Exército foi procurado para comentar os dados, mas não respondeu até a publicação deste texto.

A gerente de projetos do Instituto Sou da Paz, Natália Pollachi, chamou a atenção para a subnotificação de dados.

"Embora seja obrigatória a notificação ao Exército, nem sempre isso acontece, pois a omissão não configura crime", explicou.

Uma prova dessa subnotificação pode ser detectada no relatório do TCU (Tribunal de Contas da União). O documento mostra que pelo menos 3.873 (8%) das armas apreendidas pelas polícias apareciam no sistema do Exército como armas de CACs de 2015 a 2020.

Desse total, somente 86 (2,2%) armas dos CACs constavam no sistema do Exército como roubadas, apreendidas ou extraviadas.

"O problema é ainda maior porque a gente sabe as dificuldades enfrentadas por muitas polícias civis na investigação de ocorrências, especialmente no que diz respeito ao desvio de armas de fogo. Atualmente, apenas Rio de Janeiro e Espírito Santo possuem delegacias especializadas nesse tipo de crime", destacou Roberto Uchôa, especialista em segurança pública do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

O jornal Folha de S.Paulo já tinha mostrado outros problemas envolvendo CACs. Relatório do TCU mostrou ainda que 5.200 condenados pela Justiça conseguiram obter, renovar ou manter o registro de CAC no Exército entre 2019 e 2022. Eles respondiam principalmente a acusações por porte ou posse ilegal de armas, lesão corporal e tráfico de drogas.

Os técnicos do TCU concluíram que o Exército falhou em suas atribuições ao apontar "sérias fragilidades" na fase de comprovação da idoneidade de quem obteve ou renovou o registro de CAC.

Nesta terça-feira (21), a Polícia Federal, com apoio de outros órgãos, realizou duas operações contra CACs suspeitos de fornecerem armas e munições para facções criminosas.

No Nordeste, a operação batizada de Fogo Amigo prendeu 20 suspeitos de integrar uma organização formada por policiais militares da Bahia e de Pernambuco, além de CACs e proprietários de lojas de armas e munições.

O grupo é suspeito de vender armamento de forma ilegal para facções da Bahia, de Pernambuco e de Alagoas.

Segundo o cronograma do governo federal, a responsabilidade pelos CACs, clubes de tiro e lojas de armas será integralmente da Polícia Federal a partir de 1° de janeiro de 2025. Atualmente, a atribuição é do Exército.

O ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, herdou de seu antecessor, Flávio Dino, uma pasta com a política de controle de armas ainda em formatação e com a Polícia Federal sem estrutura para receber os CACs. A instituição quer uma reestruturação nessa área.

Em um aceno à bancada da bala, Lewandowski prometeu reavaliar pontos específicos do decreto que aumenta o controle de armas.

Parlamentares querem que o governo altere quatro pontos: o que trata sobre armas de colecionadores no Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), habitualidade para manter uma arma, a mudança do calibre 9mm para uso permitido e permissão de clubes de tiro próximo a escolas.

Até o momento, ainda não há decisão tomada sobre possíveis mudanças.

•        Ações da PF miram CACs suspeitos de ligação com facções criminosas

A Polícia Federal e Ministérios Públicos estaduais deflagraram nesta terça-feira, 21, duas operações contra a venda ilegal de armas e munições para facções criminosas e um grupo voltado à prática de roubos na modalidade “novo cangaço”. As investigações apuram o envolvimento de CACs – categoria formada por colecionadores, atiradores desportivos e caçadores -, policiais militares e lojistas em desvios de armamentos para abastecer os criminosos.

“As ações investigadas constituem uma modalidade de conflito proveniente da evolução de crimes violentos contra o patrimônio, no qual grupos criminosos subjugam a ação do poder público por meio do planejamento e execução de roubos que causam um verdadeiro terror social”, afirmou a PF sobre o novo cangaço.

Em uma das ofensivas, batizada de Operação Baal e aberta em conjunto com o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público de São Paulo, quatro CACs foram presos.

Eles são suspeitos de ligação com o Primeiro Comando da Capital (PCC) e de usar o registro da categoria para fornecer armas para quadrilhas. Agentes cumpriram 12 ordens de prisão temporária e 24 mandados de busca e apreensão, em São Paulo, na Bahia, no Maranhão e no Piauí. Foi decretado o bloqueio e sequestro de bens dos investigados no valor de até R$ 4 milhões.

<><> Farda

Durante as diligências, foram apreendidas diversas armas, inclusive fuzis com alto poder de destruição, explosivos, pólvora, granadas caseiras e coletes balísticos. Também foram encontrados, em uma casa no interior do Maranhão, peças de fardamento usado por policiais, o que indica que o grupo estava pronto para uma nova ação, segundo a PF.

As investigações indicam que a quadrilha planejava um ataque para o fim do ano passado, mas a ação foi adiada porque um dos líderes do grupo foi executado por outra facção.

O inquérito foi aberto após uma tentativa de roubo a um banco em abril de 2023, em Confresa (MT). Na ocasião, suspeitos foram presos e mortos em confronto – um deles morava em São Paulo e integrava o PCC. O grupo sob suspeita também está ligado a ações de roubos em Criciúma (2021), Guarapuava (2020) e Araçatuba (2021).

<><> Sargento

Já na Operação Fogo Amigo, a PF identificou um sargento da Polícia Militar de Pernambuco como o “principal fornecedor de armas e munições” da facção criminosa Honda. De acordo com a investigação, o militar detinha “significativos expressividade e volume” no abastecimento do grupo criminoso.

A PF resgatou uma sequência de diálogos que remetem à venda ilegal de armas do sargento Josenildo de Souza Silva para a Honda. A investigação rastreou transferências Pix para uma conta de Josenildo. Relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) indica que ele movimentou, entre 2021 e 2023, R$ 2,1 milhões, “totalmente incompatíveis com sues rendimentos de sargento da PM”.

A investigação que chegou a Josenildo teve início com as informações colhidas em celular apreendido na Operação Astreia, as quais apontaram “intensa atividade de comércio ilegal de armas de fogo, munição e acessórios”.

Os dados estavam armazenados no celular de Hiago Cruz, que atuava em nome de Josenildo na intermediação de compra e venda de armas de fogo. Hiago fechou acordo de delação. Seus relatos denunciaram a participação do sargento, considerado o “principal fornecedor ilegal e articulador do esquema com uma grande rede de contatos”.

<><> Uso restrito

As investigações culminaram na abertura da Operação Fogo Amigo, no rastro de uma quadrilha que seria formada por PMs, CACs e lojistas. O grupo, de acordo com os investigadores, se dedicava à venda ilegal de armas e munições para facções criminosas que atuam em Pernambuco, na Bahia e Alagoas. Agentes da PF foram às ruas para cumprir 20 ordens de prisão preventiva e 33 ordens de busca e apreensão. Conforme a PF, a quadrilha comercializava também armas de uso restrito, como fuzis e espingardas semiautomáticas – frequentemente usados em assalto a carros blindados e a bancos.

O inquérito indica que a obtenção das armas se dava por meio de inserção de informação falsa em sistemas de fiscalização. Em março, o Estadão revelou que um relatório sigiloso do Tribunal de Contas da União (TCU) apontou que o Exército emitiu licenças de CACs para condenados por crimes como tráfico de drogas e homicídio, pessoas com mandados de prisão em aberto e para cidadãos que podem ter sido usados como “laranjas” do crime organizado.

Na semana passada, o TCU determinou que a Força cancele as autorizações concedidas a caçadores, atiradores e colecionadores com pendências judiciais. Além disso, a Corte de Contas também obrigou os militares a consultarem bancos de dados das polícias e do Judiciário para verificar implicações criminais contra quem apresenta requerimento para ser registrado como CACs.

<><> ‘Periculosidade’

Além do sargento Josenildo, foram identificados outros 19 suspeitos de integrar a quadrilha. A PF pediu a prisão preventiva dos investigados, solicitação que foi acolhida pelo juiz Eduardo Ferreira Padilha. O magistrado determinou o bloqueio de até R$ 10 milhões dos alvos da Fogo Amigo.

Para o juiz, ficou evidenciada a “periculosidade dos agentes, uma vez que estão engajados na distribuição de armas e munições ilegais, inclusive com indícios de que tais armamentos têm como destino organizações criminosas”.

As defesas dos citados não haviam sido localizadas até a noite da terça-feira, no fechamento deste texto.

 

Fonte: IstoÉ/FolhaPress

 

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