Estiagem histórica no Norte: 'A gente fica dodói', diz criança indígena
sobre beber água suja após seca
O Profissão Repórter de terça-feira (31) foi até o
Amazonas conhecer as histórias por trás da grave seca que atinge várias cidades
do estado. No município de Tefé, os repórteres Nathalia Tavolieri e André Neves
conversaram com indígenas da tribo Arauiri que, com a seca do Rio Solimões, ficaram
isolados.
Sem água potável o suficiente para beber, muitas
famílias tiveram que matar a sede com água impropria. Muitos casos de diarreia
foram registrados na população. A reportagem conversou com algumas crianças que
beberam essa água.
“Antigamente, quando era cheia essa água aí, era
bem limpinha. A gente podia pular na água, ficava um monte de peixe vivo.
Agora, quando secou, fica morrendo os peixes. As águas tão ficando com
bichinho. A gente fica dodói da barriga. A gente fica bebendo essa água e fica
doente”, afirmou uma menina, moradora da comunidade.
Segundo outra criança, a água, praticamente um
resto do Rio Solimões, tem gosto de lama.
Outra moradora fala que, com a seca, moradores da
região agora encaram uma caminhada longa para chegar às margens do Rio Solimões
e conseguir água.
“A dificuldade é sobre as diarreias que as crianças
estão tendo. A gente não está tendo água para dar para as crianças. Tem que
caminhar uma hora e 30 minutos para poder chegar à beira do rio”, reclama uma
moradora.
• Falta
de estrutura e abandono
“A gente não tem assistência, não tem como levar um
paciente para fora. Furtaram até a lancha da saúde”, acrescenta a moradora.
Ela levou os repórteres para conhecer o posto de
saúde da Aldeia Nova Esperança. Segundo ela, equipes de saúde visitam o local
uma vez por mês e deixam uma quantidade pequena de medicamentos.
“Eles vêm aqui uma vez por mês. Só isso [aponta
para alguns frascos e comprimidos] para a nossa comunidade, que são 18
famílias. Casos de diarreia, vômito, não temos remédios”, explica.
Ainda de acordo com ela, os adultos da comunidade
trataram as crianças com receitas caseiras, devido à falta de medicamentos.
Os moradores dizem que a Defesa Civil entregou
galões de água e cestas básicas para a aldeia, mas que não foi o suficiente
para suprir a demanda da comunidade.
Falta
de chuvas causa desemprego, sede e muda vida de ribeirinhos
A seca que atinge o Amazonas, revela os impactos na
vida da população. A estiagem já afeta mais de 600 mil pessoas no estado. “É a
guerra da seca no Amazonas”, destaca um morador.
Em Manaus, a equipe do Profissão Repórter avistou o
Rio Negro, que apresentou a pior seca dos últimos 121 anos, bastante distante
da orla. Os trabalhadores precisam andar embaixo do sol entre os comércios que
ficam na avenida e as embarcações.
“O ribeirinho, nós estamos vivendo uma calamidade
muito grande, que fica tudo ruim. Fica ruim o transporte, a pesca, fica ruim em
geral”, diz uma ribeirinha.
• Falta
de água potável
A equipe navegou de barco por duas comunidades, que
ficam às margens do Rio Negro. O líder comunitário Júlio César Santos descreveu
as dificuldades enfrentadas pelos moradores devido à seca.
“Essas duas comunidades no período da cheia, não
existe terra, são comunidades flutuantes e estão com uma dificuldade enorme de
peixes porque secou muito e quando seca a gente percebe também o canto dos
pássaros, até a cor da água, o cheiro e esse ano está totalmente diferente”,
relata.
É possível ver casas flutuantes que agora vivem na
terra. Uma mangueira precisou ser emendada várias vezes para alcançar a água do
rio que está cada vez mais distante das casas.
Para comprar água potável, os moradores precisam
atravessar o Rio Negro até Manaus.
“Aqui a gente é esquecido. A gente tem quase 450
pessoas aqui, e a gente não é visto por ninguém. Eu tenho uma filha pequena,
que graças a Deus, ela está bem de saúde. A gente está passando por uma
situação muito difícil e quer que alguma coisa seja feita, para pelo menos
amenizar o sofrimento de cada família”, destaca o produtor de carvão, Anderson
Souza Aguiar.
• Problemas
de transporte
Em Tefé, a mais de 500 km da capital Manaus, a
equipe testemunha as águas do Rio Tefé, um dos afluentes do Rio Solimões,
drasticamente reduzidas, onde é possível ver até peixes mortos. Foi nas margens
desse rio que 150 botos e tucuxis foram encontrados mortos, após o lago atingir
os 40°C no ápice da seca. O calor é uma das possíveis causas da morte dos
botos.
“Nós amazônicos somos todos dependentes da água, e
esse ambiente agora não está propício para o boto, não está propício para nós,
para a população e a tendência vai ser piorar”, relata a pesquisadora do
Instituto Mamirauá, Miriam Marmontel.
Águas do Rio Tefé, um dos afluentes do Rio
Solimões, foram drasticamente reduzidas, onde é possível ver até peixes mortos
— Foto: Reprodução/TV Globo
A seca também tem afetado as embarcações que levam
mercadorias de Manaus, até cidade de Tefé. Como resultado, pensando no bolso
dos consumidores. “Aumentou tudo, alimento, refrigerante. Aumentou frete,
aumentou custo do supermercado”, diz um homem na embarcação.
No porto da cidade, o Profissão flagrou ainda uma
fila gigante de pessoas que foram sacar o bolsa-familia. Com os caminhos das
comunidades ribeirinhas até Tefé, prejudicados pela seca, muitos moradores
saíram de casa de madrugada e se concentram em frente à agência da Caixa.
“Tem impactado muito. Para a gente vir de lá, foram
4 horas de viagem, com criança pequena e estava muito quente. A gente veio de
canoa e fica muito difícil pra gente“, conta a pescadora, Leomara Pereira.
• O
desemprego
Em Igarapé do Mauzinho, flutuantes vivem fora da
água. Esse é caso do Francisco Freira da Cunha.
“Tenho 75 anos. E estamos nessa situação aqui.
Ninguém é aposentado, nem eu, nem a mulher e está faltando o necessário”, diz o
mecânico de lancha.
Ele e a esposa ficaram sem a fonte de renda, que
vinha do trabalho da manutenção das lanchas.
“Aqui a gente sobrevivia, quando tinha água,
reparando as lanchas das pessoas e as pessoas pagavam a gente para reparar e
com essa rendazinha a gente ia vivendo. Mas com essa seca, eles retiraram as
lanchas tudinho e aí ficamos sem ganho, sem renda. Estamos aqui totalmente
desprezados”.
• Casas
flutuantes em meio ao lixo
Com a serra, o bairro Educandos virou um lixão a
céu aberto. Quando as águas do Rio Negro baixaram, o lixo que estava no leito
apareceu. O Anderson vive com a família em uma das flutuantes que estão no meio
do lixo e precisa se deslocar para buscar água para beber em uma torneira do
outro lado da avenida.
“Depois que secou, eu fiquei desempregado. É ruim
demais, tem vezes que tem o que comer, às vezes não tem”, diz.
Em nota, o governo do Amazônia afirmou que, até o
momento, a defesa civil entregou 970 toneladas de cestas básicas para 39
municípios, 1660 caixas de copos d’água e 1.366 pacotes de água de 18 litros.
• Isolamento
de comunidade indígena
Devido à seca do Rio Solimões, a comunidade
indígena Arauiri, está isolada e enfrenta problemas de saúde, incluindo
diarreia nas crianças, em razão da falta de acesso à água potável. A distância
até o rio complica ainda mais a situação.
“Está muito seco e a dificuldade que a gente está
tendo é com a diarreia nas crianças, a gente não está tendo também água para
dar para as crianças. Se for caminhar é daqui 1h30 para poder chegar à beira do
rio. E a gente não tem assistência, a gente não tem como levar um paciente para
fora”, diz a mulher indígena que vive na comunidade.
Ribeirinho
chora ao falar da seca: 'A gente não é visto por ninguém’
O Profissão Repórter visitou Xiborena e Catalão,
duas comunidades flutuantes de Manaus, para entender o impacto da seca extrema
que atinge vários municípios do Amazonas.
Os moradores do local que, no período de cheia,
fica completamente tomado pela água, reclamam de falta de auxílio e oferta de
água potável. Para conseguir água, os ribeirinhos fazem uma viagem até Manaus,
pelo menos duas vezes por semana.
“Aqui a gente é esquecido. São quase 450 pessoas,
aqui a gente não é visto por ninguém. Eu tenho uma filha pequena que, graças a
Deus, ela está bem de saúde. Mas tenho meu avô, que é um homem muito guerreiro,
minha avó, meu tio”, diz Anderson Souza Aguiar, produtor de carvão.
“A gente está passando uma situação muito difícil e
que alguma coisa seja feita para pelo menos amenizar um pouco o sofrimento de
cada família”, acrescentou.
Anderson produz carvão com troncos de árvores
caídas para ter alguma renda. Segundo ele, todo o dinheiro que recebe, por
volta de R$ 70 mensais, é investido em fraldas para sua filha.
“Tem poucos recursos aqui onde a gente mora. É uma
dificuldade enorme essa seca, questão de se manter e a questão também de levar
a criança para Manaus para cuidar, porque às vezes adoecem”, contou Anderson
Souza Aguiar, produtor de carvão.
Fonte: g1
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