Como mídias sociais alimentaram violência antissemita no Daguestão, na
Rússia
Na manhã de domingo, detalhes de um voo que chegou
mais tarde naquele dia vindo de Tel Aviv foram publicados em um canal popular
do Telegram no Daguestão, uma região bastante diversa no ponto mais ao sul da
Rússia.
O canal na plataforma de mídia social se chamava
Morning Dagestan (Utro Dagestan). O perfil instigou os seus seguidores a
“encontrar os visitantes inesperados” no principal aeroporto do Daguestão, em
Makhachkala. O voo chegaria às 19h, horário local.
O Daguestão é uma república russa predominantemente
muçulmana no norte do Cáucaso, onde vivem cerca de 3,1 milhões de pessoas na
margem ocidental do Mar Cáspio. O governo disse que uma investigação criminal
foi aberta por desordem civil no aeroporto.
Na hora marcada, centenas
de jovens chegaram ao aeroporto, pressionando
os seguranças.
Eles seguiram para a pista; alguns até subiram no
telhado. A multidão procurava passageiros judeus.
Vídeos mostram bandeiras da Palestina sendo agitadas
e cantos antissemitas são ouvidos. A polícia levou várias horas para dispersar
os manifestantes. Segundo agências de notícias russas, cerca de 60 pessoas
foram presas.
O protesto surpreendeu as forças de segurança. Como
foi que os manifestantes conseguiram se organizar e coordenar o ato de forma
tão eficaz?
A BBC rastreou as mensagens compartilhadas no
Morning Daguestan. Também encontramos outros chats locais do Telegram
compartilhando retórica antissemita semelhante e incitando à violência.
O Morning Daguestan é um canal anti-russo e
islâmico que defende o fim do que chama de "regime de ocupação de
Moscou" no Cáucaso.
O canal publica breves atualizações sobre eventos
locais junto com mensagens sobre a invasão da Ucrânia pela Rússia. Também
publica mensagens sobre o conflito entre Israel e Palestina, com conteúdo de
apoio ao Hamas, classificado como grupo terrorista pelo Reino Unido e outros
países, mas não pela Rússia.
É um canal público que há poucos dias tinha 50 mil
inscritos, mas desde então cresceu para mais de 65 mil.
No domingo, suas postagens forneceram instruções
detalhadas para quem se reunia no aeroporto, inclusive formando uma multidão
para bloquear a saída quando os passageiros que chegavam de Israel deixassem o
avião.
“Permita que eles saiam um por um, amaldiçoem o
Estado de Israel e depois sigam em frente!”, dizia um post. “Se eles se
recusarem a amaldiçoar Israel, bloquearemos o aeroporto e não os deixaremos
sair!”
A postagem também instou seus seguidores a
fotografarem os rostos dos passageiros e localizarem os seus carros, a fim de
compilar uma lista dos seus endereços no Daguestão.
Nos últimos dias, o mesmo canal apelou às pessoas
para se juntarem a manifestações em Makhachkala e em outras cidades da região
para “apoiar dois milhões de muçulmanos”.
Também compartilhou mensagens anti-semitas e apelou
à população local para que se recusasse a alugar apartamentos a judeus.
A BBC encontrou incitação à violência em outros
canais do Telegram com dezenas de milhares de seguidores, incluindo alguns sem
aparente conteúdo político.
O Avito é um site usado principalmente para compra
e venda de produtos. No seu canal encontramos mensagens dirigidas a uma família
judia do Daguestão, cujos membros apoiavam Israel.
No canal Gorets, que tem quase 17 mil assinantes,
houve postagens incentivando a perseguição ao povo judeu local e aos
recém-chegados israelenses ao Daguestão.
Na noite de segunda-feira, o proprietário do
Telegram, Pavel Durov, anunciou que “canais que incitam à violência serão
bloqueados”, anexando uma captura de tela de uma postagem matinal no Daguestão.
Pouco depois disso, o canal ficou indisponível.
·
Quem está por trás de
'Morning Dagestan'?
O canal Morning Dagestan tem sido associado a Ilya
Ponomarev, um antigo deputado russo que desertou para a Ucrânia em 2016 e
obteve a cidadania ucraniana.
Ponomarev dirige canais de mídia social pedindo
protestos na Rússia e a derrubada do regime de Vladimir Putin.
Na segunda-feira, Ponomarev disse que "há
algum tempo" foi "contactado por um grupo de islâmicos do
Daguestão" a quem ajudou a organizar e financiar manifestações contra a
invasão russa da Ucrânia.
Embora Ponomarev tenha dito que parou de apoiar o
canal em setembro de 2022, as suas próprias declarações contradizem esta
afirmação.
Ele chamou o Morning Daguestan de "nosso
canal" em agosto de 2023 e também se referiu ao canal como parte de suas
operações, em setembro.
O governador do Daguestão, Sergey Melikov, e a
porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da Rússia, Maria Zakharova,
usaram a conexão de Ponomarev com o canal para acusar a Ucrânia de orquestrar
os tumultos no aeroporto de Makhachkala.
“Hoje recebemos informações absolutamente
confiáveis de que o canal Morning
Daguestan é administrado e regulamentado no território da Ucrânia por
traidores”, disse Melikov.
O próprio canal postou então um comunicado,
afirmando que não tem ligação com Ponomarev ou com a Ucrânia. O presidente da
Ucrânia, Volodymyr Zelensky, condenou o ataque.
·
Explosão de violência
anti-semita
O Daguestão é a região mais diversificada da
Rússia, com dezenas de grupos étnicos indígenas - predominantemente muçulmanos,
mas incluindo uma antiga comunidade judaica - vivendo lado a lado durante
séculos.
Rasul Abdulkhalikov, um sociólogo do Daguestão,
acredita que esta explosão de violência anti-semita pode ser atribuída às ações
das autoridades regionais, que não permitiram manifestações pró-Palestina no
país, apesar do apoio generalizado à causa palestina e do sentimento
anti-israelense entre os jovens.
“O governador Sergey Melikov é o culpado por este
sentimento ter chegado tão longe e não ter sido canalizado para outro lugar”,
diz ele.
Ø Tudo o que queremos em Gaza é viver, escreve Mohammed R. Mhawish
Nas últimas 24 horas, as bombas israelenses mataram mais de 700
pessoas em Gaza. No
entanto, as pessoas que seguem vivas não são tão sortudas. Permanecem para
inalar o trauma e exalar o sofrimento que as rodeia por todas as partes.
Como jornalista palestino que nasceu, cresceu e
ainda vive em Gaza, tenho
testemunhado uma realidade dilacerante e interminável, composta por dois
pilares: bloqueio e ocupação. Respirei pela primeira vez durante a segunda intifada. O aroma de fumaça
dos disparos e do sobrevoo dos aviões de guerra envolveram minha existência,
dando forma a minha vida como refugiado em eterno exílio.
Agora, 24 anos depois, vivo a continuação da mesma
trágica história. É a quinta guerra no tempo que tenho de vida. Presumo que não
será a última.
Hoje, comecei a escrever cedo. Pouco antes, fiquei
três horas na fila do lado de fora de uma padaria. Cheguei em casa antes que a
padaria fosse bombardeada, algo comum nesses dias. Senti o peso de um mundo
sobre mim, pensando em todas as pessoas que perderam suas vidas só por estarem
ali, esperando pela porção diária de pão para suas famílias, quando um ataque
israelense caiu sobre elas e transformou suas vidas em mais números nas notícias.
Se minha sobrevivência foi sorte ou destino, na realidade, não
importa.
·
Subsistir entre o miasma
da morte
A questão hoje não é sobre o porquê ou como, mas,
sim, como poderemos voltar a viver normalmente em algum momento. Em Gaza, sobreviver significa viver
eternamente com as sequelas
traumáticas da guerra e com o miasma da morte. Em nossa
terminologia, o termo “vivo” não significa necessariamente estar saudável e
seguro. Na realidade, significa tudo menos isso.
Quando um edifício alto que abriga dezenas de
famílias – pais, avós, crianças, bebês, uma centena de pessoas que só querem
alimentar seus filhos famintos – explode por causa de um ataque, uma parte das
pessoas que lhe dão vida morre para sempre. As pessoas que são retiradas dos
escombros de suas casas não esquecerão. Não vão se curar. Ficarão vivas pela
metade.
Durante quase três semanas, Israel foi protegido pelos países mais poderosos,
aplaudido pelos políticos e recebeu apoio militar, tudo isto ao mesmo tempo em
que busca acabar com a vida de 2,3 milhões de pessoas que aprisionaram nos
últimos 16 anos. Mais de 7.000 pessoas foram abatidas em Gaza. Outras milhares estão feridas.
Um número incalculável ainda está sob os escombros.
Na quarta-feira passada, Joe Biden proclamou que não acreditava nos números de
mortes divulgados pelo Ministério
da Saúde em Gaza,
embora se saiba bem que são precisos. Para o presidente dos Estados Unidos, nossas mortes pelo que
parece são fake news.
·
Sonhar com a vida
A última coisa que queremos, como povo ocupado, é
que nos ofereçam condolências e declarações. Só buscamos entender como
poderemos, algum dia, processar a dor que nos acompanhará pelo resto de nossas
vidas, enquanto o mundo nos aplaude por sermos “sobreviventes”. Queremos que as
nossas demandas básicas sejam respondidas com ações e não com discursos
nas Nações Unidas. Queremos
um reconhecimento de que as nossas vozes emitem um som quando as usamos: que
somos seres humanos, pessoas com esperanças e sonhos que apenas querem um
futuro.
Isso não quer dizer que não seja importante que o
mundo preste atenção na brutalidade que estamos suportando. Contudo, as pessoas
precisam saber mais do que isso: saber que o nosso trauma é acompanhado por um
desejo de viver em liberdade.
O povo de Gaza se habituou a rotinas extraordinárias que
desafiam o seu desejo de viver. Pessoas que são bombardeadas depois de
esperarem horas em filas do lado de fora de uma agência humanitária para
receber um pedaço de pão esfarelado não sonham com a solidariedade
internacional. Sonham com a vida, mesmo que seja um pouco dela. Sonham em ser
mais do que “vistos”, em se tornarem mais do que uma estatística. Quando o
mundo aceita o assassinato de 700 seres humanos, em 24 horas, quanto tempo
falta até que sejam 7.000?
Pede-se a nós, palestinos, que honremos a humanidade dos civis mortos pelo Hamas em Israel. Posso fazer isso sem titubear. Nenhum civil merece perder
a vida e tenho muita experiência no sofrimento que a guerra causa. Contudo, não
posso aceitar que seja correto para a humanidade que se reconheça apenas um lado deste conflito.
Nos últimos 20 dias, 3.000 crianças morreram ao meu redor. Suas vidas não
merecem ser choradas? Merecem ser lembradas apenas como estatísticas?
Conheci uma menina de seis anos que foi comprar seu
doce favorito e ao retornar viu sua casa esmagada. Toda a sua família direta e
estendida havia perecido. Tudo o que resta de sua linhagem é ela. O terror e a
comoção serão seus companheiros por toda a sua vida. Nesse exato momento, eu
não tinha certeza se ela queria ou precisava falar ao mundo. Só queria que lhe
devolvessem a sua família.
Quando uma mulher promete a seu futuro esposo que
colocará o vestido mais deslumbrante que ele já viu, só para levar uma mortalha
na manhã seguinte, tudo o que ela quer saber é o porquê. Por acaso, seu
casamento era uma ameaça?
Quando uma menina refugiada de 10 anos falta à
escola em Gaza para
protestar porque não recebeu a sua garrafa de água potável da agência
humanitária, ela não quer a retórica de denúncia e condenação no mundo.
Quando os parentes de um estudante universitário
planejam meticulosamente sua festa de formatura, tentando não esquecer qualquer
detalhe e, em vez disso, preparam um caixão horas antes de verem seu amado
filho no grupo dos graduados, jamais precisarão falar ao mundo. De qualquer
modo, para que serviria? Só precisam de tempo para digerir e depois superar o
fato de que seu filho se foi para sempre.
Ensinaram-me a não tomar partido ao cobrir uma
guerra. Contudo, agora, eu mesmo sou um dos lados. O sentimento de abandono não
é desconhecido, mas a extensão da conivência
do mundo ainda dói. Tenho buscado conter o meu temperamento e não
deixar que os meus sentimentos controlem o meu trabalho jornalístico.
Afinal, ser jornalista na Palestina, e particularmente em Gaza, significa que não tenho direito à proteção que supostamente
o colete de imprensa me concede. Desde o dia 7 de outubro, quase duas dúzias de
meus colegas jornalistas em Gaza foram
abatidos. Ainda ontem à noite, Wael
Al-Dahdouh, um dos jornalistas veteranos da Al Jazeera em Gaza,
perdeu o seu filho, sua filha, sua esposa e um neto de um mês e meio. Isto é o
que significa ser repórter em Gaza.
A vida se tornou imprevisível e todos em todas as
partes estão escrevendo suas últimas palavras a qualquer momento. Agora, o que
todos nós precisamos coletivamente é de menos trauma. Tudo o que pedimos é
tempo para o luto. O luto é importante para que depois possamos nos curar... se
é que algum dia conseguiremos.
Este ensaio sobreviveu ao bombardeio indiscriminado
que dura 20 dias. Mas o que significa sobreviver, na realidade, quando tudo que
faço ao escrever não é tomar meu café da manhã, mas, sim, limpar a poeira dos
ataques aéreos na tela de meu laptop?
Ø Guerra no Oriente Médio
acirra focos de tensão entre potências militares, segundo especialistas
A escalada da guerra no Oriente Médio colocou em
evidência também a atuação de Estados Unidos, China e Rússia. Potências
militares que têm se colocado de lados opostos no conflito.
Os americanos, desde o início, apoiaram a ofensiva
israelense na Faixa de Gaza e defendem no Conselho de Segurança da ONU uma
resolução que garanta o direito de autodefesa de Israel, sem exigências de
cessar-fogo.
Até agora quatro resoluções fracassaram. Neste
cenário, a China assume a Presidência rotativa do Conselho, no lugar do Brasil,
e tenta se posicionar como pacificadora, apesar de especialistas acreditarem
ser pouco provável uma solução diplomática. O que está em jogo também são as
movimentações militares destes países em outras frentes.
A China voltou a alertar, nesta semana, que “não
mostrará misericórdia” contra qualquer movimento a favor de Taiwan, a ilha
autônoma que o Partido Comunista da China, no poder, reivindica como sua. A
declaração aconteceu durante um fórum de segurança promovido pelo país.
Em seu discurso, o principal oficial militar do
Partido Comunista, general Zhang Youxia, fez críticas veladas aos Estados
Unidos, que estavam presentes. Pequim cortou o diálogo militar de alto nível
com Washington em agosto passado, em retaliação a uma visita da então
presidente da Câmara dos EUA, Nancy Pelosi, a Taiwan.
Os chineses mantêm, constantemente, navios de
guerra próximos à ilha como uma demonstração de força e atacam tentativas de interferência,
como a venda de armas pelo governo de Joe Biden a Taiwan.
Para Carlos Gustavo Poggio, professor do
departamento de ciência política da Universidade de Berea, nos Estados Unidos,
a tensão geopolítica entre China e Estados Unidos é a principal questão das
relações internacionais do século XXI. “Estamos de volta a um momento de
atritos entre grandes potências e uma guerra na região pode ser ainda mais
ampla”.
Poggio afirma que “é possível que um conflito na
região de Taiwan esteja no começo”.
“Caso a China tome alguma atitude no mar do sul do
país e os norte-americanos não reajam, pode causar uma perda de credibilidade
internacional, além de uma crise política interna, visto que o congresso
norte-americano é muito forte na defesa por Taiwan”, afirma Poggio.
Um potencial encontro entre o presidente chinês, Xi
Jinping, e o presidente americano, Joe Biden, nos Estados Unidos, no próximo
mês, é visto pelos dois lados como uma oportunidade importante para estabilizar
os laços.
O porta-voz do Ministério da Defesa chinês, Wu
Qian, disse em uma entrevista de imprensa na semana passada que as autoridades
chinesas “teriam intercâmbios” com a delegação dos EUA.
“A China atribui grande importância ao
desenvolvimento das relações militares entre a China e os Estados Unidos”,
disse Wu, acrescentando que esperava uma “atmosfera favorável para o
desenvolvimento saudável e estável” das suas relações militares, segundo a
mídia estatal.
Fausto Godoy, embaixador aposentado, que serviu em
onze países asiáticos, incluindo a China, e trabalhou no escritório comercial
do Brasil em Taiwan, alerta para a gravidade que um possível conflito teria na
ordem mundial.
“Os ocidentais estão brincando com fogo, Taiwan faz
parte da alma chinesa e o resgate de Taiwan é muito importante para a China”,
menciona.
“É preciso que o continente e Taiwan negociem. É
preciso usar esse caminho para continuar conversando o que deveria ter sido
resolvido em 1949. É um legado que vem sendo carregado desde então e precisa
ser administrado, até ser resolvido”, completa.
Apesar de uma possível escalada nas tensões, o
professor visitante da Universidade de Relações Exteriores da China, Marcus
Vinícius de Freitas, pondera que uma ação militar na região não interessa aos
chineses neste momento.
“Em primeiro lugar, a China quer evitar uma colisão
internacional, considerando as alianças diplomáticas dos EUA, o que causaria
uma deterioração na economia chinesa. Além disso, os chineses possuem uma visão
de longo prazo sobre o Taiwan. A perspectiva é de que, naturalmente, Taiwan
voltará a fazer parte de uma China continental, assim como aconteceu com Hong
Kong e Macau”.
Marcus Vinicius, no entanto, destaca que os
chineses querem o domínio do território. “Por isso, os chineses não abrem mão
do controle na região e da soberania sobre Taiwan. Em caso de uma escalada do
conflito, o governo chinês buscaria, em primeiro lugar, o multilateralismo. Mas
o instrumento militar poderia ser utilizado”, afirma o professor.
Fonte: Por Olga Robinson, Maria Korenyuk and Grigor
Atanesianm da BBC Verify & BBC Global Disinformation Team/The Nation/CNN
Brasil
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