Chamas da vingança: o fator Hezbollah no conflito Israel-Palestina e a
eclosão da guerra regional
Após os ataques do Hamas em 7 de outubro, militares
israelenses fixaram suas atenções para a Faixa de Gaza. No entanto, na
fronteira norte com o Líbano novas ameaças como o Hezbollah vêm ganhando corpo,
prometendo transformar o conflito Israel-Palestina numa verdadeira guerra
regional.
Fato é que desde as primeiras semanas de outubro, o
grupo Hezbollah (sediado no Líbano) prometeu apoiar o Hamas, ameaçando
inclusive abrir uma segunda frente contra Israel em sua fronteira norte. Como
resposta, o governo de Tel Aviv já chegou a trocar mísseis com o grupo,
vitimando soldados de ambos os lados.
Em vista desse cenário, populações no sul do Líbano
encontram-se em preparação para a ampliação das hostilidades na região. O
Hezbollah, vale lembrar, possui cerca de 130 mil foguetes e mísseis sob seu
poder, representando uma força militar ainda mais perigosa do que o Hamas em
diversos aspectos.
Dado esse extenso arsenal, o grupo pode causar
sérios danos às defesas aéreas israelenses e até mesmo a infraestruturas
críticas controladas por Tel Aviv. Israel, por sua vez, tem se preparado para
uma escalada também ao norte e conta com o apoio irrestrito das potencias ocidentais
e sobretudo dos Estados Unidos para atuar da forma que imaginar conveniente aos
seus objetivos.
Outras potencias internacionais, como Rússia e
China, por outro lado, tem demonstrado visível consternação com a resposta
desproporcional de Israel em Gaza, cujos constantes bombardeios têm
transformado diversas áreas no local em um verdadeiro tapete de ruínas.
Não raro, vídeos circulando nas redes sociais,
assim como em canais oficiais e não oficiais de notícias, vem relatando a
tragédia das vítimas dos ataques israelenses, fomentando interpretações,
sobretudo no mundo árabe e no Sul Global, de que Israel age sem consideração
pelas perdas humanas causadas pelas suas ações.
Como se não bastasse atacar bairros inteiros em
Gaza, os militares israelenses preparam-se para uma invasão terrestre total da
região, o que tem causado um êxodo descontrolado de civis e pânico em diversas
partes do enclave palestino. O objetivo das operações anunciado por Tel Aviv é
o de destruir o potencial ofensivo do Hamas, entretanto, tal justificativa tem
sofrido muitas críticas devido às dificuldades implicadas em sua execução.
Isso porque o Hamas possui cerca de 40 mil soldados
altamente treinados e conta com uma rede gigantesca de tuneis subterrâneos ao
longo da Faixa de Gaza. Ademais, a Faixa de Gaza é uma área urbana densamente
populada, o que faz com que qualquer ação militar por parte de Israel na região
acabe invariavelmente vitimando inúmeros civis sem qualquer ligação com o
Hamas.
Logo, com o número de palestinos mortos aumentando
de forma exponencial a cada dia, Israel vem causando mais e mais indignação nos
países árabes em seu entorno. Enquanto isso, o Hamas não é o único ator que
possui pretensões de vingança para com o Israel. Afinal, países como o Irã têm
sido bastante ativos no financiamento e no apoio logístico a grupos como o
Hezbollah pelo menos desde a década de 1990.
Com o apoio iraniano, por sua vez, o Hezbollah
cresceu de um pequeno bando de rebeldes desorganizados para se tornar uma
poderosa força de combate com cerca de 100 mil homens, mais de duas vezes o
número de combatentes do Hamas. Não obstante, combatentes do Hezbollah
participaram de diversos combates na Síria, no Iraque e no Iêmen ao longo dos
últimos anos, aumentando significativamente sua experiência em batalhas.
Sua capacidade para um conflito sustentado com
Israel, portanto, ofusca em muitas vezes a do próprio Hamas que, se estiver em
vias de ser subjugado, vai provocar a intervenção do Hezbollah (e
consequentemente do Irã) no conflito, transformando-o numa guerra de proporções
regionais.
Ao mesmo tempo, durante a atual fase das
hostilidades, tanto o Hezbollah como o Irã, que não possuem condições de
auxiliar fisicamente o Hamas em Gaza, podem recorrer à utilização de drones
(como o Shahed) para atacar forças israelenses em diversas partes do país.
No mais, vale lembrar que, ao visitar o Líbano no
início de outubro, o ministro das relações exteriores do Irã, Hossein
Amir-Abdollahian, já havia deixado clara a possibilidade de Teerã abrir uma
segunda frente contra Israel caso o bloqueio de Gaza continuasse, com o
Hezbollah se juntando à luta armada contra o governo de Tel Aviv.
Em tal situação, Benjamin Netanyahu se veria
exposto a duas frentes de batalha simultâneas, ao sul (envolvendo o Hamas) e ao
norte (envolvendo o Hezbollah), o que explica a manobra estadunidense de enviar
dois porta-aviões para o Mediterrâneo, numa demonstração de que Washington
também está pronto para intervir caso necessário.
Enquanto isso, a Síria, que faz fronteira com
Israel pelo norte, pode servir de posto avançado para o Irã posicionar
equipamentos militares direcionados contra Israel. Do território sírio, aliás,
tropas do Hezbollah são capazes de atacar Israel a partir das colinas de Golã,
o que marcaria um ponto de não retorno para o conflito.
Em suma, enquanto o Hezbollah se vê disposto a
retaliar Israel por suas ações em Gaza, a contagem de corpos resultante dos
ataques aéreos na região vai aumentando. Ao mesmo tempo, Israel envia milhares
de soldados para a fronteira com o sul do Líbano, se preparando para uma
provável escalada militar com o Hezbollah.
Para o mundo, Tel Aviv justifica suas operações
como essenciais para a destruição do Hamas e em prol da libertação dos reféns
israelenses capturados no dia 7. Do outro lado, o Hamas continua a atacar
alguns bairros israelenses por meio de foguetes lançados da Faixa de Gaza, como
forma de retaliação às operações de Israel e às mortes de palestinos causadas
pelos bombardeios recentes.
Em se prologando esse cenário, o Oriente Médio
continuará marcado por paisagens apocalípticas compostas de ruínas, estilhaços
e de ódio recíproco. Logo, as imagens de escombros e de prédios destruídos,
alguns deles em chamas, continuarão a circular por diversos cantos da Internet
e das redes sociais.
Ao passo que o mundo acompanha essa tragédia
humana, uma triste convicção vai se formando: de que há incêndios que são
impossíveis de se apagar. E infelizmente, o Oriente Médio está repleto deles.
Trata-se de incêndios formados pelas chamas da vingança.
Ø Amorim: situação geopolítica mundial é preocupante com ONU enfraquecida
O assessor especial para assuntos internacionais da
Presidência da República, Celso Amorim, afirmou nesta terça-feira (31), que a
Organização das Nações Unidas (ONU) está enfraquecida, o que classifica como um
dos momentos mais graves da história mundial contemporânea.
"Como pode as Nações Unidas inertes diante de
uma situação tão grave como a que temos hoje?", questionou ele na abertura
do Fórum Brasil África 2023, em São Paulo.
"Hoje, vivemos uma situação muito mais grave,
com a multiplicidade de atores, duas guerras, e ver a ONU enfraquecida é algo
que preocupa", disse.
O assessor da Presidência mencionou a participação
do ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, na reunião do Conselho de
Segurança da ONU, em Nova York, que chamou de heroica ao tentar aprovar a
resolução e defender todos os que sofrem na região, como também "para
defender a própria Nações Unidas".
De acordo com o assessor especial e ex-chanceler
brasileiro, a ameaça de destruição mostra-se muito maior que em outros momentos
de crises internacionais, como o da crise dos mísseis de Cuba, em plena Guerra
Fria, a disseminação do ódio e polarização não era tão intensa como no momento
atual.
"Havia dentro da irracionalidade do que seria
uma guerra nuclear, uma racionalidade na condução dos fatos. Telefone vermelho,
dois homens, [John F.] Kennedy e [Nikita] Khrushchev, que chegaram a um
acordo", ponderou ele.
Ontem (30), Mauro Vieira, criticou a
"paralisia" do Conselho de Segurança frente ao conflito entre Hamas e
Israel. Para Vieira, a entidade tem "vergonhosamente falhado" para
buscar soluções.
Na última semana, a Assembleia Geral da ONU aprovou
a resolução de pedido de cessar-fogo imediato, o que foi rejeitado por Israel e
Estados Unidos. O embaixador do país na entidade declarou que a organização não
possuía legitimidade para interferir no conflito.
Hoje (31), as Forças de Defesa de Israel (FDI)
passaram para a terceira fase da guerra com o movimento palestino Hamas, de
expansão das operações na Faixa de Gaza.
O Escritório da Organização das Nações Unidas para
a Coordenação de Assuntos Humanitários (OCHA, na sigla em inglês) anunciou que
o único abastecimento de água via Israel que ainda havia na Faixa de Gaza foi completamente
cortado ontem (30). Israel nega que falte água no território.
·
Início do conflito
A guerra começou no dia 7 de outubro, quando o
movimento fez um ataque surpresa com foguetes em grande escala que atingiu o
território de Israel.
Os militantes provocaram centenas de mortes e
sequestraram centenas de judeus na região sul. A maioria ainda segue sob o
poder do Hamas. Uma das regiões mais pobres do mundo, Gaza tem mais de 80% da
população na pobreza e sofre um bloqueio israelense por terra, ar e mar desde
2007.
Ø 'Genocídio' em Gaza: diretor do Alto Comissariado da ONU para os
Direitos Humanos pede demissão
Em carta de demissão, Craig Mokhiber diz que a ONU
fracassou perante a comunidade internacional e se rendeu ao poder dos EUA e ao
lobby de Israel.
O diretor do gabinete de Nova York do Alto
Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) pediu demissão
do cargo nesta terça-feira (31), citando como justificativa o fracasso da
organização em impedir o que chamou de genocídio perpetrado por Israel contra
palestinos na Faixa de Gaza.
Em sua carta de demissão, Craig Mokhiber afirmou
que a Organização das Nações Unidas (ONU) fracassou perante a comunidade
internacional.
"Escrevo em um momento de grande angústia para
o mundo, inclusive para muitos de nossos colegas. Mais uma vez, estamos
assistindo a um genocídio se desenrolar diante de nossos olhos, e a organização
a que servimos parece impotente para impedi-lo. Como alguém que investiga os
direitos humanos na Palestina desde a década de 1980, viveu em Gaza como
conselheiro de direitos humanos da ONU na década de 1990 e realizou várias
missões de direitos humanos para o país [EUA] antes e depois, isso é
profundamente pessoal para mim", escreveu.
Mokhiber criticou a ONU por ter se rendido ao lobby
de Israel e ao poder dos EUA e lamentou o fato de a organização ter perdido a
credibilidade.
"Nas últimas décadas, partes importantes da
ONU renderam-se ao poder dos EUA e ao medo do lobby de Israel para abandonar
esses princípios [dos direitos humanos] e se afastar do próprio direito
internacional. Perdemos muito com esse abandono, inclusive nossa própria
credibilidade global."
Ele ressaltou que, no contexto atual, as exigências
impostas à ONU para que a organização tome medidas eficazes são maiores do que
nunca. "Mas nós não enfrentamos o desafio. O poder de proteção do Conselho
de Segurança da ONU foi novamente travado pela intransigência dos EUA",
criticou.
Na carta, Mokhiber também ressaltou que as ações
tomadas pelo governo israelense não representam o povo judeu.
Ele citou um protesto realizado em Nova York no
qual milhares de defensores dos direitos humanos judeus se solidarizaram com o
povo palestino e exigiram o fim da tirania israelense.
"Ao fazer isso, eles eliminaram o argumento de
que Israel, de alguma forma, representa o povo judeu. Não representa. E, como
tal, Israel é o único responsável pelos seus crimes", disse Mokhiber,
acrescentando que "as críticas à violação dos direitos humanos em Israel
não são antissemitas".
A carta de demissão reflete o posicionamento do
agora ex-diretor divulgado na última segunda-feira (30), em uma postagem na
rede social X (antigo Twitter), na qual afirmou que o genocídio na Faixa de
Gaza é produto de décadas de impunidade israelense sustentada pelos EUA e por
outros governos ocidentais.
"O genocídio que estamos testemunhando na
Palestina é o produto de décadas de impunidade israelense sustentada pelos EUA
e por outros governos ocidentais e de décadas de desumanização do povo
palestino pelos meios de comunicação corporativistas ocidentais. Ambos devem
acabar agora. Defenda os direitos humanos", escreveu Mokhiber.
·
Egito permitirá entrada de palestinos feridos na
fronteira com a Faixa de Gaza
A passagem de Rafah, única saída terrestre da Faixa
de Gaza na fronteira com o Egito que não é controlada por Israel, será aberta
amanhã (1º) para palestinos feridos, informou o canal de televisão egípcio Al
Qahera News nesta terça-feira (31), citando fontes.
Cerca de 250 caminhões cruzaram a fronteira de
Rafah desde 21 de outubro, para levar ajuda humanitária à Faixa de Gaza, de
acordo com o chefe do Serviço de Informação de Estado egípcio, Diaa Rashwan. A
declaração foi transmitida por canais de televisão egípcios.
Também nesta terça-feira, o braço armado do grupo
palestino Hamas, as Brigadas Al-Qassam, anunciou, em discurso transmitido pela
mídia árabe, que libertará vários reféns estrangeiros nos próximos dias.
·
Crise humanitária sem precedentes
De acordo com o Fundo das Nações Unidas para a
Infância (UNICEF, na sigla em inglês), o panorama da situação humanitária em
Gaza é sombrio, 24 dias depois do ataque-surpresa do Hamas contra Israel, em 7
de outubro, e da resposta militar israelense ao grupo islâmico, que governa
Gaza.
Dados recentes do Ministério da Saúde de Gaza apontam
que mais de 8,3 mil pessoas perderam a vida — 63% delas mulheres e crianças.
Quase 3,5 mil crianças foram mortas, e pelo menos 6,3 mil estão órfãs.
Em reunião do Conselho de Segurança das Nações
Unidas realizada na última segunda-feira (30), a diretora do Escritório das
Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários (OCHA, na sigla em
inglês) Lisa Doughten declarou ser urgente a criação de uma passagem adicional
para permitir a entrada de ajuda humanitária na Faixa de Gaza, na medida em que
a situação na região piora.
"Mais de um ponto de entrada em Gaza é
indispensável se quisermos fazer a diferença. Kerem Shalom, entre Israel e
Gaza, é a única passagem equipada para processar rapidamente um número
suficientemente grande de caminhões", disse Doughten.
Ø Grupo do Iêmen afirma ter realizado 3 ataques com mísseis e drones em
território israelense
O movimento Ansar Allah, dos houthis do Iêmen,
afirmou nesta terça-feira (31) ter realizado três ataques com mísseis e drones
em território israelense.
De acordo com o anúncio do porta-voz do grupo,
Yahya Saria, as investidas ocorrem desde a escalada do conflito
israelo-palestino.
"Disparamos uma grande quantidade de mísseis
balísticos e de cruzeiro, bem como numerosos drones, contra vários locais do
inimigo nos territórios ocupados. Confirmamos que esta foi a terceira operação
em apoio aos nossos irmãos palestinos oprimidos", disse Saria, em
declaração em vídeo transmitida pelo canal Almasirah, administrado pelos
houthis.
Na última sexta-feira (27), o porta-voz militar
egípcio Gharib Abdel Hafez disse que a Força Aérea do Egito respondeu a dois
drones que faziam uma trajetória do sul ao norte sobre o mar Vermelho, com um
deles sendo abatido fora do espaço aéreo do país e o outro caindo perto de um
hospital.
O Iêmen passa por um conflito armado, entre as
forças do governo e os rebeldes do movimento houthi, desde 2011.
·
Ataque matou 500 e feriu centenas em hospital de
Gaza; Palestina pede 'fim do genocídio intencional'
Um bombardeio contra o Hospital Batista al-Ahli,
localizado em Gaza, deixou pelo menos 500 pessoas mortas na metade deste mês.
A contagem preliminar de vítimas foi divulgada pelo
Ministério da Saúde da Palestina. Ao todo, o ataque ainda deixou centenas de
pessoas feridas.
Segundo informações da Defesa Civil local, foi o
ataque aéreo israelense mais letal em todas as cinco guerras travadas na região
desde 2008.
Em discurso nas Nações Unidas, a ministra da Saúde
palestina, Mai al-Kaila, fez um apelo aos países estrangeiros, à organização e
às instituições humanitárias de todo o mundo: "Salvem o nosso povo deste
genocídio intencional".
"O massacre no Hospital al-Ahli não tem
precedentes na nossa história. Embora tenhamos testemunhado tragédias em
guerras e dias passados, o que aconteceu esta noite equivale a um
genocídio", disse o porta-voz da Defesa Civil palestina, Mahmoud Basal.
O representante palestino nas Nações Unidas, Riyad
Mansour, pediu ao presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, que pressione
Israel por um cessar-fogo e passe a considerar a opinião de seu povo, que é
fortemente afetado pela guerra.
"A nossa posição comum é um cessar-fogo
imediato. Ele [Biden] é capaz de dizer a Israel 'Basta, vocês devem parar com
esse massacre do povo palestino na Faixa de Gaza'. Que pare, que a ajuda humanitária
seja entregue, não expulsem 2 milhões de palestinos e não os empurre para a
Jordânia", disse Mansour.
Fonte: Sputnik Brasil
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