Mesmo sem apoio federal, escolas
cívico-militares avançam nos estados
Mesmo depois do
encerramento do Programa Nacional de Escolas Cívico-Militares (Pecim), criado
no governo Bolsonaro, pelo Ministério da Educação (MEC), a militarização da
educação avança pelo país. O modelo, que foi uma das bandeiras do governo
Bolsonaro, encontra apoio em governos locais de aliados do ex-presidente para
continuar sua expansão.
No estado de São
Paulo, o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) pretende implementar ao
menos cem escolas cívico-militares até 2026. Um projeto de lei que prevê a
implementação dessas escolas nas redes estadual e municipal de ensino foi
aprovado nesta terça-feira (21), em uma votação marcada por violência policial
contra estudantes que se manifestaram contra a proposta.
O texto aprovado se
baseia em um anteprojeto do atual secretário da Educação, Renato Feder, que
ocupava o mesmo cargo no governo do Paraná quando o governador Ratinho Júnior
(PSD) sancionou a lei que instituiu o Programa Colégios Cívico-Militares no
estado, em dezembro de 2022.
No Paraná, a expansão
do modelo militar de ensino já é uma realidade. O projeto estadual era uma das
promessas de campanha da gestão de Ratinho Júnior antes mesmo de ele se eleger
a governador.
Atualmente, o estado
tem 312 escolas cívico-militares, todas ligadas ao programa estadual, segundo a
Secretaria de Educação do Paraná. Durante o Pecim, foram criadas 12 escolas do
modelo, que eram administradas pelo MEC e pelo Ministério da Defesa. Entre 2021
e 2022, ainda durante o funcionamento do programa federal, outras 217 escolas
regulares se tornaram cívico-militares, dentro do programa do governo do
Paraná. Depois do fim do Pecim, mais 83 escolas do modelo militar foram
criadas, também vinculadas à rede estadual.
No Brasil, em dois
anos do Pecim, foram criadas 223 escolas cívico-militares, de acordo com dados
do MEC acessados pela Agência Pública via Lei de Acesso à Informação (LAI).
<><> Por
que isso importa?
• A militarização do ensino no Brasil
avançou no governo Bolsonaro, que instituiu um programa para implementar o
modelo de escolas cívico-militares.
• O programa foi encerrado pelo atual
governo, mas o modelo segue avançando com apoio de governos estaduais aliados
ao ex-presidente.
<><> O
caso de Londrina
No Paraná, a maior
parte das escolas cívico-militares está na capital, Curitiba (29), e na cidade
de Londrina (21), segundo a Secretaria de Educação estadual. Londrina foi uma
das primeiras cidades no estado a receber uma escola vinculada ao Pecim, o Colégio
Estadual Profª Adelia Barbosa, que atualmente é administrado pelo governo do
estado.
Há consultas públicas
para selecionar instituições de ensino que passarão do modelo regular para o
cívico-militar. Entre os critérios está a localização em áreas com altos
índices de vulnerabilidade social. Em Londrina, as únicas duas escolas que não
aderiram ao modelo foram o Colégio Estadual Professora Rina Maria de Jesus
Francovige e o Colégio Estadual Profª Lúcia Barros Lisboa.
O Colégio Estadual
Cívico-Militar Hugo Simas passou por consulta pública no final do ano passado
e, este ano, se militarizou. Quem estuda lá, desde 2018, é o filho de
Giovanna*, que tem 17 e está no terceiro ano do ensino médio. “Nos avisaram uma
semana antes por WhatsApp que a escola poderia passar a ser cívico-militar. O
argumento da direção é que ou aceitaríamos essa mudança ou a escola se tornaria
integral”, conta.
Ela diz que a direção
da escola informou que “com essa mudança a escola aumentaria a nota no Ideb
[Índice de Desenvolvimento da Educação Básica]”. “Esse argumento não faz
sentido algum, já que o colégio é referência na cidade há um tempo”, diz
Giovana. “Pra mim, o único sentido disso é concretizar um laboratório de
militarização na educação da cidade, a começar pelas escolas já reconhecidas.”
Quando passam ao
modelo militar, as escolas do Paraná seguem um manual do governo sobre normas
sociais e outras práticas. Ele inclui instruções sobre fardamento e também
corte de cabelo e apresentação individual dos estudantes com orientações para
gêneros masculino e feminino. Para o gênero feminino é recomendada, por
exemplo, pouca maquiagem. No caso do gênero masculino, não é permitido cabelos
raspados, com desenhos, pinturas ou cortes como o de tipo moicano ou desenhos
nas sobrancelhas. Também não é permitido o uso de brincos ou piercing. Há
revistas mensais dos cortes de cabelo dos estudantes.
No início do ano
letivo, André*, de 11 anos, foi informado no Colégio Estadual Barão do Rio
Branco que precisaria mudar o visual. Meninos não poderiam mais usar brincos ou
cabelos compridos. Laura*, mãe da criança, até pensou em mudar o filho de
colégio, mas todas as unidades de ensino próximas à casa dela passaram a ser
cívico-militares.
“Ninguém merece
começar tudo de novo, inclusive uma nova identidade pessoal, só porque o
governador resolveu que essa escola vai virar círculo militar”, reclama Laura.
A grade curricular das
escolas também mudou. Aulas de civismo e cidadania, que não faziam parte do
ensino regular, foram acrescentadas. “Desde que houve essa mudança na escola,
meu filho passou a ser mais tímido, com receio de ser punido pelos militares.
Ele comentou que os policiais já chegaram a acompanhar o professor numa aula de
civismo e cidadania”, comenta Paula*, mãe de um menino matriculado no 6º ano do
Colégio Barão.
No Paraná, nos
primeiros dois anos do Pecim, durante a gestão de Renato Feder como secretário
de Educação, militares atuavam nas escolas como monitores e diretores
cívico-militares. Eles exerciam gestão na área de infraestrutura, patrimônio,
finanças, segurança, disciplina, além de atividades, como hastear a bandeira do
Brasil e cantar o hino nacional diariamente, antes do início das aulas.
Atualmente, as
secretarias de Educação e de Segurança Pública do Paraná têm modelo de gestão
compartilhada entre civis e militares nas escolas. Enquanto a primeira é
responsável por conduzir o processo seletivo dos militares, implementar as
escolas cívico-militares nos núcleos regionais de educação e fiscalizar, a
segunda realiza o chamamento dos militares da reserva selecionados, que deverão
atuar nas escolas cívico-militares, como monitores, por um prazo que não deve
ultrapassar dez anos.
Segundo apurou a
Pública, atualmente o estado conta com 726 monitores militares dentro das
escolas. Eles são originalmente bombeiros ou policiais militares. Desde o
início do programa, já foram emitidos 359 editais de chamamento público no
Paraná convocando militares da reserva para atuar nas escolas. Em 2021, eles
passaram a receber uma gratificação especial de R$ 5,5 mil pelos serviços
prestados, custeados pela Secretaria de Educação.
“Esse valor, nem nós
professores que trabalhamos por 40 horas recebemos”, explica Margleyse Santos,
uma das representantes do Sindicato dos Professores e Funcionários das escolas
do Paraná (APP Sindicato). Em São Paulo, o valor previsto para os monitores
militares é de R$ 3,6 mil.
Em Londrina, 16
escolas convocaram monitores militares. Na avaliação da vereadora Lenir de
Assis (PT), que é da bancada de oposição ao prefeito Marcelo Belinati (PP),
aliado ao governador, não é por acaso que a cidade de Londrina foi escolhida
para alavancar a militarização nas escolas. “Nas últimas eleições, 73% dos
eleitores do município votaram a favor da reeleição de Bolsonaro. O governo do
estado encontrou aqui territórios facilitados sem resistência alguma”.
Fonte: Por Danilo Queiroz, da Agência Pública
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