O pequeno inseto
com grande apetite que transforma resíduos orgânicos em fertilizante
sustentável
Com sua capacidade
única de consumir quase qualquer tipo de matéria orgânica que encontra,
um inseto pequeno, mas
poderoso, está se tornando um instrumento para combater o problema cada vez
maior dos resíduos orgânicos e da degradação do solo.
Estamos falando da
larva da mosca-soldado-negro (BSFL, na sigla em inglês). Ela transforma os
resíduos alimentares em um biofertilizante rico em nutrientes, conhecido pelo
seu nome em inglês, frass.
Os insetos são
utilizados há muito tempo nas práticas agrícolas como fonte de alimento. Mas,
agora, os agricultores estão
explorando o potencial das fezes dos insetos como fertilizante sustentável.
Com mais de 33% do
solo do planeta atualmente degradado e esgotado, sem os nutrientes necessários
para o crescimento saudável das plantas, o frass pode desempenhar papel
importante para restaurar a qualidade e a biodiversidade do solo.
Em maio de 2024, o
Departamento de Agricultura dos Estados Unidos concedeu financiamento para três
projetos que pretendem aproveitar as capacidades da mosca-soldado.
Um deles foi para a
empresa de desenvolvimento de projetos Chapul Farms, com sede no Estado
americano de Oregon. Ela está reintroduzindo os insetos na agricultura dos
Estados Unidos para eliminar resíduos alimentares, restaurar a saúde do solo e
produzir ração animal de alta qualidade.
Apoiado pelo
Programa de Produção e Expansão de Fertilizantes (FPEP, na sigla em inglês), o
apoio bipartidário ao uso de insetos na agricultura destaca o reconhecimento
cada vez maior do potencial da BSFL, tanto para reduzir resíduos quanto para
melhorar a saúde do solo, produzindo fertilizante doméstico com excelentes
propriedades.
Mas, apesar dos
aparentes superpoderes do inseto, a aplicação geral da BSFL permanece limitada.
Por quê?
E como empresas
como a Chapul Farms, agora com o apoio do governo americano, podem mudar esta
situação?
·
Processo
acelerado
A BSFL pode
consumir praticamente qualquer tipo de resíduo orgânico, desde restos de
alimentos até subprodutos da agricultura.
Empresas como a
Chapul Farms utilizam o apetite voraz do inseto para processar grandes
quantidades de resíduos. Afinal, as larvas consomem até quatro vezes o peso do
próprio corpo em matéria orgânica, todos os dias.
O processo leva uma
fração do tempo necessário para a compostagem tradicional, que pode demorar até
10 meses. A eficiência da larva permite a rápida transformação de material
orgânico em excrementos ricos em nutrientes – o frass.
"Elas também
podem se reproduzir com muita rapidez", explica o professor assistente de
pesquisa Shankar Ganapathi Shanmugam, do Departamento de Ciências do Solo e das
Plantas da Universidade Estadual do Mississippi. "E [a BSFL] cresce sobre
material morto e em decomposição, o que significa que ela pode sobreviver nos
resíduos."
Shanmugam lidera as
pesquisas sobre o uso de frass como nutriente agrícola. Até agora, ele não
havia sido estudado nos Estados Unidos, mas sim em outras partes do mundo,
principalmente em diversos países de toda a Europa.
A Chapul Farms
colabora com as fazendas vizinhas para trocar resíduos por frass, criando um
sistema circular. O intercâmbio é benéfico para todos, já que as fazendas
recebem corretivos do solo ricos em nutrientes e a Chapul Farms fica com a
matéria-prima da operação.
E o projeto também
é importante para as populações de insetos, pois ele ajuda no seu repovoamento.
Tudo isso porque as operações de criação da BSFL oferecem um ambiente
controlado para a sua reprodução.
O frass criado
pelos insetos fornece nutrientes essenciais para as plantas, gerando um solo
com maior biodiversidade. Isso incentiva o desenvolvimento de espécies nativas
de insetos e plantas, que sustentam o ecossistema como um todo.
"Poderíamos
produzir composto com base em qualquer coisa, mas o impacto de fazê-lo passar
pela biologia dos insetos traz todos estes efeitos [positivos]", afirma a
vinicultora Mimi Casteel, de Oregon, que emprega o frass da Chapul Farms.
"É emocionante
por muitas razões", explica ela. "É um investimento portátil, de custo
bastante baixo, em comparação com outras medidas que estamos considerando como
parte do combate aos nossos inúmeros problemas de resíduos, e as
moscas-soldados estão substituindo um elo perdido de diversidade."
A Chapul Farms
trabalha com vinhedos, pesquisadores e fazendas locais para pesquisar, ensinar
e promover os benefícios e a adoção do frass na biorregião.
A organização sem
fins lucrativos TAINABLE, dedicada à restauração do solo local, fornece espaço
de laboratório e terras agrícolas para as pesquisas da Chapul Farms.
Como a produção de
resíduos orgânicos continua exercendo enorme pressão sobre as emissões de
carbono e energia, existe necessidade cada vez maior de métodos de
processamento mais eficientes e sustentáveis. E os processos digestivos da BSFL
podem reduzir significativamente as emissões de gases do efeito estufa.
"Encontrar uso
para este processo é importante, mas, para comercializar frass como
fertilizante, você precisa de regulamentação, o que leva tempo", destaca
Shanmugam. "E, para fazer as regulamentações, você precisa de
pesquisa."
Atualmente, o
Programa Nacional Orgânico dos Estados Unidos não inclui insetos como aditivo
aceitável, o que dificulta a divulgação desta técnica junto aos agricultores
que adotam práticas orgânicas.
Mas equipes como a
da Chapul Farms vêm discutindo com os órgãos reguladores para aumentar o
conhecimento sobre ela e promover sua inclusão.
Ao contrário dos
fertilizantes químicos, que costumam esgotar o solo ao longo do tempo, o frass
promove a biodiversidade, introduzindo no solo uma comunidade microbiana
diversificada.
Sua aplicação
aumenta a resiliência do solo, a defesa natural das plantas, a capacidade de
retenção de água e reduz a necessidade de insumos sintéticos de alto custo.
Por outro lado, os
produtos sintéticos podem destruir a biodiversidade do solo, as bactérias
benéficas e o microecossistema natural do solo, que passa a ficar dependente de
insumos cada vez mais caros. Eles também exigem consumo intensivo de
combustíveis fósseis e reduzem a capacidade de retenção de carbono do solo.
"Observamos
recentemente o impulso cada vez maior do nosso governo para financiar projetos
que apoiem a produção de fertilizantes domésticos", segundo o chefe de
comunicações da Chapul Farms, Aly Moore.
"Percebemos
que muitos problemas de saúde são causados pela redução da quantidade de
nutrientes dos produtos agrícolas e por todos os pesticidas utilizados. E, em
relação ao fator custo, os agricultores não só precisam de menos fertilizante
ao longo do tempo, mas também de menos pesticidas."
Tudo isso pode
contribuir para a redução de custos, gerando mais incentivos para os produtores
agrícolas – especialmente em uma época em que os preços dos fertilizantes
dispararam e a sua oferta não é constante.
Os preços dos
fertilizantes mais que dobraram entre 2021 e 2022. E, como os Estados Unidos
são o terceiro país que mais importa fertilizantes do mundo, os agricultores
americanos sentiram a maior parte destes impactos. O problema deixou de ser
restrito apenas ao fertilizante – agora, é também uma questão de segurança
alimentar.
"Nos dois anos
anteriores a 2023, houve uma redução de 8% do consumo global de fertilizantes,
pois os agricultores ficaram fora de mercado devido aos preços", afirma o
chefe de tecnologia da Chapul Farms, Michael Place.
"Houve falhas
de abastecimento e até indisponibilidade. E o FPEP surgiu deste tipo de
emergência."
Os micróbios
representam uma interessante fronteira para a regeneração da saúde do solo, mas
menos de 1% do total de micróbios do solo foram cultivados.
O frass oferece a
oportunidade de sair dos métodos reducionistas de tratamento, que perpetuaram a
crise do solo, e promover a segurança alimentar e agrícola.
Os produtores
agrícolas, em algum momento, irão precisar de menos frass para manter os mesmos
níveis de produtividade, pois os micróbios do material se proliferam ao longo
do tempo, aumentando a biodiversidade e restabelecendo a saúde e a resiliência
do solo.
Agricultores que
começaram a usar frass nos seus campos já relatam resultados promissores.
Casteel está
realizando testes para determinar o impacto do frass na sua produção. Os
resultados estatísticos do estudo ainda estão em andamento, mas ela já
testemunhou mudanças perceptíveis.
"O que posso
contar, como minha experiência pessoal, é que, nos testes que realizei com uvas
e na minha horta, a produção é mais rápida e os produtos têm melhor estrutura
celular", segundo ela.
"Ou seja, se
você realmente cortar a folha e colocá-la no microscópio, as células crescem
com maior densidade e possuem membranas de lipídios com padrões
atraentes", explica ela. "Isso significa que a planta, desde o
primeiro dia, possui maior integridade estrutural."
Os fundos do FPEP
irão financiar a construção e o equipamento de instalações de BSFL nos Estados
americanos de Oregon e Dakota do Norte. Os projetos preveem a produção de 10
mil toneladas de frass por ano em cada local e a geração de 59 empregos. Sua
abertura é esperada para 2026.
Um dos maiores
desafios enfrentados por este setor nascente é a visão periférica dos insetos
para a produção de proteína, que ofuscou os benefícios do frass para a saúde do
solo.
A proteína gerada
pela BSFL é um mercado lucrativo em rápido crescimento, mas o frass permanece
um recurso subutilizado da criação de insetos.
O mercado global de
proteína de insetos foi avaliado em cerca de US$ 1 bilhão (cerca de R$ 5,76
bilhões) em 2022. Já o mercado global de frass foi avaliado em US$ 96 milhões
(cerca de R$ 553 milhões) em 2023 – mas o crescimento projetado do frass é
substancialmente maior.
Além disso, segundo
a equipe da Chapul Farms, as fazendas de insetos produzem duas vezes mais frass
do que larvas.
"Acho que os
produtores agrícolas foram historicamente convencidos de que os insetos são
problemas e simplesmente não querem falar em acrescentar mais problemas à sua
situação", explica Casteel. "Mas, quando nossas fazendas se tornam
mais complexas, você começa a ver o crescimento exponencial dos retornos
ecológicos."
Os insetos também
são espécies fundamentais. Ecossistemas inteiros sofreriam mudanças drásticas
ou entrariam em colapso sem eles – e o nosso planeta ficaria
"paralisado", segundo o biólogo Dave Goulson, no jornal britânico The
Guardian.
"Em última
análise, basicamente, não podemos sobreviver sem os insetos", afirma o CEO
da Chapul Farms, Pat Crowley. "Os ecossistemas naturais não podem
florescer... sem que os insetos façam parte dele."
"E esta é uma
das nossas maiores premissas. Não é algo simples, como se os insetos fossem
resolver as maiores tendências da saúde agrícola global."
"E, ao mesmo
tempo, acho que este é um dos nossos maiores instrumentos para transformar a
agricultura em um modelo mais resiliente, baseado nos ecossistemas",
conclui Crowley.
Fonte: BBC Future
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