BRICS usa diplomacia cultural para difundir
valores do grupo para o Ocidente, dizem analistas
Em entrevista ao
podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, especialistas analisam como países do
grupo exportam cultura e modo de vida como ferramenta de soft power.
A diplomacia cultural
é uma importante ferramenta de soft power. É por meio dela que governos ao
redor do mundo propagam suas ideias e seus costumes para influenciar as
sociedades de outros países.
Um dos exemplos mais
clássicos de diplomacia cultural é a indústria cinematográfica dos EUA, que por
meio de Hollywood propaga o modo de viver americano.
Diante de um mundo em
transformação, com a ascensão do Sul Global, países do BRICS — um dos
principais vetores dessa mudança — têm se voltado para a diplomacia cultural
para difundir sua cultura e seus valores entre países fora do conjunto. Em
entrevista ao podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, especialistas analisam como
um grupo de países com características tão distintas pode usar a diplomacia
cultural a seu favor.
Pedro Paulo Martins,
mestre em ciências militares pela Escola de Comando e Estado-Maior do Exército
(ECEME) e bacharel em relações internacionais pela Universidade do Estado do
Rio de Janeiro (UERJ), afirma que a diplomacia cultural "é o aspecto mais
humano da diplomacia, no sentido que toca as pessoas diferentemente".
"A maior parte do
trabalho de diplomata é feito com outros diplomatas, seja do próprio país, ou
seja, com outros diplomatas de outros países, ou então com seus superiores, […]
inferiores ou seus colegas. A diplomacia cultural, principalmente quando atua
de maneira concreta, não simplesmente na parte de elaboração de política, […]
lida muito com o ser humano", explica.
Ele afirma que o
Brasil investe em diplomacia cultural desde a época do Barão do Rio Branco, que
atuava para patrocinar artistas brasileiros no exterior. Essa tendência
continuou nas gestões de Getúlio Vargas.
"Ele tentou fazer
isso. E aí tinha uma questão até interessante, que internamente Vargas apoiava
a cultura popular brasileira, o samba, a capoeira, o futebol, mas quando tinha
que exportar essa cultura, ele preferia a exportação da cultura clássica, a
cultura erudita brasileira. Só a partir dos anos 60, 70, 80 que você começa a
ter algumas obras mais populares. […] teve o show do Tom Jobim, em Nova York,
inclusive com a participação do Frank Sinatra. […] teve vários outros
elementos, mas sempre foi limitado por uma questão de orçamento."
Ele sublinha que um
dos principais exemplos de exportação da cultura brasileira foi a cantora e
atriz Carmen Miranda.
"Ela não é
brasileira, ela é portuguesa, apesar de ser todo o estereótipo. Era um dos
vários exemplos de atrizes, de artistas brasileiros, que foram para o exterior
apoiados depois que tiveram sucesso."
Com relação ao BRICS,
Martins aponta que os principais desafios dos países do grupo relativos à
diplomacia cultural são o idioma e as diferenças culturais, uma vez que o grupo
é heterogêneo.
"A cultura
americana, com todos aqueles filmes de Hollywood e tal, eles são facilmente
consumíveis em qualquer lugar do mundo. Porque o inglês é uma língua facilmente
aprendida em qualquer lugar do mundo. É um pouco mais diferente do russo. […] o
mandarim também é uma língua difícil de aprender, ainda mais para o ocidental,
mesmo depois de várias reformas que o governo chinês fez na própria língua para
tentar facilitar."
Ele acrescenta que,
nesse aspecto, "todos os países do BRICS […] estão mais ou menos
nivelados, porque o que acaba sendo uma vantagem em um é uma desvantagem em
outro".
"A questão
diplomática também é difícil de comparar, porque os países do BRICS […] têm
muita coisa em comum, mas eles também têm diferenças fundamentais."
Porém, Pedro Paulo
Martins destaca que as duas principais potências do agrupamento, Rússia e
China, têm institutos dedicados à difusão de sua cultura, o Instituto Pushkin,
da Rússia, e o Instituto Confúcio, da China. Já Brasil e África do Sul têm
questões econômicas que impedem um investimento maior em diplomacia cultural.
"Brasil e África
do Sul, apesar de terem culturas mais ocidentalizadas, que seriam mais
palatáveis para o Ocidente, porque seriam mais facilmente consumidas, têm
dificuldade de orçamento."
Ele acrescenta que a
questão do comércio influencia a diplomacia cultural e cita o exemplo da
montadora chinesa BYD, que superou a Tesla na venda de carros elétricos.
Segundo ele, essa também é uma estratégia do Brasil.
"É você chegar em
um país e oferecer os seus serviços de cooperação técnica, como o Brasil já faz
muitas vezes na África. Por exemplo, […] tem escritórios da Embrapa [Empresa
Brasileira de Pesquisa Agropecuária] na África. Você tem alguns escritórios da
Fiocruz [Fundação Oswaldo Cruz] em Moçambique."
- Diplomacia cultural blinda o Brasil contra hostilidades
Cássio Eduardo Zen,
pesquisador do Grupo de Estudos sobre o BRICS da Universidade de São Paulo
(GEBRICS/USP), doutor em direito internacional na USP e advogado em tribunais
criminais internacionais, explica que "o Brasil tem uma imagem lá fora que
é do indivíduo tranquilo, do indivíduo não agressivo".
"Não importa em
qual país você estiver, você coloca uma bola de futebol e fala que é
brasileiro, vão te reconhecer como brasileiro. Você vai estar relativamente
seguro. Não há uma hostilidade grande contra o Brasil lá fora como a gente vê
com outros países. Então isso daí é um exemplo de vitória diplomática",
explica.
Ele destaca que os
outros países da formação inicial do BRICS também têm investido na diplomacia
cultural, e cita como exemplo Índia e China.
"A Índia, todo
mundo gosta de alguma produção cultural deles, Bollywood, ioga, que são
práticas que a gente tende a associar à Índia […]. Hoje é muito difícil você
ver um filme, até mesmo os produzidos em Hollywood, que não tenha alguma
referência chinesa. [No caso do] kung fu, por exemplo, as pessoas estão
aprendendo chinês, adotando práticas culturais da China. A Rússia agora fez
eventos esportivos de grande volume, [com] grande quantidade de pessoas. Isso
daí não deixa de ser também uma diplomacia ligada, de certo modo, à cultura. A
África do Sul, com a bandeira de que eles são uma porta de entrada para o
continente africano e mostrando toda a cultura riquíssima daquele país."
No entanto, ele
sublinha que países que aderiram ao BRICS recentemente, como Arábia Saudita e
Irã, têm mais dificuldade em exportar suas culturas para o Ocidente.
"A Arábia Saudita
pode ter valores diferentes dos ditos do Ocidente. Eles têm a religião, a linha
religiosa deles, a wahabita, que é bem estrita em uma série de elementos
culturais, então a cultura ocidental acaba tendo um pouquinho de restrição em alguns
aspectos lá. Por exemplo, o consumo de álcool é banido [na Arábia Saudita e]
também no Irã."
- Diplomacia cultural é sinônimo de soft power?
Questionado se no
mundo contemporâneo a diplomacia cultural pode ser um sinônimo de soft power,
suplantando a antiga diplomacia militar, Cássio Eduardo Zen explica que é
"praticamente um sinônimo", mas destaca que há outras maneiras de
exercer o soft power.
"A diplomacia é a
arte e o soft power é o poder que é exercido através dessa diplomacia cultural,
entre outros. A diplomacia cultural não é o único elemento de soft power dos
países. Você tem um soft power, às vezes econômico, tem um poder que pode vir
de várias vertentes. As pessoas dizem tradicionalmente que o hard power é o
poder militar, é o poder que, por exemplo, o Brasil não teria, mas também
vários países da Europa não têm um exército significativo", explica.
"O Japão, por
exemplo, tem uma estrutura militar de autodefesa só, mas ainda assim eles têm
um poderio econômico incrível para exercer a diplomacia deles, inclusive
através de meios culturais. Então o que eu diria é que a diplomacia cultural é
um elemento do soft power, mas o soft power pode ser exercido por outras
maneiras, a diplomacia econômica e outras estruturas, como a diplomacia
puramente dita. Então os países que têm uma circulação muito boa, por exemplo,
no Conselho de Segurança das Nações Unidas [CSNU], países que têm influência em
diferentes organizações internacionais e o próprio BRICS. O BRICS se desenvolve
agora como um mecanismo de soft power também dos países do grupo."
- Brasil como 'ponte' para o Sul Global
Cássio Eduardo Zen
destaca que entre os trunfos da diplomacia do Brasil está o poderio econômico
do país, que está entre os maiores do mundo, e o fato de o Brasil ser
considerado "uma ponte para o Sul Global".
"Nós temos um
poderio econômico, somos um país que alguns falam que somos uma potência
regional, outros dizem que somos uma potência global. Nós somos um dos países
que mais esteve no Conselho de Segurança das Nações Unidas até hoje, dos
transitórios. Nós somos considerados uma ponte. A grande vantagem do Brasil é
que nós sempre fomos considerados uma ponte entre o Norte Global e o Sul
Global", afirma.
Ele acrescenta que a
força da diplomacia brasileira permite uma boa interlocução com países que não
dialogam entre si.
"A gente senta na
mesa [de negociações] com a Rússia, a gente senta na mesa com a China, a gente
senta na mesa com Israel, a gente senta na mesa com a Palestina […]. o Brasil
sempre foi um dos países que era considerado o mediador em várias situações e
conversas dentro da ONU [Organização das Nações Unidas]."
Questionado se o fato
de o Brasil ter se posicionado quanto à ofensiva de Israel na Faixa de Gaza —
alinhando-se à África do Sul na acusação de genocídio perpetrado contra o povo
palestino por parte de Tel Aviv — pode ter comprometido a agenda diplomática do
governo brasileiro, Cássio Eduardo Zen destaca que o Brasil não teve opção a
não ser se posicionar.
"A diplomacia é
sempre uma corda bamba. Você tenta manter as relações de maneira amigável, até
porque o Brasil, logo no começo da crise no ano passado, sempre se dispôs a
tentar ser o mediador [do conflito entre Israel e o Hamas]. Só que diante do agravamento
da situação, o Brasil meio que foi forçado a botar a carta na mesa e adotar um
posicionamento mais assertivo. […] mas isso daí é o natural que acontece com os
países conforme as crises vão se agravando. Então o Brasil teve que tomar um
posicionamento […]. Isso daí faz parte da diplomacia. O Brasil toma um
posicionamento, e por esse posicionamento sempre acaba sendo julgado. Apesar de
o Brasil sempre buscar uma postura mais neutra, chega um momento em toda crise
que os países acabam tomando um posicionamento um pouco mais incisivo",
conclui.
¨
Rússia na ONU:
estruturas que deveriam garantir liberdade dos meios de comunicação são
tendenciosas
O vice-chanceler da
Rússia na Organização das Nações Unidas (ONU), Dmitry Polyanskiy, declarou
nesta segunda-feira (29) que as estruturas internacionais relevantes são
tendenciosas, já que não reagem aos casos de repressão à mídia que não se
enquadrem nas narrativas pró-ocidentais.
"Gostaríamos de
afirmar novamente que a falta de reação das organizações internacionais
competentes em relação a incidentes que não se enquadram nas narrativas
pró-ocidentais, com violações e até mesmo atos de terrorismo contra a mídia e
jornalistas, seja na Ucrânia, em países ocidentais, nos Estados Bálticos ou na
Moldávia, evidencia a tendenciosidade e o preconceito da liderança atual, além
da incapacidade em cumprir seu dever profissional com honestidade e
imparcialidade", disse Polyanskiy durante sessão do Comitê de Informação
da Assembleia Geral da ONU.
Segundo a autoridade
russa, silenciar os problemas de liberdade de expressão "concede às
autoridades desses países uma indulgência para continuar as repressões contra a
mídia e jornalistas dissidentes", transformando as instituições de
direitos humanos em cúmplices dessas ações.
O vice-chanceler na
ONU destacou ainda a situação preocupante da liberdade de imprensa nas
repúblicas bálticas, onde, sob o pretexto de combater a "propaganda
russa", há perseguições contra representantes da mídia.
"Por exemplo, na
Letônia, começaram a proibir sistematicamente a retransmissão de todos os
canais de televisão russos. No entanto, a proibição não conseguiu afetar a
popularidade da mídia russa, e os habitantes da Letônia continuam a
assisti-los, contornando as restrições", observou Polyanskiy, que
enfatizou também que a russofobia na Letônia "atingiu proporções
gigantescas".
Dmitry Polyanskiy
acrescentou que o parlamento da Letônia aprovou em setembro de 2023 um novo
conceito de segurança nacional, segundo o qual, a partir de 1º de janeiro de
2026, será proibida a transmissão de mídia pública em russo. "E isso
ocorre em um país onde o russo é a língua principal para pelo menos 40% da
população", afirmou Polyanskiy.
Polyanskiy também
acrescentou que a Moldávia segue o mesmo caminho com relação à russofobia cada
vez mais crescente nos países bálticos.
"O governo da
presidente da Moldávia, Maia Sandu, deliberadamente tirou das pessoas que falam
russo as últimas fontes de informação alternativa no país, fechando a
transmissão e retransmissão de canais de televisão e mídia russos. Centenas de
jornalistas dessas publicações ficaram sem trabalho por decisão dos
políticos", destacou.
Para Polyanskiy, a
própria campanha foi acompanhada por acusações tendenciosas e infundadas, o que
gerou um discurso de ódio na sociedade moldava, inclusive com casos de
perseguição, pressão e intimidação de jornalistas e ativistas pró-Rússia. É o
caso, aponta a autoridade russa, da situação do editor-chefe da Sputnik
Moldávia, Vitaly Denisov, que em setembro do ano passado foi expulso do país.
"Funcionários do
serviço de migração da Moldávia invadiram o apartamento do jornalista, além de
deter e acusar Denisov de interferir nos assuntos internos do país. Sem
permitir que ele pegasse suas coisas pessoais, foi escoltado ao aeroporto para
deportação imediata", disse Polyanskiy.
Fonte: Sputnik Brasil
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