“Uma infância conturbada”: comenta Heloísa
sobre a vida com seu pai, Olavo de Carvalho
Heloísa de Carvalho,
filha primogênita do filósofo e guru da extrema-direita, Olavo de Carvalho,
narra em entrevista exclusiva ao jornalista Luis Nassif, para o canal TVGGN,
sobre como foi sua infância e adolescência ao lado de um pai “atormentado” que
acabou influenciando, ao longo de sua vida, uma legião de seguidores com visões
distorcidas de mundo.
Heloísa fez uma viagem
ao tempo e revelou como era a relação de Olavo com seus pais; relembra seus
casamentos e relacionamentos extraoficiais, além da convivência com a mãe de
Heloísa – que acabou desenvolvendo depressão e traumatizando a família com duas
tentativas de suicídio que levaram a dois episódios de internação psiquiátrica.
Olavo também foi internado algumas vezes.
A primogênita também
narra como Olavo encabeçou uma escola de astrologia na década de 1980 que fez
sucesso para, depois, investir em outros tipos de cursos que atraíram alunos
ricos que ajudaram a bancar suas despesas nos Estados Unidos nos anos seguintes.
As várias religiões,
seitas e filosofias de vida de Olavo também estão na pauta da entrevista, que
aborda ainda como ele ficou amigos dos militares e como conheceu Steve Bannon.
O papo foi gravado em
26 de abril de 2024, um mês antes de o jornal O Globo revelar os detalhes do
testamento deixado por Olavo, morto há dois anos, provavelmente em função da
Covid-19. Olavo deixou a maior parte de sua herança (duas propriedades nos EUA
e entre 30% a 20% dos direitos autorais sobre seus livros) para a última esposa
e seus dois filhos com ela. Outros cinco filhos de outro casamento receberão
entre 0,3% e 0,5% dos direitos autorais. Já Heloisa, que há anos não convivia
com o pai e passou a militar na esquerda política, ficou de fora do testamento.
<><>
Confira os principais trechos:
A INFÂNCIA DE HELOÍSA
E OS IRMÃOS
Foi uma “infância
completamente conturbada”, relata Heloísa, lembrando que até seus 15 anos de
idade, computou cerca de 15 mudanças de endereço. Olavo de Carvalho tinha
problemas para pagar o aluguel e, na maioria das vezes, precisa mudar de casa
após ter sido despejado.
SURTOS PSIQUIÁTRICOS
DE OLAVO
A primeira internação
de Olavo de Carvalho teria se dado após um surto, quando ele trabalhava na
redação do Jornal da Tarde. “Quando o histórico psiquiátrica dele veio à tona,
ele veio com essa história de que ele se internava antes do surto. (…) Ele dizia
que ele tinha a chave da clínica e fazia reuniões com o corpo clínico e dava
diagnósticos! É evidente que tinha problemas psiquiátricos. Todo louco fala
loucura desse nível.”
A RELIGIÃO DE OLAVO
Segundo Heloísa, é
curioso como os seguidores de Olavo de Carvalho, que são em maioria
conservadores, não se atentam ao fato de que ele nunca foi fiel a uma só
religião, mas sim passou por diversas “fases”, sendo que a que mais durou foi
sua fase no islã.
“Até meus oito anos,
ele era católico, rezava antes de refeições. Depois veio a fase ateu, meio
‘hipponga’, só maluquice, frequentando o inferno do Madame Satã em São Paulo.
Ele chegou a me levar com 12 anos. Depois teve a fase budista, depois a
islâmica, depois voltou para católica. Teve a fase mística, onde ele participou
de duas investigações por causa de uma seita – investigação criminal sobre
várias questões, desde aborto até lavagem de dinheiro, descaminho fiscal, etc.”
A INFÂNCIA DO OLAVO
“Olavo teve uma
infância difícil. Meu avô, o pai dele, era advogado formado pelo Largo de São
Francisco, na USP. Minha avó era de cidade do interior, dona de casa, de estudo
primário, criada para um bom casamento e ser a dona de casa perfeita”, lembra
Heloísa. “Quando Olavo tinha seus 8 anos de idade, meu avô abandonou minha avó,
pois tinha um relacionamento com uma secretária.”
“Olavo só foi ter
relacionamento de novo com o pai dele aos 18 anos. Foram 10 anos de alienação
parental. (…) Meu pai foi criado em ambiente de mágoa e ódio, e ao mesmo tempo
ele estava numa redoma, minha avó tratava ele como uma criancinha doente.”
A ADOLESCÊNCIA DE
HELOÍSA
“A gente nunca sofreu
violência física do meu pai. Eu na minha vida apanhei uma vez só do meu pai.
Meus irmãos, uma ou duas vezes. Era mais violência psicológica e material.”
Segundo Heloísa, era
os familiares do lado materno quem cuidava financeiramente das crianças de
Olavo. Por alguns anos, Heloísa viveu na casa de uma tia. Ao chegar aos 15 anos
de idade, a tia conversou com Heloísa e explicou que, se quisesse, ela poderia
voltar a morar na casa de Olavo, e Heloísa acabou escolhendo se mudar. “Quando
cheguei na casa da Bela Vista, era uma comunidade islâmica! Tinha de 20 a 30
pessoas morando numa casa”, disse ela, afirmando que se arrependeu da decisão,
mas era tarde demais.
A MÃE DE HELOÍSA
“Minha mãe e Olavo não
tinham diferença. Ela era uma pessoa igual a ele, irresponsável, sem profissão.
(…) Em qualquer problema que o Olavo se envolvia, estava lá minha mãe para
ajudar.”
A mãe de Heloisa
tentou suicídio duas vezes, em meados da década de 1980, quando Olavo tinha a
Escola Júpiter, uma escola de astrologia que fez sucesso à época. Na primeira
tentativa, a mãe tentou cortar os pulsos na banheira, e Olavo usou do episódio
para dar uma “lição” aos filhos homens.
“Nesse episódio teve
uma coisa horrorosa. Eu lembro da minha mãe amarrada numa camisa de força, toda
cheia de sangue, molhada, porque tinham tirado ela da banheira e puseram na
camisa de força. Ela na maca, com aqueles cinturões de couro, e meu pai pegou a
mão dos meus dois irmãos menores e disse: ‘Olhem! Sejam homens, sejam homens!’
O Luís tinha uns 8 anos e o Tales, uns 6, vendo a mãe na maca toda
ensanguentada, delirando porque ela já tinha perdido muito sangue e falava
coisa com coisa.”
A segunda tentativa de
autoimolação foi usando remédios, e Heloísa também presenciou a cena. “Olhei
embaixo da cama e vi os comprimidos. E foi quando ela teve a segunda internação
psiquiatra. Todas essas internações tinham relação com o Olavo, porque ela
nunca se desconectou dele, nunca aceitou a separação – e nem ele, porque ele ia
atrás dela.”
Heloísa conta que a
sua mãe se separou de Olavo pela primeira vez quando descobriu que ele estava
namorando uma aula da Escola Júpiter. Enquanto a mulher e os filhos viviam nos
fundos da escola com poucos recursos, Olavo usava o faturamento para se divertir
em bares com estudantes, lembra Heloísa.
Olavo decidiu investir
em filosofia no final da década de 1980, início dos anos 1990.
AMIGOS DE OLAVO
Segundo Heloísa, Olavo
tinha muito amigos e alunos, inclusive de famílias abastadas, ao longo de sua
vida. “Uma coisa que temos que concordar: ele tinha carisma, tinha uma falácia,
um potencial de convencimento muito grande. Eu admirava ele ter essa facilidade.
Mas era sempre para o errado, para a sacanagem e os golpes”, disse Heloísa,
lembrando que não era raro o pai pedir dinheiro aos amigos ricos alegando que
precisava cuidar das crianças.
MILITARES E ESTADOS
UNIDOS
Foi morando em
Petrópolis, no Rio de Janeiro, que Heloísa percebeu que além de tudo, Olavo
também tinha amizades com militares. Depois da passagem pelo Rio, ele morou
ainda na Romênia, retornou ao Brasil para viver no interior de São Paulo, e
depois mudou-se para Curitiba. Por fim, foi viver nos Estados Unidos, onde
comprou a casa de uma prima de um amigo endinheirado, pagando prestações de
maneira informal, sem precisar passar pela burocracia de financiamento.
CAPACIDADE DE ALTERAR
A REALIDADE
“É assustadora. Teve
uma época em que eu estava na faculdade, começando a assistir audiências, e eu
pedi a ele alguns livros de referência sobre retórica. Ele me deu uma lista de
20 livros. Eu falei ‘menos, pai’. Então ele me deu 10 livros de presente, entre
eles, Schopenhauer. Quando eu li, eu comecei a entender muito mais o Olavo.
Aqueles estratagemas… Ele passou a acreditar e incorporar um personagem que ele
criou.”
FASE ANTICOMUNISTA
A fase anticomunista
de Olavo de Carvalho começou em meados de 2002, quando o primeiro governo Lula
estava germinando ainda. Uma vez eleito, Lula passou a ser alvo de críticas
constantes de Olavo. Curiosamente, naquela fase, Heloísa namorava um assessor direto
de José Dirceu.
HERANÇA
Sobre a herança,
Heloísa comentou achar um “absurdo” que, após dois anos da morte de Olavo de
Carvalho, a viúva e terceira esposa dele ainda não tinha feito o inventário.
Foi Heloísa quem entrou na Justiça para dar publicidade ao testamento que Olavo
fez nos EUA em 2018, revelado na quarta-feira, 22 de abril de 2024, pelo Jornal
O Globo.
TRATAMENTO NOS EUA
“Ele teve várias
internações lá, caríssimas. Tenho uma amigo que foi médico nos EUA e ele me
falou que uma das estimativas de uma semana de internação de Olavo sairia mais
de 300 mil dólares. Eu acho que foi o seguinte: a maioria delas [internações]
foi bancada por alunos. Gente com muito dinheiro. Mas chegou num ponto que não
dava mais. Internações muito longas. Uma delas, nos EUA, durou quase um mês. E
daí ele veio para onde ele tanto falou mal: o SUS, no Brasil. (…) Do dia para a
noite, ele acorda no Brasil num apartamento no InCor. Como ele chegou e como
ele foi embora – aquela fuga fantástica – ninguém sabia”.
Heloísa contou em
primeira mão ao GGN que descobriu como Olavo de Carvalho saiu “fugido” do
Brasil após suas internações em virtude de um câncer. Ele decidiu retornar aos
EUA escapando pelo Paraguai depois que foi intimado pela Polícia Federal a
prestar esclarecimentos no inquérito das fake news, que tramita no Supremo
Tribunal Federal. “Ele morria de medo de ser preso.”
“Primeira vez que falo
em entrevista: Olavo saiu de São Paulo e foi para o Paraguai de carro. Quem
levou ele foi o filho de um aluno dele, o Thales de Carvalho, esse mesmo Thales
que explodiu na imprensa com a história de assédio e abusos. No Paraguai, Olavo
ficou na casa do Thales. De lá é que ele foi para os EUA. (…) Meus irmãos
negam, mas fizeram parte da arquitetação e realização da fuga.”
MORTE DO OLAVO
“Até hoje não obtive a
certidão de óbito onde fala que foi Covid mesmo. Foi em plena pandemia, e no
cemitério onde ele foi enterrado tinham outros velórios. Eram todos velado com
caixão aberto, porque eram mortes de causas naturais. Mas Olavo foi velado ao
lar livre, de caixão lacrado. Dias antes, saiu notícias de que ele estava
internado com Covid.”
PESSOA ATORMENTADA A
VIDA INTEIRA
Para Heloísa, Olavo
foi uma pessoa atormentada a vida inteira e “com isso acabou criando seres
atormentados. Meus irmãos, infelizmente, dão dó. Eu tenho dó dos meus 21
sobrinhos, 21 netos que o Olavo tem. Estou descontando meu filho, que foi
afastado disso tudo. Mas foram 21 sobrinhos criados na teoria da conspiração,
homofobia, discurso de ódio, fake news. É preocupante, é triste. Mas não posso
fazer nada.”
“Dos alunos do Olavo,
há muitos relatos de alunos que ficaram loucos, tiveram surtos, foram
internados em clínicas psiquiátricas. Tentei levantar história de uma aluna
muito próxima dele que cometeu suicídio. Desde criança escuto essas histórias.”
BOLSONARO E STEVE
BANNON
“Olavo dizia que não
tinha relação com Bolsonaro. Mas a relação dele com Eduardo Bolsonaro tinha 10
anos antes da eleição de 2018. A coisa veio publicamente agora, mas não era de
agora. (…) Ele acabou conhecendo [o Steve Bannon] por meio do Eduardo. Acabaram
virando amiguinhos. Um ia jantar na casa do outro e tudo. Olavo já conhecia
Bannon e, provavelmente, deveria ser o grande líder dele. Outra pessoa
completamente perturbada.”
Fonte: Jornal GGN
Nenhum comentário:
Postar um comentário