quinta-feira, 2 de novembro de 2023

Taroa Zúñiga: eleições na Argentina – a perspectiva da classe trabalhadora

Poucos dias antes das eleições de 22 de outubro na Argentina, quase 90 por cento das pesquisas indicavam que o vencedor seria Javier Milei, o candidato "insano" da direita – como descreveu Estela de Carlotto, presidente do lendário grupo de direitos humanos Abuelas de Plaza Mayo (Avós da Praça de Maio). No final, Sergio Massa (da coalizão Unión por la Patria - UP) venceu Milei por uma diferença de quase sete por cento. Massa e Milei se enfrentarão no dia 19 de novembro num segundo turno para a presidência do país que é a segunda maior economia da América do Sul.

No dia 13 de agosto, Milei havia vencido todos os outros candidatos nas eleições primárias da Argentina. Nos meses entre essa eleição e a de outubro, Massa – que é o ministro da Economia do atual governo – somou três milhões de votos à sua contagem.

Georgina Orellano, secretária-geral nacional da AMMAR (Asociación de Mujeres Meretrices de Argentina) relatou como este fenômeno foi vivido em Constitución, a zona de Buenos Aires onde se situa a sede principal da sua organização. As trabalhadoras do sexo organizaram-se para monitorar ambos os processos eleitorais nas zonas eleitorais em que votariam. "Nas PASO [eleições primárias]", disse-me, "o resultado preocupante foi que a coalizão da UP ficou em terceiro lugar e o Milei em primeiro". No entanto, desta vez, "ganhamos em quase todas as escolas do bairro Constitución". De fato, "em todas as zonas de votação onde as trabalhadoras do sexo supervisionaram as eleições, Massa ganhou".

A prática e a teoria

Elsa Yanaje, diretora de marketing do Instituto Nacional de Agricultura Familiar, Camponesa e Indígena e membro da Federación Rural para la Producción y el Arraigo (Federação Rural para a Produção e o Plantio), considera que o resultado das PASO (eleições primárias) está ligado a dois fatores: por um lado, o sucesso de comunicação de Milei, por ser o único candidato que refletia a raiva ou o cansaço subjacente à situação econômica do país. "Tratava-se de dizer o que não é dito", disse Yanaje. Ou seja, "o que um cidadão revoltado com a gestão [do governo central] poderia pensar".

Yanaje disse que nas PASO foi dado um voto de advertência (mais do que de punição) ao atual governo. Um voto que levantou a questão: "Que tipo de metodologia vocês vão usar para reverter a situação ou garantir de alguma forma alguns serviços básicos?" A Argentina enfrenta atualmente uma forte contração econômica e altas taxas de inflação, que afetaram especialmente "aqueles que já estavam abaixo da linha da pobreza", diz Yanaje.

Neste contexto, as propostas de Milei "eram de certa forma encantadoras", mas na prática, acrescenta Yanaje, "sabíamos que [eram] difíceis de manter". Entre as duas opções, explica a dirigente, "o que se inverteu [com os novos resultados eleitorais foi]... uma decisão entre o prático e o teórico". O teórico "era o que Milei prometia com a sua proposta de dolarização, privatização, etc.". Quando essas promessas foram analisadas pelas comunidades, tornou-se evidente que eram impossíveis de se executar. Esse exercício de análise, reflexão e debate foi o que levou as pessoas a votarem na opção prática: o candidato que estava ligado aos setores populares era Massa, com propostas mais igualitárias e que agradavam a mais setores da população.

Por outro lado, Orellano considera que os resultados eleitorais de 22 de outubro também refletem uma rejeição popular às propostas de Milei de "cortar direitos". "Muitos de nós nascemos com o direito básico à saúde pública, à educação pública e não podemos conceber viver sem eles", disse Orellano.

Durante as últimas semanas de campanha, Milei advogou contra estes direitos fundamentais, incluindo os subsídios estatais aos transportes públicos. "Ficamos sabendo que, se o subsídio for retirado", disse-me Orellano, "nós, trabalhadores, poderíamos deixar de pagar 70 pesos para pagar mais de 1.000". Este tipo de dado gerou uma conscientização que se refletiu nos recentes resultados eleitorais.

As urnas

O segundo turno das eleições na Argentina será realizado em 19 de novembro. Milei, em suas primeiras declarações após as últimas eleições, disse que o seu objetivo é "acabar com o kirchnerismo". Para Orellano, esta convocação busca reunir os votos do Juntos por el Cambio, a coligação de extrema-direita cuja candidata, Patricia Bullrich, ficou em terceiro lugar nas eleições. A campanha de Milei, explica Orellano, foi construída contra o kirchnerismo e "contra a classe trabalhadora e os sindicalistas".

Tanto Orellano como Yanaje estão orgulhosas do trabalho político realizado durante estas eleições. No setor da agricultura familiar, camponesa e indígena, do qual Yanaje faz parte, não há campanha política, por respeito à diversidade de pensamento das pessoas que o compõem. No entanto, o debate constante, a análise coletiva e a organização dão frutos. "Houve uma reflexão sobre o que estava para vir", conta. "Estamos definindo o rumo do país, então tínhamos que nos manter firmes. Houve muita militância".

Para as mulheres da AMMAR, a campanha foi realizada nos bairros, dialogando com todas as pessoas da vizinhança. "Para o segundo turno, vamos estar ativas em todas as províncias onde estamos organizadas", diz Orellano. Planejam aumentar o número de observadores eleitorais nas escolas dos municípios onde a AMMAR está presente. As trabalhadoras do sexo estão conscientes do que está em jogo com estas duas propostas antagônicas para o país. "Sabemos o que representa esse discurso negacionista, fascista, violento, xenófobo, racista, contra a diversidade, contra as mulheres, contra o feminismo, contra as conquistas da classe trabalhadora", diz Orellano. "Por isso, nós, profissionais do sexo, vamos fazer de tudo para que o próximo presidente da Argentina seja Sergio Massa".

 

Ø  Milei perde o apoio de 11 parlamentares eleitos por seu partido

 

Onze parlamentares eleitos no primeiro turno pelo partido A Liberdade Avança, pelo qual concorre também o candidato à presidência Javier Milei, apresentaram uma carta retirando o seu apoio ao postulante a presidente.

O texto, assinado por quatro legisladores nacionais, quatro parlamentares do Mercosul e três parlamentares regionais, questiona o acordo político entre Milei, o ex-presidente Mauricio Macri (2015–2019) e Patricia Bullrich, candidata do Juntos pela Mudança, derrotada no primeiro turno.

"Moral e ideologicamente, é o nosso limite", disseram.

"Respeitamos a decisão do candidato a presidente de firmar um acordo com o Juntos pela Mudança, mas não podemos acompanhar essa mudança de rumo apenas para fins eleitoreiros", argumentaram no documento.

Os signatários questionam o empréstimo de US$ 44 bilhões (R$ 218 bilhões) do Fundo Monetário Internacional (FMI) que o país tomou durante o governo de Macri. Segundo os deputados, este constituiu "o assentimento da maior dívida da história argentina, hipotecando as gerações futuras, mesmo aquelas que ainda não nasceram."

O assessor econômico de Milei, Carlos Rodríguez, relatou nesta semana nas redes sociais que foi bloqueado pelo restante da equipe de campanha.

"Desde que sou conselheiro nunca fui consultado sobre economia; me pedem para não aparecer nos meios de comunicação e tenho que ficar escutando opiniões estranhas dos libertários sobre preservativos furados, o Vaticano, a privatização dos oceanos e teorias [do economista ultraliberal Murray] Rothbard", desabafou Rodríguez.

O próximo turno das eleições presidenciais está previsto para o dia 19 de novembro. Embora Massa tenha vencido no primeiro tuno com 36,6% dos votos, frente a 29,9% de Milei, o candidato ultraliberal é o favorito para uma vitória no segundo turno, segundo as pesquisas eleitorais.

 

Ø  Aliada de Milei desmente candidato e diz que programa mantém proposta de ‘mercado de órgãos’

 

Após um frustrante resultado no primeiro turno, o presidenciável ultraliberal argentino Javier Milei passou a negar muitas das propostas que vinha defendendo até a semana anterior àquela votação, como a de legalizar a venda de órgãos e a venda de crianças – ideias que ele defende há anos, especialmente em suas constantes participações em programas de televisão.

No entanto, as demais figuras destacadas do seu partido, A Liberdade Avança, continuam defendendo algumas dessas medidas. É o caso de Diana Mondino, deputada eleita pela legenda de extrema direita, que afirmou em entrevista nesta terça-feira (31/10) que a proposta de legalizar a venda de órgãos continua presente no programa de governo.

Em conversa com o jornalista Luis Novaresio do canal de notícias La Nación TV, Mondino fez uma estranha diferenciação entre “mercado de órgãos”, ideia que ela defende, e “venda de órgãos”, que ela aponta como “fake news peronista contra Milei”.

“O que é o mercado de órgãos? Você precisa de um rim e não há ninguém em seu círculo íntimo que seja compatível com você, ou que possa, ou queira doá-lo para você. Mas talvez haja alguém em outro lugar que seja compatível, ou que é compatível com outro, e que deseja doá-lo a você”, afirmou a deputada eleita, tentando explicar seu ponto de vista.

A aliada de Milei assegurou, também, que essa proposta se baseia em uma teoria que rendeu o Prêmio Nobel de Economia ao norte-americano Alvin Roth, no ano de 2012.

No entanto, o modelo promovido pelo economista liberal, que se baseava em pesquisas sobre doações e trocas de rins, foi vetado em 2018 pela União Europeia, graças a um relatório que definiu sua proposta como “um mecanismo que legalizaria o tráfico de órgãos humanos”.

O entrevistador não questionou a futura deputada ultraliberal argentina sobre esse veto, o que permitiu a ela insistir no argumento de que o modelo de Roth “salva vidas” e “organiza as listas de espera para transplantes”.

Mondino não é uma figura qualquer dentro do partido A Liberdade Avança. Ela tem participado em alguns programas jornalísticos da Argentina nas últimas semanas devido às especulações em que seu nome aparece como candidata a ser chanceler em um eventual governo de Milei.

 

Ø  Macri anuncia apoio à candidatura de Milei na Argentina

 

O ex-presidente da Argentina Mauricio Macri (2015-2019), uma das principais figuras da direita em seu país, anunciou nesta sexta-feira (27/10) o apoio à candidatura do ultraliberal Javier Milei, do partido A Liberdade Avança, no segundo turno das eleições presidenciais.

Líder e fundador do partido Proposta Republicana (PRO) e da coalizão de centro-direita Juntos Pela Mudança, ele defendeu, no primeiro turno, a candidata Patricia Bullrich, que foi ministra de Segurança Pública durante seu governo e é também a atual presidente do PRO.

Em mensagem difundida em suas redes sociais, Macri adicionou um apelo para que todos os setores da direita na Argentina se unam para “evitar que o kirchnerismo continue presente e se perpetue no Estado”.

“Ou somos mudança ou não somos nada”, enfatizou o ex-mandatário.

Em seguida, Macri vaticinou que uma possível vitória de Sergio Massa, candidato da frente de centro-esquerda União Pela Pátria significaria “oito anos mais de peronismo no poder”.

Esta segunda declaração dá a entender que, para ele, uma possível vitória em 2023 da coalizão que reúne os diferentes setores do peronismo (de esquerda e de direita) significará uma muito provável vitória também em uma disputa pela reeleição dentro de quatro anos, em 2027, quando ocorrerá o próximo pleito presidencial na Argentina.

·         Massa com governadores

Na quinta-feira (26/10), o candidato governista Sergio Massa, vencedor do primeiro turno das eleições, realizado no último domingo (22/10), se reuniu com os governadores de 19 das 24 províncias argentinas, que manifestaram apoio à sua candidatura.

O grupo de governadores foi liderado pelo kirchnerista Axel Kicillof, recentemente reeleito como governador da Província de Buenos Aires, maior colégio eleitoral do país – vale destacar que a “Província representa a região ao redor da Cidade Autônoma de Buenos Aires, que tem status de Distrito Federal e cujo governo local é liderado pela direita.

Apesar da pose com Kicillof, Massa anunciou que sua campanha no segundo turno terá início com uma viagem pelo interior do país.

“Nossa responsabilidade é construir um governo de unidade nacional convocando não apenas dos diferentes setores políticos, mas também uma representação mais federal, para que tenhamos um governo atento aos problemas existentes em cada localidade no nosso país”, afirmou o candidato, que também é o atual ministro da Economia, cargo que deverá manter até o final do governo de Alberto Fernández, independente do resultado das eleições.

O segundo turno das eleições na Argentina acontecerá no dia 19 de novembro. No primeiro turno, no último domingo (22/10), Massa foi o mais votado, com 36,6% das preferências, enquanto Milei ficou em segundo, com 29,9%.

 

Fonte: Opera Mundi/Sputnik Brasil

 

Nenhum comentário: