Denise Assis: Alerta - escândalos financeiros são processos em maior número no Tribunal Militar
Os policiais federais que prenderam na operação da
terça-feira (31/10), na Barra da Tijuca, zona oeste do Rio de Janeiro, o
miliciano Taillon de Alcântara Pereira Barbosa, o alvo de criminosos que o
confundiram com o médico Perseu Ribeiro Almeida, segundo a Polícia Civil
(PCERJ), encontraram um forte aparato de “apoio”, formado por três homens
armados que atuavam como “seguranças”: dois policiais militares da ativa e um
militar do Exército, da reserva.
A notícia nos deixa em alerta sobre possíveis
desdobramentos da operação desfechada ontem, de Garantia da Lei e da Ordem
(GLO), pelo governo federal, em socorro ao Rio, onde a narco-milícia escalou
índices alarmantes de violência, chegando a levar pavor à Zona Oeste, onde na
semana anterior foram queimados cerca de 35 ônibus e um vagão de trem. A GLO
foi também estendida a outros estados, como Paraná, Mato Grosso do Sul, Mato
Grosso e São Paulo. O risco é o de que, assim como as polícias civil e militar
cariocas foram em parte contaminadas pelas atividades criminosas, também os
militares das três Forças, ao atuarem na apreensão de armas e drogas podem vir
a ser enredados no mundo da narco-milícia.
O foco do plano apresentado ontem pelo presidente
Lula, e explanado pelo ministro da Justiça, Flávio Dino, será a asfixia
financeira das facções que agem no tráfico de drogas e da milícia, além de
coibir o contrabando de armas e drogas pelos portos do Rio e Itaguaí (RJ), e de
Santos (SP), e os aeroportos do Galeão (Tom Jobim-RJ) e Guarulhos (SP). Os
militares do Exército terão presença ampliada na área de fronteira com o
Paraguai e as polícias federais atuarão o eixo: PR, MS, MT e SP.
O que nos chama a atenção é o fato trazido
recentemente em uma reportagem do informativo voltado para o segmento militar,
(Sociedade Militar - SM), onde consta que as recentes pautas do Superior
Tribunal Militar, responsável por julgar delitos cometidos por militares das
Forças Armadas sob o Código Penal Militar, apontarem as principais
transgressões ocorridas nos quartéis das Forças Armadas Brasileiras nos últimos
meses. Segundo a informação, 30% dos processos tramitando naquele tribunal
apuram escândalos financeiros no Exército, na Marinha e na Aeronáutica.
Sim, as FAs, desde a passagem do inelegível pelo
poder, quando não só se envolveram com transgressões no âmbito da compra de
vacinas na pandemia, superprodução de cloroquina pelo Exército e outras faltas
graves apontadas aqui e ali, não gozam mais da imagem de bons moços de que
vinham desfrutando desde que o país, desmemoriado, “arquivou” os horrores da
ditadura e os “anistiou” socialmente.
Foi Bolsonaro que levou para o seu governo cerca de
sete mil fardados, que os colocou novamente na alça de mira do noticiário
policial. É bom lembrar que antes mesmo, na época da intervenção decretada no
Rio, por Michel, em janeiro de 2018, quando o general quatro estrelas Walter
Braga Netto assumiu o comando do estado, já pipocaram denúncias de contratos
obscuros, tráfico de influência por onde transitaram figuras ligadas a
atividades suspeitas.
E, destaque-se, um crime cometido contra uma
vereadora, Marielle Franco (PSOL) e seu motorista, Anderson Gomes, jamais
elucidado. Para os distraídos, Marielle estava preocupada com o desfecho da
intervenção, conduzida por Braga Netto, a ponto de ter criado três dias antes
da sua morte, uma Comissão da Verdade para acompanhar as atividades da tal intervenção.
Ademais, o resultado pífio, apontado por um estudo
do Instituto de Segurança Pública (ISP), demonstrou que ao longo da intervenção
de 2018, o número de homicídios em decorrência da ação policial alcançou o
recorde de 1532 mortes. Fora as suspeitas de uma compra que não chegou a ser
efetivada, graças à ação da Polícia Federal, de coletes a prova de balas,
superfaturados, que segundo o general, em nota, “cumpriu os requisitos legais”.
Por isto, não é nada surpreendente verificar esse
levantamento na Justiça Militar, para checar a quantas anda o índice de
“honestidade” dos homens que irão “abrir malas”, interceptar carregamento de
drogas e ter acesso a contas e recursos escusos.
A análise detalhada dos processos confirma a
tendência preocupante: a roporção significativa dos crimes vinculada a questões
financeiras. “Das infrações listadas para julgamento nas 10 últimas pautas
divulgadas pela Justiça Militar da União, crimes como estelionato, peculato,
peculato-furto, furto qualificado e os relacionados à Lei de Licitações somam
30 casos”, diz o informativo, o que nos leva ao índice de 30% dos delitos no
âmbito das motivações financeiras, já mencionados.
Crimes como desacato, deserção e violência contra
inferior, embora fossem no passado os mais comuns, hoje são em número bem menor
do que os crimes onde os acusados têm o objetivo de obter alguma vantagem.
De acordo com um depoimento dado ao informativo
(SM), “um militar na graduação de subtenente, que optou por não se identificar,
ouvido por telefone, revelou à Revista Sociedade Militar que certas práticas
irregulares acabaram se tornando comuns para solucionar problemas com rapidez
dentro das instituições militares, o que para ele contribui – em sua visão –
com esse alto índice de ilícitos”.
A matéria explica, através do personagem, que uma
dessas práticas é conhecida como “química”. O procedimento acontece, por
exemplo, quando uma unidade militar possui recursos destinados a uma atividade
específica, como um serviço, mas se depara com a necessidade urgente de
adquirir um material.
“A urgência
pode vir da visita iminente de um chefe militar, de uma operação importante
etc. Para não desapontar a liderança ou falhar na missão – muitas vezes o
superior, comandante, chefe… grita algo como “se vira, dê o seu jeito” – e o
subordinado acaba buscando soluções alternativas”.
A prática consiste em ele se aproximar de um
fornecedor, geralmente alguma empresa mais recorrente em contratos e solicitar
“a emissão de uma nota fiscal fictícia, como se um serviço específico tivesse
sido prestado. Posteriormente, alguém dentro da unidade confirma o recebimento
do “serviço”. Após deduzir os impostos e até cobrar um “ágio”, o fornecedor
devolve o valor em dinheiro vivo à unidade, permitindo a compra do material
desejado e – infelizmente – o mau uso do dinheiro, que dessa vez é em espécie e
fica livre para ser utilizado onde o “gestor” bem entender”, esclarece a
reportagem.
A “fonte” explica que a recorrência desse tipo de
procedimento pode estimular a cumplicidade entre fornecedores e militares,
divisão do ágio cobrado, sentimento de que “o chefe faz eu também faço”.
Ele conta: “A verba de material… Tem uma festa pra
fazer… o cara diz que entregou tal material e entrega outro… areia e cimento,
por exemplo, não tem como controlar… o cara entrega refrigerante pra festa do
general e o sargento assina que recebeu um caminhão de areia… Tem ainda a
química preventiva, compra tudo com o cara e quando precisar de algo
emergencial ele faz… ele coloca uns centavos a mais em tudo… o sargento que faz
o contato com o lojista acaba indo na onda, o cara precisa de peça de
liquidificador da casa dele e pega também lá na loja do comerciante “amigo”,
detalha.”
• Um
artigo publicado no Jornal Zero Hora define essa prática
“Em dezembro de 2019 foi deflagrada a Operação
Química, com 40 agentes da Polícia Federal e militares do Exército cumprindo
mandados de busca e apreensão em oito endereços de Uruguaiana e Alegrete. O
nome da operação faz referência ao jargão usado nos quartéis – “química” –
quando um militar aceita uma mercadoria diferente da contratada. Segundo a
fonte, muitas vezes o empresário pagava alguma despesa emergencial que surgia
nos quartéis, como o conserto de uma câmara fria, mas emitia nota fiscal como
se tivesse fornecido algum mantimento previsto em contrato. Em conluio com os
militares, cobrava de 30% a 35% de ágio. Em alguns casos, as licitações já
previam compra superior à demanda para permitir essa elasticidade no manejo das
verbas… Com o acordo de colaboração premiada, os dois delatores confessaram
formalmente os crimes e aceitaram devolver à União o prejuízo, calculado em R$
5.225.066,16. Pelos termos do acordo…”
A prática caracteriza o crime de estelionato:
“obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo
ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil ou qualquer outro meio
fraudulento”.
A Lei de Licitações – comportamento adotado em
compras de instituições públicas - estabelece normas para licitações e
contratos da Administração Pública. Os crimes relacionados a essa lei envolvem
condutas ilícitas praticadas para fraudar licitações, frustrar ou fraudar o
caráter competitivo de procedimento licitatório, afastar ou procurar afastar
licitante por meio de violência, grave ameaça, fraude ou oferecimento de
vantagem, entre outros. As penalidades para tais crimes vão desde multas até
prisão, dependendo da gravidade da infração. Parte superior do formulário.
>>>> Listagem dos casos mencionados nas
10 últimas pautas de julgamento do Superior Tribunal Militar
• Tipo
de Caso Quantidade
Estelionato----------------------------------------
14
Peculato-furto-------------------------------------2
Furto qualificado
---------------------------------7
Importunação Sexual----------------------------4
Uso de documento pessoal alheio-----------1
Uso de documento
falso------------------------7
Ameaça----------------------------------------------2
Homicídio
qualificado----------------------------1
Ingresso
clandestino------------------------------1
Crimes da Lei de licitações----------------------3
Deserção------------------------------------------------------5
Lesão
grave---------------------------------------------------1
Furto-----------------------------------------------------------3
Peculato-------------------------------------------------------4
Homicídio-----------------------------------------------------3
Apropriação
indébita---------------------------------------1
Violação do dever funcional com o fim de lucro----3
Dormir em serviço------------------------------------------2
Apropriação de coisa havida acidentalmente--------1
Denunciação
caluniosa------------------------------------1
Corrupção
passiva------------------------------------------4
Abandono de
posto-----------------------------------------1
Tráfico, posse ou uso de entorpecente ou
substância de efeito
similar--------------------------------9
Calúnia----------------------------------------------------------1
Injúria------------------------------------------------------------2
Falsidade ideológica------------------------------------------1
Violência contra
inferior-------------------------------------2
Concussão------------------------------------------------------2
Moeda Falsa /
Assimilados----------------------------------1
Crimes do Sistema Nacional de
Armas-------------------1
Desacato a
superior-------------------------------------------1
Licitações--------------------------------------------------------1
Homicídio
privilegiado---------------------------------------1
Fonte: Brasil 247
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