quinta-feira, 13 de fevereiro de 2025

Isolamento e veto a redes sociais: as punições incomuns do Irã a dissidentes

Mais de dois anos se passaram desde que eclodiram os protestos no Irã em decorrência da morte de Mahsa Amini sob custódia da polícia da moralidade do país.

Mesmo que o governo iraniano tente projetar uma imagem de ter superado a crise, a questão do hijab (véu islâmico) obrigatório — e sua rejeição por muitas mulheres — continua sendo um grande motivo de preocupação para as autoridades.

Recentemente, o governo se recusou a aplicar ou fazer cumprir as leis rígidas e repressivas sobre o hijab aprovadas pelo Parlamento.

Muitas mulheres ainda andam pelas ruas do Irã sem usar a vestimenta aprovada pelo Estado, às vezes pagando um alto preço por sua rebeldia.

Os juízes têm muito poder e podem impor punições não convencionais, muitas vezes combinando penas tradicionais com medidas simbólicas ou ideológicas.

Taraneh Alidoosti, uma das atrizes mais aclamadas do Irã, conhecida internacionalmente por seu papel no longa O Vendedor, ganhador do Oscar de melhor filme estrangeiro em 2016, foi alvo deste tipo de sanção recentemente.

Alidoosti, uma forte defensora do movimento "Mulheres, Vida, Liberdade", que surgiu após a morte de Amini, desafiou abertamente a lei do hijab ao se recusar a usar o véu.

Embora uma reação negativa fosse esperada, poucos poderiam prever o alcance das restrições impostas a ela e outras figuras públicas.

O caso de Alidoosti chamou a atenção quando ela foi proibida de embarcar em um voo doméstico com destino à ilha de Qeshm, no sul do país.

O advogado dela afirmou que ela havia sido impedida de viajar e realizar transações financeiras.

Estas medidas se somam a outras restrições anteriores, que a impediam de deixar o Irã. Um porta-voz do Judiciário iraniano negou a existência de tal proibição.

As medidas do governo contra Alidoosti revelam uma estratégia mais ampla: controlar vozes influentes que poderiam inspirar mais dissidência.

No entanto, a natureza peculiar de algumas decisões revela um Judiciário que está lutando para manter o controle diante da crescente resistência pública às leis do hijab.

Isolamento e 'curso sobre moral'

Muitas outras figuras públicas tiraram seus véus em solidariedade ao movimento "Mulheres, Vida, Liberdade".

Azadeh Samadi, outra atriz conhecida, foi punida com a proibição de acessar as redes sociais por seis meses.

Em uma sentença incomum, o tribunal também ordenou que ela se submetesse a tratamento psicológico para "transtorno de personalidade antissocial". Ela teve que apresentar um atestado médico para provar que havia concluído o tratamento.

A atriz veterana Afsaneh Bayegan sofreu um destino semelhante. Além de ser proibida de acessar as redes sociais, ela foi obrigada a fazer terapia.

Essas sentenças provocaram indignação entre iranianos e juristas, que questionam sua validade e embasamento ético.

Saeed Roustaee, diretor do aclamado filme Os Irmãos de Leila, também não foi poupado.

Roustaee, cujos filmes retratam as dificuldades socioeconômicas de iranianos comuns, teve uma condição incomum imposta além da sua condenação: ele foi proibido de se relacionar com pessoas ativas no setor cinematográfico.

A sentença tinha como objetivo isolá-lo profissionalmente e desencorajar outros membros do setor a abordar questões delicadas. Ele também foi obrigado a fazer um curso estatal sobre "produção moral de filmes".

Além disso, foi condenado a seis meses de prisão por "propaganda contra o regime" — a "produção e exibição de Os Irmãos de Leila no Festival de Cannes" foi citada como prova contra ele.

A fotojornalista Yalda Moayeri foi condenada, por sua vez, a seis anos de prisão, além de cinco outras punições, incluindo a elaboração de um trabalho de pesquisa de 100 páginas sobre as obras de um aiatolá que apoia o uso obrigatório do hijab; uma proibição de dois anos do uso de celular e redes sociais; e dois meses de serviço comunitário na limpeza de um parque para mulheres.

Uma das sentenças mais controvertidas foi anunciada em março do ano passado e envolveu o cantor Shervin Hajipour, que ganhou o Grammy na categoria especial de Melhor Canção pela Mudança Social com a música Baraye.

Hajipour foi processado por interpretar a canção, que se tornou um hino do movimento de protesto após a morte de Mahsa Amini.

Além da pena de prisão e da proibição de viajar, o tribunal obrigou a ele a estudar e resumir dois livros religiosos: Os direitos da mulher no Islã e A mulher no espelho da majestade e da beleza, escritos por aiatolás renomados.

A reação generalizada contra a condenação de Hajipour fez com que ela fosse anulada.

O chefe do Poder Judiciário iraniano, Gholamhossein Mohseni Ejei, criticou as sentenças, afirmando que as condenações devem ser "dissuasivas", e não devem "produzir o efeito oposto".

Ele ordenou que as sentenças levem em consideração fatores como "viabilidade" e "evitar a humilhação" para evitar consequências indesejadas e garantir que não causem polêmica desnecessária.

Julgamentos a portas fechadas

O uso de sentenças "criativas" por parte da Justiça iraniana não é novidade.

Ao longo dos anos, ativistas, jornalistas e artistas foram submetidos a punições incomuns, muitas vezes destinadas a humilhá-los ou condená-los ao ostracismo.

Embora a flagelação pública e a prisão continuem a ser elementos básicos do sistema judiciário, as sentenças recentes parecem ter como objetivo minar a credibilidade e a influência dos condenados.

Apesar das mudanças recentes no sistema judiciário, incluindo maior acesso a julgamentos públicos e sentenças mais transparentes para crimes comuns, casos envolvendo ativistas civis e políticos continuam sendo julgados a portas fechadas.

Os ativistas geralmente enfrentam restrições sociais e profissionais sem serem julgados perante um tribunal ou terem a oportunidade de se defender.

Em alguns casos, eles não sabem de suas condenações até tentar embarcar em um avião e descobrir que estão proibidos de voar.

 

¨      Malala: 'Nunca pensei que mulheres perderiam seus direitos tão facilmente'

Uma bala não foi capaz de silenciá-la, e agora Malala Yousafzai está emprestando sua voz às mulheres do Afeganistão.

Em apenas alguns anos desde que o Talebã retomou o controle do país, os direitos das mulheres retrocederam a ponto de até mesmo o canto ser proibido.

Malala tem uma história pessoal com o Talebã do outro lado da fronteira, no Paquistão, depois que um homem armado do grupo fundamentalista islâmico atirou nela dentro de um ônibus escolar.

A velocidade das mudanças no Afeganistão surpreendeu Malala, que desde aquele disparo quase fatal em 2012 tem feito campanha pela igualdade.

"Nunca imaginei que os direitos das mulheres seriam comprometidos tão facilmente", disse Malala à emissora de rádio Asian Network, da BBC.

"Muitas meninas se encontram em uma situação desesperadora e deprimente, na qual não veem nenhuma saída", diz a vencedora do Prêmio Nobel, de 27 anos.

"O futuro parece muito sombrio para elas."

O retrocesso

Em 2021, o Talebã retomou o poder no Afeganistão, 20 anos depois de uma invasão liderada pelos EUA ter derrubado seu regime na sequência dos ataques de 11 de setembro em Nova York.

Nos três anos e meio desde que as forças ocidentais deixaram o país, as chamadas "leis da moralidade" fizeram com que as mulheres no Afeganistão perdessem dezenas de direitos.

De acordo com o código de vestimenta, elas devem estar totalmente cobertas, enquanto outras regras as proíbem de viajar sem um acompanhante do sexo masculino ou de olhar um homem nos olhos, a menos que sejam parentes de sangue ou casados.

"As restrições são tão extremas que não fazem sentido para ninguém", diz Malala.

A Organização das Nações Unidas (ONU) afirma que as regras equivalem ao "apartheid de gênero"— um sistema em que as pessoas enfrentam discriminação econômica e social com base em seu sexo —, algo que o grupo de direitos humanos Anistia Internacional quer que seja reconhecido como crime no âmbito do direito internacional.

Mas as regras foram defendidas pelo Talebã, que afirma que elas são aceitas na sociedade afegã, e que a comunidade internacional deve respeitar "as leis islâmicas, as tradições e os valores das sociedades muçulmanas".

"As mulheres perderam tudo", diz Malala. "Eles [o Talebã] sabem que para tirar os direitos das mulheres é preciso começar pela base, que é a educação."

A ONU afirma que, desde a retomada do poder pelo Talebã, mais de um milhão de meninas não estão frequentando a escola no Afeganistão (cerca de 80%) — e, em 2022, aproximadamente 100 mil estudantes do sexo feminino foram proibidas de fazer curso universitário.

Também foi noticiada uma correlação entre a falta de acesso à educação e o aumento do casamento infantil e das mortes durante a gravidez e o parto.

"As mulheres afegãs vivem em tempos muito sombrios agora", afirma Malala. "Mas elas mostram resistência."

Mostrando a realidade

A ativista nascida no Paquistão, que se tornou a pessoa mais jovem a ganhar o Prêmio Nobel da Paz, é produtora executiva do recém-lançado Pão, Rosas e Liberdade, documentário que registra a vida de três mulheres afegãs sob o regime do Talebã.

O documentário acompanha Zahra, uma dentista forçada a abandonar seu consultório; a ativista Taranom, que foge para a fronteira; e a funcionária pública Sharifa, que perde seu emprego e independência.

Malala diz que o filme não é apenas sobre as histórias das três mulheres. "É sobre as 20 milhões de meninas e mulheres afegãs cujas histórias podem não chegar às nossas telas."

Pão, Rosas e Liberdade foi dirigido pela cineasta afegã Sahra Mani, e a atriz americana Jennifer Lawrence também participou do projeto como produtora.

Sahra disse à rádio Asian Network, da BBC, que sua missão era "contar a história de uma nação sob a ditadura do Talebã".

"Como, aos poucos, todos os direitos foram sendo retirados".

A cineasta conseguiu fugir do Afeganistão depois que o governo apoiado pelos EUA entrou em colapso após a retirada das tropas em agosto de 2021.

Mas ela manteve contato com as mulheres de seu país, que compartilhavam vídeos que ela reunia e arquivava.

"Foi muito importante encontrar mulheres jovens, modernas e instruídas que tivessem talento e estivessem prontas a dedicá-lo à sociedade", diz Sahra.

"Elas estavam prontas para construir o país, mas agora têm que ficar em casa, e não podem fazer quase nada."

Sahra acredita que a situação no Afeganistão já se deteriorou a tal ponto que seria impossível realizar o filme se começasse agora.

"Naquela época, as mulheres ainda podiam sair e se manifestar", diz ela.

"Hoje em dia, as mulheres não podem nem cantar... a situação está ficando mais difícil."

Imagens do documentário mostram as mulheres em protestos — elas não paravam de gravar enquanto eram presas pelo Talebã.

E Sahra conta que o projeto só se tornou mais difícil com o passar do tempo, à medida que mais direitos eram retirados.

"Ficamos muito honradas por essas mulheres terem confiado em nós para compartilhar suas histórias", diz ela.

"E, para nós, era muito importante colocar a segurança delas entre nossas prioridades."

"Mas quando elas saíram às ruas pedindo seus direitos, não era para o documentário."

"Era por elas, por sua própria vida, por sua própria liberdade."

Rebeldia

Malala observa que, para as mulheres no Afeganistão, "a rebeldia é algo extremamente desafiador".

"Apesar de todos esses desafios, elas estão nas ruas, e arriscam suas vidas na esperança de um mundo melhor para elas."

As três mulheres apresentadas no documentário não vivem mais no Afeganistão, e Sahra e Malala esperam que o filme aumente a conscientização sobre o que as mulheres que permanecem no país enfrentam.

"Elas estão fazendo tudo o que podem para lutar por seus direitos, para levantar sua voz", diz Malala. "Elas estão colocando muita coisa em risco. É nossa hora de sermos suas irmãs e apoiá-las."

Malala também espera que o documentário gere mais pressão internacional sobre o Talebã para restabelecer os direitos das mulheres.

"Fiquei completamente chocada quando vi a realidade da retomada do poder pelo Talebã", afirma.

"Nós realmente temos que questionar que tipo de sistemas estabelecemos para garantir a proteção das mulheres no Afeganistão, e também em outros lugares."

E por mais que Pão, Rosas e Liberdade trate de histórias de perda e opressão, o filme também é sobre resiliência e esperança.

"Temos muito para aprender com a bravura e a coragem destas mulheres afegãs", diz Malala.

"Se elas não estão com medo, se não estão perdendo a coragem de enfrentar o Talebã, devemos aprender com elas e nos solidarizar com elas."

O próprio título do documentário foi inspirado em um ditado afegão.

"O pão é um símbolo de liberdade, de ganhar um salário e sustentar a família", explica Sahra.

"Temos um ditado na minha língua que diz que aquele que te deu o pão é aquele que te dá ordens", diz. "Portanto, se você conseguir seu pão, isso significa que você é seu próprio chefe."

Esse é exatamente o futuro que ela almeja para as mulheres do Afeganistão e, com base no que viu, acredita que elas vão conseguir no final.

"As mulheres no Afeganistão continuam mudando de tática", ela observa. "Elas continuam buscando uma nova maneira de continuar lutando."

 

Fonte: BBC News

 

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